Nós temos banana?
Banana, laranja, manga, tudo
picadinho e misturado e aí está: uma bela salada de frutas, tipicamente brasileira.
Pensando bem... Apesar de hoje sermos conhecidos pela variedade de nossas
frutas, é sempre bom lembrar que muitas delas têm DNA estrangeiro — são
exóticas, como dizem os botânicos. A começar por um dos maiores símbolos
pátrios, desde que enfeitou a cabeça de Carmem Miranda (que por sinal era
portuguesa). A origem da banana é uma verdadeira salada étnica. Ela nasceu nas
selvas da Índia e da Indochina, foi introduzida pelos árabes nas Ilhas Canárias
e “descoberta” pelos portugueses. Só então cruzou mares para chegar ao Brasil,
no começo do século XVI. Aqui já existia uma espécie de banana, a pacova, mas
não se compara: ela não podia ser comida crua.
O mesmo ocorreu com a manga.
Originária da Índia foi levada às costas oriental e ocidental da África pelos
portugueses, em suas viagens marítimas em busca de especiarias. Teve seu
cultivo difundido para todas as regiões tropicais e subtropicais do mundo, mas
somente por volta da segunda metade do século XVIII é que o Brasil, ou melhor,
a Bahia, recebeu as primeiras mudas de mangueiras indianas. E a laranja? Outra
fruta asiática, encontrada pelos portugueses na China e de lá trazida para a
Europa.
Deixemos de lado, então, a
internacional salada de frutas, para tomar uma brasileiríssima água-de-coco, que
abunda em todo nosso litoral... Fruta nacional? Também não. A Cocos nucifera chegou somente em 1553, a
bordo de embarcações lusitanas provenientes das ilhas de Cabo Verde. Como as
outras, tem origem longínqua: provavelmente o sudeste asiático (há controvérsias).
São exemplos de como os alimentos
podem se adaptar bem a ambientes diferentes de sua terra de origem. Ou seja:
pode comer sem culpa. Mas quando quiser optar por iguarias genuinamente
nacionais, vá de açaí, cupuaçu, cajá, pequi ou caju.
(Fábio Pedrosa)
Nem tudo é
porão num navio negreiro
Comum nos livros didáticos, as
imagens de escravos acorrentados e amontoados uns sobre os outros, mal podendo
respirar, estão presentes nos relatos de vários viajantes, como os do reverendo
inglês Robert Walsh (1772-1852). Mas será que os negros realmente eram
transportados assim? Certamente que não. O historiador Alberto da Costa e Silva
afirma que se viajassem durante 70 dias nesta posição os escravos não
resistiriam. Não há dúvida de que era mais lucrativo transportar o maior número
possível de cativos, mas não seria vantajoso que uma mercadoria tão valiosa se
perdesse ao longo da travessia. Costa e Silva afirma que em alto mar os
escravos ficavam soltos no porão e todo dia eram trazidos ao convés para respirar
ar puro e se exercitar. Os negros eram acorrentados apenas quando o navio se
aproximava do porto. Claro que o navio negreiro estava muito longe de ser um
cruzeiro, a ventilação e a higiene no porão eram precárias, a alimentação era
restrita e a superlotação uma constante. As condições dos tumbeiros não era
assunto apenas dos abolicionistas, mas uma preocupação desde os tempos em que
D. João era príncipe regente (1799-1807).
Ele ofereceu recompensas para
capitães e cirurgiões (médicos) de qualquer embarcação que tivesse mortalidade
abaixo dos 3%, em uma época em que a média era de 10%. No convés ou no porão,
acorrentados ou soltos a bordo do navio negreiro os capturados na África
conheciam desde a viagem os horrores da escravidão.
(Cristiane Nascimento)
Fenícios e
‘vikings’ muito antes de Cabral
Durante o século XIX, o passado
indígena do Brasil não agradava aos intelectuais que tentavam fazer do país uma
grande nação “civilizada”, nos moldes europeus. Naquela época, segundo o
historiador Johnni Langer, estudiosos brasileiros tinham grande disposição para
enxergar em qualquer sinal a presença de povos ligados ao passado europeu antes
da chegada dos portugueses. Em 1839, o recém-fundado IHGB recebeu informações
sobre inscrições rupestres na Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, logo
identificadas como runas — um sinal inequívoco da passagem de vikings por ali.
Outros grafismos encontrados pelo país e um manuscrito do século XVIII
descrevendo uma cidade perdida no interior do Brasil reforçaram o mito da chegada
dos nórdicos ao país em tempos remotos. A divulgação de “descobertas” sobre a
presença fenícia nos Estados Unidos foi outra hipótese logo transplantada para
o Brasil. Atualmente, especialistas sustentam que as estruturas que lembram
cidades antigas foram talhadas pela própria natureza, e os grafismos são, na
verdade, de origem indígena. Recentemente, foi publicado no Brasil o livro de
um comandante reformado da Marinha britânica, Gavin Menzies, intitulado 1421: o
ano em que a China descobriu o mundo (2006). Menzies utiliza documentos de
origem chinesa e japonesa, dados de correntes marítimas, ventos e relatos do
século XV para dizer que uma grande frota originária da China descobriu as
Américas, inclusive o Brasil, mais de meio século antes dos europeus. Este
trabalho ainda aguarda uma crítica mais profunda, mas pode seduzir aqueles que
ainda buscam origens ancestrais “mais nobres” para o Brasil.
(Rodrigo Elias)
O dia em que
Rui Barbosa virou Nero
Uma pesquisa rápida na Internet é
suficiente para provocar a desinformação: num ato insano, Rui Barbosa, à frente
do Ministério da Fazenda, pôs todos os arquivos da escravidão na fogueira! A
lenda deriva da interpretação exagerada de uma portaria publicada no Diário
Oficial de 14 de dezembro de 1890. Nela, o ministro requisitava às tesourarias
da Fazenda dos estados o envio dos documentos relativos à compra e posse de
escravos para serem incinerados no Rio de Janeiro. Executada sem demora, a
ordem ganhou as páginas dos jornais e revistas da época, que elogiaram a
iniciativa de apagar pelo fogo “os últimos vestígios da escravidão”. Hoje se
sabe que a preocupação do ministro era evitar que antigos donos de escravos
usassem esses documentos para exigir indenizações à República; afinal, perderam
seus bens por um ato do governo imperial. Como revelou o historiador Robert W.
Slenes no artigo “O que Rui Barbosa não queimou. Novas fontes para o estudo da
escravidão no século XIX” (revista Estudos Econômicos, da USP, 1983), a
portaria teve alcance reduzido. Os registros de posse de escravos eram feitos
em duas vias, e podem ser encontrados anexados a processos de herança e
inventários post-mortem guardados nos cartórios de diversas cidades do país.
Ironicamente, nossa tão malvista burocracia salvou das chamas uma parte
importante da memória da escravidão. E não é demais lembrar que os “vestígios
da escravidão” sobrevivem muito além dos arquivos, na formação histórica e
cultural do Brasil.
(Nívia Pombo)
Feijoada na
senzala
Muita gente boa tem certeza de que a
feijoada, prato que se transformou em símbolo da culinária nacional, foi
inventada pelos escravos. Nos intervalos do trabalho, eles aproveitavam restos
de carne que os senhores desprezavam — orelhas, rabo e pés do porco, bem como a
carne-seca — e os misturavam ao feijão, obtendo uma iguaria que só cairia no
gosto de todos após o fim da escravidão. Bela história, mas inverossímil. Estas
partes salgadas do porco não eram consideradas “restos” pelos brasileiros que
descendiam de europeus. Ao contrário, eram muito apreciadas, inclusive no Velho
Mundo. A alimentação dos escravos era composta basicamente por mandioca e
milho. Carne, só em raríssimas ocasiões. Anúncios em jornais brasileiros da
primeira metade do século XIX – auge do escravismo no país – indicam que a
“feijoada à brasileira” era apreciada em restaurantes freqüentados pela elite
urbana, o que não ocorreria se o prato fosse identificado com escravos ou
restos de alimento. Por sinal, este tipo de comida — o feijão combinado a
outros vegetais e carnes suína e bovina — desde a Antigüidade vinha sendo
apreciado na Europa mediterrânea. Os portugueses, ao introduzirem a tradição do
cozido no país, substituíram o feijão-fradinho pelo feijão-preto (originário da
América do Sul), muito mais saboroso na opinião de todos os estrangeiros que
aqui chegavam. Foi assim que se criou a tão brasileira feijoada.
(Rodrigo Elias)
D. João das
palmeiras
Em 1809, o príncipe D. João plantou
no Jardim Botânico do Rio de Janeiro sementes de palmeira obtidas
clandestinamente do Jardin Le Pamplemousse por Luís de Abreu Vieira e Silva,
oficial da Armada Real recolhido à ilha de França (atual Guiana Francesa) após
um naufrágio. A palmeira plantada pelo regente passou a ser conhecida como
Palmeira imperial, ou Palma mater. O episódio passa a impressão de que D. João
foi o responsável pela difusão das palmeiras no país. Mas não foi bem assim.
Segundo o botânico Manoel Pio Corrêa, autor do Dicionário das plantas úteis do
Brasil e das exóticas cultivadas, publicado em seis volumes em 1926, sementes
de outra espécie de palmeira, a Elaeis guineensis, originária da costa
ocidental da África, chegaram à América portuguesa pelas mãos dos escravos no
século XVII, adaptando-se bem ao solo baiano. Hoje, o dendezeiro ou
palmeira-dendém se espalha por outros lugares, como o Pará, e fornece um dos
ingredientes mais famosos da culinária nordestina, o azeite-de-dendê.
Recentemente, Roseli Maria Martins D’ Elboux, mestre em História e Fundamentos
da Arquitetura e do Urbanismo, publicou um artigo em que trata da difusão da
Palma mater no Brasil (“Uma promenade nos trópicos: os barões do café sob as
palmeiras-imperiais, entre o Rio de Janeiro e São Paulo”, Anais do Museu
Paulista, v. 14, n.º 2, 2006). Ela conjectura que o plantio da palmeira se tornou
comum no Rio de Janeiro em meados do século XIX, após a maioridade de D. Pedro
II, diante da “necessidade do fortalecimento simbólico do II Império. Se isto
for verdade, pode ser procedente a história segundo a qual as sementes da
palmeira foram distribuídas aos súditos como sinal de proximidade ou lealdade
ao poder central”. No dendê ou como símbolo imperial, não é por obra e graça de
D. João que nossa terra tem palmeiras.
(Fabiano Vilaça)
A pinga que
não pingava
Deliciosa e inebriante aguardente! Escravos
colocam para fermentar restos de caldo de cana, então gotas do precioso líquido
pingam do teto do engenho e eles se empurram para saboreá-lo, gargantas ardidas
ao serem atravessadas pela água... ardente! Marvada pinga, paixão nacional, só
podia ter mesmo histórias mirabolantes.
Não se pode negar que seu berço
foram os engenhos de cana-de-açúcar, mas os ancestrais vêm de muito longe.
Portugueses já produziam aguardente a partir da uva cem anos antes da
colonização do Novo Mundo, e no Brasil chegaram a importá-la em discretas
quantidades. A “aguardente do reino”, como era chamada, em breve encontraria
uma rival nacional, filha do engenho.
Muitas bebidas rústicas nasciam da
primeira transformação da cana. As sucessivas fervuras que o caldo sofria, na
busca da adequada purificação, forneciam apreciados licores. Se a primeira
eliminava uma espuma grossa que caía pelas bordas das caldeiras e descia ralo
abaixo para ser bebida pelos animais, da segunda caldeira a espuma era
disputada pelos escravos do engenho para “fazerem a sua garapa, que é a bebida
de que mais gostam”, conforme o cronista André João Antonil (1649 - 1716).
A última espuma liberada desse
processo de purificação do caldo, designada “claros”, era misturada com água
fria e produzia uma “regalada bebida”, muito refrescante e excelente para matar
a sede, segundo Antonil. Esse “desejado néctar e ambrosia” era também servido
aos cativos do engenho.
Cachaça e garapa são termos que
começam a circular até a terceira década do século XVII, quando surgem as
primeiras notícias da aguardente da cana-de-açúcar destilada em alambiques: é a
“aguardente da terra”, em oposição à de uva, até ali dominante, importada de
Portugal.
Em algum momento impreciso, ao que
parece situado em meados do século XVIII, começou-se a chamar a aguardente da
terra de cachaça. Em 1742, segundo Almeida Jr., “já se dizia cachaça por
aguardente” em São Paulo. Isto sem falar nos neologismos de ocasião: nas Cartas
Chilenas, Tomás Antônio Gonzaga criou, em fins do século XVIII, a expressão
“cachaça ardente”.
E “ardente” não apenas pela sensação
de calor que se seguia à sua ingestão, mas também por possuir “humores quentes”
terapêuticos, produzindo efeitos benéficos em doentes. Mas do teto, ao que se
sabe, não pingava.
(Luciano Figueiredo e Marcello
Scarrone)
Oh! Linda
Olinda
Entre as várias explicações para o
nome da cidade de Olinda, a mais conhecida está relacionada ao espanto do
fidalgo português Duarte Coelho, que após tomar posse da capitania de
Pernambuco em 1534, na qualidade de capitão-donatário, e encontrar um sítio de
terras férteis, águas abundantes e lindos arrecifes, teria dito: “Ó linda
situação para se fundar uma vila”. Gilberto Freyre, no Guia prático, histórico
e sentimental da cidade de Olinda, também se refere a outra versão, em que um
criado do fidalgo, ao encontrar o lugar ideal para se edificar a vila, teria
exclamado com alegria: Oh! Linda! O mito de fundação da cidade é contestado por
pesquisadores e historiadores. Segundo Francisco A. de Varnhagen em sua obra
clássica História Geral do Brasil, Olinda seria um nome tirado do romance
Amadis de Gaula, o mais importante exemplar ibérico de um gênero literário
muito popular na Europa medieval – a novela ou romance de cavalaria. A
história, derivada de lendas bretãs adaptadas por trovadores portugueses, gira
em torno de Amadis, valente guerreiro da Gália (atualmente País de Gales),
autor de inúmeras façanhas, como salvar a vida de princesas e donzelas. Entre
elas, Olinda, “a Mesurada”. O romance, publicado pela primeira vez em Portugal
em 1508, foi um verdadeiro best-seller. De acordo com o historiador Marcus
Carvalho (UFPE), inspirou muitos conquistadores, de Hernán Cortez ao próprio
Duarte Coelho. Eis por que esta é a tese mais plausível para o lindo nome.
(Filipe Monteiro)
Mário, irmão
de Oswald de Andrade?
Nascidos na cidade de São Paulo com
apenas três anos de diferença, batizados com o mesmo sobrenome e dedicados à
arte da Literatura, Oswald (1890-1964) e Mário de Andrade (1893-1945) poderiam
até ser irmãos. Mas as coincidências, assim como as aparências, enganam. O
primeiro era de família rica, filho de José Oswald Nogueira de Andrade e de
Henriqueta Inglês de Sousa Andrade – irmã do escritor Inglês de Sousa. Mário
nasceu de pais menos abastados, Carlos Augusto de Moraes Andrade e Maria Luísa
Leite Moraes Andrade. Os dois escritores se conheceram em 1917 e deram início a
uma sólida amizade, estreitada a partir de 1922 por ocasião da Semana de Arte
Moderna. Naquele ano, Mário lançou uma de suas obras mais conhecidas: Paulicéia
desvairada. Também na esteira do movimento modernista, surgiram da pena de
Oswald o Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924) e o Manifesto Antropófago
(1928). No intervalo da divulgação dos dois manifestos, Oswald uniu-se à
pintora Tarsila do Amaral, formando o casal Tarsiwald, apelido inventado por
Mário de Andrade. Solteiro, este prosseguia em seus estudos sobre música e
folclore brasileiros até lançar, em 1928, outra de suas mais conhecidas e
respeitadas obras, Macunaíma. A amizade entre os dois quase-irmãos só foi
abalada quando Oswald se ressentiu por causa de uma crítica negativa de Mário
ao seu romance Serafim Ponte Grande, publicado em 1933. A partir daí, a troca
de (espirituosas) farpas deu a tônica da fraterna amizade.
(Fabiano Vilaça)
Faltou
mulher na França Antártica?
O rei francês Henrique II decidiu
que também queria a sua parte no lucrativo comércio de artigos americanos –
especialmente o pau-brasil. Protestantes e católicos franceses sob as ordens de
Nicolau de Villegagnon se estabeleceram em 1555 em uma ilha na baía de
Guanabara, no Rio de Janeiro, possessão relativamente desprezada pelos
portugueses, e fizeram alianças com indígenas inimigos dos lusitanos. Segundo
versões recentemente divulgadas, os franceses acabaram desistindo da empreitada
por conta de divisões internas causadas, sobretudo, pela ausência de mulheres.
O “acúmulo de testosterona”, efeito da proibição imposta por Villegagnon do
contato de seus soldados com índias sem o casamento, teria afetado o relacionamento
interno de seus homens. De concreto, entretanto, sabe-se que a França, dividida
internamente por guerras religiosas, não deu apoio militar aos seus súditos no
Brasil. No final da década de 1550, o governo português recebeu informações de
que os franceses não estavam ali de passagem, para a prática do corso, mas que
pretendiam se estabelecer definitivamente, construindo um forte. Mem de Sá,
governador-geral do Brasil, liderou em 1560 uma expedição de forças portuguesas
e indígenas (cerca de 260 homens) contra os franceses (entre sessenta e 114
homens, segundo o historiador Paulo Knauss) e com força de combate composta em
grande parte por índios (entre 800 e mil). Após uma batalha árdua, quando os
portugueses se preparavam para retirar por escassez de pólvora, os franceses
fugiram – segundo Mem de Sá, por causa da bravura dos portugueses, para o padre
Manuel da Nóbrega, devido à intervenção divina.
(Rodrigo Elias)
Aleijadinho
lazarento?
Não são poucas as controvérsias que
cercam a vida e a morte de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. A maior
delas talvez seja a doença que o deformava, reconhecida como sua marca
registrada. Ele era de fato vítima da hanseníase, ou, como se dizia na sua
época, leproso? Faltam registros oficiais precisos para comprovar a lenda. O
próprio nome pelo qual o artista é conhecido associa-se à agonia trazida pela
degeneração física. Para muitos, a vilã da história foi mesmo a lepra, doença
socialmente considerada horrenda, capaz de provocar enormes deformações (tratamentos
químicos para conter a moléstia só surgiriam em meados do século XX). Na década
de 1940, estudiosos levantaram outras hipóteses para a doença de Aleijadinho. O
escultor pode ter sido vítima de ictus cerebral (uma espécie de acidente
vascular) provocado pela sífilis. Também pode ter sido atacado por uma
tromboangeíte obliterante (obstrução de pequenas veias) ou por uma “framboésia
tropical” (infecção da pele e dos ossos causada por uma bactéria).
Uma das mais convincentes versões
para o caso relaciona a doença de Aleijadinho à porfiria, um distúrbio no
metabolismo do ferro no sangue. Pesquisa recente conduzida pela Embrapa revelou
um altíssimo teor de ferro em partes de uma vértebra e do fêmur do artista.
Seja qual for o mal que o atormentou, Antônio Francisco Lisboa permanece
inabalável no posto de mártir das artes brasileiras.
(Murilo Sebe Bon Meihy)
Quantos eram
os 18 do Forte?
Não, não é uma pegadinha do tipo
“Qual é a cor do cavalo branco de Napoleão?” Trata-se mesmo uma conta difícil
de fechar. Insatisfeitas com a nomeação de um civil como ministro da Guerra
(Pandiá Calógeras), com o fechamento do Clube Militar e a prisão de seu
presidente, o marechal Hermes da Fonseca, várias guarnições do Exército se
rebelaram no Rio de Janeiro contra o governo de Epitácio Pessoa. A primeira
revolta do chamado Movimento Tenentista ficou conhecida como “Os 18 do Forte”.
O levante começou na madrugada do dia 5 de julho de 1922 e foi rapidamente
dominado pelas forças legalistas, mas ainda resistia o Forte de Copacabana,
onde se concentravam mais de trezentos militares. Diante do ultimato do
governo, os líderes permitiram aos que quisessem abandonar o forte. Restaram 28
combatentes decididos a resistir até a morte. Às 13 horas do dia 6 de julho,
saíram em marcha pela Avenida Atlântica. É aí que a matemática se complica:
alguns componentes do pelotão suicida se renderam ou debandaram logo, mas no
caminho juntou-se ao grupo o engenheiro Otávio Correia. Após vários tiroteios
na altura da Rua Barroso (atual Siqueira Campos), dez homens confrontaram as
tropas. Só sobreviveram os tenentes Eduardo Gomes e Siqueira Campos,
capturados. Os outros dois tenentes (Nilton Prado e Mario Carpenter), cinco
soldados e Otávio Correia morreram na hora ou depois de socorridos. Somente
sobre estes dez há certeza. Algumas fontes acrescentam o nome do cabo Reis. Mas
uma fotografia de Zenóbio Couto, de O Malho, registrou 18 revoltosos às portas
do confronto final, e uma reportagem na Gazeta de Notícias mencionou três
oficiais e 15 praças. Vem daí a base para o mito dos “18 do Forte”. Numa
entrevista por ocasião dos cinqüenta anos do episódio, Eduardo Gomes, já
brigadeiro, afirmou que, na realidade, os 18 eram 12. Questionado sobre o
motivo pelo qual não revelara isso antes, respondeu simplesmente: “Nunca
ninguém me perguntou!”
(Marcello Scarrone)