LENÁ MEDEIROS DE MENEZES
Imigração é mais do que o ato de
deslocamento. É um processo que marca, de forma mais ou menos definitiva, a
vida e a trajetória de seus protagonistas. Durante um século e meio, a chegada
e o estabelecimento de estrangeiros no Brasil estiveram no centro da pauta
política nacional. A história do país foi escrita com os imigrantes. Às
vésperas da abolição da escravidão (1888) e do advento da República (1889), a
iniciativa oficial de incentivar a imigração para o Brasil foi anunciada com
base em objetivos bem variados: "como fator ativo (...) do povoamento do
nosso vastíssimo território, da constituição da pequena propriedade, do desenvolvimento
das indústrias de toda a natureza, como agente eficaz, enfim, do progresso
social em todas as suas esferas", nas palavras do ministro da Agricultura,
Rodrigo Augusto da Silva, no ano de 1887. Ao pontuar esses ganhos múltiplos que
poderiam resultar da imigração, o ministro pensava, é claro, no imigrante
branco e europeu.
Sob influência do evolucionismo
e do racismo, uma questão parecia indiscutível na segunda metade do século XIX:
o país necessitava abrir-se ao progresso e à civilização através da atração de
um trabalhador "superior" e "morigerado", isto é, de bons
costumes. Ao longo do Império e da República, os processos de imigração e
colonização criaram um novo Brasil, com o aporte trazido por novas etnias,
línguas e manifestações culturais. Aos comerciantes ingleses, franceses e
alemães e aos suíços que constituíram as primeiras levas, juntaram-se
indivíduos provenientes de aldeias de países pobres de base agrícola, em
especial, portugueses (transformados de colonos em imigrantes no
pós-independência), italianos e espanhóis. Ao longo do tempo, estas seriam as
três nacionalidades de maior projeção no país. Na virada para o século XX,
chegariam levas de imigrantes do Próximo e do Extremo Oriente.
Quanto às experiências de
colonização e de imigração para o campo, elas foram muitas, incluindo-se desde
as atípicas, como a dos falanstérios - comunidades autossuficientes idealizadas
por Charles Fourier - à parceria e à imigração subsidiada. Destaque-se também a
imigração para a cidade, onde os colonos se engajavam na construção de vias
férreas e obras públicas, além da atuação no comércio e na indústria.
O estudo dos processos
migratórios implica, necessariamente, a consideração das circunstâncias e
motivações existentes no "lá" e no "cá". Em outras
palavras, nos países de partida e de chegada. Milhares de indivíduos abandonaram
o conhecido rumo ao desconhecido, saídos de uma Europa onde o avanço do
capitalismo no campo, problemas na estrutura fundiária e crises agrícolas
propiciaram grandes deslocamentos. Nas colônias criadas pelo governo imperial
no interior do país, o processo de assentamento tornou-se uma verdadeira
epopeia. Fome, frio, os perigos da floresta e os embates travados com o natural
da terra - apesar da difusão de um discurso que mencionava a ocupação de
"espaços vazios" - tornaram-se desafios a serem vencidos. Isso
explica por que muitos optaram por protagonizar novos deslocamentos.
Em
150 anos de história da imigração no Brasil, determinados momentos tornaram-se
decisivos. Dentre eles a assinatura dos tratados de amizade e comércio (1810),
pelo príncipe regente D.João, que inaugurou o processo de atração de
comerciantes ingleses, alemães e, após 1816, franceses, principalmente para a
cidade do Rio de Janeiro, então sede da monarquia. Oito anos depois, a fundação
da colônia suíça de Nova Friburgo, na região serrana do Rio de Janeiro, marcou
o início do processo de colonização. Com a Independência (1822), a imigração
ganhou novos contornos, incluindo-se o fato de o português que se deslocava ter
se transformado também em imigrante. Se inicialmente essa mudança era política,
na segunda metade do século veio a assumir uma nova dimensão. Mudou a geografia
dos deslocamentos, com a presença crescente de trabalhadores pobres vindos das
aldeias do norte de Portugal, de costumes e tradições minhotas e transmontanas.
O fim do tráfico de escravos
(1850/1854) e a adoção do processo de abolição gradual da escravidão, ao mesmo
tempo em que se expandia a lavoura do café, trouxeram à tona uma questão
crucial: a escassez de braços no campo. Foi em busca de uma solução que se
reuniu o Congresso Agrícola do Rio de Janeiro, no ano de 1871, no qual se
discutiu a possibilidade da introdução dos chins e dos coolies
(trabalhadores oriundos da Ásia, em especial da China e da índia) como
elementos de transição entre o escravo negro e o trabalhador europeu. A
proposta acabou sepultada, mas desde a década de 1840 vinham sendo adotadas
estratégias de recrutamento, como o sistema de parceria proposto pelo senador e
fazendeiro de café Nicolau de Campos Vergueiro, e após 1880, a adoção da
imigração subsidiada, que tantas críticas sofreu na Europa, chegando a ser
proibida em países como a Itália devido às formas inescrupulosas de
recrutamento. Proclamada a República, o Brasil
inseriu-se na "terceira onda migratória" dos movimentos
internacionais, responsável pelos deslocamentos de massa que marcaram a fase
áurea do imperialismo. Conhecida no Brasil como a "Grande Imigração"
(1890-1914), essa fase registrou os maiores contingentes de entrada não só de
imigrantes que tradicionalmente procuravam o país (portugueses, italianos e
espanhóis), mas também de japoneses e sírio-libaneses.
A chegada de Vargas ao poder
consagrou políticas restritivas, com a adoção do regime de cotas de entrada e
uma visão eugênica (caminho para uma suposta melhoria da "raça"),
esta última explícita no decreto de criação do Conselho de Imigração e
Colonização, em 1938. O órgão deveria se dedicar ao estudo dos "problemas
relativos à seleção imigratória, à antropologia étnica e social, à biologia
racial e à eugenia", propondo ao governo "a proibição total da
imigração e da entrada de imigrantes, em razão da sua procedência". A
preocupação com o perfil da mão de obra para a produção ficava evidente na
decisão de transferir a competência das questões imigratórias para o Ministério
do Trabalho.
A opção pelo uso do conceito de
"estrangeiro" em substituição ao de "imigrante" passou a
projetar a ideia da existência de um "outro" que devia ser alvo de
vigilância e controle. Essa discriminação traduziu-se na adoção de decretos que
estabeleceram políticas de seleção a priori (proibição do desembarque de
indivíduos discriminados em lei) e a posteriori, com o fim de combater
os "indesejáveis": aqueles que pudessem ser considerados "perigosos
aos interesses da República" ou "nocivos à sociedade". Dentre
eles, anarquistas, mas também vadios e criminosos em geral.
As políticas restritivas tiveram
fim no pós-Segunda Guerra, período que se caracterizou por um novo impulso e
novos contornos para o processo migratório. O Brasil voltou a ser lugar de
chegada para indivíduos dispostos a construir uma nova vida. Nas décadas de
1950 e 1960, contingentes significativos deslocaram-se da Europa para o Brasil,
incluindo refugiados de guerra e indivíduos que necessitavam de reassentamento,
em especial da Europa Centro-oriental.
Uma rápida análise dos censos
realizados entre 1871 e 1960 dá a dimensão da grande variedade de povos que
buscaram o Brasil como terra de realização de seus desejos e sonhos. Além das
nacionalidades já citadas, registrou-se a chegada de belgas, dinamarqueses,
gregos, holandeses, austríacos, húngaros, russos, chineses, japoneses, turcos,
canadenses, norte-americanos, africanos (nesse caso, a indiferenciação é
significativa), argentinos, chilenos, peruanos, bolivianos, mexicanos,
paraguaios e outros. É importante notar a ausência de registros de
nacionalidades silenciadas pelo peso da dominação de outros povos, caso dos
poloneses. Muitas delas só vieram a ganhar visibilidade nos registros oficiais
no século XX, após a redefinição do mapa europeu em 1919/1920 e,
principalmente, depois do fim da Segunda Guerra Mundial.
No amálgama cultural criado pelo
contato entre o "eu" e um "outro" muito diferenciado, novas
ideias e visões de mundo foram adotadas e costumes e tradições ganharam outros
significados em terras brasileiras, tornando-se expressões de uma cultura
nacional de muitas raízes.
LENA MEDEIROS DE MENEZES E PROFESSORA TITULAR DA
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (UERJ) E AUTORA DO LIVRO OS
INDESEJÁVEIS (EDUERJ, 1996).
Fonte – Revista de História da Biblioteca Nacional - Ano X nº 111
- Dezembro 2014
Saiba mais
- Bibliografia
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