A aproximação entre portugueses e
japoneses se deu em 1543, quando comerciantes lusitanos aportaram na ilha de
Tanegashima, em Kyushu, região no sul do país. No século XVI, o Japão se
encontrava em processo de unificação política. No período, chamado de
Sengoku-Jidai (do século XV ao XVII), o território foi dividido em várias
províncias autônomas. Os mercadores souberam tirar proveito da anarquia
política e do enfraquecimento do governo do xógum – líder
político-militar que assessorava o imperador –, oferecendo espingardas e
porcelana à aristocracia guerreira japonesa em troca de prata. Os jesuítas
chegaram poucos anos depois, em 1549, mas com intenções bem mais ousadas: iniciar
as missões.
Os padres encontraram o budismo e o
xintoísmo, duas tradições religiosas que se entrelaçavam na região, e,
aparentemente, o cristianismo não enfrentaria nenhuma hostilidade religiosa.
Auxiliados por um intérprete cristão japonês, Anjirô, cujo nome cristão era
Paulo de Santa Fé, os jesuítas Francisco Xavier, Cosme de Torres e João
Fernandes foram recebidos em uma embaixada pelo daimyô (aristocrata)
da província de Satsuma. Quando seguiram rumo à capital do Japão, Miyako (atual
Kyoto), os padres conheceram a real situação do país, que vivia um momento de
fraqueza do poder imperial. Embora tivessem sido recebidos pelo xógum,
sua empreitada foi malsucedida porque eles não conseguiram autorização para
evangelizar o povo. Os missionários se estabeleceram, então, em Yamaguchi, na
província de Suô, em Honshu, onde o padre Xavier foi autorizado a iniciar a
missão.
Para Xavier, as dificuldades com a língua
e com a escrita ideográfica eram um dos obstáculos a serem enfrentados. Por
isso, era preciso que os missionários aprendessem o idioma e investissem na
criação de um corpo de cristãos japoneses para lhes servirem de auxiliares e
intérpretes, os chamados dojukus. Experiente em lidar com a
aristocracia guerreira japonesa, o jesuíta pensou na possibilidade de converter
o maior número de daimyôs e de samurais, com a
intenção de estimular uma reação em cadeia na sociedade japonesa, já que a
população estava hierarquicamente submetida à autoridade dessas elites.
Essa estratégia até deu certo de início,
mas esbarrou em sérios problemas. Devido à autonomia das províncias e à falta
de unidade do país, era difícil manter as missões em vários locais. Quando os
religiosos avançavam sobre novas cidades, as anteriores eram perdidas. Outro
grande entrave era que, além de serem reféns do jogo político dos daimyôs –
mais interessados nas armas estrangeiras do que na diversidade religiosa –, os
jesuítas eram acusados de incitar a população contra sacerdotes japoneses. Por
isso, os padres foram violentamente expulsos da maioria das comunidades em que
tentaram penetrar.
Em outras regiões, o catolicismo conseguiu
melhor inserção, pois os jesuítas puseram em prática suas estratégias de
conversão e suas obras de caridade. O padre Luís de Almeida foi responsável
pela criação de um hospital e de um orfanato na cidade de Funai, em Bungo.
Outros missionários se destacaram pela confecção de imagens religiosas e de
catecismos em japonês, graças às técnicas de impressão trazidas pelos próprios
religiosos. Em 1563, em Kyushu, a presença cristã ganhou um importante aliado:
o daimyô de Hizen, Omura Sumitada, converteu-se e foi chamado
de D. Bartolomeu. No tempo em que esteve no poder, defendeu a causa cristã,
mandando queimar e destruir os templos e os santuários, além de autorizar a
perseguição às pessoas que se negassem ao batismo.
Já na capital, Miyako, a vida dos padres
não era confortável. Embora fundassem ali uma pequena igreja, tiveram que
resistir à perseguição dos bonzos – conselheiros religiosos –
e dos gentios. O xógum, após ter seu castelo invadido, acabou cometendo o seppuku –
técnica de se matar cortando as próprias vísceras – em 1565. Por medida de
segurança, os jesuítas foram expulsos da capital e, novamente reclusos em
Kyushu, puderam dar atenção a suas antigas freguesias.
Enquanto isso, durante a guerra civil que
dividia o Japão, o daimyô Oda Nobunaga vinha se destacando nos
campos de batalha. O aristocrata percebeu que poderia tirar proveito da aliança
com os estrangeiros, e, seduzido pelas espingardas europeias, defendeu os
jesuítas para enfraquecer o poder político dos bonzos. No tempo em
que liderou a guerra, parte de Kyushu e de Honshu, a maior ilha do Japão,
estiveram sob seu domínio. Nesses locais, as missões prosperaram e os jesuítas
puderam voltar a pregar na capital. Os padres concentravam grande parte de sua
logística no povoado de Nagasaki, cujo porto se tornou um dos mais importantes
para os negócios dos mercadores na década de 1580.
Dois jesuítas se destacaram nesse período:
Luís Fróis e Alessandro Valignano. O primeiro ganhou projeção ao se esforçar na
compreensão do idioma, na produção de catecismos, na confecção de livros e
tratados e na redação de um grande volume de cartas – 252 no século XVI.
Circulou por quase todas as áreas de atuação dos jesuítas no Japão, o que deu a
ele uma visão mais ampla do fenômeno missionário. Já Valignano esteve no Japão
três vezes. Na primeira visita, o padre já havia se preocupado em investir na capacitação
dos dojukus, adaptando o método jesuítico aos costumes locais.
Participou também dos preparativos para a criação da Santa Casa da Misericórdia
de Nagasaki.
Quando tudo parecia bem para a expansão
jesuítica, Nobunaga foi traído por um membro do seu exército e cometeu oseppuku.
Foi a partir daí que as relações luso-nipônicas sofreram uma reviravolta. Seu
sucessor, Toyotomi Hideyoshi, alegou que a cultura cristã desarticulava as
tradições do bushido – o código de conduta dos samurais –
e do xintoísmo, ameaçando as estruturas de poder e as hierarquias da sociedade
japonesa. Partidário de uma nova estratégia política, rompeu com os
missionários ao promulgar, em 1587, o Édito de Hakata, primeiro documento
anticristão japonês, que determinava a expulsão dos jesuítas da região central
do país.
A partir do Édito de Hakata, da rivalidade
luso-espanhola e das demais ordens religiosas no Extremo Oriente, o monopólio
dos jesuítas sobre o Japão ficou mais vulnerável. Apesar disso, o cristianismo
não recuou. Em Funai, foi construída uma diocese em 1588, e Nagasaki continuou
a prosperar.
Os portugueses tentaram se aproximar de
Hideyoshi, promovendo uma embaixada liderada por Valignano em 1591. Porém, a
ação não surtiu o efeito esperado e o édito foi mantido. Um ano depois, quando
Hideyoshi reuniu os damiyôs vassalos de Kyushu para invadir a
Coreia, os dominicanos chegaram ao Japão. Para estimular a rivalidade
institucional entre os jesuítas e as ordens cristãs, o regente do imperador– título
adotado – autorizou a presença dos franciscanos no país em 1593. Mas o
radicalismo de Hideyoshi foi ainda maior: ordenou o assassinato coletivo de
vinte e seis cristãos, entre os quais alguns religiosos franciscanos e
jesuítas, além de leigos japoneses. Ocorrido em 1597, o episódio ficou
conhecido como o primeiro Martírio de Nagasaki. A partir daí, tanto os jesuítas
quanto as demais ordens religiosas sentiram-se ameaçados. Após a morte de
Hideyoshi, em 1598, o daimyô Tokugawa Ieyasu assumiu o xogunato,
unificando o Japão.
Nesse novo governo, os nanban-jins, como
eram conhecidos os portugueses, perderam terreno no país. Além disso, as
viagens entre Macau e Nagasaki foram interrompidas pela Companhia das Índias
Orientais. Em 1609, os holandeses aumentaram sua presença em Kyushu e foram
autorizados por Tokugawa Hidetada, filho de Ieyasu, a estabelecer uma feitoria
na região.
As restrições à presença estrangeira e ao
cristianismo deram aos japoneses convertidos uma nova característica. Após
1614, ano de publicação de outro édito anticristão, o país ficou fechado para
os estrangeiros. Muitos missionários passaram a viver clandestinamente no país,
chamados de kakure kirishitan (cristão escondido). Os
católicos utilizaram várias técnicas para se camuflar entre a população, a fim
de não levantar suspeitas. Sabe-se que essas comunidades secretas resistiram
até meados de 1685, quando os Tokugawa resolveram investir definitivamente
contra a presença estrangeira no Japão.
Jorge Henrique Cardoso Leão é pesquisador do Núcleo de Estudos Japoneses (UFSC) e autor da
dissertação “A arte de evangelizar: jesuítas, dojukus e
mediações culturais no Japão (1549-1587)” (UERJ, 2010).
Saiba Mais - Bibliografia
BOXER, Charles
Ralph. The Christian Century in Japan (1549-1650). Califórnia: University of California Press, 1951.
COSTA, João Paulo de
Oliveira e. Portugal e o Japão: o século Nanban. Lisboa:
Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1993.
PINTO, Ana
Fernandes. Uma Imagem do Japão: a aristocracia guerreira nipônica nas
Cartas Jesuíticas de Évora, 1598.Macau: Instituto Português do Oriente e
Fundação Oriente, 2004.
THOMAZ, Luís Felipe. Nanban
Jins: os portugueses no Japão. Lisboa: CTT Correios, 1993.
Saiba Mais - Link
Saiba Mais - Filme
Kagemusha: a
sombra do samurai
Direção: Akira Kurosawa
Áudio: Japonês/legendado
Duração: 180 minutos
Saiba Mais – Documentários
Japão -
Memórias de um Império Secreto
Para
os primeiros ocidentais no Japão esse era um mundo misterioso, era a fábula da ilha
de Zipangu que Marco Polo tinha apenas ouvido, a terra de riquezas que Cristóvão
Colombo tinha partido para encontrar.
Quando
os portugueses chegaram ao Japão em 1543 eles encontraram um país estourando em
guerra civil
no
meio desse caos um guerreiro samurai emergiria ele criaria um regime tão forte
que durou mais de 250 anos, testemunhas desse mundo, ambos ocidentais e
japoneses escreveram sobre esses tempos de mudança. Lá estão histórias da
florescente cultura de rituais poéticos e de luta violenta pelo poder, é a saga
da abertura comercial com a Europa e depois o fechamento das portas para o
Ocidente.
Essas
são memórias do império secreto do Japão.
Direção: Deborah DeSnoo, Lyn Goldfarb
Ano: 2004
Áudio: Inglês/Legendado
Duração: 55 minutos/cada episódio
Em meios as vindas de
europeus ao Japão e ao trabalho dos Jesuítas em converter a nação ao
cristianismo, Tokugawa Ieyasu, um samurai, unifica o Japão e estabelece uma
dinastia que irá governar o Japão por mais de 250 anos.
Episódio-02- A Vontade do Xogum
O neto de Ieyasu, Tokugawa
Iemitsu, assume os comandos japoneses e começa uma campanha para expulsar os
estrangeiros do Japão.
Episódio-03- O Retorno dos Bárbaros
Isolados do Ocidente, no
começo do século 18, floresce toda uma cultura e economia bem definida,
tornando o Japão uma das cidades mais prósperas do mundo. Mas forças
estrangeiras estão chegando.
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