Líder de grupo neonazista é preso por assassinato. A suástica marcada em
seu peito tem pouco a ver com o falecido governo fascista: é usada como
instrumento de identificação com a imposição da ordem pela violência.
Esta não é A Outra história Americana, é
a mesma, aquela do dogma da democracia dos mais fortes e do progresso
utilitário da natureza humana. Embora nenhum dos dois lemas tenha nascido ali,
foi nos Estados Unidos dos anos 70 do último século que a sua combinação deu
lugar a um espírito americano copiado em quase todas as partes do mundo
ocidental, e muito bem representado na cena de abertura do filme. Derek é o
homem com senso de autoconfiança inabalável, consciência política moldada às
restrições da mente profundamente capitalista, e uma voracidade carnal latente
e expressa em quase todas as suas relações.
Em publicação recente, o historiador Ciro
Flamarion Cardoso discute Por que os humanos agem como agem e afirma de antemão que esta é sempre uma questão de
tempo. Aqui, dois grandes processos se combinam: as determinações estruturais,
algo que nos torna filhos de uma época e que foge ao controle e muitas vezes à
consciência individual e coletiva; e os mecanismos que nos levam a escolher
entre uma e não outra possibilidade de viver e de sentir, com todos os seus
valores e implicações. Em grande medida esta é não só a questão que move a
narrativa dirigida pelo inglês Tony Kaye em 1998, mas um impasse existencial,
objeto da História e a motivação individual para a obsessão pela memória e pela
capacidade de explicar onde foi que as coisas deram errado.
Em busca dessa resposta, o diretor dá
menos importância aos movimentos públicos, caricatos e reduzidos à estética do
poder e da violência, eles aparecem como manifestações arruaceiras, passatempo
de jovens vagabundos talvez, certamente tendências passageiras da superfície
social. Stacey (Fairuza Balk), a namorada de Derek, por exemplo, tem enormes
olhos e lábios, usa calças justas de couro e coturnos violentamente sedutores,
repete frases pela metade, hinos coletivos e regozija-se com o poder aparente
das massas em êxtase ao invadir mercearias de chineses ou latinos. Danny
(Edward Furlong) é o irmão de aparência andrógina, apaixonado pela autoridade
e, consequentemente, fascinado pela obediência quase como se este fosse o seu
vínculo erótico, muito mais do que uma percepção do raciocínio. São personagens
apresentados como menos complexos; menos resistentes diante da força das
tradições americanas que emergiram após o ano de 1968.
Apropriação da suástica
Ao mesmo tempo em que a data tornou-se o
ápice de um movimento de transformação no pensamento de esquerda no mundo, a
reação no campo oposto da política e da cultura não deixou por menos. Nos
Estados Unidos, Martin Luther King não viveu para se sentar à “mesa da
fraternidade” com a qual sonhara; e a luta dos negros e dos homossexuais, assim
como toda a consolidação do multiculturalismo como “política da diferença”, da
singularidade, e não mais das classes, foi acompanhada pelo crescimento dos
movimentos de extrema direita, municiados agora pela experiência histórica da
indústria da morte nazista.
Contingência, acaso, fatalidade, ou como
quer que se defina aquilo que Bob Dylan chamou em 1975 de Simple Twist Of Fate, a prisão inesperada foi o acontecimento que levou o líder neonazista
Vinyard à experiência vertiginosa do fim da história linear. Um retrato difuso
de si, de suas convicções e de todo o seu próprio passado emergem diante da
incapacidade de controlar as circunstâncias, de prever as relações e reações à
sua volta, de organizar em arquivos mentais separados o certo e o errado, o
branco e o preto, a liberdade e a submissão. A suástica no peito antes
utilizada como demonstração de força, produz agora outro de tipo de atração entre
os seus pares, que o fazem vítima de um estupro coletivo durante o banho. A cor da pele, até então entendida como senha
para os direitos cívicos do homem americano e de uma consciência heroica que
legitima a violência da dominação, torna-se simplesmente indiferente; deixa de
ser algo contra o qual se deva defender num ambiente em que, ao contrário, a
sobrevivência não depende da singularidade, mas das tentativas realizadas por
cada um e por cada grupo para construir uma identificação.
Reorganização do passado
O processo trilhado por Derek para
recolher os pedacinhos de sua identidade e dar novo sentido à sua história
passa por uma reorganização do passado cuja fonte é a própria memória afetiva.
As cenas de um cotidiano já distante, à mesa do café e com a presença do pai
(um bombeiro morto heroicamente) ganham sons e cheiros. Os diálogos
entrecortados pela mastigação discutem o quanto os imigrantes estão roubando
empregos, minorias conquistando direitos, espaços e bens, enfim, sobre o quanto
as coisas estavam mudando.
Nessa história americana, como em qualquer
outra, compreender as possíveis raízes de sentimentos individuais, a forma pela
qual os conceitos viram verdades e as ideologias tornam-se formas de viver, não
pode resolver as contradições que impregnam a vida no tempo presente, mas será
sempre um bom caminho para enfrentar aquilo que nos faz ser quem somos.
Direção: Tony Kaye
Ano: 1998
Duração: 118 minutos
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Tolerância
Zero
Direção: Henry Bean
Ano: 2001
Áudio: Português
Tamanho: 339 MB
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