Tema constante na imprensa atual, as
relações comerciais do Brasil com o mundo devem uma especial reverência ao
documento conhecido como a carta de Abertura dos Portos. Sua importância está
destacada em todos os livros da nossa história. O que poucos sabem, no entanto,
é que este documento nasceu provisório, nunca foi revogado e representou uma
grande surpresa apresentada ao príncipe d. João logo que chegou na Bahia em
1808.
Assim que desembarcou em
Salvador, com a Família Real e a Corte portuguesa, após atravessar o Atlântico
para fugir da invasão francesa em Portugal, d. João foi recebido por uma
comitiva de comerciantes. Eles pediam a liberação do comércio com portos não
portugueses porque os armazéns estavam repletos de caixas e caixas de açúcar,
rolos de tabaco e muitos produtos encalhados desde o fechamento dos portos
de Lisboa e Porto, com o bloqueio imposto por Napoleão Bonaparte.
A iniciativa da recepção foi
atribuída a José da Silva Lisboa, intelectual baiano bem aceito pela
administração portuguesa, para aproveitar o fato de d. João estar
desacompanhado de seus conselheiros - uma tempestade separou os navios da
comitiva real! Sem as resistências do Conselho de Estado seria mais fácil a
aprovação de uma medida daquele alcance.
A carta foi assinada no dia 28
de janeiro de 1808, uma semana após a chegada do príncipe regente. E a
ausência dos conselheiros provocou o aspecto mais curioso do texto, que é o seu
teor "interino e provisório": talvez uma alternativa para d. João
voltar atrás em sua decisão, já que o impacto provocado pelo documento seria
grande. Apesar de seu caráter provisório, a carta jamais foi revogada, nem
mesmo após a retirada dos franceses de Portugal, em 1811.
As medidas aprovadas regulavam,
basicamente, as entradas e saídas de produtos das capitanias brasileiras. A
partir de então quaisquer mercadorias transportadas em navios de países em paz
com Portugal - que pagassem uma taxa de 24% sobre o valor dos produtos - eram
admitidas nas alfândegas. E súditos portugueses ou comerciantes estrangeiros
poderiam também exportar suas mercadorias para qualquer porto.
A abertura dos portos às nações
amigas, ou seja, aquelas que não haviam declarado guerra a Portugal, além de
evitar conturbações sociais diante da dificuldade de escoar a produção, também
traduziu as tentativas, por parte da Coroa portuguesa, de racionalizar uma
política administrativa e econômica que adotasse princípios como os da
liberdade de comércio. Para alguns historiadores, a abertura dos portos não
rompeu com o monopólio porque não havia controle rígido da Coroa sobre o
comércio. Mas é evidente a importância das medidas. Em Portugal, a perda da
posição de centro no comércio colonial europeu gerou forte crise nas finanças.
E no Brasil, a abertura dos portos e a vinda da Corte desencadearam o processo
de separação política entre metrópole e colônia, consumada em 1822, quando a
Independência foi oficialmente declarada.
O documento
pertence ao acervo da Biblioteca Nacional.
Fonte: Revista Nossa História - Ano I nº 3 - Jan.
2004
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