Andréa Santos Pessanha
“Dentre as acusações feitas à Sociedade Central de Imigração, nenhuma é, portanto, mais infundada, do que a falta de patriotismo; no entanto, repetem-na incessantemente, sob todas as formas, por saberem a impressão que sempre ela causa nos espíritos menos preparados para a solução dos grandes problemas sociais." Acusada de estrangeirismo, um artigo publicado na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, em 28 de março de 1885, defendia a instituição, afirmando não existir ideal mais patriótico do que o seu. Mas qual era o significado de patriotismo para um grupo que propagava a imigração europeia?
“Dentre as acusações feitas à Sociedade Central de Imigração, nenhuma é, portanto, mais infundada, do que a falta de patriotismo; no entanto, repetem-na incessantemente, sob todas as formas, por saberem a impressão que sempre ela causa nos espíritos menos preparados para a solução dos grandes problemas sociais." Acusada de estrangeirismo, um artigo publicado na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, em 28 de março de 1885, defendia a instituição, afirmando não existir ideal mais patriótico do que o seu. Mas qual era o significado de patriotismo para um grupo que propagava a imigração europeia?
A Sociedade Central de Imigração (SCI) foi
fundada em novembro de 1883, no Rio de Janeiro, com a presença do imperador d.
Pedro II (1825-1891). Até o fim de sua atuação, em 1891, o jornal oficial A
Immigração cumpria a tarefa de divulgar os ideais de uma sociedade formada
por homens de renome na Corte, como seu vice-presidente Alfredo d'Escragnolle
Taunay (1843-1899), o visconde Henrique Beaurepaire-Rohan (1812-1894) e o abolicionista
e engenheiro negro André Pinto Rebouças (1838-1898), que exibia nos jornais do
Rio de Janeiro seu engajamento na SCI e na campanha a favor da presença de
europeus. Para Rebouças, o primeiro critério para a hierarquização da sociedade
brasileira deveria ser cultural e não racial - argumento fortalecido pela
trajetória de sua família. O desenvolvimento material e intelectual do
ex-escravo seria alcançado com a propriedade da terra e com o exemplo da
superior cultura europeia.
Paralelamente à apologia do "imigrantismo", a SCI defendia a emancipação, argumentando que a escravidão envergonhava o Brasil perante as demais nações, além de dificultar a atração e a permanência de imigrantes. Era preciso ainda modificar a forma com que os proprietários tratavam e viam os trabalhadores - enquanto existisse o cativeiro, essa mudança não seria possível. O objetivo principal da Sociedade Central de Imigração era o progresso social e econômico brasileiro por meio do trabalho e do exemplo dos imigrantes europeus, que somente sairiam de seu local de origem na esperança de se tornarem proprietários. Para a sociedade, o trabalho assalariado ou o sistema de parceria poderiam atrair imigrantes num primeiro momento, mas logo apareceriam as insatisfações, como já tinha ocorrido na província de São Paulo, onde famílias inteiras de imigrantes se retiraram das fazendas.
Paralelamente à apologia do "imigrantismo", a SCI defendia a emancipação, argumentando que a escravidão envergonhava o Brasil perante as demais nações, além de dificultar a atração e a permanência de imigrantes. Era preciso ainda modificar a forma com que os proprietários tratavam e viam os trabalhadores - enquanto existisse o cativeiro, essa mudança não seria possível. O objetivo principal da Sociedade Central de Imigração era o progresso social e econômico brasileiro por meio do trabalho e do exemplo dos imigrantes europeus, que somente sairiam de seu local de origem na esperança de se tornarem proprietários. Para a sociedade, o trabalho assalariado ou o sistema de parceria poderiam atrair imigrantes num primeiro momento, mas logo apareceriam as insatisfações, como já tinha ocorrido na província de São Paulo, onde famílias inteiras de imigrantes se retiraram das fazendas.
A SCI existiu em um momento em
que as elites intelectuais debatiam a transição do trabalho escravo para o
livre, com um discurso de favorecimento da mão de obra imigrante em detrimento
do trabalhador nacional. Segundo essas elites, a liberdade era compreendida
pelos cativos como oposição ao trabalho, confundindo-se com
"vadiagem"; enquanto que o imigrante europeu, já habituado ao
trabalho livre, teria valores positivos em relação à labuta. Dessa forma, dois
modelos de trabalhadores foram construídos. De um lado, os negros, dotados de
todos os vícios do passado escravista - a Abolição não implicaria
aperfeiçoamento imediato, pois apenas deixava-os livres para ameaçar a
"boa sociedade". De outro, estavam os imigrantes, que simbolizavam a
prosperidade econômica e social, pois possuíam as virtudes necessárias ao
regime de trabalho livre e desejavam obter riqueza através dele. Essas
argumentações faziam parte de um projeto de "embranquecer" e
europeizar a sociedade brasileira. Eram ideias que circulavam com a entrada, no
Brasil, de teorias científicas que pretendiam a constituição de uma nação com
hierarquias baseadas em critérios raciais. O médico e biólogo francês Louis Couty
(1854-1884) foi uma importante referência teórica para a SCI, com sua tese a
favor da imigração europeia como meio de "aprimorar" o povo
brasileiro.
Negros, brancos, mulatos, índios
e chineses transformaram-se então em objetos de estudo. A ciência, baseada na
noção de raça, classificava e estabelecia o potencial de desenvolvimento e as
características dos indivíduos a partir de seus traços biológicos. No final do
século XIX, na iminência da abolição da escravatura, discutir a questão racial
significava, para as elites, debater a questão nacional, já que o progresso do
país dependeria da composição étnica de seu povo. Assim, a defesa da imigração
não se restringia às necessidades de mão de obra, mas também a um ideal de
construção de uma nacionalidade. O Brasil que se pretendia formar era livre e
de cidadãos brancos. Os nacionais (mestiços, negros e brancos pobres que não
tinham a cultura das elites) eram desqualificados como trabalhadores e
cidadãos, mas o futuro deles poderia ser promissor através de uma
"regeneração" biológica e cultural. Para a SCI, a imigração branca
cumpriria, portanto, duas funções de caráter econômico e social: uma
diretamente voltada para a construção do Brasil desejado, por meio do ideal de
imigrante-cidadão; outra, indiretamente ligada ao progresso do país, pelo
exemplo que "as raças mais ativas e inteligentes" ofereceriam aos
nacionais.
Em 1884, no Parlamento, Taunay
fez uma representação, em nome da SCI, propondo medidas de incentivo à entrada
de europeus, como a concessão da cidadania brasileira a esses colonos;
liberdade religiosa (com destaque para o registro civil, o casamento civil
obrigatório e os cemitérios livres); o estímulo à pequena propriedade; o apoio
do governo imperial nos serviços de recepção e alojamento dos imigrantes; e
também a criação de um imposto territorial, para tornar onerosa a terra
improdutiva e resolver o problema de concentração da propriedade fundiária. O
imposto estimularia a venda, a baixo custo, ou o arrendamento de terrenos
ociosos para os imigrantes. O texto apresentado por Taunay reforçava a
importância da pequena propriedade não só para a imigração, mas também para a
reforma geral do sistema de trabalho no Império, como um modo de preparar o
Brasil para o fim da escravidão.
Para a SCI, a inferioridade
racial não se limitava aos negros. Tanto que, em julho de 1889, após a abolição
da escravatura, a entidade dirigiu contundente ofício ao visconde de Ouro Preto
(1837-1912), presidente do Conselho de Ministros, contra a vinda de chineses,
apesar de ser o desejo de muitos fazendeiros brasileiros. Segundo a sociedade,
os chineses não estimulariam o progresso do país, pois se submeteriam às
condições de trabalho desumanas impostas pelos proprietários e não teriam como
objetivo a propriedade territorial. Pior: eram considerados mais atrasados na
linha evolutiva que os ex-cativos brasileiros, não dariam o exemplo de
valorização do trabalho, de vida regrada, de preocupação com a poupança e com a
prosperidade material - características atribuídas aos imigrantes europeus. Os
chineses ainda seriam o oposto do ideal de imigrante-cidadão, de imigrante-proprietário
imaginado pela sociedade e, no máximo, representariam uma máquina de trabalho,
nunca um elemento de civilidade e progresso.
A Sociedade Central sustentava,
portanto, um projeto de imigração exclusivamente europeia, que, além de
substituir a mão de obra escrava, construiria a nacionalidade brasileira. Para
seus integrantes, essa era a solução para os grandes problemas sociais do
período e combinava perfeitamente com patriotismo, já que, através da
valorização do trabalho e da contribuição de "raças mais evoluídas",
os nacionais buscariam o caminho do desenvolvimento individual, o que levaria
posteriormente ao progresso do país.
ANDRÉA
SANTOS PESSANHA é coordenadora do curso de História da UNIABEU, doutoranda em
História na UFF e autora do livro Da abolição da escravatura à abolição da
miséria: a vida e as ideias de André Rebouças. Rio de Janeiro: Quartet,
2005
Fonte: Revista Nossa História – Ano
2 - nº 24 - outubro 2005
Saiba Mais: Bibliografia
AZEVEDO,
Célia Mana Marinho. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das
elites. Século XIX. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1987.
NAXARA,
Márcia Regina Capelari. Estrangeiro em sua própria terra Representações do
brasileiro. São Paulo:
Annablume,
2003.
SCHWARCZ,
Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão
racial no Brasil. 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
Saiba Mais: Link