Refeito recentemente, mapa das capitanias hereditárias ganha nova cara,
150 anos depois da publicação de sua versão mais conhecida
Mapa redesenhado pelo engenheiro Jorge
Cintra mostra que as capitanias do norte da colônia eram divididas de forma
vertical e não horizontal, como se pensava.
Por questões políticas, o
rei Dom João III autorizou a colonização do Brasil 30 anos após a chegada de
Pedro Álvares Cabral a este lado do Atlântico. Em 1533, a Coroa decidiu
repartir as terras do além-mar entre 15 capitães donatários, gente que não
tinha grande fortuna ou negócios na metrópole, mas que teria condições de
administrar a nova colônia. Assim nasceram as capitanias hereditárias que,
durante mais de cem anos, pareciam ser (geograficamente) “uma série de linhas
paralelas ao equador que iam do litoral ao meridiano de Tordesilhas”, conforme
explicou o historiador Boris Fausto em História do Brasil (1996). Um estudo publicado recentemente nos Anais do Museu Paulista,
no entanto, contesta a versão clássica do mapa das capitanias presente até hoje
em livros didáticos, e mostra que a divisão de terras do norte do país, na
verdade, seguia linhas verticais e não horizontais.
O engenheiro Jorge Cintra, professor
titular de Informações Espaciais na Escola Politécnica da USP, é o autor da
pesquisa que pode mudar a maneira como se visualiza a configuração do Brasil
nos primeiros 50 anos de colonização. “Eu comecei a fazer um estudo sobre os
limites da região Sul e encontrei alguns erros. Decidi conferir tudo e vi que o
maior quebra-cabeça estava no norte”, conta.
Ao ter acesso a cópias de documentos
originais, como a carta de doação a João de Barros (da capitania do Rio
Grande), Cintra pôde perceber que se as linhas dos segmentos do norte seguissem
para oeste, o rei estaria repassando pedaços de mar a alguns donatários. E,
além disso, se mantivessem o ritmo, em paralelo, jamais se cruzariam, conforme
sugere a seguinte declaração do rei de Portugal: “Léguas se estenderão e serão
de largo ao longo da costa e entrarão na mesma largura pelo sertão e terra
firme adentro tanto quanto puder entrar e for de minha conquista, que não sejam
por mim providas a outro capitão".
Temístocles Cézar, professor do
Departamento de História da UFRGS, diz que o estudo de Cintra é “mais do que uma
nova cartografia”, é uma “forma de entender o que já existe através de um
exercício de desconstrução original, erudito e consistente, sem fechar a
questão, mas colocando-a em um patamar mais sofisticado de argumentação”. Um
tipo de estudo que não é muito realizado no Brasil.
O mapa com que Cintra dialoga – usado nos
livros didáticos – foi feito no século XIX pelo historiador Francisco Adolfo de
Varnhagen (1816-1878), responsável em grande parte pela construção de uma visão
de Brasil que prevalece até hoje. Para desenhar aquele mapa Varnhagen teria
recorrido a uma cartografia de Luis Teixeira, de 1586, quando a configuração do
que viria a ser o território brasileiro já era diferente. Especialista nas
publicações deste grande pioneiro da historiografia brasileira, Cézar comenta
que, “no caso de Varnhagen, em que pesem o número de críticas que recebe desde
a publicação da História geral do Brazil [1854-1857] e sua
peculiar tendência para a polêmica, ele pouco foi contestado em relação ao
material iconográfico e cartográfico de suas produções”.
se dá a essa história. Há
exemplos de best-sellers que romanceiam personagens e eventos [do nosso
passado], mas que repetem os grandes jargões. Não existe preocupação em
provocar o leitor a pensar uma coisa diferente. Portanto, a história não tem
função crítica no Brasil, é uma memória identitária”.
Para além deste problema estrutural da
relação do país com seu passado, se existe uma esperança de que a releitura
chegue ao grande público, ela vai demorar ao menos três anos para se
materializar, já que a seleção do MEC de material didático para a rede pública
de ensino (refeita neste intervalo de tempo) acabou de ser concluída. Por
enquanto, não há indícios de que editoras deste tipo de livro publicarão o
estudo em suas páginas.
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