O movimento que agitou a cena política brasileira na década de 1920,
defendendo transformações profundas no país, desembocou num programa político
autoritário e elitista.
Marieta de Moraes Ferreira
Década de 1920. Novos ventos sopravam no
Brasil. O ano de 1922, em especial, foi cenário de uma sucessão de
acontecimentos que mudaram de forma significativa o panorama político e
cultural do país. A crise do pacto oligárquico era evidente diante da demanda
por maior participação política dos setores urbanos, da insatisfação dos
militares e do descontentamento crescente de diversos grupos dominantes. Foi o ano de uma disputada sucessão
presidencial, que explicitou divergências sérias entre as oligarquias. Foi também o ano da criação do Partido
Comunista do Brasil, e do início do movimento tenentista, além da Semana de
Arte Moderna e das comemorações do centenário da Independência.
Até então, a política dos governadores, ou
política do “café com leite” – acordo entre o presidente da República e
governadores estaduais que assegurava o domínio político das oligarquias
de Minas e São Paulo – havia neutralizado as oposições, garantindo que as
forças da situação fossem sempre vitoriosas. As eleições presidenciais não eram
muito disputadas, com exceção das sucessões de 1910 e de 1919, quando Rui
Barbosa, candidato de oposição, foi derrotado, respectivamente, pelo marechal
Hermes da Fonseca e por Epitácio Pessoa. Em 1922 foi diferente. Pela primeira
vez, o confronto entre os estados de primeira e segunda grandeza se apresentou
claramente numa disputa pela presidência da República, revelando o acirramento
dos problemas do federalismo desigual brasileiro. O confronto assumiu sua forma
plena com o movimento da Reação Republicana, que lançou a candidatura do
fluminense Nilo Peçanha em oposição à candidatura oficial do mineiro Artur
Bernardes. Enquanto Bernardes contava com o apoio de Minas Gerais, São Paulo e
de vários pequenos estados, em torno da Reação Republicana uniram-se Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Distrito Federal, que tentavam
estabelecer um eixo alternativo de poder.
A plataforma da Reação Republicana
defendia a regeneração dos princípios republicanos e a formação de partidos políticos
nacionais. Ela criticava a forma como se desenvolvia o federalismo no Brasil,
acusando-o de beneficiar apenas os grandes estados. Para enfrentar a ameaça
permanente de derrota que rondava toda candidatura de oposição, a Reação
Republicana desencadeou uma propaganda eleitoral, coisa pouco comum nas
eleições da Primeira República. E, o que é importante, buscou apoio militar.
Apesar do clima de intensa
agitação que marcou os primeiros meses de campanha política, as eleições se
realizaram na data prevista: no dia 1º de março de 1922. Os resultados
eleitorais, controlados pela máquina oficial, deram a vitória a Artur
Bernardes, com 466 mil votos, contra 317 mil de Nilo Peçanha. Mais uma vez, o
esquema eleitoral vigente na República funcionou para garantir a vitória do
candidato da situação, embora o número de votos conseguido pela oposição
materializasse a gravidade da disputa em curso.
Diferentemente das eleições anteriores, a
oposição não aceitou a derrota. A Reação Republicana desencadeou uma campanha
para manter a mobilização de seus aliados e alimentar a insatisfação militar. A
falta de prestígio e poder que os militares enfrentavam – praticamente desde a
montagem do pacto oligárquico – era responsável por essa insatisfação. A força
que tiveram na primeira década republicana, de 1889 a 1899, havia decrescido
consideravelmente. O fechamento da Escola Militar da Praia Vermelha, em 1904, e
a posterior criação da Escola Militar do Realengo alteraram profundamente a
formação da oficialidade do Exército. O propósito da nova escola era formar
soldados profissionais, afastados das questões políticas e dedicados ao
fortalecimento da instituição militar.
Uma série de incidentes ocorridos no
início dos anos 20 iria recolocar na ordem do dia a participação dos militares
na política. O episódio das chamadas “cartas falsas” foi um deles. Em outubro
de 1921, o jornal carioca Correio da Manhã publicou duas cartas que atribuíam a
Bernardes críticas ao Exército e ao presidente do Clube Militar, o
ex-presidente da República Hermes da Fonseca, criando uma indisposição completa
entre o candidato da situação e segmentos militares. Ainda que Bernardes tenha
vencido a eleição, estava preparado o caminho para a eclosão da primeira
revolta de “tenentes”, em julho de 1922. O incidente permitiu que dois movimentos de
origens distintas – a rebeldia militar e a Reação Republicana – se articulassem
para contestar as estruturas políticas da Primeira República.
O “tenentismo” foi um conjunto de
movimentos militares que se desenvolveu ao longo da década de 1920,
prosseguindo até meados dos anos 30. Liderados pela jovem oficialidade das
forças armadas, os chamados tenentes tinham como principais bandeiras o
fortalecimento da instituição militar, a moralização dos costumes políticos e a
construção de um Estado centralizado que pudesse modernizar o país. A primeira
revolta tenentista, conhecida como o levante do Forte de Copacabana, foi
derrotada, bem como as iniciativas de contestação eleitoral da Reação
Republicana.
O movimento não obteve a adesão de
segmentos militares expressivos, e as oligarquias dissidentes, que tanto haviam
contribuído para acirrar os ânimos militares, não se dispuseram a um
engajamento mais efetivo. Epitácio pediu imediatamente a decretação do estado
de sítio no Rio e no Distrito Federal, e grande número de deputados dissidentes
votaram a favor da medida, demonstrando um recuo das oligarquias e a
desarticulação completa da Reação Republicana. Em novembro de 1922, Bernardes
tomou posse como presidente da República sob estado de sítio, desencadeando
forte repressão contra todos aqueles que se haviam oposto à sua candidatura.
A crítica ao governo e a divulgação de
propostas políticas integravam o rol de objetivos da Coluna. A peregrinação dos
tenentes pelo território brasileiro tinha o propósito de divulgar o ideário que
pregava: voto secreto; liberdade de imprensa; equilíbrio na divisão real de poder
entre executivo, legislativo e judiciário; combate à fraude eleitoral e à
corrupção. Este programa, embora não tenha provocado uma mobilização social
relevante, conquistou a simpatia de parte da população urbana.
Três diferentes correntes tentam explicar
o movimento tenentista. A primeira, mais tradicional e amplamente difundida,
explica o tenentismo como um movimento que, a partir de suas origens
sociais nas camadas médias urbanas, representaria os anseios destes setores por
uma maior participação na vida nacional e nas instituições políticas. A segunda
corrente, formulada a partir de trabalhos produzidos nos anos 60 e 70, tenta
contestar a absolutização da origem social na definição do conteúdo do
tenentismo, privilegiando aspectos organizacionais do movimento, ou seja,
entende este movimento como produto da instituição militar. A terceira corrente
defende uma análise mais global, levando em conta tanto a situação
institucional dos tenentes como membros do aparelho militar, quanto a sua
composição social como membros das camadas médias.
Em 1929, iniciou-se novo processo de
sucessão presidencial. Tudo indicava que as regras que norteavam o
funcionamento da política até então seriam mais uma vez cumpridas: as forças da
situação, por meio do presidente da República, indicariam um candidato oficial,
que deveria ser apoiado por todos os grupos dominantes nos estados. Dessa vez,
contudo, houve uma cisão no cerne do próprio grupo dominante. Washington Luís,
resolvido a fazer seu sucessor, indicou como candidato oficial Júlio Prestes,
paulista como ele e então presidente do estado. Com isso, rompia-se o acordo
tácito com Minas, que esperava ocupar a presidência da República.
Essa divergência entre Minas e São Paulo
abriu espaço para que outras disputas e pretensões, sufocadas no passado,
pudessem ressurgir. Nesse contexto, em julho de 1929, com o apoio mineiro, foi
lançada a candidatura de Getúlio Vargas, o presidente do estado do Rio Grande
do Sul, tendo como vice o presidente da Paraíba, João Pessoa. Estava formada a
Aliança Liberal, uma coligação de forças políticas e partidárias pró-Vargas.
Sua plataforma estava voltada para conquistar a simpatia das classes médias e
de setores operários, e seu programa propunha reformas políticas (voto secreto,
justiça eleitoral e anistia aos presos políticos) e medidas de proteção ao
trabalho (aplicação de lei de férias, regulamentação do trabalho do menor e da
mulher).
A acirrada disputa eleitoral foi agravada
pela profunda crise econômica mundial provocada pela quebra, em outubro de
1929, da bolsa de Nova York. No final desse ano já havia centenas de fábricas
falidas no Rio e em São Paulo, e mais de um milhão de desempregados em todo o
país. A crise atingiu também as atividades agrícolas, especialmente a cafeicultura
paulista, produzindo uma violenta queda dos preços do café e liquidando o
programa de estabilização do governo que vinha sendo implementado. As eleições
se realizaram em março de 1930, e a vitória coube a Júlio Prestes, que recebeu
cerca de um milhão de votos, contra 737 mil dados a Getúlio Vargas. Mas já
estava em marcha um movimento conspiratório para depor Washington Luís, pela
força das armas, e liquidar o pacto oligárquico então vigente.
Um acontecimento inesperado deu força à
conspiração revolucionária. Em 26 de julho de 1930, o candidato a vice da
Aliança Liberal, João Pessoa, foi assassinado em Recife. Embora as razões do
crime tenham sido passionais e não políticas, ele foi transformado em mártir do
movimento que se articulava. Nos meses seguintes, esse movimento cresceu, com a
adesão de importantes quadros do Exército. A articulação entre os setores
oligárquicos dissidentes e os tenentes avançou lentamente, principalmente
porque a mais importante liderança tenentista – Luís Carlos Prestes – lançara
no exílio, em maio de 1930, um manifesto no qual condenava o apoio às
oligarquias.
A posição de Prestes encontrou fortes
resistências junto a outras lideranças tenentistas, como Juarez Távora, que
acreditava que a articulação com Aliança Liberal era uma possibilidade que
devia ser considerada pelos tenentes – o que de fato acabou se concretizando
com o prosseguimento das atividades conspiratórias. Um grupo advindo do
movimento tenentista liderado por Távora participou ativamente do movimento
revolucionário. A conspiração estourou em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul,
no dia 3 de outubro de 1930. Em seguida, ela se alastrou para vários estados do
Nordeste. Em todos esses locais, após algumas resistências, a situação pendeu
para os revolucionários. Em 24 de outubro, o presidente Washington Luís foi
deposto e os militares constituíram uma Junta Provisória de governo. Essa Junta
tentou permanecer no poder, mas a pressão das forças revolucionárias vindas do
Sul e das manifestações populares obrigaram-na a entregar o governo do país a
Getúlio Vargas, empossado na presidência da República em 3 de novembro de 1930.
A chegada de Vargas ao poder deu início a
uma nova fase da história política brasileira. O significado da Revolução de
1930 tem sido objeto de interesse de inúmeros estudiosos, que têm produzido
diferentes interpretações. Para uns, em 1930 teria ocorrido uma revolução
liderada por setores urbano-industriais. Para outros, o movimento foi conduzido
pelos interesses da classe média, através da ação dos tenentes. Há os que
afirmam que o que ocorreu foi apenas um golpe militar para deter o avanço das
camadas populares. E há os que enfatizam a ação dos grupos oligárquicos
dissidentes. Mais recentemente, considera-se que o movimento não foi resultado
da ação de nenhuma classe ou grupo social em particular, mas que combinou
diferentes interesses de atores políticos insatisfeitos com a situação vigente.
Essa última interpretação, que vê os
vitoriosos de 1930 como um grupo heterogêneo tanto do ponto de vista
socioeconômico, quanto do ponto de vista político, vem se consolidando. Mesmo
entendendo que o movimento militar de 1930 não pode ser definido como uma
revolução, no sentido de alterar profundamente as relações sociais existentes,
admite-se que ele inaugurou uma nova fase na História do país, abrindo espaço
para profundas transformações.
O tempo transformou o ideário inicial do
tenentismo, e o programa político do grupo que aderiu à Revolução
de 1930 passou a se caracterizar principalmente pelo estatismo,
autoritarismo e elitismo. A presença dos tenentes como interventores
(substituindo os governadores) foi marcante no cenário imediatamente
posterior à Revolução. No entanto, as antigas oligarquias estaduais ofereceram resistências
aos tenentes; e as várias tentativas de conciliação acabaram falhando. Assim,
nas eleições de 1933 os tenentes perderam espaços na política nacional, mas é
certo que não se pode falar sobre mudanças políticas ocorridas a partir da
década de 1920 sem se propor a entender este movimento e o seu
significado para a história política brasileira.
Marieta de Moraes Ferreira é professora do departamento de História da UFRJ e
pesquisadora do CPDOC/FGV.
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