Treinados em Cuba e com apoio de Brizola, ex-militares prepararam-se para
inaugurar a luta armada em Caparaó. Ficaram no sonho.
Mesmo sob censura, deu no jornal: sete
homens presos no alto da serra do Caparaó portando armamentos e manifestos
contra o governo. Era abril de 1967, e foi a primeira vez, desde o golpe
civil-militar, que um movimento armado ganhou ampla repercussão na imprensa.
O grupo preso era formado por militares de
baixa patente que haviam participado de movimentos reivindicatórios antes de
1964. Inicialmente, o governo procurou minimizar a importância dos
acontecimentos, afirmando que a prisão “não afeta a segurança nacional nem
revela um caráter perigoso” e que o “Exército considera ridículo que apenas
oito façam guerrilha”, como registra o Jornal do Brasil nos
dias 4 e 5 de abril daquele ano. Dias depois, começaram a surgir informações
contrárias na mesma publicação. Declarações como a de que o Exército “está aos
poucos fechando o cerco sobre os possíveis guerrilheiros” e que eles “foram
vistos armados de metralhadoras, entre São João da Pedra Menina, na divisa dos
estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro” aparecem na edição do
dia 8 no JB.
O fato de aparecerem notícias de que havia
um grupo armado em luta contra o regime, ainda que não se soubesse o número de
pessoas envolvidas, representou um sopro de esperança para as diversas
correntes que aspiravam por ações efetivas contra a ditatura. Quem eram,
afinal, os guerrilheiros dos quais tanto se falava naquele abril de 1967? O que
eles queriam? Representavam eles, como estampava a revista O Cruzeiro em
15 de abril de 1967, “uma vasta organização de guerrilhas [que] está minando
aquele Estado [Minas Gerais] e, possivelmente, outras regiões do país”?
As respostas a essas indagações remetem a
períodos anteriores ao golpe, no tempo de radicalização das lutas políticas no
governo João Goulart (1961-1964). Além de ex-militares, a maior parte dos
presos pela participação na guerrilha do Caparaó tinha em comum a passagem pelo
movimento liderado por Leonel Brizola, a Cadeia da Legalidade, que garantiu a
Goulart assumir a presidência em 1961 – ainda que com os poderes restritos pela
implantação do regime parlamentarista. Eram sargentos e marinheiros que haviam
ajudado no planejamento de uma possível guerra civil envolvendo os defensores
de Goulart e os militares golpistas. Ao mesmo tempo, eles já participavam
ativamente da clandestina Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do
Brasil (AMFN) e do Clube dos Subtenentes e Sargentos do Exército. Reivindicavam
melhorias salariais, relações respeitosas por parte dos oficiais, direito ao
casamento e ao exercício de cargos legislativos. Aproximaram-se ainda dos
setores sindicais em suas reivindicações pela criação de uma Central Geral dos
Trabalhadores, bem como de ações antiimperialistas, contrárias às empresas
multinacionais e aos Estados Unidos.
A politização dos subalternos das Forças
Armadas ganhou projeção até colocar em risco, na visão dos oficiais, a quebra
da hierarquia militar. Quando se consumou o golpe de 1º de abril de 1964,
centenas de militares foram presos ou expulsos de suas corporações. Muitos
deles, após cumprir pena nos presídios militares, foram buscar apoio de Leonel
Brizola, que estava exilado no Uruguai. Brizola procurava organizar um
movimento de oposição ao regime ditatorial e acreditava poder repetir a
experiência que havia garantido a posse de Goulart em 1961. Em Montevidéu,
uniu-se a militantes exilados de diversas tendências de esquerda, como Avelino
Capitani, Amadeu Felipe de Luz Ferreira e Jelcy Rodrigues. Nascia, sob a sua
liderança, o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), sigla que comandou a
organização da guerrilha do Caparaó.
Os militantes sofreram forte influência da
Revolução Cubana (1959), iniciada por um pequeno núcleo de combatentes
liderados por Fidel Castro e Che Guevara. Instalado a princípio na Sierra
Maestra, aos poucos o grupo expandiu suas forças até derrubar a ditadura do
general Fulgêncio Batista (1901-1973). Esse processo, então batizado de foquismo,
passou a ser apregoado pelos revolucionários cubanos como válido para toda a
América Latina. Quatro militantes do MNR haviam feito treinamento militar em
Cuba. O próprio Brizola aderiu ao carisma dos dirigentes cubanos e à estratégia
de luta armada. Dessa aproximação vieram recursos financeiros para a guerrilha
que estava sendo organizada no Brasil.
A primeira tentativa de luta armada se deu
no início de 1966, no Rio Grande do Sul, organizada pelo mesmo grupo comandado
por Brizola. Foi alugada uma casa em Porto Alegre para guardar armas e
materiais, enquanto se arregimentava o contingente de homens necessários. Três
militantes fixaram residência no local para manter a fachada de normalidade.
Dois outros foram enviados para fazer contatos no Rio de Janeiro com antigos
participantes do movimento dos sargentos e marinheiros. Ao mesmo tempo, membros
do MNR arregimentavam militares de quartéis da própria região porto-alegrense,
entre os que haviam participado do movimento legalista de 1961. Os planos foram
descobertos pela polícia depois da prisão de um militante.
O plano de guerrilha transferiu-se, então,
para a serra do Caparaó, por sua localização estratégica entre Minas Gerais,
Espírito Santo e Rio de Janeiro. Com apoio de Brizola, militantes do MNR
começaram a chegar à região em novembro de 1966, instalando-se como criadores
de cabra em um sítio da família de um deles. Quando o contingente de recrutados
aumentou, subiram para o pico da serra para não serem vistos pela população. Os
primeiros meses foram utilizados para transportar e estocar armas e alimentos.
O grupo possuía fuzis, metralhadoras, dinamite e munição, ainda que não fossem
equipamentos modernos.
Não tinham a pretensão de derrubar a
ditadura militar sozinhos. Baseando-se na teoria do foco guerrilheiro,
acreditavam que conseguiriam resistir ao cerco do Exército até a eclosão de
outros movimentos de guerrilha e a intensificação da oposição nas cidades.
Antes mesmo do início da luta, porém, diversos problemas já haviam derrotado
esse projeto de luta armada. A começar pelo clima, com muita chuva, frio e
umidade durante quase todo o ano. Havia também o problema do estoque de comida,
que foi infectado por ratos e levou alguns militantes a contraírem peste
bubônica. Depois de vários meses, alguns membros do grupo questionaram se
tinham realmente capacidade política e militar de continuar com a ação. As
deserções iniciaram-se em março de 1967.
A população já vinha relatando à polícia a
presença dos guerrilheiros. Os policiais observavam a movimentação à distância
e, em 24 de março, prenderam dois militantes que haviam abandonado o grupo. No
dia 29, um terceiro foi preso ao tentar descer até a cidade para comprar
medicamentos. Ao descobrirem a origem e o objetivo da ação, os policiais
mineiros subiram a serra e chegaram ao pico na manhã do dia 1º de abril de
1967. Encontraram os guerrilheiros dormindo. Não houve troca de tiros. Nos dias
seguintes, outros membros do grupo foram presos nas cidades vizinhas tentando
subir a serra para se juntar aos companheiros. Chegava ao fim, sem se
concretizar, a primeira tentativa de luta armada contra a ditadura militar.
Os eventos do Caparaó coincidiram com o
surgimento da guerrilha na Bolívia – liderada por Che Guevara, conforme se
descobriria depois – que recebia ampla cobertura da imprensa brasileira. Talvez
essa coincidência tenha levado o Exército ao duplo discurso registrado pela
imprensa: inicialmente, minimizar a importância da guerrilha no Brasil,
evitando a expansão de sua influência para outras áreas do país e, depois,
sobrevalorizar os seus efetivos, para justificar a repressão oficial.
Os participantes da guerrilha do Caparaó
não consideraram a experiência uma derrota para o projeto da luta armada,
afinal cumpriram um papel importante: denunciaram ao país que havia uma
ditadura liderada por militares e que setores da sociedade estavam dispostos a
pegar em armas para derrubá-la.
Jean Rodrigues Sales é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e
autor de A luta armada contra a ditadura militar: a esquerda brasileira
e a influência da revolução cubana (Perseu Abramo, 2007).
Saiba mais - Bibliografia
COSTA, José Caldas
da. Caparaó: a primeira guerrilha contra a ditadura. São Paulo:
Boitempo Editorial, 2007.
ROLLEMBERG, Denise. O
apoio de cuba à luta armada no Brasil: o treinamento guerrilheiro. Rio
de Janeiro: Mauad, 2001.
Saiba mais - Internet
GUIMARÃES, Plínio
Ferreira. Caparaó, a lembrança do medo. Dissertação de mestrado em
História. Universidade Federal de Juiz de Fora, 2006. www.ufjf.br/ppghistoria/files/2009/12/Plinio-Ferreira-Guimar%C3%A3es.pdf
Saiba mais - Filme
Caparaó
O filme retrata a primeira
tentativa de luta armada organizada contra o regime militar no Brasil pós 1964.
No alto da Serra do Caparaó, na divisa do Espírito Santo com Minas Gerais, em
agosto de 1966, um grupo formado na sua
maioria por ex-militares expurgados pelo regime, se instalou em condições precárias, iniciando um
rigoroso treinamento militar, na tentativa de preparar o que seria o início de
uma grande reação nacional contra o novo regime.
A guerrilha foi
patrocinada pelo presidente cubano Fidel Castro e organizada por Leonel
Brizola, durante o seu exílio no Uruguai. Para reprimir o movimento o governo
militar utilizou cerca de 3.000 homens do Exército, Aeronáutica e Policias
Militares de Minas e Espirito Santo, numa das maiores operações militares
realizadas no país. Através dos depoimentos de ex-guerrilheiros, escritores,
jornalistas, policiais militares, e todos os envolvidos diretamente com a
guerrilha; o filme pretende dar novos significados para a
tentativa de se fazer uma “Sierra Maestra” em terras brasileiras.
Recebeu os seguintes
prêmios: Melhor Filme Brasileiro no Festival É Tudo Verdade/2006; Melhor Filme,
Melhor Roteiro e Melhor Pesquisa no Recine/2006.
Direção: Flavio Frederico
Ano: 2007
Duração: 77 minutos
Hércules
56
Os personagens principais
do filme são os: Agonalto Pacheco, Flávio Tavares, José Dirceu, José Ibrahin,
Maria Augusta Carneiro Ribeiro, Mario Zanconato, Ricardo Vilas, Ricardo
Zarattini e Vladimir Palmeira. Os que já faleceram estão presentes através de
materiais de arquivo: Luís Travassos, Onofre Pinto, Rolando Frati, João
Leonardo Rocha, Ivens Marchetti e Gregório Bezerra.
Direção: Sílvio Da-Rin
Direção: Sílvio Da-Rin
Áudio: Português
Duração: 77 minutos
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