Debates que antecederam a criação da Petrobrás, em 1953, desencadearam uma
das maiores mobilizações populares da história do país
Marcam a origem da Petrobrás os
tensos debates sobre os rumos do desenvolvimento do Brasil da segunda metade
da década de 1940. Na época, duas correntes se destacaram. De um lado, os
desenvolvimentistas, que defendiam a intervenção do Estado na economia, tanto
nos setores de infraestrutura quanto naqueles em que o capital privado, por falta
de recursos ou tecnologia, não tivesse condições de atuar. A segunda corrente
defendia a aplicação de princípios do liberalismo econômico, sendo contrária ao
incentivo do Estado à indústria nacional e favorável ao amplo ingresso de
capitais estrangeiros na economia brasileira.
A Constituição de 1946 havia
estabelecido que as riquezas do subsolo pertenciam à União. Sua exploração
dependeria de concessão federal a brasileiros ou "sociedades organizadas
no país", expressão vaga o suficiente para incluir empresas estrangeiras,
já que o texto não limitava a concessão a brasileiros natos. No início de 1947,
uma comissão foi encarregada de rever as leis existentes, à luz da nova
Constituição, e determinar diretrizes para a exploração do petróleo no país.
Enviou-se um anteprojeto de lei ao Congresso para discussão, mas em um ponto
havia consenso: o conteúdo nacionalista e estatizante da legislação estadonovista
teria de ser radicalmente alterado.
De acordo com o anteprojeto,
conhecido como Estatuto do Petróleo, o Conselho Nacional do Petróleo (CNP),
criado em 1938, continuaria a regular o setor. Os fundos para exploração,
produção e refinamento viriam de fontes internas e de empréstimos de governos
estrangeiros. O refinamento e o transporte ficariam a cargo de empresas públicas
ou companhias mistas, nas quais as empresas estrangeiras poderiam deter até
40% do capital. Uma vez atendidas as necessidades internas de abastecimento, as
empresas internacionais poderiam exportar o petróleo ou seus derivados.
A intenção do governo era montar
uma indústria nacional de petróleo com tecnologia e recursos externos,
atendendo assim a todos os interesses. Mas isto não foi possível: os trustes
estrangeiros queriam uma legislação que lhes permitisse o controle majoritário
no refinamento e no transporte, e liberdade quanto ao abastecimento do mercado
externo. Já os defensores da solução estatizante e os que apoiavam o capital
privado nacional temiam que as grandes companhias acabassem controlando a
indústria brasileira de petróleo, em função de seu poder econômico e da
pressão política dos Estados Unidos.
Em 1947, enquanto a comissão
ainda discutia o assunto, o confronto entre liberais e desenvolvimentistas
tornou-se público. Os militares tomaram a iniciativa de discutir a política do
petróleo, promovendo uma série de conferências no Clube Militar. O primeiro
conferencista foi o general Juarez Távora, ligado aos militares que davam
sustentação ao governo Dutra. Defendendo a tese da "cooperação internacional",
Távora considerava que o Brasil, carente de recursos técnicos e financeiros,
deveria aproveitar o interesse dos Estados Unidos em expandir seus negócios na
área de petróleo, oferecendo atrativos para que as empresas norte-americanas
aqui se instalassem. Ele também se referiu a motivos de ordem militar e
estratégica, como a necessidade de defesa do continente contra o perigo
comunista.
O principal opositor de Juarez
Távora foi o general Júlio Caetano Horta Barbosa, ex-presidente do CNP, para
quem o problema do petróleo deveria ser encarado como uma questão de soberania
nacional e segurança militar, o que tornava indispensável o monopólio estatal.
As teses de Távora eram respaldadas por oficiais ligados à Escola Superior de
Guerra e veteranos da Segunda Guerra Mundial, que naturalmente se identificavam
com os modelos de organização norte-americanos. Mas a maioria dos oficiais
apoiava as ideias de Horta Barbosa, preocupados sobretudo em manter a soberania
sobre os recursos naturais brasileiros.
Os discursos pronunciados na
sessão inaugural, realizada na Associação Brasileira de Imprensa, reiteravam a
necessidade de o país resistir às investidas dos trustes internacionais e
basear a exploração no controle estatal. Ao final da sessão, os cerca de 300
participantes se dirigiram à Cinelândia, onde depositaram flores junto à
estátua do marechal Floriano Peixoto. Apesar de a marcha ter sido violentamente
dispersada pela polícia, os trabalhos prosseguiram, adotando-se, inclusive, no
encerramento da convenção, a tese do monopólio estatal para todas as fases da
indústria do petróleo.
Em maio de 1948, Dutra
encaminhou ao Congresso o chamado Plano SALTE, que, na prática, vedava o
setor petrolífero ao capital estrangeiro, mas não às empresas privadas
nacionais. Essa postura aguçou a luta entre os setores nacionalistas da burocracia
estatal e os empresários brasileiros, que desde 1945 tentavam construir uma
refinaria em Manguinhos, no Rio de Janeiro, e outra em Capuava, próxima de São
Paulo.
Em 1951, o arquivamento do
Estatuto do Petróleo na Câmara dos Deputados tornava urgente a definição de um
planejamento nacional para o setor. Devido ao extraordinário crescimento do
transporte rodoviário, o consumo de derivados entre 1945 e 1950 praticamente
triplicou. Fora isso, excetuando a inauguração da refinaria de Mataripe (BA), a
criação da Frota Nacional de Petroleiros, em 1950, e a descoberta de alguns
campos novos no Recôncavo Baiano, havia pouco o que comemorar no setor
petrolífero.
Esse foi o quadro encontrado por
Getúlio Vargas ao voltar à Presidência,
em janeiro de 1951, dessa vez pelo voto popular. Seu retorno trouxe uma profunda
revisão da orientação econômica adotada pelo governo Dutra. Atribuindo uma
importância decisiva à industrialização,
o novo governo apostava na maior intervenção do Estado na economia, sobretudo
em energia, transporte e indústrias de base.
Em dezembro de 1951, o Executivo
enviou ao Congresso o projeto de lei propondo a criação da Petróleo Brasileiro
S.A. (Petrobrás, então com acento agudo no a), empresa de economia mista com
controle majoritário da União. O projeto não estabelecia o monopólio estatal:
permitia que até um décimo das ações da empresa pertencesse a estrangeiros,
contrariando assim uma das principais teses nacionalistas. Neste ponto,
obedecia à Constituição de 1946, que limitava a brasileiros natos a exploração
do subsolo, mas estendia a prerrogativa às empresas organizadas no país, dando
margem à participação acionária de grupos estrangeiros.
Depois de examinado pelas
comissões técnicas parlamentares, o projeto foi enviado em maio de 1952 ao
plenário da Câmara. Nas ruas, a União Nacional dos Estudantes e o CEDPEN
relançaram o slogan "O
petróleo é nosso". A campanha ganhou um indisfarçável ar de contestação a
Vargas, denunciado como "aliado do imperialismo" por comunistas e
militares nacionalistas. Vargas contra-atacou. Em 23 de junho, em discurso
pronunciado em Candeias, centro petrolífero da Bahia, chamou os udenistas de
"conhecidos advogados dos monopólios econômicos estrangeiros" e os
comunistas de "arautos dum falso nacionalismo que mal encobre uma filiação
ideológica, visando novos imperialismos".
Pressionado pela opinião
pública, Vargas optou finalmente pelo monopólio estatal, autorizando a
abertura das negociações no Congresso. Em 21 de setembro, o projeto foi
aprovado em sua redação definitiva. Em 3 de outubro de 1953, depois de sete
anos de luta e de intensa mobilização popular, Vargas sancionou a Lei n°
2.004, que criava a Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobrás, empresa de
propriedade e controle totalmente nacionais, com participação majoritária da
União, encarregada de explorar, em caráter monopolista, diretamente ou por
subsidiárias, todas as etapas da indústria petrolífera, menos a distribuição.
Nascia assim, há pouco mais de
50 anos, essa holding hoje
pujante, que é também símbolo dos ideais nacionalistas de várias gerações de
brasileiros. A Petrobrás é hoje a maior empresa do Brasil e a 15a
do mundo, na área de petróleo. Fruto de decisão política, sua criação
corresponde também, sobretudo, a um dos raros momentos na nossa história em
que o interesse da nação prevaleceu sobre os propósitos de grupos políticos e
empresariais.
Sérgio Lamarão é
pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do
Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas.
Fonte: Revista Nossa História - Ano I nº 04 – Fevereiro/2004
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Hoje, Dezembro de 2017 vemos que esse espírito monopolizador ESTATAL de correntes esquerdistas e NADA liberais ao criarem a Petrobras desencadeou um reboliço, uma sistematização de corrupção em nosso país, e os interesses políticos continuaram prevalecendo, hoje temos a gasolina mais cara, e o petroleo continua sendo “nosso”.
ResponderExcluirQuem sabe se tivéssemos seguido os entreguistas hoje estaríamos em uma situação totalmente diferente e os esquerdinhas não estariam preocupados em postar no Facebook reclamando do aumento do preço da gasolina, graças aos congelamentos irresponsáveis do governo PT. E viva a canetada e as pedaladas.