A República do
conselheiro
Monarquista e conservador, Rodrigues Alves promoveu uma verdadeira revolução urbana na
capital federal e foi o político mais influente da Primeira República
Rodrigo Elias
Paulista de Guaratinguetá,
filho de um imigrante português que se tornou grande agricultor, Francisco de
Paula Rodrigues Alves (1848-1919) sempre se destacou nos estudos, tanto no
Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, onde se formou em Letras em 1865, como na
Faculdade de Direito de São Paulo, concluída em 1870.
Sua vida política começou em
1871, como deputado provincial de São Paulo pelo Partido Conservador. Em 1884,
aos 36 anos, foi eleito deputado geral, fato repetido em 1886. Um ano depois
foi nomeado pelo gabinete conservador do barão de Cotegipe para a presidência
de São Paulo. Rodrigues Alves deparou com uma situação caótica: uma das
principais províncias do Império, São Paulo estava praticamente em guerra
civil. No interior, revoltas e fugas em massa de escravos; na capital, os
primeiros focos de agitação anarquista; e, no litoral, epidemia de varíola.
Frente à inutilidade de usar as forças públicas contra a agitação político-social,
ele optou por centrar forças na questão da saúde e pediu crédito especial ao
Império para combater a varíola. Após curtíssimo governo, de apenas cinco
meses, controlou a epidemia, o que rendeu elogios da princesa Isabel na fala
do trono de 1888.
De volta à vaga de deputado geral,
votou a favor da Abolição na memorável sessão de 5 de maio de 1888, dias antes
da assinatura da lei pela regente. Três meses depois, Rodrigues Alves era
feito conselheiro do Império, honraria concedida por decreto da princesa
Isabel. Fiel ao regime e ao Partido Conservador, o político não foi colocado
de lado, após o golpe de 1889, pela nova elite política. O governo provisório
de São Paulo o indicou como representante do estado para a Assembleia
Constituinte convocada por Deodoro.
Após a eleição de Deodoro, em
1891, a Assembleia Constituinte se transformou em Congresso Nacional e
Rodrigues Alves em deputado federal por São Paulo, passando a presidir a
importante
Comissão de Orçamento. Floriano Peixoto, ao assumir o governo ainda em 1891 - em meio à inédita especulação
financeira, em grande parte deflagrada pela gestão desastrada de Rui Barbosa,
ministro da Fazenda de Deodoro -, decidiu chamar Rodrigues Alves, em tom que beirava a
ameaça, para aquela pasta. Foi provavelmente a única decisão política acertada
de Floriano, embora tenha se arrependido dela. Rodrigues Alves enfrentava um
ano dificílimo: perdera a esposa, de complicações de parto, um mês após assumir
o ministério, e a filha mais velha, vitimada pelo tifo.
Mesmo assim o conselheiro era a
imagem da serenidade política e econômica. Como resumiu Nicolau Sevcenko, a
esta altura, "somente a restauração da imagem austera e confortantemente
conservadora herdada do Império poderia restabelecer as forças exauridas do
Tesouro Nacional. É sobretudo sob este signo que se instaura a 'República dos
Conselheiros', esboçada já desde a gestão de Rodrigues Alves como ministro da
Fazenda de Floriano e colimada integralmente pelos governos civis até a irrupção
da Grande Guerra". Até na aparência o conselheiro preservava o estilo
imperial: em vez do terno de casimira e do chapéu, típicos dos republicanos,
continuou a ostentar, até o final da vida, o jaquetão preto e a cartola,
ambos fora de moda. E ainda retomou em 1903, logo após assumir a presidência,
um velho hábito de d. Pedro II: a temporada de verão em Petrópolis.
Assumiu novamente o governo de
São Paulo em 1900. E este seu segundo governo foi, de fato, um ensaio de sua presidência: em
pouco mais de um ano combateu a febre amarela e a peste bubónica, que se alojaram no
estado na onda da grande imigração; instalou o Instituto Butantã; promoveu uma
reforma judiciária; realizou obras de saneamento; construiu escolas e pontes;
contratou a vinda de imigrantes europeus e introduziu técnicas de conservação
do solo. Tudo isto em meio a uma grave crise de superprodução de café, com
acentuada baixa do preço. Com todo este esforço, já em 1901 as contas do
governo acusavam um saldo orçamentário que ultrapassava 30% da receita.
O conselheiro, ainda candidato,
apresentou seu plano de governo em 1901, vinculando a reforma da capital
federal à questão econômico-financeira. E logo os empréstimos da Grã-Bretanha
ao Brasil saltaram de 37 milhões de libras para quase 113 milhões nos primeiros
anos da República. A opção pela continuidade dessa política foi clara por
parte dos chefes regionais: Rodrigues Alves foi eleito presidente em 1º de
março de 1902, com mais de 590 mil votos. Afonso Pena, seu sucessor, teve
menos de 290 mil.
Assim, quando assumiu o governo
em 15 de novembro de 1902, Rodrigues Alves foi o primeiro governante
brasileiro, desde 1889, a trazer pronto um programa de governo: manter o
rigor financeiro, eliminar as epidemias que assolavam impiedosamente a cidade
mais populosa do Brasil e inserir o país, definitivamente, na ordem civilizada
internacional. Tinha à sua frente uma única missão: a "regeneração"
do Brasil.
A tarefa não foi fácil, a
começar pela escolha do ministério. O conselheiro fazia questão de selecionar
o primeiro escalão do governo por critério de competência, atitude
paulatinamente abandonada pelos seus sucessores. Um colaborador em especial, o
futuro ministro das Relações Exteriores, relutou bravamente antes de aceitar o
convite. Fora do país desde 1876, o barão do Rio Branco, monarquista convicto,
tinha aversão à agitação e à inconstância republicanas. Mas foi convencido e
teve participação brilhante no governo, com grande destaque para as questões do
Acre, do Peru, dos limites com a Colômbia e com o Uruguai. Embora alguns
acordos tenham sido fechados depois, as negociações foram feitas no governo de
Rodrigues Alves e sob sua direta fiscalização.
Outros dois ministros fundamentais
para a execução do projeto de Rodrigues Alves foram o baiano José Joaquim
Seabra (1855-1942), do Interior e Justiça, e o catarinense Lauro Muller
(1863-1926), de Viação e Obras Públicas. O primeiro foi de extrema importância
para o controle das epidemias, uma vez que a Saúde Pública era atrelada àquele
ministério. O segundo ficou basicamente encarregado de levar a cabo a
construção de um novo porto na capital, uma vez que o antigo não comportava
mais o volume de negócios.
Para colocar o plano em execução,
Rodrigues Alves lançou mão do experiente engenheiro Francisco Pereira Passos
(1836-1913), nomeado com poderes ditatorias na prefeitura do Distrito Federal.
Também convidou para o governo, garantindo liberdade total de ação, o jovem
sanitarista Oswaldo Cruz (1872-1917), de apenas trinta anos, nomeado chefe da
Saúde Pública.
Some-se a isto a ação enérgica
de Oswaldo Cruz, atacando os mosquitos de forma implacável - sob protestos da
imprensa e de políticos que não acreditavam que o inseto transmitisse febre
amarela - e reduzindo as mil mortes ocorridas em 1902 para 53 em 1904. O conselheiro
tinha total confiança nos seus subordinados e não foi diferente com Oswaldo
Cruz. Sua ação contra a varíola, que desencadeou a Revolta da Vacina, em 1904,
foi apoiada integralmente pelo presidente, favorável à vacinação obrigatória - comum na Europa, mas considerada
um ato de tirania no Brasil.
Rodrigues Alves deixou o governo
com popularidade. Afinal, criou uma capital para a República, debelou
epidemias e, de quebra, deixou um saldo de 250 mil contos de réis ao seu
sucessor, Afonso Pena. Governou o estado de São Paulo novamente, entre 1912 e
1916, quando fundou a Faculdade de Medicina, mas recusou voltar à presidência em 1909 e 1914.
Mais tarde aceitou e em 1918 foi eleito presidente, mas morreu sem assumir, em
janeiro de 1919, vítima, ironicamente, de uma epidemia, a da gripe espanhola.
Encerravam-se assim cinquenta anos de vida política que fizeram do conselheiro
imperial o maior estadista da Primeira República.
Rodrigo Elias é
professor das Faculdades Integradas Simonsen e pesquisador da Revista de
História da Biblioteca Nacional.
Fonte: Revista Nossa História - Ano III nº 29
– Março - 2006
Saiba
Mais – Link
No início do século XX, os
cariocas trocavam roedores por dinheiro e ajudavam no combate à peste.
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Mais – Filme
Sonhos
Tropicais
Direção: André Sturm
Ano: 2002
Áudio: Português/Legendado
Ano: 2002
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Mais – Documentário
A Peste
Negra
Produção: The History Channel
Áudio: Português/Legendado
Duração: 90 min.
Olá professor, eu descobri seu blog e me interessei bastante por ele. Lendo seu artigo sobre Rodrigues Alves eu fiquei na dúvida se teria livros sobre sua figura para indicar...
ResponderExcluirMeu e-mail: Lukassrod@hotmail.com
Comece pela coleção "História Geral da civilização Brasileira".
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