Rodrigo Elias
Na época da Independência
(1822), a imigração estava na pauta dos intelectuais e políticos do país. E por
três motivos principais: ocupação do território; necessidade de soldados para
garantir a posse do país; e o estímulo ao trabalho livre, considerado superior
ao escravo, conforme os princípios iluministas defendidos por parte da elite
intelectual luso-brasileira (os filósofos iluministas do final do século XVIII
defendiam, geralmente, as liberdades individuais e acreditavam no progresso,
que poderia ser alcançado através da razão). Um dos propagadores dessas ideias
foi José Bonifácio (1763-1838), que teve alguma ascendência sobre d. Pedro I
(1798-1834). Hipólito da Costa (1774-1823), que publicou em Londres entre 1808
e 1822 o Correio Braziliense, também advogava para o Brasil um modelo de colonização
baseado na pequena propriedade e no trabalho familiar. Com este espírito foram
fundados núcleos no sul do país, entre eles, o mais bem-sucedido, a colônia
alemã de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul (1824).
Mas a iniciativa não prosperou
muito, principalmente porque a base da mão de obra brasileira era escrava e o
tráfico negreiro representava um excelente negócio para agricultores e
comerciantes brasileiros. Ainda que fosse considerado ilegal desde 1831, este
comércio só aumentou até 1850, quando nova lei foi publicada para pôr fim a uma
das maiores migrações forçadas da história do Ocidente. Apenas na segunda
metade do século XIX, com a iminente extinção da escravatura, o trabalho livre
como motor da produção brasileira passou a ser seriamente considerado.
Mas, se por um lado aparecia no
Brasil uma forte pressão política antiescravista, por outro, a Europa (e, pouco
depois, a Ásia) começava a conviver com grande excedente populacional.
Melhorias na agricultura e queda nas taxas de mortalidade ao longo do século
XIX contribuíram para que ocorresse o que os estudiosos chamam de
"transição demográfica", ou seja, a taxa de crescimento da população
aumentou drasticamente. Como no caso português, que, de uma taxa de 0,16% ao
ano em 1820, passou para 1% em 1890. Um salto de mais de 600%, que não foi
acompanhado pela estrutura produtiva: entre 1840 e 1890, a produção agrícola da
Europa apenas dobrou e o contingente populacional empregado subiu de 50 para 66
milhões (pouco mais de 15%). Ao mesmo tempo, porém, a mobilidade das pessoas
foi facilitada pelas ferrovias e embarcações a vapor.
Do lado de cá do oceano, os
braços livres escolhidos pelos políticos, intelectuais e produtores para levar
adiante um projeto de civilização eram, obviamente, braços europeus. Havia,
sim, iniciativas para trazer africanos livres e colonizar o território, mas o
projeto vitorioso foi o de uma elite romântica que considerava os imigrantes da
Europa os únicos capazes de construir uma nação civilizada e moderna.
A grande experiência nessa
transição do trabalho escravo para o livre, ainda em meados do século XIX, pode
ser atribuída a Nicolau de Campos Vergueiro (1778-1859). Grande proprietário de
terras (e de escravos) em São Paulo, também foi regente, senador, ministro, e o
primeiro fazendeiro de café a utilizar imigrantes europeus em suas lavouras.
Trouxe famílias alemãs, portuguesas e suíças na década de 1840, adotando o
modelo de parceria, também conhecido como "sistema Vergueiro": o
colono assinava um contrato comprometendo-se a pagar os gastos com seu
transporte; ficava obrigado a trabalhar na lavoura de café, cujos ganhos eram
divididos entre ele e o fazendeiro; e o excedente de mantimentos (que o colono
podia plantar para sua subsistência) também era dividido com o dono da terra. O
sistema floresceu por algum tempo, e São Paulo chegou a ter, em 1857, cerca de
sessenta colônias de imigrantes, sobretudo alemães e suíços. Mas a forte
mentalidade escravocrata dos produtores brasileiros expressa em contratos cada
vez mais prejudiciais aos imigrantes - provocou a interrupção das colônias de
parceria ainda no final daquela década.
Para sorte dos produtores do Sudeste
brasileiro, na década de 1860, a Europa viveu uma conturbada situação econômica
e social. A Revolução Industrial, iniciada no século XVIII na Inglaterra,
chegara tardiamente a alguns países, como a Alemanha e a Itália, que também
enfrentavam, nessa mesma época, processos de unificação política. Como havia
acontecido em outros países, os pequenos produtores e trabalhadores italianos
foram extremamente prejudicados pela introdução das máquinas no processo
produtivo. Isto sem falar no aumento dos impostos sobre a terra e o consequente
endividamento dos camponeses. Segundo a historiadora Zuleika Alvim, essas
condições, aliadas à melhoria nos transportes, disponibilizaram no mercado
mundial "verdadeiras hordas de camponeses sem terra e desocupados". O
que, ainda segundo a historiadora, era essencial para o próprio capitalismo
europeu: eliminava um grande contingente populacional que pressionava os
centros urbanos e, ao mesmo tempo, beneficiava a "pátria-mãe" com o
dinheiro enviado do exterior pelos parentes expatriados.
Nesse mesmo período, o governo
brasileiro tomou parte na imigração europeia, embora sem umapolítica
bem definida sobre a questão. O objetivo maior, ao menos para setores mais
liberais do governo, era ocupar áreas de baixa densidade demográfica,
facilitando o estabelecimento de colonos no Paraná e em Santa Catarina. O
sistema adotado foi o de núcleos coloniais. A elite cafeicultora, preocupada
com o suprimento de trabalhadores para suas grandes unidades produtoras de
café, não gostou da ideia. E sua preocupação cresceu ainda mais com a lei de
1871, que indicava o fim próximo da escravidão.
Assim, enquanto o governo
imperial se esforçava para estabelecer núcleos coloniais baseados no trabalho
familiar e na pequena propriedade - em 1875 o país possuía 89 desses núcleos, dos
quais 66 no sul do país -, a elite econômica, bem organizada politicamente,
conquistava a vitória para seu projeto de imigração. Os mais influentes
produtores de café, concentrados na província de São Paulo, tomaram a dianteira
nesse processo, com um objetivo bem simples: obter braços para a lavoura. E
conseguiram que o Império autorizasse, ainda em 1871, a vinda de imigrantes
subvencionados, isto é, com despesas pagas pelos governos imperial e
provincial. Leis paulistas da década de 1880 destinavam verbas públicas
exclusivamente para o transporte de imigrantes. O poder dessa elite na política
de imigração do governo seria ainda maior após o golpe republicano de 1889,
quando o Estado assumiu quase que totalmente os custos com a importação de
trabalhadores estrangeiros.
O caso italiano é bem
significativo do fenômeno no período conhecido como "grande
imigração". Para se ter uma dimensão, atualmente a população da Itália é
de 58 milhões de habitantes, e no período entre 1860 e 1940 nada menos que 20
milhões de italianos deixaram seu país em busca de outras paragens. E de 1870 a
1920, 1,4 milhão deles escolheram o Brasil, ou seja, 42% dos mais de 3 milhões
de estrangeiros que vieram para o país nessa época.
Mas eles não eram propriamente
"italianos". A Itália, até sua unificação (iniciada em 1861 e
completada em 1870), era constituída por Estados independentes, com culturas,
climas, economias e até línguas diferentes; eles eram, na verdade, vênetos,
calabreses, toscanos, sicilianos, piemonteses... Embora tenham sido
identificados ao longo de décadas como "o imigrante", viraram
italianos no Brasil. Os que vieram do norte da península, em especial de
Vêneto, eram, geralmente, pequenos proprietários de terra, meeiros e arrendatários,
com famílias extensas de até 15 pessoas - e não os miseráveis retratados em boa
parte da ficção. Alguns sulistas, como os calabreses, também chegaram nas
mesmas condições, ao menos até meados da década de 1880. Mas a situação mudou
no final do século, com o predomínio da imigração de braccianti,
trabalhadores braçais totalmente destituídos de capital que vinham
principalmente do sul da Itália. Os agentes brasileiros de imigração na Europa,
ligados aos nossos produtores de café, foram os grandes responsáveis pela
arregimentação desses braços.
Os portugueses também
representaram parte significativa da imigração para o Brasil nesse período. De
acordo com o historiador Joaquim da Costa Leite, cerca de 1,1 milhão de lusos
cruzaram o Atlântico entre 1855 e 1914 para se estabelecer no Brasil, o que
significa cerca de 90% de todos os emigrantes de Portugal na época. Como os
portugueses possuíam uma tradição de migração para o Brasil que remontava ao
século XVI, quando escolhiam este destino já sabiam as condições que
encontrariam, fosse por meio de um parente, um vizinho ou um amigo já emigrado.
Some-se a isto as melhorias nas informações (correios, telégrafos, jornais) e
nos transportes, pois desde 1851 havia uma linha regular de vapor de Lisboa para
o Brasil. Segundo Costa Leite, "a própria noção de uma era de emigração de
massas exclui a ideia de riscos excepcionais que apenas seriam aceitáveis para
um número reduzido de aventureiros". Poderíamos atribuir esta noção não
apenas aos portugueses, mas também aos italianos, espanhóis, alemães e, a
partir de um certo ponto, aos japoneses.
Parte dos imigrantes que aqui
chegaram, como vimos, formaram núcleos coloniais, sobretudo durante o período
imperial, enquanto o governo ainda possuía alguma força para contrariar, ao
menos em parte, os interesses da elite cafeicultora. Surgiram então núcleos
como os alemães de Blumenau, Joinville, Santo Ângelo e São Lourenço, por
exemplo. Os italianos também fundaram na mesma região núcleos prósperos, como
Bento Gonçalves, Caxias e Garibaldi.
Outros imigrantes foram parar
nas grandes cidades. Ajudaram a formar o operariado brasileiro e atuaram no
setor de serviços de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo (eram italianos,
por exemplo, 90% dos trabalhadores industriais de São Paulo em 1901). Os centros
urbanos, embora oferecessem precárias condições de sobrevivência no início do
século XX, eram preferidos em relação às lavouras, principalmente por causa da
mobilidade. Para os estrangeiros, a cidade era um lugar de oportunidade.
No campo, nas colônias ou nas
cidades, os braços estrangeiros foram colocados ao lado dos brasileiros (nem
sempre de forma pacífica) nas tarefas do dia a dia. Fazendo o Brasil nas
lavouras, fábricas, comércio e nas artes, milhares e milhares de homens e
mulheres aprenderam a ser brasileiros, mas também de alguma forma se tornaram,
por conta da saudade e do apego às tradições (ancestrais ou inventadas), mais
italianos, portugueses, libaneses, espanhóis, japoneses...
RODRIGO ELIAS é mestre em História Moderna e Contemporânea
pela Universidade Federal Fluminense e doutorando em História Social na
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Fonte:
Revista Nossa História – Ano 2, nº 24 - outubro 2005
Saiba Mais: Bibliografia
Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro: IBGE,
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FAUSTO, Bóris (org.). Fazer a América. 2a.
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SILVA, Sérgio. Expansão cafeeiro e origens da indústria
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Saiba Mais: Link
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