No campo de batalha ou curando doentes, as mulheres do Contestado tinham
o curioso dom de se comunicar com o além.
Mesmo vivendo sob acentuado domínio
patriarcal, muitas mulheres desempenharam papéis importantes no movimento do
Contestado. A começar pelas “virgens”. O monge José Maria se fazia acompanhar
de um séquito delas para auxiliá-lo nas rezas, nas pregações e no preparo de
chás homeopáticos. As “virgens” eram escolhidas por ele e pelas lideranças dos
Redutos – ou Cidades Santas – entre aquelas que manifestavam piedade e pureza
de alma. Não precisavam ser virgens no sentido biológico, pois havia entre elas
mulheres casadas. Mas as que mais se destacaram eram adolescentes. A
proximidade com o monge lhes dava respeitabilidade e poder junto à comunidade.
Na ausência do líder religioso, assumiam o papel de videntes.
Outras mulheres tornaram-se líderes no
interior dos Redutos e até mesmo nos campos de batalha. Querubina de França,
amiga e seguidora de José Maria, era uma das autoridades na Irmandade de
Taquaruçu. Com a morte do monge, coube-lhe a tarefa de escolher as videntes que
conversariam com o falecido e trariam suas predições para os devotos. A
primeira vidente escolhida por Querubina foi sua neta Teodora, menina de apenas
11 anos de idade. “Teodora dizia tornar-se uma Santa Virgem, contando que
falava com José Maria lá no mato, e que recebia as ordens para ir para
Taquaruçu, e também para curar gente; um dia chegou uma mulher que estava muito
doente; a virgem trouxe uma xícara cheia de sangue e deu para a mulher tomar,
dizendo que Seu José Maria é que tinha mandado”, contou Alfredo Lemos,
comerciante que visitava as irmandades. Entrevistada em 1961, já
idosa, Teodora negou os poderes videntes: “Eu não via nada. Eram os velhos que
se juntavam e diziam as ordens”.
No campo das mulheres guerreiras,
destaca-se a história de Maria Rosa. Bem jovem, ela participou de diversos
confrontos armados entre os sertanejos e as forças federais, estaduais e de
vaqueanos. “Maria Rosa era uma adolescente de seus 15 anos, loura, cabelo
crespo, pálida, alegre, de extraordinária vivacidade. Não sabia ler nem
escrever, mas falava com desembaraço. Era ela quem nas procissões marchava à
frente carregando uma bandeira com a cruz verde. Às vezes permanecia
encarcerada num pequeno quarto, só saindo para ‘transmitir as ordens’ que dizia
receber de José Maria durante períodos exóticos de vidência. (...) o povo dos
redutos considerava Maria Rosa uma santa e julgava que ela ‘tudo sabia’”,
descreve o sociólogo Maurício Vinhas de Queiróz. Maria Rosa exercia
a plenitude do comando no Reduto de Caraguatá: rezava, definia as chefias,
julgava, condenava, nomeava os líderes religiosos e militares. Comandou os
principais combates montada em seu cavalo branco, estandarte na mão esquerda e
arma na mão direita. Morreu em 1914, lutando contra as tropas do general
Setembrino de Carvalho, às margens do Rio Caçador.
Eloy Tonon é autor
de 2012 – Centenário do movimento do Contestado (Kaygangue,
2012).
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