O texto é curto e direto: “Fica abolida a escravidão no Brasil.
Revogam-se as disposições em contrário”. Onze palavras que mudariam o nosso
futuro. Com o fim do cativeiro, o país entraria em uma nova fase, próspera e
igualitária. Festa, júbilo, comoção coletiva nas ruas.
Cento e vinte cinco anos depois, a
promessa sugerida naquele belo pedaço de papel soa envelhecida como o próprio.
Em que ponto do caminho as coisas deram errado? Provavelmente, antes mesmo
daquele 13 de maio de 1888.
As analises dos especialistas revelam o
“jeitinho brasileiro” de acabar com a escravidão: do ponto de vista religioso,
nos separamos do destino norte-americano. Na esfera política, a autoria do
feito foi disputada por republicanos e monarquistas. A princesa Isabel virou
santa, a reforma agrária foi engavetada e o papel dos próprios negros,
ignorado.
Abaixo, especialistas discutem o processo
que levou o Brasil à Abolição da Escravatura e suas consequências.
Em nome de Deus
José Murilo de Carvalho
Foi muito diferente o papel exercido
pela religião e pelas igrejas nos movimentos abolicionistas dos
Estados Unidos e do Brasil.
O mais forte componente dos abolicionismos
britânico e norte-americano foi justamente a convicção religiosa. Os quakers
foram pioneiros na luta contra a escravidão na Grã-Bretanha. Esse grupo
religioso puritano, conhecido como Sociedade dos Amigos, engajou-se na luta
desde o final do século XVII. Apesar de não haver condenação da escravidão na
Bíblia, eles decidiram que sua prática era incompatível com o princípio da
igualdade de todos os homens perante Deus. Aliados a outros religiosos,
organizaram-se em sociedades abolicionistas, mobilizaram a opinião pública e
pressionaram o Parlamento para aprovar medidas contra a escravidão. Em 1807,
esses militantes conseguiram sua primeira grande vitória quando o Parlamento
decretou o fim do tráfico de escravos.
No Brasil, nem o pensamento abolicionista se baseou na religião, nem a Igreja Católica se empenhou na causa. Pelo contrário, padres e ordens religiosas eram coniventes e cúmplices da escravidão. A Bíblia, argumentava-se, não proibia a escravidão e, afinal, o que importava era a liberdade da alma livre do pecado, e não a liberdade civil. Além disso, padres eram empregados do Estado, cujos interesses tinham dificuldade em contrariar. Nosso abolicionismo baseou-se antes em razões políticas e humanistas.
Esse contraste ajuda a entender por que,
nos Estados Unidos, a abolição foi seguida de forte ação a favor dos
ex-escravos, sobretudo nos campos da educação, dos direitos políticos e do
acesso à propriedade da terra. Entre nós, nada foi feito, nem pelo
Estado, nem pela Igreja, nem pelos particulares.
José Murilo de Carvalho é professor titular da UFRJ e autor de Dom
Pedro II: Ser ou não ser (São Paulo: Companhia das Letras, 2007).
Ouçam Salustiano
Wlamyra R. de Albuquerque
Em 1889, um grupo de libertos da região de
Vassouras, no Rio de Janeiro, endereçou a Rui Barbosa uma carta na qual exigia
instrução pública para seus filhos. Vivia-se um período delicado; a escravidão
fora extinta havia pouco tempo e a monarquia estava em colapso. Os signatários
da carta se declaravam republicanos e diziam que foram eles, os ex-escravos, e
não a família real, os autores da abolição. Esta declaração de protagonismo não
agradava a Rui Barbosa (1849-1923) e a outros emancipacionistas mais
conservadores, para quem a abolição era um problema nacional que tinha sido
resolvido pelos “cidadãos”, os “homens esclarecidos”, categorias que não
incluíam escravos e libertos.
Mas nem de longe o fim de escravidão foi
algo decidido e encaminhado apenas pelos senhores brancos e doutores do
Império. Desde que aqui aportaram os primeiros tumbeiros, as autoridades
policiais e políticas eram sobressaltadas por fugas e insurreições escravas a
comprometerem, dia após dia, os negócios, o sossego e a autoridade senhorial.
Na segunda metade do século XIX, a
relevância da rebeldia negra para a falência do escravismo ficou ainda mais
evidente. A historiografia está repleta de personagens negros que tinham na
abolição a sua principal causa, como Luís Gama, José do Patrocínio e Manoel
Querino. Houve outros menos famosos, mas também contundentes propagandistas da
liberdade negra, como um certo Salustiano.
Ele ficou conhecido na crônica baiana como
o orador do povo, graças à veemência com que discursava a favor da abolição e
em apoio a José do Patrocínio sempre que se desincumbia dos seus afazeres de
sapateiro. A pregação de Salustiano contrariava de tal maneira a ordem vigente
que um delegado de Cachoeira, no Recôncavo baiano, chegou a solicitar ao chefe
de polícia orientação para fazer “calar o dito preto”.
Ousadia foi a tônica da atuação dos negros
que lutaram contra a escravidão, inclusive às vésperas da abolição. Há várias
notícias do envolvimento de libertos africanos com sociedades abolicionistas.
Muitos acoitavam escravos fugidos, ou seja, os escondiam enquanto advogados
faziam correr na Justiça ações de liberdade.
A intensidade das revoltas e fugas
coletivas foi uma das maiores evidências da crise do escravismo. A movimentação
negra foi tão decisiva que um dos argumentos abolicionistas era de que só o fim
do cativeiro libertaria o homem branco, visto como refém da resistência dos
seus escravos.
Tinham razão os libertos de Vassouras ao
reivindicarem a autoria da abolição.
Talvez por terem sido os ex-cativos os
legítimos autores da sua liberdade, as comemorações do 13 de maio só existem
hoje em comunidades negras, a exemplo dos candomblés do Recôncavo baiano e dos
congados do Sudeste.
Wlamyra R. De Alburquerque é diretora de arquivos da Fundação Pedro
Calmon/SECULT-BA, professora da Universidade Estadual de Feira de Santana e
co-autora do livro "Uma História do negro no Brasil (Rio de Janeiro:
Ministério da Cultura - Fundação Palmares, 2006).
A terra prometida
Maria Alice Rezende de Carvalho
Mulato, baiano, filho de um membro
proeminente da elite política imperial, Rebouças aclimatou-se desde muito cedo
à vida na corte. Formado engenheiro militar aos 22 anos, dedicou-se à
modernização de portos e à construção de estradas, para dotar o Brasil de
infraestrutura compatível com a chamada Segunda Revolução Industrial, que
mobilizava a imaginação técnica de duas jovens nações emergentes: Estados
Unidos e Alemanha. No entanto, frustrou-se em sucessivas iniciativas para a
modernização material do país.
Sua vida foi reanimada pelo abolicionismo.
Era o primeiro movimento de formação de opinião no Brasil, e a ele o engenheiro
e empresário emprestou toda a sua energia. Dedicado a compreender os mecanismos
que emperravam o desenvolvimento do país, chegou à conclusão de que vivíamos um
bloqueio estrutural para a emergência de indivíduos livres. E que a libertação
dos escravos, por si só, não seria suficiente. Entendia a abolição como um
primeiro passo, ao qual se seguiria uma necessária eliminação do monopólio da
terra, pois a autonomia individual só seria possível com a transformação do
ex-escravo em pequeno produtor independente. Era este, para Rebouças, o único
caminho de libertação dos homens pobres do campo, pretos ou brancos,
ex-escravos ou imigrantes.
Sua convicção resultou em diversas
propostas, como a do imposto territorial progressivo. No entanto, como os
outros liberais brasileiros de seu tempo, ele temia que uma revolução agrária e
popular resultasse em guerra civil. E assim viu cancelado seu projeto de
refundação nacional. A partir de meados dos anos 1880, passou a considerar que
somente o imperador poderia dirigir o processo de libertação dos escravos e uma
eventual reforma agrária. Por isso, quando D. Pedro II é banido, Rebouças
conclui que não tem mais o que fazer no Brasil, e opta por exilar-se na Ilha da
Madeira.
Suicida-se em 1898, convencido de que a
civilização brasileira, tal como a da Grécia antiga, se extinguira. Com a
diferença de que, por aqui, ela sequer florescera.
Maria Alice R. De Carvalho é professora do Departamento de Sociologia e
Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO) e
autora do livro "O quinto século. André Rebouças e a construção do Brasil
(Rio de Janeiro: REVAN, 1998)
A santa e a dádiva
Lilia Schwarcz
“Meu caro barão (de Penedo). Está feita a
abolição! Ninguém podia esperar tão cedo tão grande fato e também nunca um fato
nacional foi comemorado tanto entre nós. (...) Isabel ficou como a última
acoitadora de escravos que fez do trono um quilombo (...). A monarchia está
mais popullar do que nunca”. Assim Joaquim Nabuco descreveu os dias de júbilo
que se seguiram ao 13 de maio de 1888.
A Lei Áurea era mesmo popular, e conferia
nova visibilidade à princesa Isabel e à monarquia. No entanto, politicamente, o
Império tinha seus dias contados, ao perder o apoio dos fazendeiros do Vale do
Paraíba. Apesar do clima de euforia reinante, parecia ser o último ato do
teatro imperial.
Mas, às vezes, o último é também o
primeiro. Em meio a uma sociedade de marcas pessoais e de culto ao
personalismo, a abolição foi entendida e absorvida como uma “dádiva”. Um belo
presente que merecia, portanto, troco e devolução. Isabel converte-se em a
“Redentora” e o ato transforma-se em mérito de “dono único”. Decadente e falida
como sistema, a monarquia recuperava força no imaginário ao vincular-se ao ato
mais popular do Império. A “realeza política” associava-se a uma “realeza
mitificada”, quase mágica, senhora da justiça e da segurança.
Nos jornais e nas imagens de época, Isabel passa a ser retratada como
uma santa a redimir os escravos, que aparecem sempre descalços e ajoelhados,
como a rezar e a abençoar a padroeira. Já a princesa surge de pé e ereta,
contrastada com a posição curvada e humilde dos ex-escravos, que parecem manter
a sua situação — se não mais real, ao menos simbólica. Aos escravos
recém-libertos só restaria a resposta servil e subserviente, reconhecedora do
tamanho do “presente” recebido.
Estava inaugurada uma maneira complicada
de lidar com a questão dos direitos civis. Sem a compreensão de que a abolição
era resultado de um movimento coletivo, permanecíamos atados ao complicado jogo
das relações pessoais, suas contraprestações e deveres: chave do personalismo e
do próprio clientelismo. Nova versão para uma estrutura antiga, em que as
relações privadas se impõem sobre as esferas públicas de atuação.
Como se fôssemos avessos a qualquer
associação com a violência, apenas reproduzimos hierarquias que, de tão
assentadas, pareciam legitimadas pela própria natureza. Péssima lição de
cidadania: a liberdade combinada com humildade e servidão, distante das noções
de livre-arbítrio e de responsabilidade individual.
Lilia Moritz Schwarcz é professora titular da Universidade de São Paulo
e autora do livro Espetáculo das raças. (São Paulo: Companhia das Letras,
2004).
Guerra de versões
Robert Daibert Jr.
Desde a metade do século XIX a monarquia
mostrou-se disposta a aprovar projetos abolicionistas. Em meio ao aumento da
violência em conflitos entre escravos e senhores, as leis do Ventre Livre
(1871) e dos Sexagenários (1885) buscavam manter a grande produção agrícola e
preservar a ordem social.
Este processo fez crescer a oposição dos
proprietários escravocratas, que engrossavam as fileiras republicanas. Ao
afastar-se deles, a monarquia se preparava para construir uma nova base de
legitimidade, sintonizada com grupos emergentes (como os setores médios
urbanos) e com as expectativas gerais da população. Para isso, investiu pesado
na propaganda que associava a abolição a uma ação exclusiva da princesa Isabel.
Uma espécie de febre monarquista, de natureza cultural e religiosa, foi
difundida naquele momento. Valendo-se de concepções de realeza herdadas da
África, foi natural para os negros adotar essa ideia da abolição como uma
redenção concedida pela monarquia. Ela se espalhou pelos espaços da cultura
popular, fortalecida em seu caráter místico e africanizado.
Após a queda da monarquia, a República
tentou ligar-se à memória da abolição. Seu principal argumento era a recusa do
Exército em capturar os escravos fugidos. Reivindicava-se, assim, o
reconhecimento dos republicanos militares como atores da abolição e redentores
da pátria livre. Nos manuais escolares, o ensino da história da abolição exaltava
como heróis republicanos Silva Jardim e Deodoro da Fonseca. Nas comemorações
oficiais da abolição, o 13 de maio e o 15 de novembro eram apresentados como
datas complementares de um mesmo processo de modernização do país, marcos de
uma nova era que proporcionou o exercício pleno da cidadania, abrindo as portas
do Brasil ao progresso e à civilização. De modo complementar, ligavam o sistema
monárquico à escravidão e ao atraso do país, além de silenciar o nome da
princesa Isabel no processo de aprovação do projeto convertido em lei.
Mas a estratégia não conquistou os
libertos e os afrodescendentes. Houve derramamento de sangue e tentativas de
resistência após a proclamação da República. O novo regime foi assombrado por
fuzilamentos em massa, espancamentos de negros fiéis à sua “Redentora”, prisão
e deportação de líderes da Guarda Negra (espécie de milícia organizada para
defender a monarquia e a princesa Isabel) e conflitos com ex-escravos que se
recusavam a trabalhar para fazendeiros republicanos. Muitos negros, convencidos
de que deviam sua liberdade ao trono, tornavam-se mártires pela monarquia.
Consequentemente, foram esquecidos pela República.
Robert Daibert Júnior é professor do Centro de Ensino Superior de Juiz
de Fora e autor de "Isabel, a "redentora" dos escravos: Uma
história da princesa entre olhares negros e brancos (1846-1988). (Bauru:
Editora do Sagrado Coração - EDUSC, 2004)"
Exemplos a não seguir
Brasil e Cuba adiaram a libertação de seus escravos com leis que
evitavamcolocar em risco as hierarquias raciais
No Império do Brasil, a Lei do Ventre
Livre, de 1871, libertava todas as crianças nascidas de mães escravas. A mesma
lei instituiu medidas como a “alforria forçada”, obrigando o senhor a libertar
o escravo que possuísse a quantia correspondente ao seu valor. Na Cuba ainda
sob o domínio espanhol, a Lei Moret, de 1870, se assemelhava às iniciativas
brasileiras: liberdade para todas as crianças nascidas de escravos a partir de
1868 e para todos os escravos com mais de 60 anos. A lei permitia ao escravo
vítima de “crueldade excessiva”, submetido a uma grande quantidade de açoites,
por exemplo, reivindicar a liberdade.
Mas a legislação cubana foi aprovada por
força de uma guerra anticolonial que agitou os escravos – muitos fugiram das
fazendas, outros se incorporaram ao Exército Libertador, que lutava pela
independência da ilha. Conhecida como Guerra dos Dez Anos (1868-1878), a
campanha eclodiu em função de uma motivação nacionalista contra a Espanha,
liderada por setores médios criollos (nascidos em Cuba), pequenos
proprietários de escravos e negros livres urbanos. Durante a contenda, foi
incorporada também a luta contra a escravidão. A independência mesmo só iria
ocorrer em 1898, após outra guerra que durou três anos, e que teve a
participação dos Estados Unidos, dando início à intervenção direta dos
norte-americanos na ilha.
Mesmo antes das leis emancipacionistas,
escravos em Cuba e no Brasil já recorriam à Justiça para obter alforria. Os
brasileiros usavam como argumentos a punição excessiva e situações como a de já
ter sido libertado ou de ter entrado no país após a abolição do tráfico. Os
cubanos iam aos tribunais por conflitos com seus amos sobre o preço da
alforria. Com a aprovação da Lei Moret e da Lei do Ventre Livre, o Judiciário
tornou-se um espaço ainda mais importante de disputa pela liberdade.
A abolição do cativeiro em quase toda a
América pressionava os últimos redutos escravocratas. Em 1879, uma comissão de
parlamentares reuniu-se em Madri para discutir, entre outros temas, a
escravidão em Cuba. As imagens da Guerra de Secessão (1861-1865) nos Estados
Unidos, terminada 14 anos antes, ainda impressionavam as elites cubanas e as
autoridades espanholas. Temia-se, para a ilha caribenha, um desfecho semelhante
ao do vizinho Haiti – onde uma revolução dos negros em 1791 pôs fim à
escravidão e, de quebra, ao domínio colonial francês. Alguns escravos e negros
livres de Cuba tomavam a experiência haitiana como inspiração. No início do
século XIX, circulavam por Havana gravuras com a imagem de Toussaint Louverture
(1743-1803), escravo que se tornou o maior líder da revolução haitiana. Nas
décadas seguintes, cativos envolvidos em conspirações antiescravistas, quando
interrogados, demonstravam saber que os escravos haviam tomado o poder no Haiti
– e alguns contavam com uma suposta ajuda dos haitianos para promover sua
emancipação.
Parlamentares e homens de governo que
compunham a comissão de 1879 queriam evitar guerras sangrentas como as do Haiti
e a dos Estados Unidos. Nos acirrados debates em Madri, a situação do Brasil
foi bastante citada. A legislação emancipacionista brasileira era vista como
exemplo de sucesso, pois, segundo os parlamentares, teria evitado o confronto
armado, o declínio da produção e os conflitos raciais. Parecia ser uma lição
para Cuba: a solução gradual extinguiria paulatinamente a escravidão sem
colocar em risco as hierarquias raciais. Mas a marcha da liberdade no Brasil
estava lenta demais. Em discurso dissonante na comissão, um dos parlamentares
criticou: “E a opinião pública do Brasil, o que tem feito? Resolver a questão
no sentido da abolição gradual. E como? (...) Pois bem: a lei gradual do Brasil
é muito inferior à da abolição gradual de 1870 [Lei Moret]; cem anos pode viver
o escravo naquele império sem que lhe alcance o benefício da redenção”.
Diante de tais pressões, a comissão
reunida em Madri elaborou e enviou aos parlamentares cinco projetos de
abolição. Um deles previa um período de “patronato”, em que os ex-escravos
permaneceriam sob a tutela dos ex-senhores. Com algumas modificações, este
projeto se transformou na Lei do Patronato, que foi aprovada pelas cortes
espanholas em 13 de fevereiro de 1880. Embora falasse de “abolição imediata” em
Cuba, o texto instituiu o patronatodos antigos senhores, concedendo aos
ex-escravos o direito de receberem um pagamento, módico e simbólico, de três
pesos mensais. A partir de 1884, os patronos estariam obrigados a liberar um
quarto dos patrocinados em seu poder, começando pelos mais velhos. Quando a Lei
do Patronato foi aprovada, havia em Cuba cerca de 194 mil escravos. No término
do prazo estabelecido, em 7 de outubro de 1886, restavam apenas 25.381
patrocinadosa serem libertos.
No
final de 1886, o Brasil era o último país das Américas a manter a escravidão.
Calcula-se que naquele momento ainda existiam mais de meio milhão de escravos.
Minas Gerais (191.952), Rio de Janeiro (162.421), São Paulo (107.329) e Bahia
(76.838) eram as províncias com o maior número de cativos no país. Nenhum
projeto de abolição havia sido apresentado no Parlamento, e vigorava ainda a
Lei dos Sexagenários, que em 1885 libertou todos os escravos com mais de 60
anos e que previa cerca de 13 anos para a extinção total da escravidão. Para
muitos contemporâneos, isso significava que a escravidão já estava abolida no
Brasil. Mas a opinião pública exigia a resolução imediata do problema servil. O
movimento abolicionista estava a todo vapor. Comícios, saraus, peças teatrais e
eventos para arrecadar fundos para a compra de alforrias movimentavam as
cidades. Redes envolvendo intelectuais, advogados, negros livres e escravos
aliavam a luta pela liberdade nos tribunais e na imprensa com ações como fuga e
acoitamento (ocultação) de escravos. Escravos fugiam em massa das fazendas
(sobretudo em São Paulo, mas também em outras regiões do Brasil) e recusavam-se
a continuar trabalhando nas plantações.
Nesse clima de “desordem” foi assinada a
Lei da Abolição. Diferentemente das leis do Ventre Livre (1871) e dos
Sexagenários (1885), a lei de 13 de maio foi aprovada às pressas, não tendo
sido objeto de muitas discussões. A temperatura do debate público exigia
urgência na solução da questão. O projeto foi apresentado à Câmara dos
Deputados no dia 8 de maio, aprovado em segunda discussão no dia 9 e convertido
em lei no dia 13. Escravistas de plantão exigiram indenização para os
ex-senhores e leis que obrigassem os libertos a trabalhar. Mas não havia clima
político para a tomada de medidas que sugerissem um novo tipo de escravidão.
Foi aprovada a liberdade imediata e incondicional. Neste dia, encerrava-se a
longa história de escravidão negra nas Américas.
Iacy Maia Mata é professora
da Universidade do Estado da Bahia, autora da tese “Conspirações da ‘Raça de
Cor’: escravidão, liberdade e tensões raciais em Santiago de Cuba (1864-1881)”
(Unicamp, 2012).
Saiba mais - Bibliografia
ALBUQUERQUE, Wlamyra R.
de. O jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 2009.
FERRER, Ada; GARCIA
RODRIGUEZ, Gloria; Opatrný, Josef. El rumor de Haití en Cuba: temor, raza y
rebeldía, 1789-1844. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones
Científicas, 2004.
MENDONÇA, Joseli Nunes. Cenas
da Abolição: escravos e senhores no Parlamento e na Justiça. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 2001.
SCOTT, Rebecca J. Emancipação
escrava em Cuba: a transição para o trabalho livre, 1860-1899. Rio de
Janeiro: Paz e Terra; Campinas: Unicamp, 1991.
Saiba mais – Documentários
Abolição
Direção: Zózimo Bulbul
Ano: 1988
Áudio: Português
Ano: 1988
Áudio: Português
Tamanho: 676 MB
A Negação Do
Brasil
Vencedor do Festival É
Tudo Verdade de 2001, o documentário traz à tona a história das lutas dos
atores negros pelo reconhecimento de sua importância na história da telenovela
brasileira. O filme é enriquecido ainda mais com depoimentos de atores como Milton
Gonçalves, Ruth de Souza, Léa Garcia, Zezé Motta e Maria Ceiça, entre outros,
que contam suas experiências e discutem o preconceito contra artistas negros. O
diretor Joel Zito Araújo, baseado em suas memórias, e em uma minuciosa
investigação, analisa as influências das telenovelas nos processos de
identidade étnica dos afro-brasileiros. Junto ao documentário, o autor lançou
no mesmo ano (dezembro de 2000) o livro "A Negação do Brasil – o negro na
telenovela brasileira" pela Editora Senac.
Direção: Joel Zito Araújo
Ano: 2000
Áudio: Português
Tamanho: 343 MB
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