RODRIGO TRESPACH
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Pelo Tratado de Aliança e
Amizade, assinado logo depois com a Inglaterra, D. João havia se comprometido
com a extinção gradual do tráfico negreiro até a sua proibição. O perigo de uma
revolta de escravos, como a que havia libertado o Haiti de mãos francesas em
1791, era visto pela população branca e livre como algo iminente. Um pouco mais
tarde, em carta ao imperador austríaco, sogro do príncipe D. Pedro (futuro D.
Pedro I), o rei português expôs seu objetivo quanto ao projeto de mudar a fonte
da mão de obra no Brasil: decidira "substituir por colonos brancos os
escravos negros". Do medo das revoltas escravas, da exigência externa pelo
fim da escravidão e da necessidade de criação do minifúndio e da produção
artesanal surgiu a política de imigração e colonização com alemães.
Em 16 de maio de 1818, D. João
VI estabeleceu as condições para a vinda de famílias suíças para o Brasil. Nos
dois anos seguintes, por intermédio de Sébastien-Nicolas Gachet, mais de 2 mil
suíços, alguns de língua alemã, foram trazidos para a região serrana do Rio de
Janeiro. Ali foi fundada a colônia de Nova Friburgo, a primeira tentativa
oficial de criação de uma colônia agrícola com europeus não portugueses.
Mas foi na Bahia que se formaram
as primeiras colônias com imigrantes alemães. Embora autorizados pelo governo
português, eram projetos privados, idealizados por naturalistas alemães. Em 1816,
Peter Weyll e seu sócio Adolf Saueracker estabeleceram a colônia São Jorge dos
Ilhéus, à margem esquerda do rio Cachoeira, nas proximidades de Ilhéus. No ano
seguinte Georg Wilhelm Freyreiss fundou junto com um pequeno grupo de
cientistas, pesquisadores e empresários alemães, uma pequena "colônia
alemã e suíça", próximo à Vila Viçosa, hoje Nova Viçosa, a 900 quilómetros
ao sul de Salvador, a qual batizou de Leopoldina em homenagem à futura
imperatriz brasileira, esposa de D. Pedro I. Mesmo que tenham atingido algum
sucesso, essas colônias não conseguiram assegurar o apoio de investidores nem
do governo. Na década de 1860 não eram mais consideradas colônias, tendo os
imigrantes se tornado fazendeiros e abandonado o sistema associativista
original.
Em 1822, a iniciativa foi
transferida para o Império e ninguém menos do que José Bonifácio de Andrada e
Silva (1763-1838), que estava à frente do Ministério do Reino e dos Negócios
Estrangeiros, articulou a vinda de colonos para substituir a mão de obra
escrava e dos soldados que garantiriam - pela força das armas, se necessário -
a independência do Brasil. Em agosto daquele ano, José Bonifácio entregou instruções
secretas a Georg Anton von Schaeffer - alemão amigo da austríaca Leopoldina,
imperatriz do Brasil, que fora nomeado agente brasileiro na Alemanha - e o
enviou a Europa. A missão de von Schaeffer era visitar as principais cortes
alemãs angariando apoio à causa brasileira, e encaminhar para o Brasil, o mais
breve possível, colonos e principalmente soldados para a guerra da
Independência. Schaeffer embarcou para a Europa uma semana antes do Grito do
Ipiranga.
A proposta levada aos alemães pelo
agente brasileiro era atraente. Para aqueles que quisessem fugir das guerras,
do excedente populacional e da miséria na Europa, von Schaeffer oferecia 77
hectares de terra, isenção de impostos por dez anos, animais de criação e
sementes, além de outros subsídios. Eram números fora dos padrões alemães. Na
Alemanha, somente entre 10% e 20% da população possuía propriedades que
excediam dez hectares. "Aqui se recebe um pedaço de terra cujo tamanho na
Alemanha corresponderia a um condado", escreveu à família, em 1827, um
colono estabelecido no Brasil. A passagem dos soldados seria paga pelo governo,
desde que servissem ao Exército durante quatro anos. Foram criados quatro
batalhões de estrangeiros com alemães: dois de Granadeiros (para a guarda da
Corte) e dois de Caçadores (lutariam na Guerra da Cisplatina e na Confederação
do Equador).
A ideia de imigração e
colonização no Brasil passava pela necessidade de criação de uma nova classe
média, branca e pequena proprietária, que desenvolvesse a policultura agrícola
e o artesanato, povoasse áreas de fronteira e fosse capaz de abastecer cidades
importantes. São Leopoldo cumpriu muito bem esse papel, muito mais do que Nova
Friburgo ou qualquer outra tentativa anterior. Daí que, mesmo não sendo o
projeto pioneiro, ele é considerado o berço da colonização alemã no Brasil.
O trabalho de agenciamento de
alemães perdurou mesmo depois da saída de José Bonifácio do ministério. Mas com
a forte oposição política à imigração, principalmente a de soldados, von
Schaeffer precisou retornar ao Brasil em 1828. Naquele ano, uma rebelião de
soldados alemães e irlandeses no Rio de Janeiro pôs fim ao apoio do governo ao
projeto iniciado por Bonifácio. No ano seguinte, iniciou-se a desmobilização
dos soldados que haviam servido no Exército Imperial, e a pressão aumentou até
que D. Pedro I assinasse, em 15 de dezembro de 1830, a Lei do Orçamento,
cortando os gastos com a imigração de mercenários para o Exército e com colonos
e artesãos.
Com base no projeto iniciado em
1822, após a criação de São Leopoldo (1824) e de Três Forquilhas, também no Rio
Grande do Sul (1826), surgiram ainda as colônias Santo Amaro e Itapecerica, em
São Paulo (1827 e 1828), São Pedro de Alcântara, em Santa Catarina (1829), e
Rio Negro, no Paraná (1829). Até 1830, mais de 8 mil alemães entraram no
Brasil. Metade deles era protestante (luteranos), fato novo em um país
historicamente católico.
Em 1834, uma alteração na
Constituição permitiu que a iniciativa e o estabelecimento de colônias ficassem
a cargo dos governos provinciais, e não mais do governo imperial. Se no
Primeiro Reinado (1822-1831) a imigração estava associada a critérios
geopolíticos, após essa data o critério passou a ser quase exclusivamente econômico,
por interesse tanto das províncias quanto de particulares. Após o fim da
Revolução Farroupilha, no Sul, o país retomou a iniciativa de imigração e
colonização. Entre as mais importantes estavam: Petrópolis, no Rio de Janeiro
(1845); Santa Isabel (1847) e Leopoldina (1859), no Espírito Santo; Blumenau
(1850) e Dona Francisca (1851), em Santa Catarina; e Santa Cruz do Sul (1849),
Santo Ângelo (1857) e São Lourenço do Sul (1858), no Rio Grande do Sul. Somente
no Rio Grande do Sul foram criadas 140 colônias até 1922.
Em 1847, o senador Nicolau
Pereira de Campos Vergueiro conseguiu um empréstimo do governo para financiar a
vinda de algumas famílias alemãs para trabalharem em suas lavouras de café na
fazenda Ibicaba, em Limeira, São Paulo. Plantavam, cultivavam e colhiam em um
"sistema de parceria". Baseava-se em um contrato que destinava à
família do colono certo número de pés de café para o cultivo e uma determinada
área de exploração para subsistência. A remuneração era proporcional ao
montante de gêneros produzido pelo colono, descontadas as despesas de
transporte, adiantamentos e recursos para a instalação inicial. Política não
muito bem vista pelos colonos - considerada uma espécie de escravidão - mas que
fez muito sucesso entre os fazendeiros.
Os erros cometidos em São Paulo,
que resultaram na revolta liderada pelo colono Thomas Davatz em 1858, fizeram
com que antiescravistas, como o cônsul-geral da Prússia no Brasil, J. Jacob
Sturz, promovessem maciça campanha antibrasileira na Alemanha. O governo prussiano
aprovou, inclusive, um regulamento que proibia a propaganda e o aliciamento de
colonos para o Brasil. Mais tarde estendido a toda a Alemanha, o regulamento
von der Heydt só seria revogado em 1890.
Possivelmente, o mais
bem-sucedido empreendimento de colonização com alemães tenha sido mesmo
Blumenau, em Santa Catarina, fruto do trabalho do farmacêutico Hermann Blumenau
(1819-1899). Em 1848, ele conseguiu junto ao governo de Santa Catarina a
concessão de terras no Vale do Itajaí, dando início ao projeto dois anos
depois. A ideia inicial de um estabelecimento agrário em grande escala deu
lugar à pequena propriedade e à criação de um centro urbano, complemento
indispensável econômica, comercial e culturalmente à colônia.
Apesar das dificuldades e das
diferentes políticas imigratórias usadas no país, os alemães continuaram vindo.
De diversas formas, até o início da década de 1970 haviam chegado ao Brasil
mais de 255 mil imigrantes provenientes de territórios que formam a Alemanha
moderna. Além da contribuição para o desenvolvimento da agricultura e da
produção industrial, o imigrante alemão teve um importante papel no processo de
diversificação cultural do país, especialmente na língua, na religião, na
gastronomia e na arquitetura.
RODRIGO TRESPACH É COLABORADOR DO INSTITUTO DE
HISTÓRIA REGIONAL, DA JOHANNES GUTENBERG UNIVERSIDADE DE MAINZ (ALEMANHA) E
AUTOR DE O LAVRADOR E O SAPATEIRO (EDIPUCRS, 2013).
Fonte: REVISTA DE HISTÓRIA DA
BIBLIOTECA NACIONAL - ano 9 - nº 102 – março 2014
Saiba Mais: Bibliografia
BOLLE, Willi
& KUPFER, Eckhard E. Cinco séculos de relações brasileiras e alemãs.
Santos: Editora Brasileira de Arte e Cultura, 2013.
CUNHA, Jorge Luiz
da (org.). Cultura Alemã 180 anos. Porto Alegre: Nova Prova, 2004.
Saiba Mais: Link
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