Ele vigia os seus passos, mexe com sua cabeça, transforma você em
cobaia de experiências. Quando estamos nele, ficamos mais impulsivos, mais
narcisistas, mais desatentos e menos preocupados com os sentimentos dos outros.
E, de quebra, mais infelizes.
Super
Interessante/Junho 2015
No ano passado, pesquisadores das
universidades de Michigan e de Leuven (Bélgica) recrutaram 82 usuários do
Facebook. Durante duas semanas, eles enviaram perguntas via SMS, cinco vezes
por dia, para os voluntários. As perguntas eram "como você está se
sentindo agora?", "como você avalia a sua vida?" e "quanto
tempo você ficou no Facebook hoje?". O estudo mostrou uma relação direta:
quanto mais tempo a pessoa passava na rede social, mais infeliz ficava. Os cientistas
não sabem explicar o porquê, mas uma de suas hipóteses é a chamada inveja
subliminar, que surge sem que a gente perceba conscientemente. Já deve ter
acontecido com você. Sabe quando você está no trabalho, e dois ou três amigos
postam fotos de viagem? Você tem a sensação de que todo mundo está de férias,
ou que seus amigos viajam muito mais do que você. E fica se sentindo um
fracassado. "Como as pessoas tendem a mostrar só as coisas boas no
Facebook, achamos que aquilo reflete a totalidade da vida delas", diz o
psiquiatra Daniel Spritzer, mestre pela UFRGS e coordenador do Grupo de Estudos
sobre Adições Tecnológicas. "A pessoa não vê o quanto aquele amigo
trabalhou para conseguir tirar as férias", diz Spritzer.
E a vida em rede pode ter um efeito
psicológico ainda mais assustador. Durante 30 anos, pesquisadores da
Universidade de Michigan aplicaram testes de personalidade a 14 mil
universitários. Cada voluntário tinha de dizer se concordava ou discordava de
afirmações como: "eu tento entender como meus amigos se sentem" e
"eu geralmente me preocupo com pessoas menos favorecidas do que eu".
São perguntas criadas para medir o grau de empatia de uma pessoa - o quanto ela
se importa com as outras. Em 2010, os cientistas publicaram os resultados. Os
jovens da geração atual, que cresceram usando a internet, têm 40% menos empatia
que os jovens de três décadas atrás. E essa tendência fica mais intensa a
partir dos anos 2000, período que coincide com a ascensão das redes sociais. A
explicação disso, segundo o estudo, é que na vida online fica fácil ignorar as
pessoas quando não queremos ouvir seus problemas ou críticas - e, com o tempo,
esse comportamento indiferente acaba sendo adotado também na vida offline.
Num meio competitivo, onde precisamos mostrar
como estamos felizes o tempo todo, há pouco incentivo para diminuir o ritmo e
prestar atenção em alguém que precisa de ajuda. Há muito espaço, por outro
lado, para o egocentrismo. Em 2012, um estudo da Universidade de Illinois com
292 voluntários concluiu que, quanto mais amigos no Facebook uma pessoa tem, e
maior a frequência com que ela posta, mais narcisista tende a ser - e maior a
chance de fazer comentários agressivos. Esse último resultado é bem
surpreendente, porque é contraintuitivo. Ora, uma pessoa que tem muitos amigos
supostamente os conquistou adotando comportamentos positivos, como modéstia e
empatia. O estudo mostra que, no Facebook, tende a ser o contrário.
Não existe uma resposta direta. Mas
existem algumas pistas muito boas. Em 2013, pesquisadores da Universidade
Benihang, na China, analisaram 70 milhões de posts do Weibo, rede social
chinesa que mistura características do Twitter e do Facebook. Usando um
software que lia palavras-chave, eles classificaram cada post como alegre,
triste ou irritado - e viram como ele se propagava pela rede. As mensagens
irritadas eram as que se espalhavam mais rápido, e chegavam mais longe: eram
replicadas por pessoas a até três níveis de separação do autor (o amigo do
amigo do amigo repetia o post).
"Quando a pessoa está online, há uma
desinibição. Ela fica mais solta", afirma o psicoterapeuta Cristiano
Nabuco, do grupo de pesquisas em dependência tecnológica da USP. Isso acontece,
segundo ele, por causa da distância física. Como não estão frente a frente, as
pessoas se sentem mais à vontade para trocar acusações e insultos. E no
Facebook basta um clique para curtir ou replicar o que outra pessoa disse -
inclusive insultos. "Isso potencializa a agressão, porque eu posso fazer
uma ofensa e dez pessoas vão lá e me ajudam na ofensa, vira um grupo ofendendo
uma pessoa", explica Ana Luiza Mano, do Núcleo de Pesquisa de Psicologia
em Informática da PUC-SP.
E isso pode ter consequências profundas.
Segundo o Mapa da Violência 2014, um estudo elaborado pela Faculdade Latino-Americana
de Ciências Sociais, o número de suicídios entre adolescentes brasileiros
cresceu 36,7% entre 2000 e 2012 (o dobro do aumento nas demais faixas etárias).
O estudo não acusa as redes sociais. Mas o período em que os suicídios crescem
coincide com a ascensão delas.
Se você se sentir mal por causa do
Facebook, basta se desconectar ou colocar o celular no bolso, certo? Não é tão
fácil assim. Porque as redes sociais mexem com o núcleo accumbens, uma região
que fica no meio do cérebro e regula o chamado "sistema de
recompensa". Quando fazemos alguma coisa agradável - comemos algo gostoso
e calórico ou fazemos sexo, por exemplo -, esse sistema libera dopamina, um
neurotransmissor que nos dá prazer. É a forma de o cérebro nos dizer que aquilo
(comer bem ou se reproduzir) é vital para nossa sobrevivência, e, por isso,
devemos repetir sempre que possível. Trata-se de um mecanismo ancestral, que se
desenvolveu muito antes da internet. Em 2013, um estudo da Universidade Livre
de Berlim descobriu que ganhar likes no Face ativa esse mesmo sistema. Cada
"curtida" que recebemos provoca uma liberação de dopamina, como as
que temos ao comer e fazer sexo. "A sensibilidade do núcleo accumbens leva
a mudanças de comportamento no mundo real", explica, no estudo, o
neurocientista Dar Meshi. Por isso o Facebook é tão irresistível.
Só que abusar dele é perigoso. Pode
literalmente deformar o cérebro. Em 2012, um grupo de cientistas chineses
analisou 17 adolescentes viciados em internet - que ficavam conectados pelo
menos 5h30 por dia e tinham problemas na vida social por causa disso. As
imagens dos exames revelaram anormalidades no córtex orbitofrontal, região que
nos ajuda a controlar impulsos, e no corpo caloso, que conecta os dois
hemisférios do cérebro. Segundo o estudo, os danos eram similares aos
encontrados em viciados em álcool e cocaína.
As redes sociais estão mexendo conosco.
Inclusive de propósito - como quando o Facebook realizou uma experiência
secreta e polêmica, em que as cobaias foram os próprios usuários.
Cobaias
involuntárias
O Facebook continua manipulando o que você
vê na sua timeline. Isso é definido por um algoritmo que se chamava EdgeRank,
foi criado pelo próprio Face e originalmente seguia três critérios: afinidade
(o quanto você interage com o autor daquele post), engajamento (número de
likes, comentários e compartilhamentos que o post teve) e tempo (notícia velha
não tem vez). Hoje, o algoritmo é muito mais complexo - segundo o Facebook,
calcula mais de 100 mil variáveis, ajustadas de acordo com cada usuário. A
empresa não diz quais são, inclusive por um segredo comercial - do contrário, o
algoritmo poderia ser copiado por outras redes sociais. Mas há quem diga que o
sigilo também é uma maneira de adulterar o conteúdo distribuído aos usuários
para lucrar em cima disso. "O Facebook está na fronteira do eticamente
questionável. As vezes ele é ético, às vezes é antiético. Ele te dá benefícios,
mas cobra por isso", diz Raquel Recuero, professora de comunicação da
Universidade Católica de Pelotas e pesquisadora de redes sociais.
É comum ver usuários do Facebook
desconfiados com as políticas da empresa, ou temerosos de que ela tenha
informações demais. Se você é um deles, há uma boa maneira de buscar respostas:
solicitar o download de todas as informações que o Facebook coletou sobre você.
Eu fiz isso, é fácil. Recebi um pacote de arquivos que totalizavam 28
megabytes. Todas as fotos e vídeos que eu publiquei na rede estavam lá. Todos
os meus chats, todas as cutucadas que eu recebi (uma única, em 5 de setembro de
2014, de uma pessoa que eu não conheço - fiquei chateado), todos os eventos
para os quais fui convidado, incluindo os que eu ignorei. Se eu tivesse um post
privado (não publicado), estaria lá também. Posso ver todas as atividades do
meu mural e até coisas que fiz em outros serviços. Posso ver as músicas que
ouvi no Radio, em que dia, hora e ordem, pois minha conta nesse serviço de
streaming está conectada ao Facebook.
O prontuário tem muita coisa. Mas não tem
uma coisa extremamente importante: a lista com os sites que eu visitei. Porque,
sim, o Facebook sabe por onde eu andei na internet. Sabe quando você entra num
site, qualquer um, e ele tem um botãozinho que permite dar like em alguma
coisa? Esse botão é uma conveniência para você, e um mecanismo de monitoramento
para o Facebook: quando você entra naquela página, ele fica sabendo (mesmo se
você não apertar o botão de like). Esse sistema serve para que o Facebook
mostre anúncios relacionados às coisas que você pensa em comprar. Se você entra
numa loja virtual e procura uma geladeira, por exemplo, essa informação é
passada para o Facebook – que passa a exibir anúncios de geladeiras. "O
Facebook poderia tomar ações mais fortes para permitir que as pessoas tivessem
mais privacidade. Mas isso vai contra o modelo de negócio dele", diz
Recuero. O mecanismo está presente em grande parte da internet, inclusive em
sites que nada têm a ver com comércio eletrônico, e permite que o Face grave os
seus passos pela web, silenciosa e ininterruptamente. Ele não é o único: o
Google também faz algo do tipo. Um monitoramento que parece saído do clássico
1984, o romance distópico de George Orwell.
O sistema funciona graças aos cookies,
pequenos arquivos de texto que são colocados no seu computador ou celular e o
identificam enquanto você navega na internet. Na Europa, a lei determina que o
usuário tenha de aprovar cada um dos cookies depositados no seu computador. Mas
um relatório da Comissão de Privacidade da Bélgica, divulgado em março,
concluiu que o Facebook está violando a lei, plantando cookies nos computadores
das pessoas sem a permissão delas. Segundo o relatório, ele usa cookies para
monitorar usuários que não estão logados na sua rede - e até gente que jamais
teve uma conta de Facebook. A empresa negou a prática e disse que o relatório
tem erros.
O mergulho nos meus dados pessoais ficou
entre o fascinante e o perturbador. O mais esquisito é que concordei em dar todo
esse acesso ao Facebook. "Ao clicar em Abrir uma conta, você concorda com
nossos Termos, incluindo nosso Uso de Cookies", diz o texto. Quase ninguém
o lê: apenas 7% dos usuários, segundo uma pesquisa de 2011. No caso do
Facebook, o documento oficial tem mais de 23 mil caracteres - mais do que esta
reportagem -, e passa de 80 mil somando os subitens. Ou seja, é dificílimo de
ler. Isso não é exclusividade do Facebook. Os contratos que você
"assina" ao se inscrever nos serviços online sempre são longos e tortuosos.
Talvez porque não existam para serem lidos - mas para que as empresas tenham
poderes enormes sobre você. E porque, mesmo sabendo disso, e de tudo o que o
Facebook faz, você dificilmente vai parar de usá-lo. Eu não vou.
A
SUPER entrou em contato 11 vezes com o Facebook, entre os dias 16 e 30 de
abril, solicitando que concedesse uma entrevista ou respondesse por escrito às
questões discutidas nesta reportagem. A empresa preferiu não se manifestar.
Fonte: Super Interessante – Edição 348 -
Junho 2015
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JC Debate
sobre amor nas redes sociais | 14/07/2015
Não é coisa
apenas de jovens e adolescentes; é cada vez mais comum o uso da internet por
adultos que buscam relacionamentos pessoais e amorosos.
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