Maria Teresa Garritano Dourado
A imagem tradicional que se tem de
batalhas e acampamentos militares, repletos de soldados, armas, violência e
morte, não inclui mulheres e crianças. No entanto, várias brasileiras, entre
mães, esposas, prostitutas, comerciantes, prisioneiras e escravas, desempenharam
papel ativo na guerra travada contra o Paraguai, entre 1864 e 1870. Atuando
sobretudo na retaguarda, enfrentaram, junto com os homens, os horrores de um
conflito bélico.
Brasileiras de origem humilde,
especialmente esposas ou aparentadas de soldados, muitas vezes optavam por
acompanhar as tropas com os filhos a tiracolo, quando se viam desprotegidas e
sem meios de sobrevivência. Como não havia abastecimento regular nos
acampamentos, algumas delas, conhecidas como vivandeiras, se dedicavam à venda de artigos de primeira
necessidade e, com frequência, à prostituição. Essas vivandeiras, e demais
andarilhas que seguiam os batalhões, criavam modos de vida e sobrevivência na
retaguarda, cuidando das crianças, da comida e das roupas. Assim como os
homens, sofriam com a marcha extenuante, o sol, o frio, a fome e as doenças que
assolavam os acampamentos desprovidos das mínimas condições de higiene.
Em alguns casos, as mulheres nas
tropas também pegavam em armas e socorriam feridos, fazendo curativos e
conduzindo-os até os hospitais. Esse tipo de auxílio foi registrado pelo
general brasileiro Dionísio Cerqueira em 1870, nas suas reminiscências da
guerra: "Nas linhas de atiradores que combatiam encarniçadas, vi-as
[mulheres] mais de uma vez aproximar-se dos feridos, rasgarem as saias em
ataduras para lhes estancarem o sangue, montá-los na garupa dos seus cavalos e
conduzi-los no meio das balas".
Em A retirada da Laguna, narrativa romanceada sobre uma expedição
brasileira na fronteira entre o Mato Grosso e o Paraguai, o autor, Alfredo
Taunay, expôs as agruras vividas pelos segmentos femininos, discriminados e sem
direito a remédios, cuidados ou abrigo em caso de doença. Nessa expedição, que
não suportou nem dois meses de luta devido à falta de abastecimento e à
virulência da cólera, coube às mulheres o papel de coadjuvantes anônimas, como
se vê no seguinte trecho.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgo5lTbt5EsJyNy0TtNca3rKjEJgLy0i0-fBB37zt3iNmYxn3KEXrzhCXuwi1KO8IOgmRwG8mgQpc1B6Z-m4Z_-8wKUM6eR7u9TjfczixqwGpbmf5psoZlA-9gouN8-RNOQdxq8hwTFemA/s400/Tropas+femininas+em+marcha1.png)
Ao longo de toda a guerra,
pouquíssimas mulheres do povo obtiveram algum reconhecimento a ponto de sair do
anonimato. Eram, quando muito, conhecidas apenas pelo primeiro nome ou apelido.
Em Episódios militares, o
general-de-brigada Joaquim Silvério de Azevedo Pimentel menciona duas mulheres
que o impressionaram: a gaúcha Florisbela e a pernambucana Maria Francisca da
Conceição, a Maria Curupaiti. Florisbela, sobre quem não se conhece o nome
completo nem a família, envolvia-se em lutas e auxiliava nos hospitais, ao
passo que Maria Curupaiti, a esposa de um cabo-de-esquadra, lutava ao lado dos
homens sempre vestida de soldado.
Outra
mulher de origem humilde que obteve destaque foi a piauiense Jovita Alves
Feitosa, a sargenta Jovita. Em resposta à campanha veiculada pela imprensa
conclamando os jovens "a servir ao Brasil", apresentou-se incógnita
ao Exército, aos 17 anos, vestida de homem e com os cabelos cortados. A
história ganhou as páginas dos jornais e se tornou um dos mais conhecidos casos
de alistamento de voluntários da pátria Taunay chegou a comentar o fato com
misto de preconceito e ironia: "Chegaram os retratos do Viegas, o meu antigo
inspetor, e da interessante Jovita que me pareceu muito engraçada nos seus
trajes de primeira-sargenta". Não se conhece toda a trajetória de Jovita
após o alistamento nem as circunstâncias de sua morte, em 1867. Segundo uma
versão, ela teria se suicidado em 9 de outubro daquele ano, inconformada com o
esquecimento a que foi relegada, apesar do recebimento de homenagens e
presentes quando retornara dos combates. Outra versão conhecida é a de que
teria embarcado para o Paraguai, no vapor Jaguaribe, e morrido na batalha de
Acosta Nu.
Histórias como a de Jovita são
exceções. As raras mulheres lembradas pelos memorialistas com direito a nome e
sobrenome eram casadas com homens pertencentes à elite imperial. Sobre elas
predomina quase sempre o retrato da esposa corajosa, fiel e abnegada, como
Ludovina Portocarrero, casada com o comandante do Forte de Coimbra, em Corumbá,
às margens do rio Paraguai. Ludovina ganhou destaque por sua participação no
grupo de resistência à invasão do forte por tropas paraguaias em 1864. Cerca de
setenta mulheres, quase todas esposas de militares, fabricaram 3.500 balas de
fuzil adaptando os cartuchos de menor calibre com pedaços de suas roupas.
Segundo informações do major César Lucios Mattos Bessa, do 11º RC MEC de Ponta
Porã, era possível naquela época fabricar cartuchos artesanalmente, utilizando
pequenos pedaços de tecidos e pólvora.
Dentre todas as mulheres registradas
pela história na Guerra do Paraguai, porém, a mais conhecida é a enfermeira
voluntária Ana Néri. Viúva de um homem de projeção na época, o
capitão-de-fragata Isidoro Antônio Néri, Ana acompanhou e cuidou dos três
filhos combatentes até o Paraguai. Na época em que residiu em Corrientes,
Humaitá e Assunção, tratou de doentes e feridos em hospitais e amargou a perda
de um filho e um sobrinho. Por sua atuação, ficou conhecida como a "mãe
dos brasileiros" e recebeu uma coroa de ouro de um grupo de senhoras onde
se lia "à heroína da caridade, as baianas agradecidas".
Infelizmente, sabe-se pouco sobre a
presença feminina na Guerra do Paraguai devido à pequena quantidade de
documentos disponíveis a respeito. A maioria dos relatos foi feita por homens
que mal mencionam a participação de mulheres ou o fazem com ironia e
preconceito. Historiadores são obrigados a rastrear e analisar trechos esparsos
sobre o assunto deixados em cartas, memórias, reminiscências e diários escritos
por combatentes, a fim de traçar um panorama real do que se passou.
MARIA TERESA GARRITANO DOURADO é
mestre em História pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e professora
na Faculdade de Ciências Administrativas de Ponta Porã (FAP), Mato Grosso do
Sul.
Fonte: Revista Nossa História - Ano 2
nº 13 - Novembro 2004
Saiba Mais – Bibliografia
CERQUEIRA,
Evangelista de Castro Dionísio. Reminiscências
da Campanha do Paraguai, 1865-1870. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército,
1929.
SOUZA,
Luiz de Castro. A Mediana na Guerra do
Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1971.
TAUNAY,
Alfredo D'Escragnol!e. A retirada da
Laguna. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1997.
______.
Cartas da Campanha de Matto Grosso: 1865
a 1866. Rio de Janeiro: Editora Biblioteca Militar, 1944.
Saiba Mais – Links
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