Um caipira no palácio
Tido como
reservado e sovina, Prudente de Moraes não era um presidente popular, até que
um fracassado atentado contra sua vida o fez cair nas graças da população.
Jonas Soares
de Souza
A intenção do assassino, o soldado do 10°
Batalhão de Infantaria Marcelino Bispo de Melo (1878-1898), era matar o
presidente. No dia 5 de novembro de 1897, Prudente de Moraes estava no arsenal
para recepcionar o general Silva Barbosa e dois batalhões da coluna que lutara
em Canudos e chegava ao Rio de Janeiro a bordo do navio Espírito Santo. Um
grupo de inimigos políticos e conspiradores instigava a multidão a provocar o
presidente. Nesse momento, Marcelino Bispo surgiu à sua frente e disparou. Num
movimento instintivo, Prudente desviou-se do tiro. O marechal Bittencourt
derrubou o agressor, mas ele tinha uma faca e golpeou o ministro.
O assassino foi recolhido a uma das celas
das proximidades prometendo fazer graves declarações. O inquérito aberto pelo
primeiro delegado auxiliar, Vicente Neiva, arrolou entre os suspeitos militantes
oposicionistas que atacavam o presidente pelos jornais. Marcelino Bispo, após
alguns dias de interrogatório, apareceu morto, pendurado em um pedaço de lençol
preso à grade da cela.
O atentado vinha sendo tramado há um bom tempo.
Logo após a Proclamação da República, civis e militares de forte orientação
nacionalista formaram um movimento conhecido como jacobinismo, em alusão aos
radicais da Revolução Francesa. Ao assumir a Presidência, o marechal Floriano Peixoto
(1839-1895) tratou de capitalizar as esperanças desse movimento. Já Prudente de
Moraes era visto como o sabotador da obra nacionalista do antecessor. A
primeira ideia dos assassinos era alugar uma casa no Catete, de onde o presidente
seria alvejado quando passasse pelas ruas do bairro. A segunda, como conta a
historiadora Isabel Lustosa, era posicionar "um certeiro atirador no morro
mais próximo para atirar no presidente quando se postasse - como fazia todas as
manhãs - à janela do palacete presidencial, para, enrolando o seu prosaico
cigarro de palha, ler o jornal do dia". O plano acabou nas mãos do
fanático Marcelino Bispo. O atentado que matou o ministro da Guerra devolveu ao
presidente a popularidade perdida, o apoio de parte da imprensa e de
parlamentares que passaram a cobrar medidas enérgicas contra a oposição.
Prudente obteve do Congresso o estado de sítio.
Nada mal para um presidente cuja posse, em
15 de novembro de 1894, não tinha sequer uma cerimónia de transmissão de cargo preparada.
O Palácio do Itamaraty, então sede do governo, estava quase vazio. Na ausência de
Floriano, o ministro da Justiça e Negócios do Interior, Alexandre Cassiano do
Nascimento (1859 -1912), transmitiu o cargo a Prudente de Moraes sem
solenidades. O novo presidente recebia
como herança um país combalido pela crise financeira, irritado com o alto custo
de vida provocado pela política econômica do início da República, convulsionado
pela Revolução Federalista e pela Revolta da Armada, e ameaçado pela ideia do
retorno à monarquia. A estrutura agrária, que condenava à miséria a maioria da
população rural, e a situação no
arraial de Canudos, no sertão da Bahia, agravavam ainda mais as dificuldades da
sua gestão. Politicamente o mandato de Prudente de Moraes também enfrentava dificuldades.
A parcela do Partido Republicano Federal vinculada aos florianistas e chefiada
pelo ex-ministro Francisco Glicério (1846-1916) abandonara o presidente. Além
disso, no Congresso a bancada paulista se dividiu. Os estados menores não
aceitavam pacificamente o domínio de São Paulo sobre o governo federal. As camadas
urbanas e algumas facções militares, especialmente aquelas ligadas ao
florianismo, se opunham ao seu governo. A tensão culminou com o atentado.
Prudente José de Moraes Barros nasceu num
sítio perto de Itu, São Paulo, a 4 de outubro de 1841. Aprendeu as primeiras
letras com a mãe, Catarina Maria de Moraes, viúva de José Marcelino de Barros. O
pai, lavrador e tropeiro, morrera assassinado quando o menino Prudente mal
tinha completado três anos de vida. Ajudado pelo padrinho Antônio José da Silva
Gordo, lavrador e comerciante, Prudente continuou os estudos, mudou-se para São
Paulo e entrou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Estudante
pobre, metódico e pão-duro, como se pode deduzir de algumas cartas, ele mesmo
cuidava de sua roupa, lavando, passando e fazendo eventuais pequenos consertos.
Mesmo depois de ocupar os mais altos cargos da República hospedava-se em hotéis
baratos e não se esquecia de pedir descontos em assinaturas de jornais e
revistas. Nas Arcadas teve como colegas Campos Salles (1841-1913), Bernardino
de Campos (1841-1915) e Francisco Rangel Pestana (1839-1903). Formado em
Direito, Prudente abriu escritório de advogado em Piracicaba, cidade onde já
estava instalado o seu irmão Manuel de Moraes Barros (1836-1902).
Casado com Adelaide Benvinda, filha do
padrinho Silva Gordo, Prudente ingressou na carreira política como vereador
pelo Partido Liberal e presidiu a Câmara de Piracicaba em 1865-1868. Elegeu-se
deputado provincial em São Paulo para a legislatura de 1868-1869. Enquanto seu
irmão Manuel participara desde os primeiros momentos do movimento da propaganda
republicana, Prudente se mantinha fiel ao Partido Liberal. O seu nome não
aparece na lista subscrita em Piracicaba em apoio ao Clube Republicano e publicada
na edição de 30 de março de 1871 do jornal A República. Ele também não
figura no livro de presença da Convenção de Itu. Contudo, Prudente de
Moraes consta da ata dessa assembleia, realizada a 18 de abril de 1873. O seu
nome está grafado com caligrafia e tinta diferentes daquelas utilizadas na redação
da ata, o que nos leva a pensar que ele tenha sido incluído posteriormente,
talvez quando já era um nome famoso. Pode até ter sido parte da estratégia de
valorização da Convenção de Itu, considerada o acontecimento instituidor
do Partido Republicano Paulista (PRP). Mas, quando Prudente de Moraes se
decidiu pelo PRP, daí em diante foi um dos mais ardorosos defensores da
autonomia municipal, da federação, das ideias republicanas e dos interesses da
política do café. Pelo PRP foi eleito deputado à Assembleia Legislativa
Provincial de São Paulo (1878-1879, 1881-1883 e 1888- 1889) e deputado à Câmara
dos Deputados (1885-1886).
Armadas. Mas o seu governo
teve que enfrentar vários focos de oposição herdados do governo anterior e
protagonizados pelo Exército, funcionalismo público e governadores de estados.
Em seu governo, a sede do Poder Executivo
se transferiu do Palácio do Itamaraty para o Palácio do Catete, que passara às
mãos do Governo Federal em 1896. Mas a transferência acabou se transformando
A 15 de novembro de 1898 entregaria o
cargo ao sucessor, Campos Salles, numa situação bem diferente daquela de sua
posse. O caipira avesso às solenidades fez absoluta questão de que a posse de seu
sucessor se revestisse de pompa e circunstância. Prudente era um homem
reservado, de pouca prosa e, desde os tempos da vereança em Piracicaba, fugia
de reuniões festivas ou muito formais. Rui Barbosa o chamava de "taciturno
do Itamaraty". Mas agora se tratava de entregar a Presidência para um
velho colega de faculdade e companheiro de militância no PRP. No "Salão
Liberdade" os dois paulistas se abraçaram e trocaram discursos protocolares
em meio a uma ovação triunfal. Fortalecido no período final do governo e com a
popularidade recuperada, deixou o Palácio do Catete acompanhado de uma
multidão, que o levou à pensão Beethoven, no Largo da Glória, onde reservara
aposentos.
O atentado, único da história do país,
teve como efeito a reversão do quadro político. Prudente, antes impopular,
recuperou o prestígio e passou a ser entusiasticamente aclamado pelas multidões.
Ao relatar as homenagens e manifestações tributadas ao ex-presidente, a Gazeta
de Notícias de 16 de novembro de 1898 dizia: "Uma delirante expressão
de simpatia do povo, comovedora até às lágrimas, foi a mais bela consagração do
mérito do seu governo e ao mesmo tempo uma prova clara e esmagadora da
conquista feita pela ideia republicana na alma popular, graças à sabedoria, à
moderação e à tolerância desse mesmo governo que findou". Prudente de Moraes
deixou o Rio de Janeiro no dia 19 de novembro e foi recebido com grande festa em
todas as escalas na viagem de trem até Piracicaba, onde chegou no dia 23
daquele mês. Quatro anos depois, no dia 3 de dezembro de 1902, morria o ex-presidente,
doente e enfraquecido pela insistente tuberculose.
Jonas Soares
de Souza é historiador do Museu Republicano de Itu / Museu Paulista
da Universidade de São Paulo e organizador de Prudente de Moraes: discursos e mensagens. São Paulo: Universidade de São Paulo /
Editora Ottoni, 2003.
Fonte: Revista Nossa História - Ano III nº 27
– Janeiro - 2005
Pioneiro do marketing político
Fundando jornais republicanos e escrevendo diretamente aos eleitores,
Campos Salles se tornou presidente do Brasil num governo marcado pelo
saneamento das contas públicas
Victor Kraide Corte Real
Ao assumir o governo, em 1898, Campos
Salles preocupou-se principalmente com a economia e com a consolidação da
República recém-proclamada. Uma altíssima dívida externa – que atingiu, em
valores atuais, cerca de US$ 195,9 milhões em 1898 - inibia investimentos e
afastava a possibilidade de novos empréstimos estrangeiros. A solução foi
recorrer ao banco britânico London and River Plate Bank que, acreditando na seriedade
do novo presidente, aceitou o acordo de financiamento denominado funding-loan,
que escalonou os pagamentos da dívida. Para sanear as finanças domésticas, Campos
Salles lançou
impostos
e conteve duramente as despesas. No entanto, a população em geral foi obrigada
a enfrentar anos de empobrecimento.
Campos Salles conseguiu estabilizar a
República através da controversa "Política dos Estados", firmando o
revezamento entre paulistas e mineiros na liderança do país durante o período da
República Velha.
Manuel Ferraz de Campos Salles nasceu no
dia 13 de fevereiro de 1841, em Campinas, São Paulo. Ingressou na Faculdade de Direito
de São Paulo em 1859, ao lado de outros futuros personagens importantes da
História do Brasil, entre eles Prudente de Moraes (1841-1902), que seria presidente
da República, e Bernardino de Campos (1841-1915), que presidiria por duas vezes
o estado de São Paulo.
Aos 21 anos, durante o quarto ano do curso
de Direito, já envolvido com a militância política, Campos Salles dedicou-se ao
tabloide A Razão, jornal liberal de ampla circulação no ambiente
estudantil paulistano. Anos mais tarde, em 1869, participou da fundação da Gazeta
de Campinas, convidado por Francisco Quirino (1841-1886).
Em 1867, com apenas 26 anos, disputou pelo
Partido Liberal uma vaga na Assembleia Legislativa da
Província
de São Paulo. Seu trabalho de comunicação foi simples e intuitivo. Manuscritos,
enviados aos eleitores, sensibilizaram e convenceram, tornando-o deputado
provincial. Três anos depois, em dezembro de 1870, atuou na fundação do Clube
Republicano e no lançamento do jornal A República, estampando
em
seu primeiro número o celebrado Manifesto Republicano.
Ainda constituindo uma chapa dentro da facção
Liberal, os republicanos disputam as eleições municipais
de
1872. Campos Salles foi um dos escolhidos como vereador em Campinas. No ano
seguinte, a Convenção de Itu decidiu pela formação do Partido Republicano
Paulista (PRP), organizando os clubes e núcleos dispersos. Campos Salles assumiu
o cargo de secretário, responsável pelo contato entre os correligionários
através das circulares na imprensa. Ao lado de Américo Brasiliense de Almeida
Mello (1833-1896) ajudou a fundar, em janeiro de 1875, o principal veículo de
comunicação republicano: A Província de S. Paulo (atual O Estado
de S. Paulo).
Entre a eleição para vereador de Campinas,
em 1872, até a Presidência da República, em 1898, foram muitos degraus. Nas
eleições de 1876 assumiu, novamente, uma cadeira na Câmara de Campinas. Em 1881,
elegeu-se deputado provincial pela segunda vez, não representando os liberais,
como em 1867, mas sim os republicanos, que já formavam um partido.
Em 1884 ocorrem novas eleições provinciais
e gerais. Todos os esforços de Campos Salles foram direcionados para a
Assembleia Geral. Utilizando os melhores recursos existentes na época, os
republicanos desenvolvem uma ostensiva e inovadora forma de comunicação. Seus
candidatos estampam na primeira página do jornal A Província de S. Paulo
materiais de propaganda ilustrados com enorme retrato de cada um deles. A
edição de 16 de novembro de 1884 foi dedicada a Campos Salles, que saiu
vitorioso da eleição de 31 de dezembro.
O
movimento republicano ficou mais enérgico a partir de 1886, devido às
perspectivas de subida ao trono da princesa Isabel (1846-1921) e do príncipe
consorte, Gastão de Orléans (1842-1922), o conde d'Eu. Nos últimos momentos da
Monarquia, o Partido Republicano Paulista atuava como uma poderosa força
política, contando com o apoio de 74 jornais.
Em meio ao clima de grande efervescência,
Campos Salles assumiu, em 1888, pela terceira vez, o cargo de deputado
provincial em São Paulo. Como presidente da Comissão Permanente do PRP, manteve
contato com alguns oficiais do 10° Batalhão da Cavalaria do Exército. Era o
republicano responsável por manter a troca de informações entre Rio de Janeiro
e São Paulo, dando suporte ao braço militar que almejava implantar a República.
Com a queda do Império, assume o governo
provisório o marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892). Ao invés dos dois grandes
partidos nacionais (Conservador e Liberal), regendo uniformemente todas as
províncias do país, apareceram em cada uma delas agremiações diversas. Em São
Paulo, assumiu o governo um triunvirato republicano, liderado por Prudente de
Moraes. Muitos achavam que o cargo deveria ser de Campos Salles, mas ele fora
convidado para uma posição de maior destaque nacional, o Ministério da Justiça.
Sob o comando de Francisco Glicério
(1846-1916) foi criado, em 1893, o Partido Republicano Federal (PRF), que
recebeu desde os primeiros propagandistas republicanos até antigos defensores
dos partidos monarquistas. Não concordando com as propostas da nova agremiação,
Campos Salles manteve-se afastado.
No pleito de 1º de março de 1894, o PRF
obteve ampla vitória, elegendo Prudente de Moraes à Presidência da República.
Campos Salles assumiu a Presidência (nome então dado ao governo local) de São
Paulo depois da eleição de 15 de fevereiro de 1896.
O governo Prudente de Moraes passou por
sérias dificuldades com a Guerra de Canudos (1893-1897). Diante do clamor de setores
da sociedade pela volta da Monarquia, Campos Salles enviou tropas para auxiliar
o restabelecimento da paz na Bahia, aumentando seu prestígio junto ao forte
colégio eleitoral baiano.
O Partido Republicano Federal não possuía
uma opção interna unânime para a sucessão presidencial. A liderança nacional,
assim como a maioria dos governos estaduais, encontrava em Campos Salles a
melhor alternativa para trazer estabilidade para a República. Sua candidatura
oficial foi lançada no Rio de Janeiro, no dia 12 de outubro de 1897. O escritor
Alcindo Guanabara (1865-1918) registrou aquela opção estratégica como sendo uma
capitulação formal do governo que esperava obter com a astúcia o que não
conseguira com a força, ou seja, consolidar a República.
Contando com o reconhecimento, inclusive,
de muitos dos seus adversários, Campos Salles foi eleito em 1898, com 420.286 votos,
contra os 38.929 do segundo colocado, Lauro Sodré. Como chefe da nação recebeu
a denominação de "paladino do presidencialismo" pelo historiador
Célio Debes, por ter aplicado, em seu Plano de Governo, todas as propostas de
sua plataforma de candidato, com destaque para a política de austeridade econômica.
O presidente também procurou estreitar o
relacionamento entre os governos estaduais com a criação da "Política dos
Estados", também conhecida como "Política dos Governadores".
Fortaleceu a figura do presidente e garantiu a estabilidade da nação. Uma
estabilidade, de certa forma, forçada e maquiada, por estar apoiada na oligarquia
e que viria a ruir com o golpe de 1930 e o fim do período chamado República
Velha. Entre seus ministros, na pasta da Justiça, estava o político paraibano
Epitácio Pessoa (1865-1942), de apenas 33 anos, que se tornaria presidente em
1919.
Campos Salles deixou a Presidência em 1902
e recusou uma nova candidatura federal em 1905. Faleceu em 1913, em Santos. A
coragem e a honestidade levaram-no à ruína financeira; no entanto, manteve
firmemente seus ideais republicanos até o fim. Casado com Ana Gabriela Campos
Salles, declarou, em seu Manifesto Eleitoral de 31 de outubro de 1897, que o
Partido Republicano era como uma família: "Esta família é o Partido Republicano;
a ela pertenço, vivo no seu seio, aí tenho lutado, aí tenho sofrido, aí
morrerei".
Victor Kraide Corte Real é
mestre em Comunicação Social e
leciona nos cursos de
Jornalismo / Publicidade e Propaganda da Faculdade Prudente de Moraes e do Centro Universitário Barão de Mauá.
Fonte: Revista Nossa História - Ano III nº 28
- Fevereiro 2005
Foto de Campos Salles (litogravura) está datado do início do século XIX, mas ele nasceu 1841. Portanto deve ser do início do século XX.
ResponderExcluirObrigado.
ExcluirOlá, gostaria de saber qual é o arquivo onde está guardada a foto do anspeçada Marcelino Bispo de Melo, e quem é o autor da foto. Att., Cláudio.
ExcluirOlá, gostaria de saber em que arquivo está guardada a foto do anspeçada Marcelino Bispo de Melo, e quem é o autor da foto. Att., Cláudio.
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