Francisco
Julião foi o mentor das Ligas Camponesas, que influenciaram o Movimento dos
Sem-Terra.
Nos anos 1940, o PCB havia criado entidades rurais com o nome de “ligas”, extintas na mesma década sem nunca terem alcançado projeção. Os objetivos da organização surgida no Galileia, porém, eram pontuais e localizados, como a criação de uma cooperativa financeira para empréstimos e auxílio funerário. Julião recebeu a comissão e prometeu ajudar os camponeses. Foi o encontro da chispa com a palha seca, disse o escritor Antonio Callado (1917-1997) em uma série de reportagens publicadas no Correio da Manhã entre 10 e 13 de setembro de 1959.
Julião providenciou a papelada para legalizar a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco (SAPPP), e no dia 1º de janeiro de 1955 visitou o engenho para sacramentar o ato. No mesmo ano, a SAPPP começou a ser chamada de “liga” por deputados estaduais conservadores e pela imprensa do Recife. Era uma tentativa de estabelecer uma ligação entre a nova associação e as antigas “ligas” do PCB. Mas Julião intuiu a força do nome e o adotou para o movimento.
Ele escreveu seis livros, sendo dois de ficção: um de contos, Cachaça (1951), elogiado pelo sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987), e um romance, Irmão Juazeiro (1961). Foi o único líder brasileiro que reivindicou para si a definição de “agitador”, como se vê no livro Cambão, que lançou no México em 1968: “Agitador, sim! Como é possível conceber a vida sem agitação? Porque o vento agita a planta, o pólen se une ao pólen de onde nasce o fruto e se abotoa a espiga que amadurece nas searas. Manda o médico que se agitem certos remédios no momento de tomá-los e o farmacêutico chega a escrever nas bulas este aviso: ‘Agite antes de usar’”. E arrematava: “O crime não está em agitar, mas em permanecer imóvel”.
A partir de 1961, as Ligas radicalizaram e adotaram o slogan “Reforma agrária na lei ou na marra”. Estreitaram-se as ligações do movimento com Cuba. Julião visitou o país duas vezes. Tornou-se amigo de Fidel Castro e um aguerrido defensor do seu governo. Eleito deputado federal em 1962, teve o mandato cassado na primeira lista após o golpe civil-militar de 1964. Escreveu então um manifesto encaminhado ao escritor uruguaio Eduardo Galeano, que publicou o texto no semanário Marcha, em 24 de abril daquele ano. Julião convocava o povo a resistir ao golpe e defender a Constituição “de armas na mão”.
Foi preso em 3 de junho de 1964, no interior de Goiás. Posto em liberdade em 27 de setembro do ano seguinte por força de um habeas corpus, seguiu para o exílio no México. Em um dia de 1976, um bolsista brasileiro que estudava lá o procurou. Fez duas perguntas-chave: o que dera certo e o que dera errado com as Ligas Camponesas? Julião se queixou da falta de formação de quadros, da infiltração de elementos de direita no movimento, e falou da necessidade de autonomia da organização em relação aos partidos. O estudante se chamava João Pedro Stédile. O Movimento dos Sem-Terra (MST) foi fundado oito anos depois daquele encontro, tendo o antigo bolsista como um dos seus principais líderes. “O MST se considera um descendente, um seguidor das Ligas Camponesas”, afirma Stédile hoje.
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Atuou discretamente no PDT e depois retornou ao México. Morava na periferia de uma pequena cidade, Tepoztlán, num apartamento alugado, construído sobre a laje de uma mercearia, quando sofreu um infarto no dia 10 de julho de 1999. Foi cremado e suas cinzas permanecem com a mulher com quem estava casado, a mexicana Marta Rosas Julião.
Aos 84 anos, distante do seu povo, pobre e isolado numa cidadezinha mexicana, morria um agitador do Brasil.
Vandeck Santiago é jornalista e autor de “Francisco Julião – Vida,
paixão e morte de um agitador” (Assembleia Legislativa de Pernambuco, 2001)
e de “Francisco Julião, as Ligas e o golpe militar de 64” (Comunigraf,
2004).
Saiba Mais - Bibliografia
AZEVEDO, Fernando Antônio. As Ligas Camponesas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
AZEVEDO, Fernando Antônio. “Revisitando as Ligas Camponesas”, in O golpe de 1964 e o regime militar. São Carlos: EdUFSCar, 2006.
STÉDILE. João Pedro (org.). A questão agrária, v. 4. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
Saiba Mais - Bibliografia
AZEVEDO, Fernando Antônio. As Ligas Camponesas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
AZEVEDO, Fernando Antônio. “Revisitando as Ligas Camponesas”, in O golpe de 1964 e o regime militar. São Carlos: EdUFSCar, 2006.
STÉDILE. João Pedro (org.). A questão agrária, v. 4. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
Saiba Mais - Filmes
Cabra
Marcado Para Morrer
Direção: Eduardo Coutinho
Ano: 1984
Duração: 120 minutos
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