Com a política econômica que ficou conhecida como “nacional
desenvolvimentismo”, Vargas deu as bases para uma arrancada na indústria
brasileira.
Quando
Getúlio Vargas voltou a pisar no Palácio do Catete, 20 anos após a chamada
Revolução de 1930, muita coisa havia mudado no contexto político do Brasil.
Prova disso é que, dessa vez, ele chegava ali como presidente eleito. Vargas
também encontrou naquele início de década um novo cenário econômico no país,
que já deixara de ser predominantemente agrário. O crescimento das indústrias
trazia novos dilemas, e o conjunto das disputas políticas em torno desse tema
configurou aquilo que acabou conhecido como “nacional desenvolvimentismo”.
A expansão industrial seguia seu trilho
desde a Primeira República. Mas até então a economia brasileira apoiava-se
fundamentalmente na exportação de produtos primários, com destaque para o café.
A partir de 1929, com a crise e o quadro de guerra mundial que aos poucos
ganhava forma, abria-se uma conjuntura favorável no Brasil para a produção
voltada ao mercado interno.
Vargas enxergou isso. E do período que vai
do seu primeiro governo até o Estado Novo, houve uma inflexão no setor:
consolidou-se uma importante estrutura de órgãos de proteção e planejamento
para a produção doméstica. Além disso, foram estabelecidos novos marcos
jurídicos para a fabricação de diversos produtos primários e para a regulação
do mercado de trabalho.
Não demorou para que os efeitos fossem
sentidos. Ao longo dos 15 primeiros anos do governo Vargas, a indústria já era
a área de maior crescimento da economia. Em 1947, dois anos depois que o
presidente foi destituído do governo, a produção industrial ultrapassou a dos
setores primários. No entanto, ao final dos anos 1940, quando o marechal Eurico
Gaspar Dutra já estava na Presidência, ficou evidente que a continuidade do
crescimento da indústria trazia dilemas políticos e econômicos.
Um dos principais pontos era o fato de que
a construção de novas indústrias no país implicava cada vez mais importações de
máquinas e insumos industriais. Em um país dependente da exportação de produtos
primários, isso era bastante problemático. Os preços internacionais das
mercadorias que saíam daqui tendiam a oscilar no mercado internacional e, em
geral, ficavam abaixo dos valores dos bens industriais que precisavam ser
importados.
Na tentativa de driblar esse problema, o
governo Dutra aproveitou os resultados do superávit da balança comercial, como
nos anos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), para realizar essas
importações. Mas isso foi feito por uma gestão fortemente opositora à
intervenção do Estado Novo (1937-1945), o que significa, por exemplo, que
durante o período não se constituíram políticas de orientação das
importações.
As divisas conquistadas esgotaram-se
rapidamente por conta das largas necessidades da indústria e, depois, pela
importação de produtos direcionados para o consumo individual que muitas vezes
já eram fabricados internamente. Foi a deixa para que defensores do
planejamento atuassem na cena pública a fim de buscar outras soluções para o
dilema. Quando Getúlio Vargas voltou à cena nas eleições presidenciais de 1950,
trouxe uma intensa defesa pelo planejamento estatal em prol da
industrialização. O tema tornou-se central durante a campanha eleitoral, com
importância equivalente ao discurso pela legislação social e trabalhista – que
tinha maior apelo popular.
Em sua crítica ao governo Dutra, Vargas –
que desde seu período ditatorial defendia o planejamento estatal como condição
para a industrialização – ressaltava não só o direcionamento das importações
para a indústria, como também, para ele, era necessário aplicar a mesma
política para as indústrias de base e para a infraestrutura de transporte e
energia. O Estado deveria programar um conjunto de investimentos nessas áreas
para permitir um crescimento integrado de diferentes subsetores industriais. Um
salto da atuação estatal resultaria em uma arrancada na industrialização, ele
apostava.
A conjuntura internacional também estava
favorável à discussão do planejamento econômico. Eram os tempos do pós-guerra,
momento em que se debatia a independência de países historicamente subjugados
pela colonização. No âmbito das Nações Unidas, em 1948, foi criada a Comissão
Econômica para a América Latina (Cepal). O órgão contribuiria para dar apoio
técnico às políticas de industrialização, com o objetivo de combater o
“subdesenvolvimento”.
Discutia-se também o alinhamento dos países
aos blocos Ocidental (capitalista) ou Oriental (comunista), quadro que
evoluiria para a Guerra Fria. Nas relações diplomáticas entre Brasil e Estados
Unidos, Vargas buscou apoio dos governos de Harry S. Truman (1945-1953) e de
Dwight Eisenhower (1953-1961) ao seu projeto de industrialização. Como
resultado, nasceu a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU), responsável
por estudos e formação de quadros técnicos importantes para os investimentos
nas indústrias de bases – indústrias produtoras de bens para outras indústrias,
como aço, combustíveis, química pesada – e infraestrutura – energia, transporte
e armazenamento, muito do que hoje se chama de logística.
A
intervenção estatal nesse complexo processo produtivo, porém, trouxe à tona,
mais uma vez, o problema dos recursos. Desde os primórdios de sua formação, o
Estado brasileiro se mostrou incapaz de constituir formas tributárias
abrangentes para seu financiamento. Já o setor privado nacional, ao mesmo tempo
em que reagia a qualquer aumento de tributação, era desinteressado nos investimentos
de longo prazo necessários para a industrialização. A solução apresentada nos
anos 1950 teve, então, que se voltar para fora: aumentar a presença do capital
externo.
Vargas e sua assessoria econômica
acreditavam que os governos dos países desenvolvidos e as agências
multilaterais – como o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco
Mundial – tinham a obrigação moral de financiar os países subdesenvolvidos. Foi
nessa linha que o governo brasileiro participou das discussões da CMBEU, defendendo
a aquisição de um empréstimo no valor de 300 milhões de dólares por meio do
Eximbank e do Bird.
Nessa época, em 1952, o Congresso Nacional
aprovou a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE),
idealizado na CMBEU. A instituição seria responsável pela captação e a gestão
dos recursos que viriam das agências estrangeiras. Mas suas atribuições também
incluíam um plano interno: o banco foi o principal responsável pelo
financiamento das estatais brasileiras e pela orientação do crédito de longo
prazo com fins de industrialização e infraestrutura.
O conjunto de propostas e medidas que
Vargas ia colocando de pé fez estudiosos associarem seu governo a um modelo
específico de intervenção do Estado sobre a economia: era o chamado “nacional
desenvolvimentismo”. Contrários a esse modelo, havia grupos liberais que, em
geral, defendiam que a industrialização deveria estar subordinada a interesses
exportadores.
Entre os que se consideravam
desenvolvimentistas, havia diversas variações. Caso emblemático era o dos
organismos de representação industrial que se opunham a qualquer projeto de
monopólio em subsetores, como o que veio a se estabelecer na extração de
petróleo, aprovado em 1953 com a criação da Petrobras.
Nacionalistas eram as correntes políticas
que simplesmente se interessavam no sentido de que toda a produção de bens para
a indústria e o consumo fosse realizada dentro do país. Deste ponto de vista
amplo, incluía aqueles que não faziam diferenciação quanto à origem do capital
– nacional ou internacional. Porém incluía também casos extremos, como aqueles
que pensavam que o capital externo era contra a industrialização e que,
portanto, deveria ser excluído de setores “estratégicos” ou mesmo do conjunto
da economia.
A eleição de Dwight Eisenhower nos Estados
Unidos, em 1953, marcou um período de austeridade fiscal no governo americano
que teve reflexos por aqui. A proposta de empréstimo ao Brasil foi cancelada e
os trabalhos do CMBEU interrompidos, frustrando os principais investimentos do
Estado brasileiro durante o governo Vargas.
Mesmo sem conseguir tirar do papel todas as
suas propostas, Getúlio Vargas deixou de legado uma base sólida de intervenção
estatal e de medidas para a economia que foram largamente aproveitadas após seu
suicídio, em 1954. Quando assumiu a Presidência, em 1956, Juscelino Kubitschek
não ignorou o projeto de industrialização que estava em rota no país. Virou a
página, propôs outras soluções – como dar maior peso para o capital externo privado
– mas partiu do capítulo que Vargas deixara escrito na história da
industrialização nacional para seguir em frente.
Tomás Coelho Garcia é
autor da dissertação “Denúncias públicas contra a 'violência policial'”
(Iuperj, 2009).
Saiba mais - Bibliografia
BIELSCHOWSKY, Ricardo.
Pensamento Econômico Brasileiro – 1930-1964. Rio de Janeiro: Contraponto,
2012.
FONSECA, Pedro Cezar
Dutra. Vargas, o capitalismo em construção. São Paulo: Brasiliense, 1989.
Saiba mais - Na internet
ABREU, Alzira Alves de.
“Desenvolvimentismo”. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro – DHBB
(http://cpdoc.fgv.br/acervo/dhbb).
Saiba mais – Documentário
Saiba Mais – Link
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