Apenas uma
ida ao cinema não é o suficiente para digerir o novo filme da americana Kathryn
Bigelow que – com duas estatuetas (melhor direção e filme) na gaveta, por The Hurt Locker (Guerra ao Terror), de 2008 – entrou na briga pelo
Oscar de melhor filme no Academy Awards deste ano, tratando de
uma temática bem parecida. Dois ingressos foram o necessário. E não aguentaria
ver pela terceira vez. Isto porque A hora mais escura, com sua
tentativa de ser documentalmente imparcial, é um espetáculo cinematográfico e
gera desconforto do começo ao fim.
“Baseado em relatos de eventos reais”, o
filme narra uma caçada que durou dez longos anos – mas com aquela sensação de
vinte, ou trinta, para aqueles envolvidos diretamente no caso, ou os
emocionalmente abalados pela perda de ente queridos, ou apenas os fortemente
ressentidos com aquele que deve ter sido o mais duro golpe contra o
“americanismo”. Dez anos foi o tempo que o centro de operações da CIA levou
para capturar e matar o inimigo número um dos Estados Unidos da América.
Segundo a versão oficial, Osama Bin Laden, líder da Al-Qaeda, foi mandante do
atentado terrorista de 11 de setembro de 2001, que deixou cerca de 3 mil mortos
e deflagrou a chamada “guerra ao terror”.
A história,
nós já conhecemos. Quem não se lembra do que estava fazendo (ou do que parou de
fazer quase que instantaneamente) ao ouvir a notícia dos atentados na TV, em
2001? Ou das horas e horas esperando pelo pronunciamento do presidente Barack
Obama, no dia da morte de Bin Laden, em 1º de maio de 2011? Isto, por si só, já
justificaria o caráter documental do filme de Bigelow. Mas ela vai adiante e
explora cada tracinho de informações (confidenciais ou não) – a CIA, de
verdade, chegou a investigar os produtores do filme para saber de onde eles
tiraram algumas delas – as quais teve acesso, na trama assinada por Mark Boal,
que também levou um Oscar de melhor roteiro por Guerra ao Terror.
O roteiro começou a ser escrito antes da morte do líder terrorista e teve que
ser modificado depois.
O primeiro
soco no estômago do filme vem de algo tão realista que é quase inacreditável.
Uma tela preta se ergue frente ao telespectador, logo no início, e as vozes
desesperadas das pessoas presas nos escombros das Torres Gêmeas naquele 11/9
ecoam. No cinema, as pessoas se remexem inquietas em suas poltronas tão
paradoxalmente confortáveis. Estão incomodadas. Resguardadas as devidas
proporções de pânico, é como se estivéssemos presos num horror sem fim,
implorando inconscientemente para que tudo termine logo, para que as vozes
cessem. Se esta era a intenção de Kathryn Bigelow, parabéns para ela.
A partir daí, A hora mais escura dá
início à obsessão que tomou conta dos Estados Unidos por todos esses anos, personificada
pela protagonista Maya (Jessica Chastain), que foi inspirada em um punhado de
agentes reais da CIA. Recrutada pelo serviço secreto antes mesmo de ingressar
numa universidade, em 2001, Maya fez da caçada aos talibãs seu objetivo de
vida, e de Osama seu pote de ouro no fim do arco íris.
A agente representa, portanto, a guerra
declarada ao terrorismo. E descansa sobre ela a controvérsia perturbadora, e o
viés ambíguo e perigoso, do filme: a tortura como um meio justificado pelo fim.
Intercalando cenas fictícias – que, ainda assim, carregam sobre si o peso da
legenda inicial do filme, de que ele é baseado em fatos reais – com imagens
verídicas de interrogatórios promovidos durante a “caça às bruxas” de George W.
Bush, Bigelow escancara a trilha que levou à captura de Bin Laden.
Num dos
momentos cruciais de Zero Dark Thirty – no jargão militar,
esta expressão significa meia-noite e meia, horário em que começou a operação
que culminou com a morte de OBL –, discursos de caráter mais “brando”
proferidos por Barack Obama mostram a ruptura no regime político vigente.
Mas a mensagem é clara: o governo atual pode até ter cumprido missão de forma
mais humana (e quanto a isso, há controvérsias), mas não se pode esquecer do
que os levou até ali.
Entre as críticas sofridas por Bigelow,
uma das mais contundentes foi a de Slavoj Zizek, que a acusa de estar “aliada à
normalização da tortura”, já que esta é representada, no filme, de forma neutra.
De fato, o sentimento que fica é de constante desconforto e dúvida: “mas ela
está defendendo ou criticando a prática?”. No fim das contas, a tentativa de
ser imparcial incomoda.
A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty)
Ano: 2012
Áudio: Inglês/Legendado
Duração: 157 minutos
Tamanho: 493 MB
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