“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

sábado, 1 de maio de 2021

Eldorado brasileiro

Fome, doença e matança de índios na busca do Eldorado brasileiro.

"Não fomos mais capazes de continuar a viagem por causa da cintilação que ofuscava os nossos olhos

Adriana Romeiro

               O sonho de um Eldorado encravado no coração da América portuguesa povoava a imaginação dos portugueses desde o Descobrimento. Narrativas fantásticas davam conta da existência de uma resplandecente serra de ouro, que os índios chamavam de Sabarabuçu, localizada na mesma latitude de Potosi, no Peru.

                Ainda em 1554, o padre Anchieta escrevia que na capitania de São Vicente havia grande abundância de ouro, prata, ferro, afirmando mesmo que os moradores tinham suas casas abarrotadas de metais preciosos. Por esta época, também o inglês John Whithall - conhecido por aqui como João Leitão - falava sobre a existência de ricas minas de ouro que estavam tão-somente à espera de mineiros práticos para explorá-las. Ou ainda Anthony Knivet, aventureiro dos tempos da rainha Elizabeth, autor de um curioso relato sobre suas viagens pelo continente, empreendidas a partir do Rio de Janeiro.

                Convencido de que ele e seus homens estavam próximos à costa do Pacífico, descreveu o seu encontro com o cerro de Potosi: "Chegamos numa região aprazível, e avistamos à nossa frente uma montanha reluzente, dez dias antes de alcançá-la; porque quando entramos na planície, deixando a região de montanhas, e o sol começou a atingir o seu pináculo, não fomos mais capazes de continuar a viagem, por causa da cintilação que ofuscava os nossos olhos".

                As notícias sobre a existência de metais preciosos, associadas à convicção inabalável da proximidade geográfica entre a América portuguesa e o El dorado peruano, bem cedo levaram Portugal a organizar uma série de expedições com o objetivo de encontrá-los. A descoberta do ouro tão almejado nos confins da capitania de São Vicente, ainda no século XVI, revelou-se um completo malogro: ouro ralo e escasso, de lavagem e não de mina - isto é, encontrado no leito dos rios —, em nada se assemelhava aos relatos correntes sobre minas riquíssimas e perenes.

                Ao longo dos séculos XVII e XVIII sucederam-se as histórias de expedições malogradas, perdidas no interior do continente, às voltas com tribos ferozes e febres mortais, vencidas muitas vezes pela fome mais atroz. A jornada inglória de Fernão Dias Paes (16081681) é emblemática: depois de se oferecer para chefiar uma bandeira em busca de esmeraldas, ele seguiu, acompanhado por grande séquito, em direção aos Cataguases, deixando atrás de si o caminho crivado de sepulturas.

                Foram longos anos de mil sofrimentos em meio aos sertões, nos quais os companheiros foram morrendo ou simplesmente abandonando a expedição, para fugir da miséria ou das "carneiradas" - as febres malsãs que assolavam os que andavam pelos matos. Houve até uma conspiração para assassinar o velho sertanista, liderada por um seu filho bastardo. Ao fim, no lugar das esmeraldas, a expedição carregou o corpo embalsamado de Fernão Dias Paes de volta à vila de São Paulo.

                Só na última década do século XVII é que o ouro dos sertões dos Cataguases foi finalmente descoberto. É quase certo que os paulistas já conheciam havia muito sua localização: em suas andanças pelo interior do continente, em bandeiras de apresamento de índios ou em expedições dirigidas ao Nordeste para lutar contra índios e quilombolas, eles haviam palmilhado todo o território que compreenderia depois a capitania das Minas Gerais, ultrapassando em muito as suas fronteiras.

                Basta lembrar a epopeia de Antônio Raposo Tavares (1598-1658), o célebre destruidor das missões dos índios guaranis. Ele chefiou, por volta de 1648, uma expedição que, partindo de São Paulo, atravessou o Paraguai e o Chaco, contornou em seguida o sopé dos Andes, para depois continuar rio Madeira abaixo, até o Amazonas, e alcançar finalmente Belém do Pará, em 1651.

                Não se sabe ao certo quando o ouro foi encontrado pela primeira vez. Se, a este respeito, as narrativas divergem entre si, a maioria delas aponta o nome de Antônio Rodrigues Arzão, paulista, "homem sertanejo, conquistador do gentio dos sertões da Casa". Percorrendo os sertões das Gerais, em busca de índios, ele teria encontrado, por volta de 1693, "alguns ribeiros com disposição de ter ouro". Munido de uma simples bateia, conseguiu apurar modestas três oitavas de ouro. A expedição, contudo, foi obrigada, diante da investida do "gentio bravo", a embrenhar-se pelos sertões da capitania do Espírito Santo, aonde Arzão chegou gravemente enfermo.

                De volta a São Paulo, pouco antes de morrer, ele entregou a um parente, Bartolomeu Bueno de Siqueira, um mapa com a localização do ouro, encarregando-o de organizar uma expedição para descobrir o metal. Em 1694, a expedição teria encontrado ouro em Itaverava. As descobertas se sucederão em ritmo vertiginoso, e em pouco tempo os três principais polos de povoamento da capitania - Ribeirão do Carmo, Ouro Preto e Sabará - já estavam consolidados.

                No começo, as técnicas de mineração eram rudimentares e atrasadas, tributárias da experiência dos escravos africanos que trouxeram para o Brasil a bateia - gamela de metal ou madeira - e outros instrumentos de garimpo. Todo o transporte do cascalho, desde o rio ou dos montes até os locais da lavagem, era feito única e exclusivamente por cativos. Animais de carga só tardiamente foram introduzidos. Nessas condições, os efeitos da mineração sobre o meio ambiente foram devastadores.

Adriana Romeiro é professora de História na Universidade Federal de Minas Gerais e autora de Um visionário na corte de d. João V: revolta e milenarismo nas Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002.

Fonte – Revista Nossa História - Ano III nº 36 - outubro 2006

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A Febre do ouro 

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