Político habilidoso e carismático, Juscelino Kubitschek obteve êxitos na execução de seu ambicioso Plano de Metas. Mas enfrentou acusações de entreguismo e corrupção.
Vânia Maria Losada Moreira
“Cinquenta anos em cinco" foi o slogan da campanha presidencial de Juscelino Kubitschek, em 1955. O lema propunha de forma sugestiva uma ideia que se tornou central para compreender o seu governo (1956- 1961): a de que por meio do planejamento econômico e de investimentos públicos e privados nos setores corretos da economia era possível realizar, em um mandato presidencial, então de cinco anos, a rápida industrialização do país, superando o subdesenvolvimento, a pobreza e as desigualdades sociais.
O ambicioso projeto de JK ficou conhecido como desenvolvimentismo e se baseava no Plano de Metas, um programa de investimentos dividido em trinta itens, distribuídos entre os setores de energia, transporte, alimentação, indústria de base e educação. A construção de Brasília só foi incorporada ao programa durante a campanha presidencial, mas rapidamente se transformou em uma das prioridades de JK, que a definiu como "a grande meta de integração nacional". Para alcançar o salto industrial almejado, o Plano incentivava os investimentos nacionais e estrangeiros, procurando ampliar o parque produtivo, além de prever grandes investimentos estatais em rodovias, ferrovias, portos, refinamento de petróleo e na geração de energia elétrica.
O êxito governamental na implementação
do Plano de Metas foi notável. O país cresceu a uma taxa média anual de 8,1%,
bem maior, para se ter um dado de comparação, do que os modestos índices de crescimento
do PIB (Produto Interno Bruto) durante o governo de Fernando Henrique (2,3% anuais)
e dos atuais 2,7% do governo Lula. A implantação da indústria automobilística
(meta 27) é um bom exemplo do sucesso alcançado pelo Plano de Metas e de como a
política desenvolvimentista lidava com as disputas de interesses do período. A
equipe econômica construiu uma espécie de acordo tácito no setor
automobilístico, reservando a produção de autopeças para o empresariado
nacional e cedendo às multinacionais o controle das montadoras. E apesar dos
protestos nacionalistas, que reclamavam que o governo privilegiava o capital
estrangeiro, o fato é que o conjunto do setor foi muito bem-sucedido. Em 1960,
o desempenho estava bem próximo do que havia sido planejado, com a capacidade
de produzir 321 mil unidades, entre caminhões, utilitários, jipes e automóveis,
contra os 347 mil veículos inicialmente fixados.
Que a população brasileira desejava o desenvolvimento e a industrialização, não restam dúvidas. Afinal, JK venceu as eleições de 1955 com 36% dos votos válidos, defendendo abertamente o Plano de Metas e a modernização do país. Não era uma vitória avassaladora se comparada às eleições de 1950, que dera 49% dos votos válidos para Getúlio Vargas. Mas o extraordinário crescimento econômico durante seu governo, aliado à personalidade alegre, otimista e carismática de JK, garantiu-lhe enorme popularidade. Ele parecia terminar o mandato com muito mais apoio popular do que quando começou, tal como sugeria uma pesquisa do Ibope realizada no estado da Guanabara (atual cidade do Rio de Janeiro), em 1961. Apenas 9% consideraram seu governo mau ou péssimo. Para o restante da população pesquisada, o governo era ótimo (22%), bom (35%) ou regular (31%), apesar de a cidade ter perdido o status de capital da República.
As correções monetárias do
salário mínimo eram importantes. Ajudavam a manter o poder de compra da classe
trabalhadora e garantia ao governo a manutenção da aliança com o Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB), legenda defensora dos interesses dos trabalhadores.
A aliança entre os dois partidos foi construída por JK, pois depois do suicídio
do presidente Getúlio Vargas, em 1954, e da enorme comoção social gerada pelo
trágico acontecimento, ele avaliou que dificilmente se tornaria presidente
eleito sem o apoio de João Goulart, carinhosamente apelidado de Jango. Jango
era, então, o mais evidente herdeiro político de Vargas e o maior líder
trabalhista.
A aliança com o PTB rendeu votos a
JK, mas também a incansável e virulenta oposição da UDN. Apoiados em setores
conservadores das Forças Armadas, Carlos Lacerda e outros udenistas foram os
pivôs da crise que teve como saldo o suicídio de Vargas,
acusando o presidente de corrupção, de demagogia e de tentar implantar uma
"república sindicalista" no país. Pouco depois, estavam novamente no
centro de outra crise político-militar, articulando um golpe para impedir a
posse da dobradinha JK/Jango, levando o então ministro da Guerra, marechal
Henrique Teixeira Lott, a fazer o chamado "golpe preventivo", em 11
de novembro de 1955, para garantir a posse dos eleitos. A oposição udenista ao
governo JK não se reduzia, portanto, às críticas à escalada inflacionária e às
suspeitas de corrupção. Para muitos, aliás, o que mais incomodava no governo JK
era sua ligação com a maior herança deixada por Vargas ao povo brasileiro:
Jango e o trabalhismo.
Em 1957, o deputado Carlos
Lacerda reclamou veementemente dos gastos e da corrupção e pedia a criação de
uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar os custos de Brasília.
Em 1959, voltou com toda a força ao assunto e quase conseguiu constituir a tal
CPI, que, se fosse aprovada, paralisaria as obras no Planalto Central. Mas
Lacerda não logrou sucesso. O fracasso da CPI se deveu à habilidade política de
JK, que negociou com o vice-presidente João Goulart um nome de consenso para o
Ministério da Agricultura, em troca da retirada das assinaturas do PTB da lista
de apoio à CPI. Vencia a aliança governista PSD/PTB.
Desde sua fundação, em 1945, o PTB demonstrava enorme vitalidade política. Em 1945, era um partido relativamente insignificante, controlando apenas 7,7% das cadeiras da Câmara Federal, contra 29,0% da UDN e 52,8% do PSD. Em 1958, no meio do governo JK, praticamente inexistia diferença entre o PTB, com 20,2% da representação parlamentar, e a UDN, com 21,5%. Mas, em 1962, o PTB já era o segundo maior partido e ameaçava a hegemonia do PSD: controlava 29,8% do conjunto dos deputados, contra 30,3% do PSD e 23,4% da UDN.
Com essa trajetória, o PTB
acabou ameaçando os interesses conservadores da oligarquia latifundiária, da
burguesia industrial e do capital internacional. Durante os anos JK, no
entanto, o PTB apoiou o governo, mas sempre fazendo críticas importantes.
Muitos petebistas, nacionalistas e comunistas discordavam do endividamento
externo e do incentivo à instalação de multinacionais no país. Taxavam essa
política de "entreguista", pois acreditavam que ela comprometia a
autonomia da economia nacional e entregava o país ao controle do capital
internacional. O debate sobre o capital estrangeiro inflamava os ânimos dos
setores progressistas e nacionalistas e ficou expresso em vários lugares: na
Câmara dos Deputados, quando alguns de seus membros fundaram a Frente
Parlamentar Nacionalista (FPN) para defender a industrialização, as reformas
sociais e lutar contra a subordinação do Brasil ao capital estrangeiro; em
várias entidades nacionalistas, como o Instituto Superior de Estudos
Brasileiros (ISEB); e nos memoráveis artigos publicados pela prestigiosa
Revista Brasiliense (1955-1964), que reunia intelectuais nacionalistas e
comunistas.
Vê-se por tudo isso que governar
no sistema democrático não é tarefa fácil, sobretudo em países com elites
conservadoras e uma numerosa população pobre e explorada. Essa é uma das lições
que nós, brasileiros, podemos tirar do chamado período democrático (1945-1964),
quando, em razão de disputas políticas, a maioria dos governantes não conseguiu
completar seus mandatos, envolvidos em crises político-militares cujos
desfechos foram bastante surpreendentes e até mesmo trágicos: o suicídio de
Getúlio Vargas, em 1954; a renúncia de Jânio Quadros, em 1961; e a deposição do
presidente João Goulart, em 1964, por forças políticas e militares reacionárias
que impuseram à nação vinte anos de autoritarismo.
Juscelino Kubitschek governou
caminhando pelo centro, procurando se desviar das críticas e conciliar os
interesses da esquerda e da direita. Isso garantiu que ele completasse seu
mandato e gerou a chamada modernização conservadora: a intensa industrialização
e urbanização do Brasil, com a manutenção dos latifúndios e da distribuição
desigual da riqueza nacional. Mais uma vez, a maioria do povo continuaria
pobre, só que agora em outro cenário: as grandes cidades que o
desenvolvimentismo ajudou a crescer.
Saiba mais - Bibliografia
BENEVIDES, Mana Victoria.
O governo Kubitschek. Desenvolvimento econômico e estabilidade política.
3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
DELGADO, Lucília de Almeida Neves. "Partidos políticos e frentes parlamentares: projetos, desafios e conflitos na democracia." In: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano. O tempo da experiência democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 127-154.
FARO Clóvis & SILVA, Salomão L. Quadros. "A década de 50 e o
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TOLEDO, Caio Navarro de. ISEB:
fábrica de ideologias. 2a ed. São Paulo: Ática, 1982.
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