Leopoldina passou por sacrifícios para conservar o poder e teve papel fundamental na Independência
Andréa Slemian
Ainda hoje predomina no senso comum uma visão de D. Leopoldina como esposa dedicada a D. Pedro, que teria sofrido por não ser correspondida, constantemente traída pelo jovem imperador, obscurecida pela marquesa de Santos. Ao mesmo tempo, ela é vista como uma das principais responsáveis pela Independência, que teria apoiado o movimento devido ao amor que nutria pelo Brasil e por seus habitantes. Como se poderia explicar o papel de esposa abnegada a partir do afinco com que a imperatriz atuou politicamente nos idos de 1822 no Rio de Janeiro?
Sob o título de arquiduquesa, D.
Carolina Josefa Leopoldina nasceu em 1797, filha de Francisco II e de D. Maria
Teresa, da casa de Habsburgo, uma das mais tradicionais da Europa.
Destacavam-se pela defesa do ideal monárquico absolutista, contra a Revolução
Francesa de 1789 e a ascensão de Napoleão Bonaparte – fantasmas permanentes que
aterrorizavam a ordem conservadora.
A jovem Leopoldina, educada com
esmero no ambiente ilustrado da Corte de Viena, demonstrava compreender o lugar
que lhe fora destinado. Princesas como ela desempenhavam um papel importante na
política de casamentos entre as famílias reais, o que assegurava acordos e
pactos de alianças entre os Estados e a própria reprodução monárquica. O
destino dos jovens príncipes e princesas já estava traçado desde muito cedo em
função dos acertos políticos. A arquiduquesa sabia muito bem disso e, na época,
esperava que chegasse a sua vez.
Antes de Leopoldina completar 19
anos, idade já considerada tardia para os matrimônios das princesas, o
imperador Francisco escolhera para seu cônjuge o herdeiro da Coroa portuguesa
que, junto com toda a Corte, cruzara os mares em 1807 e 1808, instalando-se no
Rio de Janeiro. A escolha não foi por acaso: a Coroa portuguesa também era
afeita aos ideais monárquicos absolutistas defendidos pelo governo da Áustria.
Ainda que Leopoldina pudesse
alimentar a expectativa de amar seu futuro esposo, a vontade de cumprir seu
papel político de princesa acabaria falando alto. Ambos os sentimentos eram
faces da mesma moeda. Ela sabia que, ficando solteira, continuaria a viver na
Corte de Viena, e nunca sairia de sua condição de arquiduquesa. Na América,
poderia vir a se tornar rainha, sonho de qualquer uma da sua condição. Foi por
isso que mais tarde, já no novo continente, escreveria: “por mais difícil que
seja a separação de minha família, meu destino é o Brasil e o cumprirei com
prazer o mais rápido possível”. Como alento para a grande viagem que a
esperava, havia a promessa de que a família real portuguesa ainda regressaria à
Europa.
Logo após a sua chegada em 1817, no
entanto, as condições lhe pareceram muito adversas e a vida na nova terra,
decepcionante. O clima, a dificuldade em encontrar livros e entretenimentos que
fossem comparáveis aos teatros, concertos e saraus vienenses, aliados à
dificuldade em achar interlocutores à altura de sua cultura, além de um
desapontamento em relação a algumas pessoas da família real, seriam
frequentemente notados por ela.
Leopoldina logo encarou uma de suas
obrigações como princesa: a de ter filhos, e assim servir como prolongadora da
dinastia. Já em meados de 1818 ela engravidou da primeira filha, Maria da
Glória, que nasceu no ano seguinte. Depois, vieram mais cinco rebentos,
praticamente um por ano: D. João Carlos, o príncipe da Beira, em 1821 (morto no
ano seguinte); D. Januária, em 1822; D. Paula Mariana, em 1823; D. Francisca
Carolina, em 1824; e D. Pedro (futuro D. Pedro II do Brasil), em 1825.
A atuação política de Leopoldina
ganhou mais importância na Corte portuguesa no início da década de 1820. Isto
porque ela tinha clareza analítica da realidade e consciência de sua obrigação
em defender os interesses da Áustria e dos Habsburgo diante do futuro da
América. Era parte de suas funções tecer relações políticas, o que muitas vezes
fazia de forma bem ostensiva. No melhor sentido do termo, Leopoldina também foi
estadista.
O momento político era conturbado e
favorecia a sua participação nos negócios da Corte. Em agosto de 1820, um
movimento na cidade do Porto, em Portugal, adquiriu forma revolucionária e
voltou-se contra a monarquia absolutista. No começo de 1821, instalou-se uma
assembleia de eleição popular – chamada de Cortes – que iniciou seus trabalhos
com o principal intuito de elaborar uma Constituição em moldes liberais.
Contestava-se a permanência do monarca na América, exigindo sua volta e o fim
do destaque dado ao Brasil no conjunto da política imperial. As Cortes tiveram
ampla adesão no Império, forçando D. João VI, que se encontrava no Rio de
Janeiro, a reconhecer o movimento constitucional em fevereiro de 1821.
Leopoldina reagiu a esses
acontecimentos com extrema preocupação. Era claro que sua ação política sempre
se voltou para manter a fidelidade à tradicional legitimidade monárquica, tão
bem representada pelos Habsburgo na Europa, e que rejeitava qualquer tipo de
movimento constitucional. O que mais a preocupava era o comportamento do marido
que, na sua visão, simpatizava demais com as exigências liberais dos revolucionários.
A adesão às Cortes gerou um clima de
instabilidade na cidade, principalmente por causa da falta de acordo acerca da
residência real. Naqueles dias também se cogitava que o príncipe D. Pedro
pudesse ir para a Europa, permanecendo o monarca no Rio de Janeiro. Leopoldina,
que se encontrava em vias de ter seu segundo filho, fez manobras para que ela e
o marido pudessem voltar ao velho continente. Chegou mesmo a escrever para o
pai pedindo que intercedesse neste sentido. No entanto, em abril de 1821, D.
João VI e sua esposa partiram para Lisboa, deixando D. Pedro como Regente no
Brasil.
A partida do rei reforçou as disputas
entre os grupos que lutavam por maior espaço de poder na Corte, e que chegaram
a causar violentos distúrbios urbanos. A princesa, que se encontrava no olho
deste furacão, mesmo considerando arriscadíssima a medida de continuar na
América por tempo indeterminado, concebeu que poderia ser esta a solução em
nome da ordem monárquica no novo continente. Dessa forma, desde meados de
1821, a princesa via como positiva a permanência de seu esposo no Brasil,
demonstrando que, como conservadora que era, não abandonaria a defesa da
legitimidade dinástica.
A princesa, que temia profundamente
qualquer alteração radical na ordem política, foi partidária da Independência
do Brasil, desde que ela não cedesse aos excessos liberais. Por isso,
aproximou-se de José Bonifácio de Andrada e Silva e de grupos afeitos a ele
que, em 1822, atuavam contra as Cortes e qualquer tipo de sublevação social.
Foi quando apoiou a permanência do príncipe no Brasil – simbolizado no dia do
“Fico” – passando a defender também a Independência, antes mesmo do
marido.
Do ponto de vista de Leopoldina, a
separação de Portugal teve outra incontestável vantagem: a conservação da
monarquia. Com o desejo de “afastar o espírito popular das ideias
republicanas”, chegou a considerar-se vitoriosa ao se tornar imperatriz do
Brasil. Nessa condição, realizou mais uma de suas atribuições políticas: intercedeu
diplomaticamente junto ao pai, em 1823, para que a Áustria aceitasse o Brasil
como Estado independente e assumisse o papel de seu aliado.
É fato que a satisfação que
demonstrou nos idos de 1822 nem sempre a acompanhou nos anos seguintes, já que
a Independência, encabeçada pelo Centro-Sul do país, também gerou violentas
respostas de outras províncias. Apesar disso e da constante reclamação pela
falta de interlocutores na cidade, a imperatriz se manteve atenta à
movimentação política até seus últimos dias de vida, no ano de 1826. Mesmo
afirmando ser o Brasil seu lugar, não deixou de confessar ser um “sacrifício”
viver na América, o que nos faz pensar que a tarefa de cumprir os desígnios de
sua dinastia seria a única arma capaz de neutralizar o peso do seu sofrimento.
Andréa Slemian é
professora da Universidade Federal de São Paulo e autora de Sob o império das leis: constituição e
unidade nacional na formação do Brasil (1822-1834),
(Hucitec, 2009).
Saiba Mais: Bibliografia
BOJADSEN,
Angel (coord.). D. Leopoldina. Cartas de
uma imperatriz. São Paulo: Estação Liberdade, 2006.
JANCSÓ,
I. Independência: História e
Historiografia. Vol. 1. São Paulo: Hucitec/ Fapesp, 2005.
LACOMBE,
Américo Jacobina (trad.). Correspondência
entre Maria Graham e a Imperatriz Dona Leopoldina. Belo Horizonte: Editora
Itatiaia, 1997.
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