Franceses se instalaram na Guanabara em 1555, mas diferenças religiosas
enfraqueceram a empreitada.
As forças portuguesas vitoriosas
foram comandadas pelo governador-geral Mem de Sá (1500-1572), que, como o padre
José de Anchieta (1534-1597), descreveu a colônia francesa como um ninho de
hereges, composto exclusivamente de seguidores da Reforma Protestante. Diziam
ainda que tinham sido encontrados livros sobre o protestantismo nas
fortificações. Dessa forma, o combate ganhava ares de luta contra a heresia
reformada, tornando-se meritório aos olhos de Deus e da comunidade católica.
Mais que uma disputa territorial, a expulsão dos franceses se tornava uma
guerra santa.
Esses relatos portugueses foram usados
mais tarde pelo historiador Francisco Adolfo Varnhagen (1816-1878) na
elaboração de sua obra História do Brasil, escrita no século XIX. A ideia de
uma França Antártica formada exclusivamente por protestantes foi confirmada
pelo autor e propagada entre diversos historiadores brasileiros. Mas as
narrativas francesas sobre o episódio mostram o contrário: a colônia abrigava
diferentes tendências religiosas, e essa variedade causara conflitos internos
que dividiram a comunidade. De fato, na Europa a Reforma protestante
revolucionava a experiência religiosa em diversas terras e gerava grandes
oposições. No âmbito francês, destacava-se a liderança de João Calvino
(1509-1564), exilado em Genebra, de onde exercia grande influência,
principalmente teológica, sendo suas intervenções no campo político pouco
significativas.
A versão dos derrotados diz que, em 1555,
o monarca francês Henrique II (1519-1559) concedeu ao experiente militar
Nicolas Durand de Villegagnon (1510-1572) a elevada quantia de dez mil libras
tornesas para conduzir uma esquadra da França ao Brasil. Nascido em família de
nobreza recente, Villegagnon tornou-se cavaleiro da Ordem de Malta, organização
militar e religiosa fundada no tempo das Cruzadas. Após uma longa ascensão
social, ocupou o posto de vice-almirante da Bretanha.
Os adversários protestantes de Villegagnon diriam mais tarde que o cavaleiro tinha se convertido à Reforma e desejava fundar um refúgio no Novo Mundo, onde seria possível “melhor servir a Deus”. De acordo com essa ideia, Villegagnon teria aderido ao protestantismo e depois traído a religião. Mas ao partir da Europa, sua companhia não deixava perceber nenhuma predileção religiosa. A bordo estavam o piloto adepto da Reforma Nicolas Barré (? –1562) e o cosmógrafo franciscano André Thévet (1504-1592).
Após meses de viagem, em março de 1556 os navios franceses comandados
por Villegagnon chegaram à Guanabara. Os viajantes ocuparam a ilha de Serigipe,
iniciando a construção do Forte Coligny, assim batizado em homenagem a Gaspar
de Coligny (1519-1572), almirante de França e um dos incentivadores do projeto.
Segundo os primeiros relatos de Thévet e Barré, publicados em1557 na Europa, o convívio entre católicos e protestantes foi inicialmente pacífico. A relação amistosa com os índios tupinambás também foi fundamental para a consolidação da colônia. Os nativos forneciam alimentos e água aos franceses, pois a ilha de Serigipe, escolhida por razões puramente militares, não possuía fonte de água doce. Em troca, os indígenas obtinham mercadorias europeias, especialmente instrumentos de ferro.
A comunicação com os índios era feita pelos trugimães, franceses que conviviam com os indígenas havia anos, tendo aprendido sua língua e seus hábitos. Mas em pouco tempo esses intérpretes entrariam em conflito com os novos colonos. Villegagnon exigiu que todos os homens que desejassem manter relações sexuais com as índias se casassem com elas. Os trugimães, que viviam na terra em contato com as mulheres nativas havia muito tempo, foram contra. Fez-se um complô contra os chefes da colônia para matá-los, mas o plano foi descoberto a tempo, permitindo a captura dos organizadores do motim e a morte dos líderes.
Os meses seguintes de 1556 transcorreram sem sobressaltos, mas em março de 1557, uma comitiva de adeptos da Reforma, liderada pelo nobre Du Pont e por dois pastores, Pierre Richer e Guillaume Chartier, chegou à Guanabara vinda de Genebra. Eram convidados do almirante francês Gaspar de Coligny, que se convertera ao protestantismo. A iniciativa foi orientada pelo líder reformador João Calvino. Entre os recém-chegados também estava o huguenote Jean de Léry (1534-1611), que, após retornar à Europa, escreveu o relato História de uma viagem feita à Terra do Brasil, uma das mais importantes obras sobre a França Antártica.
Inicialmente, o relacionamento entre o chefe da colônia e a comitiva de Du Pont foi amistoso, segundo as cartas de Villegagnon e dos pastores a Calvino. Porém, menos de um mês após a chegada dos protestantes, surgiu um conflito relacionado à celebração do culto de Páscoa. Para os católicos, o pão se transformava realmente no corpo de Cristo durante o ritual, enquanto para os protestantes seria apenas um símbolo da presença do filho de Deus. Para Villegagnon, a comunhão era uma das bases do poder real, e a negação da presença do corpo de Cristo abalava as bases em que a monarquia se apoiava.
Num primeiro momento, os grupos em litígio tentaram chegar a um acordo. O pastor Guillaume Chartier foi enviado de volta à Europa para consultar Calvino sobre o tema. Mas os debates não se resolviam, e a divergência religiosa foi tamanha que no fim de 1557 a comitiva de Genebra retornou à Europa. Contudo, o navio começou a afundar quando estava ainda na altura de Cabo Frio, e cinco genebrinos resolveram voltar de bote. Os náufragos foram recebidos por Villegagnon, que executou três por afogamento poucos dias depois. Segundo Jean Crespin (1523-1572), célebre editor militante reformado, autor de importante martirológio protestante, os três eram mártires da causa reformada, condenados por razões religiosas. Mas para o cavaleiro de Malta, os ditos “mártires” teriam provocado tumultos, incitando os colonos à insurreição e, dessa forma, sua condenação se dava exclusivamente por motivos civis.
O resto da comitiva seguiu para a Europa num navio em condições precárias. Segundo Jean de Léry, a viagem se prolongou além do esperado e os viajantes foram obrigados a devorar os macacos e papagaios que transportavam e, em seguida, os ratos. Por fim, hidrataram e comeram seus utensílios de couro. Muitos morreram de fome ao longo da tormentosa travessia. De acordo com Léry, apenas a piedade cristã os impedira de praticar a antropofagia.
Finalmente, chegando à Europa, os huguenotes iniciaram uma campanha difamatória contra Villegagnon, acusando-o de ter se convertido à Reforma e depois traído a causa. Em 1559, o cavaleiro de Malta retornou à França para se defender das acusações e publicou um livro discutindo a teologia de Calvino, convidando o reformador para um debate, que jamais aconteceu. A fidelidade à ortodoxia católica demonstrada por Villegagnon provocou uma guerra de panfletos, com muitas respostas e réplicas por parte dos protestantes. Ele acabou reconquistando a confiança do jovem rei Francisco II (1544-1560), e preparava outra expedição rumo ao Novo Mundo, em 1561, quando chegou a notícia da queda do Forte Coligny, na França Antártica, tomado pelos portugueses em 1560. Villegagnon abandonaria este plano, tratando apenas de obter uma indenização da Coroa portuguesa. E ganhou, apesar das pretensões lusitanas de legitimidade do tratado de Tordesilhas.
Os franceses ainda persistiram na Guanabara até 1567, quando seriam definitivamente expulsos por Mem de Sá. Embora tenham construído duas fortalezas nesse período, Paranapuã e Uruçumirim, a colônia jamais voltou a ser o que fora antes.
Pouco se sabe do que se passou nesses últimos sete anos, mas os relatos portugueses apontam que nas fortificações havia muito mais indígenas que franceses.
Na década de 1570, o debate foi retomado na França, quando André Thévet publicou a Cosmografia Universal, que acusava os protestantes pela perda da França Antártica. Respondendo a essa obra, Jean de Léry escreveu sua História de uma viagem feita à terra do Brasil, em que defenderia os huguenotes dessa acusação, atribuindo o verdadeiro fim da colônia às atitudes de Villegagnon, traidor da confiança de Coligny.
Os adversários protestantes de Villegagnon diriam mais tarde que o cavaleiro tinha se convertido à Reforma e desejava fundar um refúgio no Novo Mundo, onde seria possível “melhor servir a Deus”. De acordo com essa ideia, Villegagnon teria aderido ao protestantismo e depois traído a religião. Mas ao partir da Europa, sua companhia não deixava perceber nenhuma predileção religiosa. A bordo estavam o piloto adepto da Reforma Nicolas Barré (? –1562) e o cosmógrafo franciscano André Thévet (1504-1592).
Segundo os primeiros relatos de Thévet e Barré, publicados em1557 na Europa, o convívio entre católicos e protestantes foi inicialmente pacífico. A relação amistosa com os índios tupinambás também foi fundamental para a consolidação da colônia. Os nativos forneciam alimentos e água aos franceses, pois a ilha de Serigipe, escolhida por razões puramente militares, não possuía fonte de água doce. Em troca, os indígenas obtinham mercadorias europeias, especialmente instrumentos de ferro.
A comunicação com os índios era feita pelos trugimães, franceses que conviviam com os indígenas havia anos, tendo aprendido sua língua e seus hábitos. Mas em pouco tempo esses intérpretes entrariam em conflito com os novos colonos. Villegagnon exigiu que todos os homens que desejassem manter relações sexuais com as índias se casassem com elas. Os trugimães, que viviam na terra em contato com as mulheres nativas havia muito tempo, foram contra. Fez-se um complô contra os chefes da colônia para matá-los, mas o plano foi descoberto a tempo, permitindo a captura dos organizadores do motim e a morte dos líderes.
Os meses seguintes de 1556 transcorreram sem sobressaltos, mas em março de 1557, uma comitiva de adeptos da Reforma, liderada pelo nobre Du Pont e por dois pastores, Pierre Richer e Guillaume Chartier, chegou à Guanabara vinda de Genebra. Eram convidados do almirante francês Gaspar de Coligny, que se convertera ao protestantismo. A iniciativa foi orientada pelo líder reformador João Calvino. Entre os recém-chegados também estava o huguenote Jean de Léry (1534-1611), que, após retornar à Europa, escreveu o relato História de uma viagem feita à Terra do Brasil, uma das mais importantes obras sobre a França Antártica.
Inicialmente, o relacionamento entre o chefe da colônia e a comitiva de Du Pont foi amistoso, segundo as cartas de Villegagnon e dos pastores a Calvino. Porém, menos de um mês após a chegada dos protestantes, surgiu um conflito relacionado à celebração do culto de Páscoa. Para os católicos, o pão se transformava realmente no corpo de Cristo durante o ritual, enquanto para os protestantes seria apenas um símbolo da presença do filho de Deus. Para Villegagnon, a comunhão era uma das bases do poder real, e a negação da presença do corpo de Cristo abalava as bases em que a monarquia se apoiava.
Num primeiro momento, os grupos em litígio tentaram chegar a um acordo. O pastor Guillaume Chartier foi enviado de volta à Europa para consultar Calvino sobre o tema. Mas os debates não se resolviam, e a divergência religiosa foi tamanha que no fim de 1557 a comitiva de Genebra retornou à Europa. Contudo, o navio começou a afundar quando estava ainda na altura de Cabo Frio, e cinco genebrinos resolveram voltar de bote. Os náufragos foram recebidos por Villegagnon, que executou três por afogamento poucos dias depois. Segundo Jean Crespin (1523-1572), célebre editor militante reformado, autor de importante martirológio protestante, os três eram mártires da causa reformada, condenados por razões religiosas. Mas para o cavaleiro de Malta, os ditos “mártires” teriam provocado tumultos, incitando os colonos à insurreição e, dessa forma, sua condenação se dava exclusivamente por motivos civis.
O resto da comitiva seguiu para a Europa num navio em condições precárias. Segundo Jean de Léry, a viagem se prolongou além do esperado e os viajantes foram obrigados a devorar os macacos e papagaios que transportavam e, em seguida, os ratos. Por fim, hidrataram e comeram seus utensílios de couro. Muitos morreram de fome ao longo da tormentosa travessia. De acordo com Léry, apenas a piedade cristã os impedira de praticar a antropofagia.
Finalmente, chegando à Europa, os huguenotes iniciaram uma campanha difamatória contra Villegagnon, acusando-o de ter se convertido à Reforma e depois traído a causa. Em 1559, o cavaleiro de Malta retornou à França para se defender das acusações e publicou um livro discutindo a teologia de Calvino, convidando o reformador para um debate, que jamais aconteceu. A fidelidade à ortodoxia católica demonstrada por Villegagnon provocou uma guerra de panfletos, com muitas respostas e réplicas por parte dos protestantes. Ele acabou reconquistando a confiança do jovem rei Francisco II (1544-1560), e preparava outra expedição rumo ao Novo Mundo, em 1561, quando chegou a notícia da queda do Forte Coligny, na França Antártica, tomado pelos portugueses em 1560. Villegagnon abandonaria este plano, tratando apenas de obter uma indenização da Coroa portuguesa. E ganhou, apesar das pretensões lusitanas de legitimidade do tratado de Tordesilhas.
Os franceses ainda persistiram na Guanabara até 1567, quando seriam definitivamente expulsos por Mem de Sá. Embora tenham construído duas fortalezas nesse período, Paranapuã e Uruçumirim, a colônia jamais voltou a ser o que fora antes.
Pouco se sabe do que se passou nesses últimos sete anos, mas os relatos portugueses apontam que nas fortificações havia muito mais indígenas que franceses.
Na década de 1570, o debate foi retomado na França, quando André Thévet publicou a Cosmografia Universal, que acusava os protestantes pela perda da França Antártica. Respondendo a essa obra, Jean de Léry escreveu sua História de uma viagem feita à terra do Brasil, em que defenderia os huguenotes dessa acusação, atribuindo o verdadeiro fim da colônia às atitudes de Villegagnon, traidor da confiança de Coligny.
Independentemente da disputa de versões,
as obras de Thévet e Léry constituem preciosos registros sobre o Brasil da
época. Embora a experiência da França Antártica tenha sido temporária, legou
essas fontes de pesquisa e, mais ainda, a “cidade maravilhosa” de São Sebastião
do Rio de Janeiro. Já dizia Jean de Léry que não havia no mundo paisagem mais
bela que a Baía de Guanabara. Este talvez seja um dos raros fatos
incontestáveis sobre o episódio da França Antártica.
Luiz Fabiano de Freitas Tavares é professor Universidade Castelo Branco e da Rede Municipal do Rio de janeiro, Autor do Livro entre Genebra e a Guanabara: A discussão política huguenote sobre a França Antártica (TopBooks, 2009).
Saiba Mais - Bibliografia:
LÉRY, Jean de. Viagem à Terra do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1980.
MARIZ, Vasco e PROVENÇAL, Lucien. Villegagnon e a França Antártica. Rio de Janeiro: Bibliex, 2000.
MARIZ, Vasco (org.). Brasil França – relações históricas no período colonial. Rio de Janeiro: Bibliex, 2006.
MENDONÇA, Paulo Knauss de. O Rio de Janeiro da Pacificação. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esporte, Departamento de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1991.
Luiz Fabiano de Freitas Tavares é professor Universidade Castelo Branco e da Rede Municipal do Rio de janeiro, Autor do Livro entre Genebra e a Guanabara: A discussão política huguenote sobre a França Antártica (TopBooks, 2009).
Saiba Mais - Bibliografia:
LÉRY, Jean de. Viagem à Terra do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1980.
MARIZ, Vasco e PROVENÇAL, Lucien. Villegagnon e a França Antártica. Rio de Janeiro: Bibliex, 2000.
MARIZ, Vasco (org.). Brasil França – relações históricas no período colonial. Rio de Janeiro: Bibliex, 2006.
MENDONÇA, Paulo Knauss de. O Rio de Janeiro da Pacificação. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esporte, Departamento de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1991.
Saiba Mais – Filme:
No Brasil de 1594, um
aventureiro francês prisioneiro dos Tupinambás escapa da morte graças aos seus
conhecimentos de artilharia. Segundo a cultura Tupinambás, é preciso devorar o
inimigo para adquirir todos os seus poderes, no caso saber utilizar a pólvora e
os canhões. Enquanto aguarda ser executado, o francês aprende os hábitos dos
Tupinambás e se une a uma índia e através dela toma conhecimento de um tesouro enterrado
e decide fugir. A índia se recusa a segui-lo e após a batalha com a tribo
inimiga, o chefe Cunhambebe marca a data da execução: o ritual antropofágico
será parte das comemorações pela vitória.
Direção: Nelson Pereira
dos Santos
Ano: 1971
Duração: 84 minutos
O protestantismo de Calvino
Noventa e cinco teses contra os abusos da hierarquia eclesiástica afixadas na porta da igreja de Wittenberg, Alemanha, em 1517. Este gesto de denúncia, realizado por Martinho Lutero (1483-1546), geralmente é considerado o início da Reforma Protestante. O monge agostiniano é excomungado. Em resposta, a bula papal é queimada. Como um incêndio, as novas ideias vão se propagando: católicos e reformados se confrontam, sobretudo na Europa Central. O francês João Calvino (1509-1564) adere ao protestantismo, desenvolvendo uma linha particular que enfatiza a predestinação, segundo a qual o homem já nasce escolhido por Deus para a vida eterna ou para a condenação. Do ponto de vista moral, o calvinismo é marcado por um extremo rigor, visível na própria cidade de Genebra, governada por Calvino e seus seguidores, onde danças e jogos são proibidos, e é imposta uma rígida disciplina a todos os habitantes. A doutrina do reformador genebrino se difunde principalmente nos Países Baixos, na Escócia, na Inglaterra (dando origem a duas correntes: os presbiterianos, mais moderados, e os puritanos, mais radicais) e na França, onde os calvinistas recebem o nome de huguenotes. (Equipe RHBN)
Noventa e cinco teses contra os abusos da hierarquia eclesiástica afixadas na porta da igreja de Wittenberg, Alemanha, em 1517. Este gesto de denúncia, realizado por Martinho Lutero (1483-1546), geralmente é considerado o início da Reforma Protestante. O monge agostiniano é excomungado. Em resposta, a bula papal é queimada. Como um incêndio, as novas ideias vão se propagando: católicos e reformados se confrontam, sobretudo na Europa Central. O francês João Calvino (1509-1564) adere ao protestantismo, desenvolvendo uma linha particular que enfatiza a predestinação, segundo a qual o homem já nasce escolhido por Deus para a vida eterna ou para a condenação. Do ponto de vista moral, o calvinismo é marcado por um extremo rigor, visível na própria cidade de Genebra, governada por Calvino e seus seguidores, onde danças e jogos são proibidos, e é imposta uma rígida disciplina a todos os habitantes. A doutrina do reformador genebrino se difunde principalmente nos Países Baixos, na Escócia, na Inglaterra (dando origem a duas correntes: os presbiterianos, mais moderados, e os puritanos, mais radicais) e na França, onde os calvinistas recebem o nome de huguenotes. (Equipe RHBN)
Outra tentativa
No final do século XVI, franceses quiseram criar outra colônia no
Maranhão.
Muitos navios franceses começaram a
frequentar a costa do Brasil logo depois de seu achamento oficial. Do ponto de
vista português, eram invasores. Os franceses invocavam debates jurídicos em
curso para discutir a exclusividade ibérica sobre as terras do Novo Mundo. Para
os tupis da costa, se havia invasores, não eram os franceses, que sempre lhes
pediram licença. E nunca deixaram de entrar: em meados do século XVI, já havia
dezenas de pontos no litoral brasileiro nos quais súditos do rei da França tinham
instalado bases de apoio para um comércio altamente rentável de pau-brasil e de
outras madeiras, especiarias, papagaios e micos. Um desses pontos foi a região
da Guanabara, base para a fundação da colônia chamada de França Antártica.
Depois de serem expulsos pelos portugueses da Guanabara e da costa nordeste do
Brasil, os franceses se voltaram para a região do Maranhão. Embora não atingida
pela colonização portuguesa, ela já havia sido brevemente explorada por
Aires da Cunha, Diego Nunes e Luís de Mello, a serviço do rei de
Portugal.
No final do século XVI, uma dessas viagens de navios mercantes daria origem à segunda colônia francesa em território hoje brasileiro: a França Equinocial. Em 1596, um nobre francês de nome Charles des Vaux , depois de ter passado dois anos na costa norte da América do Sul, voltou à França para promover a ideia de estabelecer ali uma colônia. Sua estada na região do Maranhão tinha começado por um acidente: o capitão Jacques Riffault, que fazia viagens regulares à região havia alguns anos, perdera ali um de seus navios e fora obrigado a deixar parte de sua tripulação. Des Vaux foi um dos que ficaram com a gente de Uirapive – chefe tupi com quem Riffault tinha selado aliança – e tinha vários argumentos para convencer o rei Henrique IV a fundar uma colônia no Maranhão. A região estava “vazia” – como diziam – de ocupação europeia. Os franceses contavam com a aliança dos nativos, que já haviam declarado a des Vaux sua disposição de receber mais deles em suas terras. Além disso, o lugar proposto, bem próximo da linha equinocial, ou Equador, tinha um clima abençoado, de temperaturas constantemente amenas, com muito sol e fartas riquezas, além de muitas terras férteis, regularmente regadas por chuvas e cortadas por grandes rios de água límpida. Uma colônia ali tinha tudo para prosperar e só poderia contribuir para a grandeza do reino de França.
No final do século XVI, uma dessas viagens de navios mercantes daria origem à segunda colônia francesa em território hoje brasileiro: a França Equinocial. Em 1596, um nobre francês de nome Charles des Vaux , depois de ter passado dois anos na costa norte da América do Sul, voltou à França para promover a ideia de estabelecer ali uma colônia. Sua estada na região do Maranhão tinha começado por um acidente: o capitão Jacques Riffault, que fazia viagens regulares à região havia alguns anos, perdera ali um de seus navios e fora obrigado a deixar parte de sua tripulação. Des Vaux foi um dos que ficaram com a gente de Uirapive – chefe tupi com quem Riffault tinha selado aliança – e tinha vários argumentos para convencer o rei Henrique IV a fundar uma colônia no Maranhão. A região estava “vazia” – como diziam – de ocupação europeia. Os franceses contavam com a aliança dos nativos, que já haviam declarado a des Vaux sua disposição de receber mais deles em suas terras. Além disso, o lugar proposto, bem próximo da linha equinocial, ou Equador, tinha um clima abençoado, de temperaturas constantemente amenas, com muito sol e fartas riquezas, além de muitas terras férteis, regularmente regadas por chuvas e cortadas por grandes rios de água límpida. Uma colônia ali tinha tudo para prosperar e só poderia contribuir para a grandeza do reino de França.
Henrique IV convocou outro fidalgo, Daniel
de la Touche, senhor de La Ravardière, e ordenou-lhe que fosse com des Vaux
para a região. Partiram em 1607, e La Ravardière pôde comprovar os relatos de
des Vaux. Quando voltaram, o rei tinha sido assassinado e o projeto de fundação
de uma colônia no Maranhão teve de esperar alguns anos, pois se Henrique IV
havia prometido auxílio financeiro, após sua morte a Coroa francesa já não
estava disposta a dar a La Ravardière mais do que seu aval.
Em busca de parceiros, ele encontrou dois outros nobres interessados em investir tempo e recursos numa nova colônia: François de Rasilly e Nicolas Harlay de Sancy. Em 1611, a rainha regente nomeou-os “lugares-tenentes generais nas Índias Ocidentais e terras do Brasil”. Comprometiam-se a fundar no Maranhão uma colônia, para “o engrandecimento da França e a expansão da fé”. O monopólio do comércio na região, concedido pela Coroa, viabilizaria o projeto.
No dia 19 de março de 1612, zarparam de Cancale, na Bretanha, três navios em direção ao Maranhão, levando nobres, colonos de vários ofícios e quatro capuchinhos que haviam sido escolhidos entre os quarenta que se apresentaram para integrar, a pedido da rainha-mãe, a nova missão no Maranhão: Yves d’Evreux, que era o superior da missão, Claude d’Abbeville, Arsène de Paris e Ambroise d’Amiens. Aos dois primeiros devemos as fontes mais importantes sobre essa colônia que estava para ser fundada.
A viagem não foi tranquila, mas finalmente chegaram ao Maranhão em agosto. Os três navios lançaram âncora na pequena ilha desabitada – chamada de Sainte Anne pelos franceses e Ypaon miry pelos tupis – ao lado da Ilha Grande do Maranhão, hoje Ilha de São Luís. Charles des Vaux foi encarregado da primeira missão diplomática: confirmar se os índios continuavam dispostos a receber os franceses em sua ilha. Des Vaux convocou o conselho de chefes e anciões e disse-lhes que o rei da França tinha enviado valorosos soldados para lutar com eles nas guerras e padres para ensinar a palavra de Deus, com muitas mercadorias. Disse também que estavam à espera, e perguntou aos tupis se queriam recebê-los, continuar aliados dos franceses e aceitar o batismo. Se não quisessem mais, não desembarcariam e retornariam imediatamente à França. Consta que os tupis teriam respondido que muito os espantava que des Vaux, depois de ter passado tanto tempo com eles, fizesse tal pergunta, pois parecia não conhecê-los; deveria saber que eles nunca faltavam à palavra dada, e já tinham dito sim.
Os recém-chegados, então, juntaram-se aos seus 400 conterrâneos – muitos deles marujos em uma de suas estadas de meses à espera do carregamento dos navios; outros, residentes – que já estavam na Ilha Grande. Logo iniciaram, com a ajuda dos tupis aliados, a construção das casas destinadas aos novos colonos e de um forte, ao qual La Ravardière deu o nome de São Luís, em homenagem ao menino-rei Luís XIII. Enquanto isso, Rasilly foi com des Vaux a cada uma das aldeias da Ilha Grande para se apresentar, assim como aos padres Claude e Arsène, e confirmar a aliança. Na expressão de d'Abbeville, os lírios – símbolo da realeza francesa – começavam a florescer na região equatorial. Tudo ia bem, mas a colônia precisava de mais gente, mais dinheiro e mais apoio para se manter. Resolveram, então, que Rasilly retornaria à França para prestar conta dos progressos da colônia nascente e buscar meios de sustentá-la. Quando Rasilly retornasse, La Ravardière passaria a ele o comando e voltaria definitivamente para casa.
Conta d'Abbeville que, ao saberem dos projetos de Rasilly, os chefes da ilha de Maranhão resolveram enviar à França seis dos seus, dos quais apenas três sobreviveriam à umidade e à agitação da estada na terra de seus aliados. A chegada da comitiva que levava François de Rasilly, Claude d'Abbeville e os três Toupinambous Maragnans a Paris, em 12 de abril de 1613, foi marcada por grande comoção entre o povo e interesse na corte: desfilaram nas ruas e salões dançando com seus maracás, foram recebidos como embaixadores no Louvre, vestidos com roupas de tafetá, solenemente batizados – tendo como padrinho e madrinha o rei e a rainha regente – e casados com mulheres francesas. Em 1614, embarcaram de volta para o Maranhão os embaixadores, suas esposas, o padre Claude, doze capuchinhos, dezenas de artesãos e nobres decididos a integrar a nova colônia. Rasilly ficou na França, empenhado em conseguir mais apoio para a colônia.
Enquanto isso, certos da solidez de suas fortificações na Ilha Grande e de sua aliança com os tupis, os franceses se puseram a explorar a costa e a expandir suas alianças pelo continente. Mas os portugueses, rapidamente alertados, começavam a se preparar para expulsá-los novamente. Gaspar de Souza, governador-geral do Brasil, chegara a Pernambuco em 1613 já com a ordem de reconquistar o Maranhão. La Ravardière voltou para o Forte São Luís assim que foi avisado da aproximação das tropas lusas. As primeiras batalhas entre os portugueses e seus aliados indígenas, de um lado, e franceses e seus aliados indígenas, do outro, ocorreram já no final de 1614. Após um período de trégua e conversações diplomáticas, no dia 1º de novembro de 1615 os portugueses tomaram o forte na batalha de Guaxenduba, após uma vitória por eles considerada milagrosa. Naquele mesmo mês de novembro, Luís XIII se casava com Ana de Áustria, herdeira do trono espanhol. O casamento selava uma aliança entre a França e a Espanha que condenaria a colônia do Maranhão ao abandono e ao esquecimento, em virtude da união das coroas ibéricas, entre 1580 e 1640. La Ravardière foi enviado a Lisboa, onde permaneceu preso na Torre de Belém por alguns anos até ser devolvido à França, onde tentaria recuperar a colônia. Rasilly, que estava na França no momento da tomada do forte, também continuou tentando salvar o projeto no Maranhão. Em vão.
O projeto de engrandecimento da França e de expansão da fé que animara a fundação da França Equinocial seria realizado, mas na América do Norte, onde, na mesma época, os franceses fundavam duas outras colônias, Acádia e Nova França, hoje no Canadá. No Brasil, que fora destino de tantas viagens de navios franceses, palco de tantas alianças bélicas e comerciais com os tupis e razão de tantos entreveros diplomáticos e batalhas entre franceses e portugueses, essa segunda colônia francesa foi a última.
Beatriz Perrone-Moisés É Professora Do Departamento De Antropologia Da Universidade De São Paulo E Autora Da Tese “Relações Preciosas: Franceses E Ameríndios No Século XVII” (Ppgas-Usp, 1996).
Saiba Mais - Bibliografia:
D'ABBEVILLE, CLAUDE. História da missão dos padres capuchinhos na Ilha de Maranhão e terras circunvizinhas. São Paulo: Edusp/Itatiaia, 1975.
D'EVREUX, YVES. Viagem ao norte do Brasil, feita nos anos de 1613 a 1614. São Paulo: Siciliano, 2002.
Em busca de parceiros, ele encontrou dois outros nobres interessados em investir tempo e recursos numa nova colônia: François de Rasilly e Nicolas Harlay de Sancy. Em 1611, a rainha regente nomeou-os “lugares-tenentes generais nas Índias Ocidentais e terras do Brasil”. Comprometiam-se a fundar no Maranhão uma colônia, para “o engrandecimento da França e a expansão da fé”. O monopólio do comércio na região, concedido pela Coroa, viabilizaria o projeto.
No dia 19 de março de 1612, zarparam de Cancale, na Bretanha, três navios em direção ao Maranhão, levando nobres, colonos de vários ofícios e quatro capuchinhos que haviam sido escolhidos entre os quarenta que se apresentaram para integrar, a pedido da rainha-mãe, a nova missão no Maranhão: Yves d’Evreux, que era o superior da missão, Claude d’Abbeville, Arsène de Paris e Ambroise d’Amiens. Aos dois primeiros devemos as fontes mais importantes sobre essa colônia que estava para ser fundada.
A viagem não foi tranquila, mas finalmente chegaram ao Maranhão em agosto. Os três navios lançaram âncora na pequena ilha desabitada – chamada de Sainte Anne pelos franceses e Ypaon miry pelos tupis – ao lado da Ilha Grande do Maranhão, hoje Ilha de São Luís. Charles des Vaux foi encarregado da primeira missão diplomática: confirmar se os índios continuavam dispostos a receber os franceses em sua ilha. Des Vaux convocou o conselho de chefes e anciões e disse-lhes que o rei da França tinha enviado valorosos soldados para lutar com eles nas guerras e padres para ensinar a palavra de Deus, com muitas mercadorias. Disse também que estavam à espera, e perguntou aos tupis se queriam recebê-los, continuar aliados dos franceses e aceitar o batismo. Se não quisessem mais, não desembarcariam e retornariam imediatamente à França. Consta que os tupis teriam respondido que muito os espantava que des Vaux, depois de ter passado tanto tempo com eles, fizesse tal pergunta, pois parecia não conhecê-los; deveria saber que eles nunca faltavam à palavra dada, e já tinham dito sim.
Os recém-chegados, então, juntaram-se aos seus 400 conterrâneos – muitos deles marujos em uma de suas estadas de meses à espera do carregamento dos navios; outros, residentes – que já estavam na Ilha Grande. Logo iniciaram, com a ajuda dos tupis aliados, a construção das casas destinadas aos novos colonos e de um forte, ao qual La Ravardière deu o nome de São Luís, em homenagem ao menino-rei Luís XIII. Enquanto isso, Rasilly foi com des Vaux a cada uma das aldeias da Ilha Grande para se apresentar, assim como aos padres Claude e Arsène, e confirmar a aliança. Na expressão de d'Abbeville, os lírios – símbolo da realeza francesa – começavam a florescer na região equatorial. Tudo ia bem, mas a colônia precisava de mais gente, mais dinheiro e mais apoio para se manter. Resolveram, então, que Rasilly retornaria à França para prestar conta dos progressos da colônia nascente e buscar meios de sustentá-la. Quando Rasilly retornasse, La Ravardière passaria a ele o comando e voltaria definitivamente para casa.
Conta d'Abbeville que, ao saberem dos projetos de Rasilly, os chefes da ilha de Maranhão resolveram enviar à França seis dos seus, dos quais apenas três sobreviveriam à umidade e à agitação da estada na terra de seus aliados. A chegada da comitiva que levava François de Rasilly, Claude d'Abbeville e os três Toupinambous Maragnans a Paris, em 12 de abril de 1613, foi marcada por grande comoção entre o povo e interesse na corte: desfilaram nas ruas e salões dançando com seus maracás, foram recebidos como embaixadores no Louvre, vestidos com roupas de tafetá, solenemente batizados – tendo como padrinho e madrinha o rei e a rainha regente – e casados com mulheres francesas. Em 1614, embarcaram de volta para o Maranhão os embaixadores, suas esposas, o padre Claude, doze capuchinhos, dezenas de artesãos e nobres decididos a integrar a nova colônia. Rasilly ficou na França, empenhado em conseguir mais apoio para a colônia.
Enquanto isso, certos da solidez de suas fortificações na Ilha Grande e de sua aliança com os tupis, os franceses se puseram a explorar a costa e a expandir suas alianças pelo continente. Mas os portugueses, rapidamente alertados, começavam a se preparar para expulsá-los novamente. Gaspar de Souza, governador-geral do Brasil, chegara a Pernambuco em 1613 já com a ordem de reconquistar o Maranhão. La Ravardière voltou para o Forte São Luís assim que foi avisado da aproximação das tropas lusas. As primeiras batalhas entre os portugueses e seus aliados indígenas, de um lado, e franceses e seus aliados indígenas, do outro, ocorreram já no final de 1614. Após um período de trégua e conversações diplomáticas, no dia 1º de novembro de 1615 os portugueses tomaram o forte na batalha de Guaxenduba, após uma vitória por eles considerada milagrosa. Naquele mesmo mês de novembro, Luís XIII se casava com Ana de Áustria, herdeira do trono espanhol. O casamento selava uma aliança entre a França e a Espanha que condenaria a colônia do Maranhão ao abandono e ao esquecimento, em virtude da união das coroas ibéricas, entre 1580 e 1640. La Ravardière foi enviado a Lisboa, onde permaneceu preso na Torre de Belém por alguns anos até ser devolvido à França, onde tentaria recuperar a colônia. Rasilly, que estava na França no momento da tomada do forte, também continuou tentando salvar o projeto no Maranhão. Em vão.
O projeto de engrandecimento da França e de expansão da fé que animara a fundação da França Equinocial seria realizado, mas na América do Norte, onde, na mesma época, os franceses fundavam duas outras colônias, Acádia e Nova França, hoje no Canadá. No Brasil, que fora destino de tantas viagens de navios franceses, palco de tantas alianças bélicas e comerciais com os tupis e razão de tantos entreveros diplomáticos e batalhas entre franceses e portugueses, essa segunda colônia francesa foi a última.
Beatriz Perrone-Moisés É Professora Do Departamento De Antropologia Da Universidade De São Paulo E Autora Da Tese “Relações Preciosas: Franceses E Ameríndios No Século XVII” (Ppgas-Usp, 1996).
Saiba Mais - Bibliografia:
D'ABBEVILLE, CLAUDE. História da missão dos padres capuchinhos na Ilha de Maranhão e terras circunvizinhas. São Paulo: Edusp/Itatiaia, 1975.
D'EVREUX, YVES. Viagem ao norte do Brasil, feita nos anos de 1613 a 1614. São Paulo: Siciliano, 2002.
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