“Rato,
rato, rato!” Ao ouvir esse grito no Rio de Janeiro no início do século XX, nada
de olhar para o chão nem ficar em um pé só. O melhor seria correr atrás do
rato, dar-lhe uma paulada e entregá-lo ao “ratoeiro”, provável autor do grito.
Esse funcionário pagava a quem recolhesse ratos na rua e revendia os animais
para o governo. A simples iniciativa tirou de circulação mais de 1,6 milhão
desses animais entre 1903 a 1907, diminuindo os casos de peste bubônica. Mas
também aguçou a malandragem dos cariocas: muitos chegaram a fabricar ratos de
papelão e cera para vender.
A esperteza desses enganadores não era o
problema mais grave. Parte da população e até alguns cientistas se recusavam a
aceitar que a cidade estava assolada pela mesma peste que aterrorizou a Europa
na Idade Média e no início da Idade Moderna, com muito mais mortes que no Rio de
Janeiro. Segundo o escritor Daniel Defoe (1659? - 1731), só no ano de 1665, em
Londres, a doença teria dizimado cerca de 68 mil pessoas de uma população total
de 450 mil.
Já no Rio de 1900, que tinha uma população
de 690 mil habitantes, um pouco maior que a da capital inglesa no século XVII,
360 pessoas morreram em 1903, o pior ano da epidemia. Até 1907, foram duas mil
mortes. Como era difícil estabelecer o diagnóstico e muitas famílias escondiam
seus doentes, talvez este número tenha sido até maior, mas não o suficiente
para impressionar a população e a comunidade científica.
O governo do presidente Campos Sales (1898-1902) também demorou a admitir que a chegada da peste representava um perigo. A doença desembarcou no Brasil em outubro de 1899 pelo porto de Santos (SP), provavelmente trazida por algum viajante do Porto, em Portugal. A primeira vítima no Rio de Janeiro foi registrada em janeiro de 1900, mas o ministro da Justiça, Epitácio Pessoa (1865-1942), disse que o foco inicial na capital havia sido combatido “satisfatoriamente” e a doença “exterminada em seu nascedouro”. No entanto, o aparecimento de novos casos em abril, que vitimaram não só imigrantes vindos de Portugal, mas também brasileiros, levou o governo a reconhecer oficialmente, em 21 de maio, que a peste estava instalada na cidade.
O governo do presidente Campos Sales (1898-1902) também demorou a admitir que a chegada da peste representava um perigo. A doença desembarcou no Brasil em outubro de 1899 pelo porto de Santos (SP), provavelmente trazida por algum viajante do Porto, em Portugal. A primeira vítima no Rio de Janeiro foi registrada em janeiro de 1900, mas o ministro da Justiça, Epitácio Pessoa (1865-1942), disse que o foco inicial na capital havia sido combatido “satisfatoriamente” e a doença “exterminada em seu nascedouro”. No entanto, o aparecimento de novos casos em abril, que vitimaram não só imigrantes vindos de Portugal, mas também brasileiros, levou o governo a reconhecer oficialmente, em 21 de maio, que a peste estava instalada na cidade.
Os primeiros esforços para acabar com a
doença foram pouco objetivos. A maior dificuldade era definir que tarefas
cabiam à Higiene Municipal e à Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), órgão
federal responsável pelo combate às grandes epidemias. O médico Nuno de Andrade
(1851-1922), diretor da DGSP de 1897 a 1903, só podia dar ordens aos serviços
de saúde municipais com autorização do prefeito, o que só ocorria nos momentos
mais críticos das epidemias. A falta de integração entre os órgãos de saúde
voltava a ser regra depois que os casos diminuíam.
Diante dessas dificuldades, a estratégia
do governo contra a peste foi a mesma usada para combater outra epidemia, a da
febre amarela. Os doentes eram removidos e isolados, e suas casas e bens
passavam por desinfecção ou eram destruídos. Essas medidas dificultaram a
expansão da peste, mas não a exterminaram. A cada mês de agosto, um mês frio,
quando as pessoas ficavam mais tempo juntas em casa, a doença voltava a atacar.
Quando Rodrigues Alves (1848-1919) assumiu
a Presidência da República em 1902, sua meta era o saneamento da capital
federal. Naquele momento, o Brasil tinha como projeto político a sua
modernização segundo os padrões europeus. As epidemias que atingiam o Rio de
Janeiro, como a febre amarela, a varíola e a peste, eram vistas como indícios
de atraso. Para mudar a situação, o presidente indicou para prefeito do
Distrito Federal o engenheiro Francisco Pereira Passos (1836-1913), que comandou
uma ampla reforma na cidade. O sanitarista Oswaldo Cruz (1872-1917) foi nomeado
para a direção da DGSP, e assumiu o cargo em março de 1903 com total
responsabilidade sobre o combate às doenças epidêmicas na capital.
Além das medidas que já vinham sendo
cumpridas, como as desinfecções e os isolamentos, Oswaldo Cruz combateu de
maneira enérgica os vetores, isto é, os organismos que hospedam os vírus e as
bactérias que causam as doenças. Criou as brigadas de mata-mosquitos para
combater a febre amarela e a figura do caçador-comprador de ratos. Ele usou
como base as descobertas do cientista franco-suíço Alexandre Yersin
(1863-1943), que havia identificado o bacilo da peste em 1894, provando que sua
transmissão ocorria pelas pulgas do rato. Mas a ideia de caçar esses roedores
não era nova. Já havia sido testada e aprovada pelos americanos nas Filipinas.
Os “ratoeiros” foram criados por um
decreto de setembro de 1903. Eles tinham como obrigação recolher 150 ratos por
mês, pelos quais recebiam 60 mil-réis, o que serviria para comprar uma cesta
básica na época. O salário, considerado baixo, era um estímulo para que
capturassem mais ratos, já que recebiam 300 réis por animal excedente, o que
permitia comprar três cafezinhos. Por isso, não paravam de sair às ruas –
principalmente na zona portuária, onde a incidência da peste era maior –
munidos de ratoeiras, venenos e potes com creolina, onde colocavam os ratos
capturados. E ainda levavam uma pequena corneta, que usavam para anunciar sua
chegada.
A medida criou um novo mercado e, é claro,
virou tema de carnaval, como na polca “Rato, rato, rato”, composta por Casemiro
da Rocha (1880-1912) em 1904 (Clique e ouça). A música usava como refrão o pregão dos ratoeiros
e terminava com uma alusão ao comércio dos roedores:
“Rato, rato, rato / Por que motivo tu roeste meu baú?
Rato, rato, rato / Audacioso e malfazejo gabiru.
Rato, rato, rato / Eu hei de ver ainda o teu dia final
A ratoeira te persiga e consiga, / Satisfazer meu ideal.
(...)
Rato velho, descarado, roedor/ Rato velho, como tu faz horror!
Vou provar-te que sou mau / Meu tostão é garantido
Não te solto nem a pau.”
A nova profissão também foi eternizada pelo escritor Paulo Barreto (1881-1921), que assinava com o pseudônimo João do Rio, em seu livro de crônicas A alma encantadora das ruas, de 1908:
“A mais nova (...) dessas profissões, que saltam dos ralos, dos buracos, do cisco da grande cidade, é a dos ratoeiros, o agente de ratos, o entreposto entre as ratoeiras das estalagens e a Diretoria de Saúde. Ratoeiro não é um cavador – é um negociante. Passeia pela Gamboa, pelas estalagens da Cidade Nova, pelos cortiços e bibocas da parte velha da urbs, vai até ao subúrbio, tocando um cornetinha com a lata na mão. Quando está muito cansado, senta-se na calçada e espera tranquilamente a freguesia, soprando de espaço a espaço no cornetim.”
“Rato, rato, rato / Por que motivo tu roeste meu baú?
Rato, rato, rato / Audacioso e malfazejo gabiru.
Rato, rato, rato / Eu hei de ver ainda o teu dia final
A ratoeira te persiga e consiga, / Satisfazer meu ideal.
(...)
Rato velho, descarado, roedor/ Rato velho, como tu faz horror!
Vou provar-te que sou mau / Meu tostão é garantido
Não te solto nem a pau.”
A nova profissão também foi eternizada pelo escritor Paulo Barreto (1881-1921), que assinava com o pseudônimo João do Rio, em seu livro de crônicas A alma encantadora das ruas, de 1908:
“A mais nova (...) dessas profissões, que saltam dos ralos, dos buracos, do cisco da grande cidade, é a dos ratoeiros, o agente de ratos, o entreposto entre as ratoeiras das estalagens e a Diretoria de Saúde. Ratoeiro não é um cavador – é um negociante. Passeia pela Gamboa, pelas estalagens da Cidade Nova, pelos cortiços e bibocas da parte velha da urbs, vai até ao subúrbio, tocando um cornetinha com a lata na mão. Quando está muito cansado, senta-se na calçada e espera tranquilamente a freguesia, soprando de espaço a espaço no cornetim.”
Além de cantar e escrever sobre os ratos,
alguns cariocas aproveitavam também para levar vantagem nesse comércio. Criavam
os roedores em currais e até os “importavam” de cidades vizinhas, como Niterói.
Entre os animais incinerados no Desinfectório Central estavam alguns feitos de
papelão e cera.
Um dos principais
“empresários” deste ramo ganhou as páginas dos jornais da época. Conhecido
apenas como Amaral, acabou preso pelo contrabando de ratos. Desvios como esse
eram amplamente noticiados pelos jornais, que aproveitavam para criticar a
iniciativa de Oswaldo Cruz.
No entanto, os números comprovam que a
campanha foi um sucesso. Nos primeiros meses em que esteve em vigor, de setembro
a dezembro de 1903, de acordo com relatórios de Oswaldo Cruz, foram capturados
e incinerados mais de 24 mil ratos. Já no ano seguinte, esse total chegou a
quase 296 mil. Em 1907, quando a operação começou a diminuir, foi divulgado o
número oficial de 1,6 milhão de ratos incinerados nos quatro anos anteriores. O
cronista Luís Edmundo (1878-1961), entusiasta da reforma de Passos, afirmou que
“só na zona dos bacalhoeiros da Rua do Mercado e na de certos trapiches da
Saúde se conseguiu um número de ratos maior que o da população do Distrito”,
que na época estava em torno de 800 mil pessoas.
Toda essa caça teve resultados positivos:
à medida que o número de ratos diminuía na cidade, a quantidade de óbitos por
causa da peste declinava progressivamente, passando de 360 em 1903, quando a
operação começou, para 73 em 1907. Mesmo com muita gente querendo se aproveitar
da epidemia, a política foi um sucesso para a saúde pública.
Dilene Raimundo do Nascimento é pesquisadora da Casa de Oswaldo
Cruz/Fiocruz e autora do livro As pestes do século XX (Editora Fiocruz, 2005).
Matheus Alves Duarte da Silva é graduando em História pela UFRJ e bolsista de Iniciação Científica CNPq/Fiocruz, na Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz.
Matheus Alves Duarte da Silva é graduando em História pela UFRJ e bolsista de Iniciação Científica CNPq/Fiocruz, na Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz.
Saiba Mais - Bibliografia
BENCHIMOL, Jaime. “Reforma urbana e revolta da vacina na cidade do Rio de Janeiro”. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves. O Brasil republicano: o tempo do liberalismo excludente – da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
DEFOE, Daniel. Um diário do ano da peste. Porto Alegre: L&PM, 1987.
EDMUNDO, Luís. O Rio de Janeiro do meu tempo. Brasília: Conquista, 2003.
RIO, João do. A alma encantadora das ruas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
BENCHIMOL, Jaime. “Reforma urbana e revolta da vacina na cidade do Rio de Janeiro”. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves. O Brasil republicano: o tempo do liberalismo excludente – da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
DEFOE, Daniel. Um diário do ano da peste. Porto Alegre: L&PM, 1987.
EDMUNDO, Luís. O Rio de Janeiro do meu tempo. Brasília: Conquista, 2003.
RIO, João do. A alma encantadora das ruas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
Saiba Mais – Filme
Sonhos
Tropicais
Ano: 2002
Áudio: Português/Legendado
Duração: 124 minutos
Saiba Mais – Documentário
A Peste
Negra
Produção: The History Channel
Ano: 2005
Duração: 90 min
Nenhum comentário:
Postar um comentário