Fordlândia, a cidade da borracha inventada por um dos maiores empresários
do mundo, fracassou na imensidão amazônica.
Uma das táticas bem-sucedidas do
empresário consistia em tomar para si a produção dos insumos usados em suas fábricas,
para depender o mínimo possível de fornecedores externos. Obter borracha
natural era um problema: o monopólio dos britânicos sobre a oferta mundial do
produto incomodava-o profundamente. Sob a influência de um de seus poucos
amigos, Harvey Firestone (que se tornaria o líder dos pneus nos Estados Unidos
por mais de oito décadas), Henry Ford passou a considerar ter a sua própria
plantação de seringueiras. Mas onde plantar seringueiras? Que tal na região de
onde as sementes das plantações britânicas no Sudeste asiático haviam sido
furtadas? Foi assim que o homem mais rico do mundo decidiu possuir a maior
plantação de seringueiras do mundo, na região do rio Tapajós, no Pará.
Os governos federal e estadual receberam
com incontida satisfação a notícia dos investimentos, facilitando a instalação
dos norte-americanos na Amazônia. A Companhia Ford Industrial do Brasil teve a
sua escritura pública aprovada em 10 de outubro de 1927. Dois navios foram
enviados para Santarém levando em seus porões tudo o que se imaginava
necessário para a construção de uma cidade: tratores, geradores, enxadas,
machados, britadeiras, equipamentos hospitalares, concreto, uma fábrica de
gelo. Curiosamente, não havia nenhum
arquiteto, urbanista ou engenheiro sanitário na expedição inicial.
Todo o planejamento foi feito pelos
norte-americanos em Michigan, e o resultado foi uma sequência de erros. Os
primeiros gestores sentiram na pele os efeitos de não terem estudado a
realidade local: em um acampamento sem higiene, proliferavam as moscas nos
refeitórios e os mosquitos nos dormitórios. O recrutamento de mão de obra era
um entrave. Não havia na região homens em quantidade e com formação
profissional suficiente para operar e realizar a manutenção de máquinas, como
tratores, serras elétricas e caldeiras. Entre os contratados, o clima dócil
logo evaporou. Diante da qualidade ruim da comida servida (diferente da que
recebiam os norte-americanos) e do tratamento cada vez mais insultuoso (à base
de gritos e humilhações), acendeu-se o estopim para a primeira revolta: os
trabalhadores ameaçaram os norte-americanos com facões e machados. Não houve
feridos, mas o trauma nunca seria superado pelos estrangeiros. Fez-se ali a
primeira mudança no corpo diretivo da Companhia. Entre 1928 e 1930, viriam outras
três.
Não bastassem os problemas locais, houve
os impactos da crise global de 1929. Nos Estados Unidos, a Ford Motor Company
amargou uma queda de quase 50% na produção de automóveis. Mesmo diante dessa
nova realidade, Henry Ford garantiu recursos para que o projeto seguisse
adiante. Ao final de 1930 surgia Fordlândia, um projeto de plantação de
seringueiras em uma pequena cidade de aparência norte-americana, com seus
hidrantes vermelhos nas calçadas, em plena selva amazônica. Mas as riquezas
imaginadas por Henry Ford estavam longe de se concretizar: as seringueiras não
produziam borracha (inicialmente por serem jovens demais, depois, por conta de
ataques de fungos e de insetos), os minérios e as pedras preciosas não foram
encontrados, e a madeira, único produto rentável, era agora taxada pelo governo
paraense.
Tantas insatisfações se refletiram na
relação dos patrões com os funcionários. Os estrangeiros achavam os brasileiros
preguiçosos e passaram a chamá-los com apelidos relacionados à cor da pele e à
baixa estatura – foi comum o uso do termo “demente”. Enquanto isso, o
Departamento Sociológico tentava “civilizar” os trabalhadores, impondo-lhes
restrições ao modo de vida. Visitavam as residências para verificar condições
de higiene, preparação da comida, lavagem e secagem das roupas, se as vacinas
estavam em dia. Chegavam a ponto de indagar sobre a vida sexual do casal. Outra
questão que irritava os brasileiros era a obrigatoriedade de comer apenas
comida genuinamente norte-americana. O peixe e a farinha não se encontravam
disponíveis nos refeitórios, mas derivados de soja (leite, doces, margarinas)
vindos dos Estados Unidos eram frequentes nos cardápios.
Em dezembro de 1930 irrompeu a segunda
revolta dos brasileiros. Os norte-americanos foram ameaçados por trabalhadores
portando porretes, facões e machados. De novo, sem feridos. Mas nas instalações
de Fordlândia a destruição foi enorme: tratores e caminhões jogados no rio
Tapajós, vidros das instalações industriais quebrados, louças do refeitório
pisoteadas. A Polícia Militar do Pará foi chamada para debelar a revolta, mas
chegou três dias depois, com a situação já calma.
O que fazer então? Insistir em Fordlândia
ou abandoná-la? A decisão de Henry Ford foi pela reconstrução completa da
cidade. Outro dirigente foi enviado de Michigan para a missão. Archibald
Johnston fez um belo trabalho, instalando um hospital que se tornaria
referência nacional, sistema de captação, filtragem e cloração da água,
saneamento e iluminação da cidade, chegando à construção de um clube social com
quadras de tênis e um campo de golfe com 18 buracos. O clube era exclusivo para
os estrangeiros, mas várias atividades de lazer passaram a ser oferecidas aos
brasileiros: bailes com músicas norte-americanas, cursos de jardinagem, filmes
sobre a aerodinâmica dos novos modelos produzidos pela Ford Motor Company. Como
bem observou um padre em visita a Fordlândia naquele período, os dirigentes não
sabiam em qual país estavam.
Em 1932, havia 4 mil hectares de
seringueiras em Fordlândia quando o fungo Microcyclus ulei atacou e
causou o chamado “mal das folhas”, destruindo praticamente toda a plantação. As
folhas secaram e as árvores definharam. Ao final, percevejos e lagartas
liquidaram o pouco que havia sobrado. Archibald Johnston solicitou a presença
de um botânico – incrivelmente, o primeiro enviado pela Ford Motor Company
desde o início da plantação das seringueiras! Era tarde demais para Fordlândia:
a recomendação foi pelo abandono da plantação. O local seguiria apenas
abrigando pesquisas com sementes e mudas. Uma nova cidade deveria ser
construída e uma nova plantação de seringueiras iniciada. Henry Ford não
desistiu: garantiu que recursos financeiros não faltariam.
A nova plantação foi iniciada
aproximadamente a 100 quilômetros descendo o rio Tapajós, onde hoje se localiza
a cidade de Belterra. O golpe final veio em 1942, quando uma severa infestação
reduziu os seringais à metade. O desânimo ficou patente nos norte-americanos. O
país havia entrado na Segunda Guerra Mundial, Henry Ford estava cada vez mais
senil e no ano seguinte faleceria seu único filho, Edsel Ford. Em 1945, quando
Henry Ford II, filho de Edsel, assumiu o comando da Ford Motor Company, um de
seus primeiros atos foi vender Fordlândia e Belterra. O governo brasileiro
pagou US$ 250 mil pelas instalações que, segundo os norte-americanos, valiam
trinta vezes mais.
Hoje, Fordlândia é um distrito do
município de Aveiro. Para chegar até lá, o viajante pode tomar um dos barcos
que ligam diariamente Santarém, Aveiro e Itaituba. A viagem de barco-motor
entre Santarém e Fordlândia leva cerca de 12 horas. Fora do período de chuvas,
é possível hoje utilizar um carro 4x4 e, segundo locais, percorrer o trecho em
até oito horas. Fordlândia conta com menos de mil habitantes e vive das pensões
pagas pelos governos e das lembranças do passado. O Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan) ainda não conseguiu proteger as
construções na região, quase todas em franca deterioração pelas chuvas e a
umidade e sofrendo com furtos. Em 2012, desabou o antigo hospital construído
pelos norte-americanos.
Estima-se que a Ford Motor Company tenha
investido, em valores atuais, cerca de US$ 1 bilhão em Fordlândia e Belterra.
Como retorno, conseguiu produzir e enviar para os Estados Unidos menos de mil
toneladas de borracha natural. Henry Ford recusou todos os convites posteriores
de governantes e empresários brasileiros para que visitasse o Brasil – em
particular, seus fracassados investimentos no Pará.
Antonio Marcos Duarte Jr. é professor do Ibmec/RJ e da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro
Saiba Mais - Bibliografia
CRULS, Gastão. “Impressões
de uma Visita à Companhia Ford Industrial do Brasil”. Revista
Brasileira de Geografia, nº 1, p. 3-22, 1939.
GALEY, John. “Industrialist in the Wilderness: Henry Ford's Amazon Venture”. Journal of Interamerican Studies and World Affairs, nº 21 (2), p. 261-289, 1979.
RUSSELL, Joseph A. “Fordlândia and Belterra: Rubber Plantations on the Tapajós River”. Economic Geography, nº 18 (2), p. 125-145, 1942.
WEINSTEIN, Barbara. The Amazon Rubber Boom – 1850-1920. Redwood City, California: Stanford University Press, 1983.
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WEINSTEIN, Barbara. The Amazon Rubber Boom – 1850-1920. Redwood City, California: Stanford University Press, 1983.
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