Erotismo e
religião se mesclavam nos tempos da colônia
Ronaldo
Vainfas
“Não existe pecado do lado de
baixo do equador!” Este ditado que corria na Europa no século XVII e que se
tornou verso de Chico Buarque é quase um lugar-comum quando se fala da
liberdade sexual nos tempos coloniais. Já Gilberto Freyre, um dos maiores
intérpretes do Brasil antigo, dizia que os portugueses aqui desembarcavam
"escorregando em índia nua", que neles se esfregavam, fogosas e ardentes.
Um verdadeiro clima de "intoxicação sexual" teria explodido já no
século XVI, o que nosso grande pernambucano não deixou de celebrar com a
linguagem libérrima de sempre. Afinal era a primeira prova da vocação do
português e da índia, depois da negra e da mulata, para a mistura de raças que
marcou nossa história desde 1500.
Gilberto Freyre celebrou o
frenesi sexual do período colonial, mas foi durante muito tempo uma voz solitária.
Muitos historiadores, antes e depois dele, lastimaram profundamente este clima
de liberdade excessiva que todos julgavam existir na infância do Brasil. Um
deles, Paulo Prado, autor de Retrato do Brasil, dizia que um dos grandes
males de nossa formação foi a luxúria, palavra que usou, aliás, para
dar nome a um dos capítulos do livro. Escreveu Paulo Prado que, também por
causa desta desenfreada libidinagem, o brasileiro se tornou um povo triste.
Sexo excessivo, desânimo, preguiça. Paulo Prado até citou um provérbio latino
para ilustrar sua convicção: post coitum animal triste, nisigallus qui
cantat (após o coito os animais ficam tristes, exceto o galo, que canta).
A opinião implacável de Paulo Prado, que escreveu
na década de 1920, parece repetir o desespero dos jesuítas e de outros
cronistas do tempo colonial, sempre incansáveis em denunciar e lastimar a
"dissolução de costumes" que grassava na terra. Américo Vespúcio, o
célebre navegador, disse que tamanha luxúria era culpa dos índios, pois eles
tinham tantas mulheres quantas quisessem, "o filho se unindo com a mãe, o
primo com a prima e o encontrado com a que encontra". Grande exagero, sem
dúvida, do florentino que deu nome ao continente, pois os Tupinambá observavam
vários tabus sexuais. Mas o português Gabriel Soares de Sousa, que escreveu no
meado do século XVI, carregou nas tintas contra os índios. Deu a um de seus
capítulos o título "Que trata da luxúria destes bárbaros" dizendo
que, entre eles, enquanto as velhas ensinavam aos rapazes as artes do sexo, os
homens costumavam pôr no pênis o pêlo de um bicho peçonhento, "que lho faz
logo inchar, com o que se lhe faz o seu cano tão disforme de grosso, que os não
podem as mulheres esperar, sem sofrer..." (Tratado descritivo do
Brasil em 1557).
Manuel da Nóbrega, primeiro
provincial dos jesuítas no Brasil, em 1549, ficou tão desesperado com o que
via, portugueses e índias gemendo pelos matos, que suplicou ao rei o envio
urgente de mulheres brancas para casar com os portugueses. Nem que fossem
"mulheres de má vida", isto é, prostitutas - dizia o jesuíta -, desde
que viessem para casar! O recente filme Desmundo mostrou, por sinal com
muito realismo e plasticidade, o destino que aguardava essas "órfãs"
que desembarcavam no Brasil daquele tempo, obrigadas a casar com qualquer um
que as quisesse. Nem por isso o ardor geral esfriava. Tempos depois de Nóbrega,
outro jesuíta, este italiano, exclamou num sermão: "Oh! Se pudessem
falar as ruas e becos das cidades e povoações do Brasil! Quantos pecados
publicariam, que encobre a noite, e não descobre o dia! (...) Porque ainda a
pena treme e pasma de os escrever" (Economia cristã dos senhores no
governo dos escravos, 1700). Por essas e outras, frei Vicente do Salvador,
que escreveu o primeiro livro chamado História do Brasil, ainda em
1627, disse que não vingou por aqui o nome Terra de Santa Cruz que se lhe dera
em 1500. Para o frei, fora tudo obra do Diabo, que, empenhado em remover o nome
cristão da terra, trabalhou para que triunfasse outro nome, no caso o de
"um pau de cor abrasada e vermelha" (o pau-brasil), mais adequado a
seus propósitos.
Brasil, terra de pecados, que
muitos cronistas e historiadores associaram, em tom moralista, à liberdade
sexual e à ausência quase completa de religião. Afinal, nosso clero aqui sempre
foi escasso, a Igreja desorganizada e muitos padres mal ligavam para seu ofício
espiritual. Padres mal preparados e poucos, com a exceção quase solitária dos
jesuítas, vale insistir, que Gilberto Freyre chamou, com bom humor, de
"donzelões intransigentes" - incansáveis no propósito de propagar a
fé e moralizar os costumes.
Nessas polêmicas cotidianas é
possível flagrar, sem dúvida, a evidência de que os portugueses viviam mesmo
entre as índias, dando-lhes qualquer coisa em troca, um espelhinho, um pano, um
mimo. Mas é também possível flagrar algum escrúpulo e o medo que todos tinham
do inferno. Só o fato de discutirem muito este assunto, como era o caso, já dá
mostra do quanto Deus e o Diabo impregnavam o cotidiano desses homens. As
reações dos fornicários mais presunçosos não deixa de ter interesse. Uns
diziam que fornicar só era pecado venial, mas não mortal. Outros diziam que
dormir uma ou duas vezes com índia - que chamavam de negra da terra - não
era pecado mortal, nem condenava ao inferno. Mas se dormisse sete vezes, aí
sim, o inferno era certo. Alguns diziam que tinham mesmo que fornicar neste
mundo, pois o Diabo haveria certamente de fornicá-los no Além, sendo necessário
compensar de antemão.
O mais significativo, porém, é
que quase todos que diziam não haver pecado tão grave assim na tal fornicação
alegavam que só fornicavam com índias, pois eram elas "mulheres
públicas", mulheres de má vida, prostitutas. Se fosse com virgens - diziam
- com mulheres casadas ou, principalmente, com mulheres brancas, aí sim o
pecado era grave. Machismo e racismo, com algum verniz de moralismo cristão,
eis o que se pode extrair, em doses variadas, dessas conversas masculinas no
primeiro século do Brasil. Mais do que isto, mistura forte de libidinagem com
religião, mesmo entre homens que se vangloriavam de sua virilidade, useiros a
dormir com as índias nas redes, nos matos, onde fosse.
Religião e sexo andaram juntos,
pois, durante muito tempo no Brasil Colonial. E não é só neste caso de
fornicários que encontramos a prova disto. Os documentos da Inquisição nos
revelam inúmeras outras situações semelhantes, uma vez que o Santo Ofício estava
mesmo empenhado em policiar os costumes da população colonial. Entre denúncias
e confissões, há casos interessantíssimos de mistura entre as coisas da fé e
as pulsões do desejo. A começar pela sexualização das figuras divinas, isto é,
do próprio Cristo e da Virgem Maria. Tais documentos nos contam estórias como a
de certa mulher que, flagelada por um temporal na Bahia, gritou que "Deus
mijava sobre ela e que a queria afogar", e outra, de língua espanhola, na
mesma situação, bradou: "Bendito sea el carajo de mi senor Jesu Christo
que agora mija sobre mi". Acusadas
de blasfêmia, ouviram do visitador que "Deus não mija, que é coisa
pertencente ao homem e não a Deus". O mais importante disso é menos a evidente
blasfêmia, mas a sexualização do Cristo, a figura do Cristo fálico que povoava
a imaginação dos homens e mulheres daquele tempo. O mesmo vale para Maria,
Nossa Senhora, cuja virgindade perpétua era matéria de discussão cotidiana.
Maria fora sempre virgem - Virgo semper - antes, durante e depois do
parto? Polemizava-se. Para uns, sempre virgem, para outros nem sempre, para alguns
jamais. Houve muitos que a chamaram diretamente de puta - usando mesmo
este palavrão para dizê-lo. E um grande poeta daquele tempo, homem dado a
deboches, não hesitou, certa vez, em jurar "pelo pentelho da Virgem!"
Blasfêmias dos colonos? Sem dúvida, mas também prova cabal de que o sagrado
podia conviver com desejo e sexo.
Os moradores do Brasil colonial
sexualizavam o divino, portanto. Não é de admirar que divinizassem o sexo que
faziam na prática. Uns punham o crucifixo debaixo da cama, outros diziam as
palavras da missa em pleno ato sexual. Aliás, era bem difundida a crença de que
dizer as palavras da consagração da hóstia na boca de maridos, esposas ou
amantes, de preferência durante a relação sexual, era coisa que dava
excelentes resultados. Acreditava-se que tais palavras encantadas prendiam o
ser amado, ou amansavam maridos violentos, e talvez por isso as mulheres
usassem muito este artifício nas suas lides conjugais. Havia, porém, um detalhe precioso: as
palavras tinham que ser ditas em latim! Hoc est eram corpus meum, ou
seja, Isto é o meu corpo. Era isto, portanto, o que se dizia nas noites
e dias das "cidades e povoações do Brasil": nada menos que as
palavras sagradas da eucaristia, entre sussurros e gemidos.
Um expediente corriqueiro estava
no uso de certo amuleto amoroso, as chamadas cartas de tocar, magia
ibérica que consistia em encostar na pessoa desejada um objeto gravado com seu
nome e outras palavras próprias para seduzir. No Brasil usavam-se papéis, às
vezes papeizinhos miúdos contidos em "bolsas de mandinga", para
"fechar o corpo". Na visitação do Santo Ofício que mencionamos,
várias bruxas, pois assim foram chamadas, viram-se acusadas de vender as tais
"cartas" e divulgar outras magias eróticas. Uma dessas bruxas era
conhecida pelo sugestivo nome de "Maria Arde-lhe o Rabo". Outra, de
nome Isabel, possuía alcunha menos sensual: a "Boca Torta". No século
XVIII mineiro, uma certa Águeda Maria tinha um papel com algumas palavras e cruzes,
"carta" que servia para as mulheres tocarem em homens desejados
sexualmente. No Recife, era um certo Antônio Barreto quem levava um papel com
signo salmão e credo escrito às avessas, que servia para fechar o corpo e
facilitar mulheres: "Qualquer mulher que tocasse a sujeitaria à sua
vontade."
Além das cartas de tocar, recorria-se,
com idênticos propósitos, às orações amatórias, práticas muito comuns na colônia
e universalmente conhecida. Segundo a historiadora Laura de Mello e Souza,
essas orações eram um ramo da magia ritual em que era irresistível o poder de
determinadas palavras e, sobretudo, o nome de Deus, mas que não dispensava o
conjuro dos demônios. Tudo com o fim, ao mesmo tempo, de conquistar, seduzir e
apaixonar. Uma das bruxas baianas do século XVI mandava rezar junto ao amado:
"João, eu te encanto e rencanto com o lenho da vera cruz, e com os anjos
filósofos que são 36, e com o mouro encantador, que tu te não apartes de mim, e
me digas quanto souberes e me dês quanto tiveres, e me ames mais que todas as
mulheres." Não tão melodiosa como esta era a oração que, no século XVII
no Pará, fazia Maria Joana, cruzando os dedos: "Fulano, com dois te vejo,
com cinco te mando, com dez te amarro, o sangue te bebo, o coração te parto.
Fulano, juro-te por esta cruz de Deus que tu andarás atrás de mim assim como a
alma anda atrás da luz, que tu para baixo vires, em casa estares, e vires por
onde quer que estiveres, não poderás comer, nem beber, nem dormir, nem sossegar
sem comigo vires estar e falar."
Uma característica importante
deste autêntico mercado de linguagens eróticas, onde se trocavam ou vendiam
saberes e magias sexuais, era a quase absoluta separação entre o mundo
masculino e o feminino. Nos documentos da Inquisição, em que são descritas as
circunstâncias de cada fato denunciado, vê-se bem que as mulheres
protagonizavam o vaivém de poções, cartas de tocar, rezas sedutoras. Já nas conversas
desabridas sobre fornicações, quando surgia a polêmica se fornicar era ou não
pecado mortal, só homens estavam presentes, tudo na base do "erotismo
grosso" que Gilberto Freyre viu nos costumes masculinos portugueses. Não
havia também a cumplicidade ou solidariedade entre os envolvidos, pois as
mulheres eram acusadas, por suas próprias clientes, de ensinar ou vender poções,
enquanto os homens eram acusados de celebrar seus feitos de macho pelos amigos
de ontem, que com eles beberam vinho e contaram aventuras sexuais. A Inquisição
vivia da desunião entre amigos, parentes, amantes.
O certo, porém, é que o pecado
no Brasil Colônia não corria livre como muitos pensaram. Os jesuítas estavam
sempre a reprovar os excessos. Os inquisidores a perseguir os mais afoitos. E
todos, a bem dizer, viviam mais ou menos atormentados, temendo os castigos do
céu e da terra. De mais a mais, era tudo muito exposto naquele tempo, pois os
espaços das casas não eram claramente definidos e, quando o eram, nas
casas-grandes, por exemplo, mal havia portas separando cômodos. De maneira que
era frequente, mesmo entre casais unidos pelo matrimônio, que muitos vissem as
relações sexuais de vizinhos, parentes ou moradores da casa.
Um caso exemplar - conforme registrou
literalmente o escrivão no manuscrito número 6.366 da Inquisição de Lisboa -
foi o de certa moça chamada Maria Grega, mameluca casada com um alfaiate, na
Bahia quinhentista, que correu para acusar o marido ao inquisidor de que ele
só a possuía pelo ânus, nunca pelo "vaso natural". Perguntada pelo
inquisidor se alguém podia testemunhar sobre o caso, disse sem nenhuma cerimônia
que a irmã dela sempre viu tudo, pois dormia numa rede ao lado. . .Outro caso
espantoso diz respeito a um certo Baltazar da Lomba, morador em Pernambuco,
homem já dos seus 60 anos, que gostava de dormir com índios. Numa dessas foi
pego em flagrante por um rapaz curioso que "por uma abertura da porta,
pôs a orelha e aplicou o sentido", ouvindo Baltazar da Lomba e um índio
ofegarem na rede, acrescentando que um deles gritava "ui, ui, ui".
Sexo na igreja é algo que nos
leva de volta aos padres e de como religião e desejo se mesclavam no cotidiano
do Brasil antigo. Muitos padres, por sinal, eram useiros em flertar com
mulheres casadas ou solteiras, fazendo-o, inclusive, no próprio ato da
confissão. Aproveitavam o fato de a confissão ser secreta e, portanto, um dos
raros espaços de privacidade naquele tempo, e seduziam as moças. A Inquisição,
sempre ela, não dormiu no ponto, especialmente porque, neste caso, não se
tratava apenas de incontinência clerical, mas do uso libidinoso de um sacramento.
Por isto eram os tais padres chamados de solicitantes ad turpia, isto
é, solicitavam penitentes com propósitos torpes. O Santo Ofício prendeu e
processou vários deles, produzindo com isso documentos formidáveis sobre como
os homens seduziam as mulheres em tempos idos. Era comum esses padres falarem
mal dos maridos, prometendo às mulheres vida melhor, ofertando presentes, ou
recitando poeminhas. Um deles mandou à penitente, doublé de mulher
desejada, uma florzinha entredentes, fazendo-a passar pelas grades do
confessionário. Mas esses padres solicitantes pareciam usar de códigos
diferentes, conforme a posição social das mulheres que desejavam seduzir. Se
fossem brancas, cortejavam, diziam versos, ofereciam mimos. Se negras, iam logo
pondo as mãos nos peitos, ou por baixo das saias, usando de linguagem
chulíssima. Pelo visto, não só de religião o sexo estava embebido naquele
tempo, mas também da lógica da escravidão. Seduzir brancas era coisa que
merecia poemas e flores. Seduzir negras, cativas ou forras, dispensava tais
delicadezas: os padres iam logo apalpando seios, apertando coxas ou mesmo tocando
nas ditas "partes vergonhosas" por meio de palavreado lascivo.
De um modo ou de outro, é claro
que os padres usavam do poder que o cargo lhes conferia para assediar moças
incautas. Era o caso, por exemplo, de um certo frei Luís de Nazaré, carmelita
da Bahia que viveu no século XVIII. Dizia ter poderes de exorcista, no que
muitos acreditavam, e "curava" mulheres doentes através de cópulas,
ou por vezes espalhando sémen no corpo das moças, dizendo, com a Bíblia na mão,
que aquilo era remédio bom e vinha de Deus. Ao se defender do processo que
depois lhe moveu a Inquisição, frei Luís não hesitou em dizer que fazia aquilo
não por ser herege, mas porque tinha desejos irrefreáveis e as mulheres do
Brasil "eram rudes e simples". "Facilmente se enganavam",
disse o frei, "com qualquer cousa que lhes dizem...."
As sexualidades brasílicas de
outrora nem eram tão livres, nem estavam isentas de preconceitos,
constrangimentos de todo tipo e, sobretudo, de religião, que irrigava a
sociedade inteira. Muita coisa nos soaria estranha, nos dias de hoje, como
casais se amando vestidos ou dizendo as palavras sagradas em pleno gozo. Alguns
costumes de outrora parecem até bizarros, como um tal "namoro do
bufarinheiro", descrito por Júlio Dantas, muito comum em Portugal na
primeira metade do século XVIII: homens a distribuir piscadelas d'olhos e a
fazer gestos sutis com as mãos ou boca para as mulheres que se postavam à
janela, suspirantes, em dias de procissão religiosa, como se fossem eles
bufarinheiros a vender suas bugigangas. Ou um tal "namoro do
escarrinho", costume luso-brasileiro dos séculos XVII e XVIII, em que o
"enamorado" punha-se embaixo da janela da pretendida sem dizer nada,
limitando-se a fungar, como se estivesse resfriado, ou mesmo tossir, assoar o
nariz e escarrar no chão, à vista da moça.
Costumes estranhos, alguns.
Outros nem tanto, em especial os que envolviam constrangimento, preconceito,
assédio. Os documentos da Inquisição estão cheios deles. O Brasil era mesmo
terra de pecados, mas nem de longe de liberdade sexual. Liberdade nunca houve
por ali - ou por aqui - e entre os casais unidos pelo santo matrimônio poucas
vezes se encontra o amor que o século XIX celebraria na literatura romântica.
Amor e sexo juntos era coisa rara na Colônia, ao menos nos documentos daquele
tempo, mais empenhados em flagrar delitos do que sentimentos amorosos.
Salvam-se alguns poemas líricos, aqui e ali, como os dos árcades mineiros, no
século XVIII, por vezes muito amorosos, mas pouco eróticos. Eróticos e
amorosos ao mesmo tempo só os poemas satíricos - pouquíssimos - como os do
célebre Gregório de Matos Guerra, que viveu na Bahia, século XVII, de que vale
citar uns versos:
"O Amor é finalmente
um embaraço de pernas,
união de barrigas,
um breve tremor de artérias.
Uma confusão de bocas,
uma batalha de veias,
um rebuliço de ancas,
quem diz outra coisa é besta"
Não por acaso, celebrando o amor deste
modo, entre pernas, veias e ancas, Gregório de Matos seria afamado ou infamado
na Bahia como o "Boca do Inferno". Mas o poema tem lá seu valor.
Informa, no mínimo, que alguns podiam ficar totalmente nus no encontro dos
corpos, entre gemidos e palavras encantadas, o que não era pouca coisa naquele
tempo. A bem da verdade, de "boca do inferno", ao menos neste poema,
nosso Gregório não tinha nada. Estava mesmo é com o coração na boca.
Ronaldo
Vainfas é professor titular de História Moderna da Universidade Federal
Fluminense e autor de Trópico dos
pecados: moral,
sexualidade e Inquisição no Brasil Colonial, 2a ed. Rio de janeiro:
Nova Fronteira, 1997.
Fonte: Revista Nossa História - Ano I nº 01 – Novembro
2003
Saiba Mais - Links
Saiba Mais – Filmes
Desmundo
Baseado no
livro da romancista Ana Miranda e dirigido pelo paulista Alain Fresnot, a
narrativa traça um retrato do Brasil colonial visto sob o ponto de vista
feminino: no caso, o de Oribela (Simone Spoladore).
Jovem
portuguesa, Oribela veio para o Brasil junto com um grupo de órfãs trazidas
para cá pelo projeto da monarquia lusitana de oferecer esposas brancas aos
colonos, que há tempos se miscigenavam com as índias.
Na época,
essa era uma situação completamente desfavorável às mulheres, mesmo às
europeias. Afinal, naqueles dias elas valiam menos do que as mulas e tinham
menos direito a exercer a própria vontade. Como gado, seus dentes e dotes
físicos eram examinados e elas eram arrematadas como num leilão.
Muito
devota, mas disposta a tentar algum tipo de escolha, Oribela rejeita com uma
cusparada o primeiro e bruto pretendente (Cacá Rosset). Com Francisco (Osmar
Prado), ela já é mais conivente, ainda mais que ele se comporta, em princípio,
com mais civilidade.
Instalada na
remota propriedade do marido com uma sogra estranha (Berta Zemel), uma cunhada
deficiente e uma clara insinuação de incesto, Oribela tenta a fuga com a ajuda
de um comerciante judeu, Ximeno (Caco Ciocler).
Direção:
Alain Fresnot
Ano: 2003
Áudio:
Português + Legenda
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