O homem que matou a mãe, o meio-irmão e a própria esposa. Um tirano excêntrico, cujo reinado foi marcado por embates com a aristocracia, mas que se considerava um artista talentoso. Cantava, tocava cítara e escrevia poesia, participando de apresentações públicas e tendo inclusive viajado à Grécia nos anos de 67 e 68 para participar de competições artísticas. Mas foi principalmente como um incendiário enlouquecido que Nero entrou para a história.
Sua biografia, porém, pode ter sido
distorcida pelos historiadores que retrataram a sua vida até quase 200 anos
depois. Uma diferença de tempo que não afetou apenas a conferência às
informações, mas a interpretação desses próprios dados.
Seu reinado é conhecido basicamente por
meio das obras de três autores: Tácito (Anais, livros 13-16), Suetônio (Vida
de Nero) e Dião Cássio (História Romana, livros 61-63). Essas obras
foram compostas entre a primeira metade do século II e a primeira metade do
século III, ou seja, bem depois dos eventos que se propõem a narrar. Esses
autores estão alinhados a uma tradição negativa que se propagou a respeito de
Nero nos círculos políticos em Roma após sua morte. A visão que eles têm do imperador
se deve, em larga medida, a uma visão dos aristocratas contra aqueles que
tentaram concentrar demais o poder. Os eventos que eram desfavoráveis ao
imperador foram destacados em detrimento daqueles que fossem positivos. Por
isso a construção da figura histórica de Nero pode ser compreendida a partir da
comparação entre os diversos testemunhos de época e, mesmo posteriores, que
relatam suas ações.
Nero governou o Império Romano entre 54 e
68. Ascendeu ao trono com 17 anos de idade, com a morte do imperador Cláudio,
provavelmente envenenado por sua terceira esposa, Agripina, que anos antes
fizera com que o marido adotasse Nero, filho dela de um casamento anterior. Com
o apoio dos pretorianos (a guarda imperial), Agripina conseguiu garantir a
ascensão de Nero ao trono, o que, no entanto, não evitou que ele a eliminasse
em 59 para afirmar ainda mais sua autoridade. Considerado inimigo público pelo
Senado, e enfrentando um levante militar na Gália, o imperador suicidou-se em
68.
O principal alvo da crítica de
historiadores e biógrafos na Antiguidade a Nero foi o palácio que ele ergueu
após o incêndio de Roma em 64, sua “Casa Dourada”, a Domus Aurea. O
complexo palaciano foi ampliado e chegou a cobrir uma área estimada em cerca de
50 hectares. A Domus Aurea não compreendia apenas uma residência no
monte Palatino, onde os imperadores costumavam construir suas moradas, mas um
enorme parque – incluindo um lago artificial – que cobria as colinas do Célio e
Esquilino, assim como o vale entre ambas, área hoje ocupada pelo Coliseu.
“O lago, análogo a um mar, era rodeado de
edifícios que davam o aspecto de uma cidade”, escreveu Suetônio, fazendo
questão de ressaltar a suntuosidade da construção: “Além disso, planícies com
terrenos cultivados, vinhedos, pastagens, florestas com uma quantidade
extraordinária de animais domésticos e selvagens de todas as espécies. Nos
demais lugares do palácio, tudo se cobria de ouro e se incrustava de gemas e
madrepérolas”. Tudo isso era, na interpretação de Suetônio, uma demonstração de
poder do imperador frente aos demais aristocratas. Mas, como uma espécie de
compensação, essa construção foi acompanhada de uma reurbanização das partes da
cidade que ficavam além do palácio. Medidas que, para Tácito, trouxeram
melhorias à cidade. Nero ordenou que ruas fossem traçadas de forma regular e
alinhada, que os edifícios tivessem a altura reduzida e foram proibidas as
paredes comuns para impedir a disseminação do fogo.
Sobre o incêndio provocado por Nero,
Tácito escreve o seguinte em seus Anais: “Seguiu-se uma grave
calamidade, atribuída por uns a Nero, por outros ao acaso”. Havia diferentes
versões sobre o incêndio à época de Tácito, algumas inocentando o imperador.
Mas sua narrativa contribui para sustentar uma leitura ambígua da participação
do imperador no evento. Por exemplo, é negado que tenha havido qualquer esforço
coletivo no combate às chamas: “Ninguém ousava combater o fogo pois ouviam
frequentes vozes ameaçadoras que o impediam, e até mesmo se viram pessoas
abertamente lançando tochas e dizendo-se autores do incêndio, ou para exercerem
com mais liberdade o roubo ou porque tivessem mesmo ordens para isso”.
Suetônio é mais direto em relação a
apontar o culpado. “Desgostoso com a deformidade das velhas construções e com
as vias estreitas e tortas, [Nero] incendiou a cidade tão abertamente que
muitos antigos cônsules não se atreveram a impedir seus camareiros, embora
deparassem com eles portando tochas.” Já Dião Cássio menciona que “guardas
noturnos” – em alusão às coortes de vigília de Roma, tropas formadas por
libertos responsáveis por combates a incêndios – estavam presentes, mas
apenas para saquear e começar novos focos de incêndio.
Os relatos paralelos entre as fontes
indicam que não houve uma atividade organizada pelas coortes de vigília para
debelar o fogo. Mas a imagem de Nero como incendiário, no entanto, não deve ser
aceita de imediato. A partir da leitura de Tácito, o fogo parece ter ocorrido
em dois estágios. Irrompeu inicialmente na parte oriental do Circo Máximo,
espraiando-se rapidamente devido às casas de madeira e à ação do vento pelas
ruas tortuosas e estreitas. Esse incêndio durou cerca de seis dias, quando o
monarca encontrava-se em Âncio, a 50 quilômetros do sul de Roma.
Tácito narra que o imperador retornou
apenas quando o fogo ameaçou sua casa e o palácio. Ele também agiu no sentido
de ajudar a população: permitiu que a população desabrigada se acolhesse no
Campo de Marte e nos jardins de Agripa, que era então de sua propriedade.
Construiu edifícios e mandou buscar utensílios domésticos em outros municípios,
e até baixou o preço do trigo. Essa reação do imperador não evitou que ele
próprio fosse apontado como incendiário, pois um rumor se espalhou, dizendo
que, enquanto o fogo consumia a cidade, ele tocava lira.
Num segundo momento, o fogo reapareceu na
propriedade de Ofônio Tigelino, prefeito do Pretório – comandante da guarda
pretoriana, responsável pela segurança do imperador e sua família – e principal
conselheiro de Nero. Este fato induziu Tácito a supor que esse incêndio foi
proposital, e praticado para permitir que Nero construísse o majestoso palácio
no centro de Roma. Porém, também é provável que as coortes de vigília tenham
conscientemente ateado fogo em determinadas partes da cidade para queimar o que
restava de material combustível. Essa alternativa não deve ser descartada.
Ainda mais porque Tigelino possivelmente estava à frente das operações de
demolição para cercar o fogo. As coortes de vigília eram chefiadas por um praefectus
vigilum, o equivalente a um chefe de polícia, mas tal cargo estava vago à
época (seu titular, Aneu Sereno, morrera em 62 e não há registro de seu
sucessor imediato), o que complicou a logística de combate ao fogo. Tigelino,
que estivera à frente dessas coortes antes de se tornar prefeito do Pretório,
assumiu a liderança.
Essas suposições revelam que os rumores
sobre a intenção incendiária do monarca poderiam ter se originado pelo
envolvimento de seu principal homem de confiança, que se serviu de guardas
pretorianos e outros funcionários imperiais para controlar o incêndio. O
ressentimento daqueles que perderam suas casas e bens certamente levou-os a
imputarem ao imperador a responsabilidade, esperando com isto uma compensação.
Nero rebateu os rumores de seu
envolvimento lançando a culpa nos cristãos, cuja comunidade em Roma começava a
ganhar expressão. De acordo com Tácito, alguns cristãos foram presos e
torturados, outros lançados às feras e alguns queimados como tochas em
espetáculos públicos. Este último castigo, aliás, era reservado justamente a
incendiários. Embora tal perseguição tenha tido uma curta duração e ficado
restrita a Roma, autores cristãos posteriores aceitaram as alegações de Tácito,
figurando Nero como o primeiro imperador romano a perseguir os cristãos. A
transmissão de uma imagem negativa de Nero se deve, assim, em boa medida, à
visão que a Cristandade produziu da história das perseguições.
Não é possível saber se Nero foi o
principal responsável pelo incêndio de Roma em 64. Mas o estudo mais atento às
principais fontes demonstra que, antes de se afirmar verdades inabaláveis, a
história precisa refletir melhor sobre como cada época produz sua própria visão
do passado.
Fábio Duarte Joly é professor
da Universidade Federal de Ouro Preto e autor de Libertate opus est:
escravidão, manumissão e cidadania à época de Nero (Editora Progressiva,
2010).
Saiba mais - Bibliografia
MACHADO, Carlos Augusto
Ribeiro. Roma e seu Império. São Paulo: Saraiva, 2000.
SILVA, Gilvan Ventura e MENDES,
Norma Musco (orgs.). Repensando o Império Romano: Perspectiva
socioeconômica, política e cultural. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.
SUETÔNIO. A vida dos
doze Césares. Trad. Sady-Garibaldi. São Paulo: Ediouro, s/d.
TÁCITO. Anais.
Trad. Leopoldo Pereira. São Paulo: Ediouro, s/d.
Saiba mais - Documentário
Roma Antiga
- Ascensão e Queda de um Império (Ancient Rome: The Rise and Fall of an Empire)
Documentário dramatizado conta a história da ascensão e queda da Antiga Roma através de 6 momentos decisivos. Baseado em fatos acurados e extensa pesquisa histórica, ele revela como a avidez, luxúria e ambição de homens como César, Nero e Constantino moldaram o Império Romano. Ele descreve como Roma destruiu Cartago, como foi dominada por César, como sufocou a revolta judia e como foi convertida ao Cristianismo. Animações gráficas, atuações convincentes e espetaculares batalhas ao vivo foram utilizadas para contar a história de como o Império se formou, como atingiu seu máximo apogeu e porque finalmente decaiu.
Documentário dramatizado conta a história da ascensão e queda da Antiga Roma através de 6 momentos decisivos. Baseado em fatos acurados e extensa pesquisa histórica, ele revela como a avidez, luxúria e ambição de homens como César, Nero e Constantino moldaram o Império Romano. Ele descreve como Roma destruiu Cartago, como foi dominada por César, como sufocou a revolta judia e como foi convertida ao Cristianismo. Animações gráficas, atuações convincentes e espetaculares batalhas ao vivo foram utilizadas para contar a história de como o Império se formou, como atingiu seu máximo apogeu e porque finalmente decaiu.
01- César
Este episódio se concentra no Romano mais famoso
de todos – Caesar. Charmoso,
selvagem, obcecado pelo poder, oportunista e brilhante, ele derrubou 500 anos
da antiga república e deu início à Era dos Imperadores.
02- Nero
Este programa focaliza Nero, acompanha sua
obsessão em se tornar um deus, como seus planos de transformar Roma numa cidade
gloriosa arruinou o Império, como se casou com seu escravo e matou sua amada
esposa num frenesi e como finalmente foi derrubado.
03- Rebelião
Este episódio conta a história da Revolta Judia
que varreu a Judéia em 66 D.C. e ameaçou desestabilizar todo o Império. Roma
recorreu ao General Vespasiano e seu filho Titus
para enfrentar os rebeldes. Repleto de ataques espetaculares e enormes cenas de
ação, o filme contrapõe a disciplina e a ingenuidade do exército Romano contra
a paixão e comprometimento dos rebeldes.
04-
Revolução
Roma foi outrora uma grande sociedade
democrática, com eleições regulares. Esta República durou 500 anos até a
chegada de Tiberius Gracchus. Ele
acreditava nos ideais da República – justiça, decência e lealdade – mas ficou
horrorizado com o tratamento que os aristocratas dispensavam ao povo. Então ele
liberou o poder da turba sobre as ruas de Roma, com consequências devastadoras.
05-
Constantino
O episódio conta a história de como o Imperador
Constantino trouxe o Cristianismo para o mundo Ocidental. Em 312 D.C., Roma
estava em crise. O Império fora dividido em 4 partes, cada uma com seu próprio
Imperador que lutavam entre si. Constantino interveio e unificou Roma, usando
meios militares e uma nova religião – o Cristianismo.
06- A Queda
de Roma
Em 410 D.C., os Godos saquearam a cidade. Este
evento simboliza o colapso de Roma. Em 70 anos, o Império Ocidental – o que entendemos
como Roma Antiga – desapareceu. Mas não para sempre.
Ano: 2006
Áudio: Inglês/Legendado
Duração: +- 59 minutos
Saiba mais - Links
Nenhum comentário:
Postar um comentário