Figurinos
franceses, crítica teatral, literatura, música, artes e muita ousadia. Estes
foram os ingredientes utilizados por duas mulheres, em meados do século XIX,
para a criação de um periódico semanal voltado para o público feminino: O Jornal das Senhoras.
No primeiro número, publicado em janeiro
de 1852, o jornal apresentou sua proposta: "trabalhar pelo melhoramento
social e pela emancipação moral da mulher". Os artigos reivindicavam o
direito a uma educação ampliada que promovesse o aprimoramento cultural
feminino por meio da literatura e das artes. Isto explica o subtítulo do jornal:
"Modas, literatura, belas-artes, teatros e crítica".
Por trás de ideias tão inovadoras, estavam
as jornalistas Joana Paula Manso de Noronha (18191875), argentina naturalizada
brasileira, e Violante Atalipa Ximenes de Bivar e Velasco (c.1816-1874), figura
de destaque nos salões da Corte. Durante os três anos de circulação do jornal,
enfrentaram ataques de leitores masculinos que as acusavam de se meter em "ofícios
dos homens" e de divulgar "ideias subversivas". Sem timidez,
contra-atacavam: mulher não era coisa "que se muda de lugar sem ser
consultada" ou que os homens eram inimigos do "progresso do gênero
humano".
O Jornal
das Senhoras refletia também as transformações
do Rio de Janeiro a partir de 1850. Com o fim do tráfico de escravos, recursos
financeiros dessa atividade passaram a ser investidos em infraestruturas como a
construção de ferrovias e a instalação de telégrafos. A capital do país ganhou
sistema de iluminação a gás (1854), calçamento com paralelepípedos (1853), rede
de esgoto (1862), abastecimento de água domiciliar (1874). Os hábitos também
mudaram: confeitarias e cafés ofereciam cardápios para paladares e bolsos
variados, a famosa Rua do Ouvidor acumulava lojas elegantes, livrarias e casas
de banho completavam o glamour da cidade.
A vida urbana se incrementava e novas
alternativas de convívio social surgiam, sobretudo para as mulheres que
passaram a marcar presença em bailes, saraus, concertos e espetáculos teatrais.
Aprender a se comportar em público e estar atenta aos eventos culturais da
sociedade eram passos para a emancipação feminina. O papel da mulher se
redefinia e o jornal as convocava para ir além das vivências domésticas. Na seção
literária, romances como A dama das
camélias, de Alexandre Dumas Filho, eram publicados em fragmentos,
possibilitando que entre um bordado e outro a mulher lesse. Partituras de
modinhas, lundus e schottisch (o
"xote") para pianos eram o reflexo da febre causada por este
instrumento no Rio, que à época já era conhecido como a "cidade dos
pianos". E, como não podia faltar, a parte dedicada às modas dava um tom
elegante ao periódico, informando as leitoras sobre as últimas novidades vindas
não só de Paris, mas especialmente do interior da França, mais adequadas à
elite escravista dos trópicos.
Voltado para um público reduzido, já que a
maior parte das mulheres brasileiras era analfabeta, O Jornal das Senhoras, ao levantar a bandeira de uma educação ampliada,
contribuiu para os primeiros passos da emancipação feminina. O periódico pode
ser consultado na Divisão de Obras Raras da Biblioteca Nacional.
Fonte: Revista Nossa História - Ano II
nº 19 - Maio 2005
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