"Para
preservar Portugal, o rei precisa da riqueza do Brasil mais que da do próprio
Portugal." Estas palavras, escritas em 1738 por d. Luís da Cunha - um dos
mais célebres ministros portugueses -, revelam uma estranha situação: sem o
Brasil, Portugal não sobreviveria diante das acirradas disputas entre as
potências. A afirmação profética de d. Luís da Cunha serve de inspiração à
apreciação do Alvará de 5 de janeiro de
1785, que proibia a instalação de manufaturas de tecidos no Brasil.
Na época do Iluminismo, Portugal desperta para a urgência de mudar a forma de lidar com sua colônia na América. Das novas ideias aproveita a teoria da fisiocracia que via na agricultura a principal fonte de riqueza de uma nação. O Brasil recebeu várias determinações baseadas nestas doutrinas, o que resultou em um aumento da exportação de produtos tradicionais como o açúcar, e de novos, como o algodão. Na mesma proporção, atiçava a cobiça de rivais europeus, como a Inglaterra, que via no mercado colonial a garantia de escoamento de sua produção têxtil.
Lido de modo superficial, o Alvará parece uma manifestação da política mercantilista, no sentido da manutenção do monopólio comercial. Mas, colocando uma lupa sobre o texto enxerga-se bem mais do que uma atitude opressiva: ele revela os dilemas enfrentados pela Coroa para a conservação de seus domínios de além-mar, especialmente necessários numa época em que estouravam crises e revoltas nas colônias americanas.
Com isso entende-se como se apresenta
dividido seu conteúdo. Na primeira, constata-se que no Brasil se difundiam
muitas fábricas com "grave prejuízo [...] da lavoura" e "das
terras minerais"; na segunda, vários argumentos justificam a atitude
proibitiva que só apareceria na terceira parte: sendo as "produções da
terra" a "verdadeira e sólida riqueza" base do comércio entre o
reino e a colônia - era lícito que todas as "fábricas, manufaturas ou
teares" fossem "extintas" do Brasil.
O diagnóstico desse "surto"
manufatureiro derivou, segundo o historiador Fernando Novais, de informações
enviadas da colônia, mas, sobretudo, dos prejuízos verificados nas alfândegas portuguesas,
como a diminuição da exportação de tecidos para o Brasil. Estes danos também
eram sentidos na redução da extração de ouro e diamantes, e na consequente
queda da arrecadação dos quintos. Os efeitos mais negativos à economia
portuguesa estão, contudo, nas entrelinhas do Alvará: o intenso contrabando
praticado nos portos coloniais, que, mais do que as manufaturas, ameaçava a estabilidade
da economia portuguesa.
Qual terá sido o impacto efetivo do Alvará na economia de todo o Brasil? Modestos 13 teares, no Rio de Janeiro, utilizados na produção artesanal de tecidos. Nas outras capitanias, a situação não foi diferente: em Minas, o governador constrangido diz que ali não tinha "notícias de fábricas de qualidade alguma", apenas teares de tecidos grossos para o vestuário dos escravos, permitidos no documento. Comumente considerado um golpe à economia colonial, o Alvará refletia, na verdade, o precário conhecimento que a metrópole possuía da realidade colonial. Além disso, o Brasil não possuía condições de competir com a produção têxtil europeia, considerando sua estrutura social escravista e seu reduzido mercado interno. Seu aspecto contraditório era o espelho das dificuldades dos dirigentes portugueses em administrar, por um lado, os interesses comerciais das potências europeias, mantendo, por outro, os laços que uniam Portugal e Brasil. Uma cópia do Alvará de 5 de janeiro de 1785 pode ser consultada na Divisão de Manuscritos da Biblioteca Nacional.
Fonte: Revista Nossa História - Ano 1 nº 12 - outubro 2004
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