Chamado a
governar no impedimento do presidente eleito, o vice Delfim Moreira não teve
tempo nem disposição para realizações.
Fabiano
Vilaça dos Santos
Aos trinta minutos do dia 16 de janeiro
de 1919, Rodrigues Alves, último conselheiro do Império eleito presidente da
República, faleceu vítima da implacável "Espanhola". Restou ao vice,
Delfim Moreira, um mineiro sem aspirações à Presidência e tido por apático e
desinteressado dos negócios de Estado, ocupar temporariamente o Catete. Seu
governo, apelidado de "regência republicana" - em alusão às regências
no Império -, durou apenas oito meses e 16 dias e foi marcado pelas negociações
sobre quem seria o verdadeiro sucessor de Rodrigues Alves e por uma onda de
greves operárias.
Delfim Moreira da Costa Ribeiro
nasceu em Cristina, sul de Minas Gerais, em 7 de novembro de 1868. Filho de
Antônio Moreira da Costa (1842-1903) - português que trabalhou como caixeiro
antes de se tornar proprietário de terras - e de Maria Cândida Ribeiro
(1844-1921), começou os estudos no Colégio Padre Francisco Fraissat, em Santa
Rita do Sapucaí, passando depois para o Colégio Mendonça, na vizinha Pouso
Alegre. Quando cursava Letras no tradicional Seminário de Mariana,
"Delfinzinho" passou por uma experiência que se transformou em lição
para os filhos. Conta a parente distante Luzia Rennó Moreira -realçando os
valores do antepassado - que um dia, voltando para casa acompanhado de um
amigo, Delfim perdeu todo o dinheiro dado pelo pai para as despesas da viagem.
Para se refazer, foi à fazenda da família do companheiro de seminário,
recebendo de sua mãe um farnel para completar a jornada. Afoito, comeu toda a
carne e deixou o restante, que se estragou, mas nem assim foi jogado fora. Por
isso, toda vez que um filho reclamava da comida, Delfim repetia: "comam,
meninos, nada faz mal, pois não estão vendo que quem comeu até arroz azulado
aqui está rijo e forte!".
Em 1886, após os preparatórios
no Colégio Joaquim Carlos, em São Paulo, entrou para a Faculdade de Direito do
Largo de São Francisco. Republicano convicto, declamava trechos do Manifesto
Republicano de 1870 e repetia de cor os nomes dos seus signatários.
Militante, criou com os amigos Pinto de Moura e Estevão Lobo Leite Pereira, em
1888, os jornais Vinte e Um de Abril e República Mineira, participando
também da fundação do Clube Republicano Acadêmico Mineiro, ao lado do primo
Wenceslau Braz e de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. Formado em 1890, casou-se
no ano seguinte com Francisca Ribeiro de Abreu (1873-1965), sua prima, com
quem teve seis filhos. Construiu sua carreira entre Santa Rita do Sapucaí e
Pouso Alegre, como promotor público e juiz. Mas logo a política seduziria
definitivamente o mineiro "alto, magro, de bigode discreto e bem
aparado", descrito pelo historiador Fábio Koifman.
Eleito vereador em Santa Rita do Sapucaí,
ocupou a presidência da Câmara municipal e foi deputado estadual entre 1894 e
1906. Neste ano, convidado para a secretaria do Interior de Minas, preferiu
uma vaga no Senado. Mas, em vez de comemorar a ascensão política, caiu em
depressão - tinha 38 anos e acreditava que senadores deviam ser mais velhos e
experientes. Recolhido em uma propriedade da família, passou meses se
"transformando" em um homem à altura do cargo: não cortava os
cabelos nem aparava a barba. Quando voltou para casa, disse a d. Maria
Cândida: "Venha, minha mãe, cortar os cabelos deste velho senador".
Estava pronto para tomar posse, dois anos depois de eleito.
Em 1914, chegou à presidência de
Minas pelo Partido Republicano Mineiro (PRM) e concentrou esforços em duas
áreas consideradas vitais: instrução pública e desenvolvimento agrário. Para
tanto, criou escolas técnicas e estimulou a imigração - com a República, a política
de incentivo à vinda de estrangeiros ficou a cargo dos estados. Alertado por
seu secretário de governo, Raul Soares de Moura, sobre os altos empréstimos
para a promoção do ensino e da agricultura, Delfim teria dito: "Quando em
Minas não houver um analfabeto e na terra fertilíssima toda a gente souber
manejar uma ferramenta, haverá trabalho para todos, e com ele prosperidade,
bem-estar e riqueza", conta Luzia Rennó Moreira. Mais que expressões de
um governante preocupado com seu estado, suas palavras refletem o estágio de
desenvolvimento da economia brasileira, ainda muito dependente da produção
agrícola.
Delfim ficou mais perto do Catete
quando as principais oligarquias do país começaram a debater a sucessão de
Wenceslau Braz (1914-1918). São Paulo se esforçava para emplacar a candidatura
de Rodrigues Alves, considerado o político ideal para guiar o país na
conjuntura do final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e levar adiante o
esforço de recuperação econômica promovido por Wenceslau (ver Presidentes da 1ªRepública - Wenceslau Braz). Rodrigues Alves tornara-se respeitado por ter se
destacado como ministro da Fazenda em dois momentos críticos: durante a
"crise do encilhamento" e na formulação do acordo financeiro
conhecido como funding loan (ver Presidentesda 1ª República - Campos Salles).
Em meio às negociações entre os
líderes dos estados interessados na sucessão, o nome de Delfim Moreira chegou a
ser cogitado por Nilo Peçanha, presidente do Rio de Janeiro, e por Francisco
Antônio de Salles, influente político mineiro. Mas, segundo a historiadora
Cláudia Viscardi, a indicação não emplacou nem mesmo em Minas, tanto que o nome
de Rodrigues Alves foi acolhido pelo grupo diverso de Francisco de Salles após
contatos entre o presidente de São Paulo, Altino Arantes (1876-1965), e o
mineiro Sabino Barrozo (1859-1919), ex-ministro da Fazenda.
A indicação de Rodrigues Alves
para presidente e Delfim Moreira para vice acabou sendo uma solução de
conciliação entre paulistas e mineiros. De qualquer modo, nas fontes consultadas
não há qualquer indício de que Delfim tenha se entusiasmado quando seu nome
foi apontado como possível candidato à Presidência, o que reforça a imagem de
um governante indisposto com o cargo. As eleições aconteceram em 1º de março
de 1918, ficando a posse marcada para 15 de novembro. A vitória de Rodrigues
Alves apenas confirmou as negociações entre as principais oligarquias do país,
mas nos bastidores do poder corria à boca miúda que o conselheiro em breve entregaria
a alma ao Criador - alguns achavam que ele morreria antes da posse. O que por
pouco não aconteceu. Com a saúde frágil desde a presidência de São Paulo
(1912-1916) e prestes a completar setenta anos, Rodrigues Alves não resistiria
à gripe espanhola contraída menos de um mês antes da posse.
Declarando-se impedido de ocupar o cargo,
o conselheiro se dirigiu, em carta, ao Congresso Nacional e conclamou Delfim
Moreira a assumir como vice-presidente em exercício, conforme a Constituição. O fardo indesejável
começava a pesar nos ombros do mineiro que, aos cinquenta anos, também não era
saudável - consta que sofria havia alguns anos de um tipo de arteriosclerose.
Mas a morte de Rodrigues Alves não lhe deixou alternativa. Delfim teve que
governar até a realização de nova eleição, o que segundo a Carta de 1891
deveria acontecer em um ano.
Os aborrecimentos não foram
poucos nos oito meses de gestão, a começar pelos enfrentamentos com a equipe
ministerial, montada pelo presidente moribundo, que não lhe foi amigável nem
lhe deu paz. Antes mesmo da morte do conselheiro, o potiguar Amaro Cavalcanti
(1851-1922), ministro da Fazenda, e o mineiro Afrânio de Mello Franco
(1870-1943), da Viação e Obras Públicas, já andavam às turras disputando quem
mandava mais no governo. Diante da briga de egos, Delfim tomou uma resolução
firme, talvez a única no período: ou governava com ministros "mais
dóceis" ou se retirava para Minas. A solução foi a substituição do
titular da pasta da Fazenda, no dia seguinte à morte de Rodrigues Alves, pelo
mineiro João Ribeiro (1863-1933), amigo do vice-presidente em exercício. O
"vencedor" da contenda, Afrânio de Mello Franco, tornou-se o homem
forte do país, pois o enfadado Delfim deixou para o conterrâneo a
responsabilidade das decisões. Por isso, aqueles oito meses também ficaram
conhecidos como o "consulado Mello Franco".
Apaziguados os ânimos no ministério,
1919 reservava dissabores mais do que suficientes para um presidente que não
teve tempo nem disposição para realizações - o senador gaúcho Soares dos Santos
chegou a dizer que Delfim era homem de "inteligência abaixo do medíocre e
tão incompetente como nulo". Os acontecimentos mais relevantes se
resumiram às obras de remodelação da capital promovidas pelo prefeito Paulo de
Frontin (1860–1933).
O país vivia um clima de intranquilidade
gerado por inúmeras greves operárias, sobretudo no Rio de Janeiro e em São
Paulo, intensas desde 1917. E para isso contribuiu a ação de anarquistas e de
comunistas, em muitos casos estrangeiros que chegaram no período da Grande
Imigração. Além
da atuação nas paralisações, os libertários divulgavam suas ideias em diversos
jornais operários e fundaram, em junho de 1919, um Partido Comunista do
Brasil. A mobilização dos trabalhadores por direitos, como a jornada de oito
horas diárias de trabalho, levou a manifestações de peso. Nas comemorações do 1º
de maio de 1919, segundo fontes operárias, mais de 50 mil trabalhadores
teriam se reunido na Praça Mauá, na zona portuária da capital. Cinco dias depois,
lideranças proletárias apresentaram uma petição a Delfim Moreira, cobrando uma
posição do governo sobre a jornada de oito horas. Em resposta, o presidente
encaminhou uma mensagem ao Congresso que nomeou uma Comissão de Legislação
Social. Mas as greves continuaram pressionando os patrões e o governo, que
reagiu com prisões e deportações de anarquistas e de comunistas.
Além da conturbada situação
socioeconômica, nos corredores do poder negociava-se a indicação do verdadeiro
sucessor de Rodrigues Alves. Rui Barbosa ou Epitácio Pessoa? Depois da morte
do conselheiro, São Paulo desejava emplacar a candidatura de Altino Arantes. E
Minas, que se achava na situação com Delfim, não queria que os paulistas
tomassem a dianteira. Como mostra Cláudia Viscardi em importante trabalho de
revisão da "política do café-com-leite", a indicação de Rui Barbosa
(1849-1923), apoiado por Rio, Bahia, Santa Catarina e Mato Grosso, acabou
enfraquecida, abrindo espaço à candidatura do paraibano Epitácio Pessoa
(1865-1942). Desejado pelos mineiros e rejeitado pelos paulistas, sua vitória
foi possível graças à adesão do Rio Grande do Sul.
Epitácio Pessoa, o verdadeiro
sucessor de Rodrigues Alves, tomou posse em 28 de julho de 1919. Mesmo depois
de lhe entregar o cargo, Delfim continuava no direito de ser vice até 1922 e
de ocupar a presidência do Senado. Mas, com a saúde abalada, decidiu encerrar a
carreira política - sendo substituído por Francisco Álvaro Bueno de Paiva
(1861-1928) - e voltar para Santa Rita do Sapucaí, onde ainda sofreu a perda da
filha Alzira, em janeiro de 1920. Seis meses depois Delfim Moreira faleceu.
Não havia completado um ano que deixara a Presidência.
Fabiano Vilaça dos Santos é doutorando em
História Social na USP e pesquisador em Nossa História.
Fonte: Revista
Nossa História - Ano III nº 34 – Agosto – 2006
Epitácio e o jeito brasileiro de governar
O paraibano Epitácio Pessoa tentou combater a seca do Nordeste, fez
concessões a grupos políticos e foi acusado de uso da máquina administrativa em
proveito próprio.
Nívia Pombo
"Nunca aspirei à Presidência da
República [...] porque a máquina política do país estava montada de tal maneira
que ao representante de um estado pequeno, como a Paraíba, não era lícito
levar tão longe a sua ambição." Ao deixar a Presidência, em 1922, Epitácio
Pessoa tinha a certeza de ter realizado uma proeza a ser registrada nos livros
de História do Brasil. Intelectual respeitado, orgulhava-se de sua posição
neutra, independente de qualquer partido. Mas foi na Presidência que o
paraibano descobriu que não se governava este país sem o apoio das oligarquias
dos estados.
Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa
nasceu a 23 de maio de 1865, em Umbuzeiro, pequena localidade próxima à Serra
do Cariri. Filho do coronel José da Silva Pessoa (1837-1873) e de Henriqueta
Pereira de Lucena (1837-1873), era, tanto pelo lado paterno quanto materno,
descendente de grandes senhores de terras e de escravos na Paraíba e em
Pernambuco. Teve uma infância simples de menino de engenho. Desde os cinco
anos, acompanhava o pai em longas viagens a cavalo pelo interior da província.
Seus pais faleceram em 1873,
vítimas da varíola. Órfão aos oito anos, foi enviado a Pernambuco, aos cuidados
do tio, o desembargador Henrique Pereira de Lucena, barão de Lucena
(1835-1913). Figura de destaque no Império, Lucena governou Pernambuco, Rio
Grande do Norte, Bahia e Rio Grande do Sul e, na República, foi ministro da
Fazenda e conselheiro do marechal Deodoro da Fonseca. Severo, não se preocupou
em acolher afetuosamente o sobrinho, matriculando-o no Ginásio Pernambucano.
Na escola, sua inteligência rendeu-lhe
o apelido de "menino prodígio". Mas era um "génio indomado":
vivia de castigo e só não era expulso por causa de suas excelentes notas. No
último ano, ao tacar um biscoito num funcionário, foi trancado num quarto
escuro, a pão e água, fugindo três dias depois. Em 1882 ingressou na Faculdade
de Direito do Recife, sendo aprovado do primeiro ao último ano com distinção e
louvor.
Para custear os estudos, dava
aulas particulares, chegando a assumir o posto de promotor em Ingá, no
interior da Paraíba. Franzino, mas com uma eloquência ferina, chamava a atenção
do povoado que se amontoava para assistir suas acusações. Em 1886, foi nomeado
promotor público em Bom Jardim e, no ano seguinte, foi transferido para a
comarca de Cabo. O início da carreira parecia promissor, mas uma contenda com
um juiz local o levou a pedir demissão e embarcar para o Rio de Janeiro.
Na capital, Epitácio reencontrou
seu irmão mais velho, o tenente José Pessoa - ajudante-de-ordem do presidente
Deodoro (1889-1891) - e o tio, barão de Lucena. Com trânsito fácil no governo,
foi designado secretário-geral da Paraíba, em 1889, dando início a sua carreira
política. Em 1890 foi eleito à Assembleia Nacional Constituinte. No ano seguinte,
deputado federal pela Paraíba, fez oposição ao presidente Floriano Peixoto
(1891-1894). Como ministro da Justiça e Negócios Interiores, no governo
Campos Salles (1898-1902), elaborou com o jurista Clóvis Bevilacqua o
projeto do Código Civil. Procurador da República e ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) entre os anos de 1902 e 1912, foi incumbido de preparar
o Código de Direito Internacional.
A esta altura, Epitácio já era
viúvo de Francisca Justiniana das Chagas, a "Chiquita", que faleceu
ao dar à luz um menino natimorto, em 1895. Três anos depois se casou com a
carioca Maria da Conceição Manso Sayão. Segundo Oswaldo Trigueiro (1905-1989) -
autor de A política do meu tempo -, "Mary", como era chamada,
não estreitava laços com famílias paraibanas, dizendo que "dos selvagens
paraibanos, o melhorzinho era mesmo Epitácio". Tiveram três filhas:
Laura, Angelina e Helena. Pai "coruja", brincava com as meninas, levando-as para parques, circos e cinema.
Apesar de cultivar hábitos simples, como
andar a pé e fazer compras nos armazéns próximos à residência de Petrópolis,
Epitácio e a família costumavam passar longas temporadas na Europa. Nos
finais de 1911, voltou de Paris com uma novidade: após uma cirurgia para a retirada da
vesícula, resolve se aposentar do STF, aos 47 anos, sob a alegação de invalidez.
Sem pudor, Epitácio ainda se concede vencimentos integrais. Em meio às
críticas dos adversários - afinal viveu por mais trinta anos e chegou à Presidência
da Re pública -, voltou à Europa, mesmo
tendo acabado de ser eleito senador pela Paraíba (1912-1919).
Com o fim da Primeira Guerra
Mundial (1914-1918), o então ministro das Relações Exteriores, Domício da
Gama, convida Epitácio Pessoa para presidir a delegação brasileira à
Conferência de Paz, em Versalhes. Acompanhado de numerosa comitiva - afinal,
as despesas seriam pagas pelo erário público -, seguiu para a França a fim de
resolver duas questões: garantir que a Alemanha pagasse pelas 1.850.000 sacas
de café destruídas nos ataques a navios brasileiros e que o Brasil restituísse
- a preços módicos - os setenta navios alemães presos nos portos nacionais.
A morte do presidente eleito
Rodrigues Alves, em janeiro de 1919, mudaria o destino da República.
Desinteressado em assumir o mandato, o vice-presidente Delfim Moreira, sem
demora, convocou novas eleições. As elites dos principais estados, pegas de surpresa,
apresentaram dificuldades em escolher um
sucessor.
São Paulo queria o apoio de Minas
para a candidatura de Altino Arantes, mas os mineiros propunham Arthur
Bernardes e Afrânio de Mello Franco. Os gaúchos, sem nome para indicar, apenas
vetavam os demais. Apolítica do café-com-leite parecia mais uma transbordante
xícara de água quente.
Reagindo às pretensões paulistas,
Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Mato Grosso e Pará
formaram a "concentração de estados", com o aval de Delfim Moreira.
Exigiam que o candidato fosse indicado numa Convenção, que de fato ocorreu em
fevereiro de 1919. O nome de Epitácio foi lançado pelos gaúchos e apoiado pelos
mineiros. São Paulo, contrariado, apoiou Rui Barbosa.
Epitácio Pessoa seria presidente
da República, mesmo sem ter pleiteado o cargo. Fora do país, não fez campanha
e, a despeito das acusações de Rui Barbosa - que no "corpo-a-corpo"
lembrava a aposentadoria precoce do paraibano -, ganhou as eleições com
294.324 votos. Avisado por telegrama de que era o novo presidente, nem
acreditou, e só voltou para casa dois meses depois. Suas viagens não passaram
incólumes na imprensa. Em maio de 1919, a revista Careta publicou a
quadrinha: "O papa que a nossa Pátria/ dedica amizade boa/ quando lá for o
Epitácio,/ vai recebê-lo em pessoa".
A gestão do paraibano foi
conturbada. Tentou agradar, dividindo os ministérios entre paulistas, mineiros
e gaúchos. Mas ao inovar, escolhendo civis para as pastas militares, arranjou foi
confusão. Angariou a antipatia dos quartéis e, até o final do mandato, a
situação só piorou. O auge foi o episódio das "cartas falsas" - críticas
ao marechal Hermes publicadas na imprensa -, estopim para o Levante do Forte
de Copacabana, ocorrido em julho de 1922.
Outro barril de pólvora foi o movimento
operário. Epitácio herdara um país economicamente equilibrado, graças à competência
de Wenceslau Braz (ver Wenceslau Braz). O Brasil tinha aumentado
sua atividade industrial e, de acordo com o Censo de 1920, possuía 13.346
fábricas, empregando cerca de 275 mil operários. Frente às exigências dos
trabalhadores - como a jornada de oito horas e a regularização do trabalho de
menores e mulheres - o Legislativo mantinha-se inerte e o presidente,
mostrando inabilidade para lidar com os protestos que se intensificavam,
fechava jornais, prendia e deportava líderes operários.
Sem esquecer suas origens, Epitácio
recordava-se das secas que atingiam a população nordestina. Com o apoio dos
Estados Unidos, criou um programa que previa a construção de açudes,
barragens, poços, estradas de ferro e de rodagem. De custo elevado, o projeto
para alguns deu origem à chamada "indústria da seca". Na imprensa, o
uso de trabalhadores debilitados pela fome foi motivo de piadas. Numa delas um
matuto em Fortaleza, contemplando uma estátua de d. Pedro II, desabafou:
"Papai Pedro mandava cozinhado e o Pitaço manda cru!" Lamentava que,
ao contrário dos socorros oferecidos no Império, as obras de "Pitaço"
levariam anos para serem concluídas.
As obras do Nordeste custariam
ainda mais caro ao "menino prodígio". Com o fim da guerra, o preço do
café despencou no mercado internacional. Ameaçado pelas bancadas dos estados,
sobretudo pelos paulistas, Epitácio contraiu mais um empréstimo com os bancos
londrinos e, pela terceira vez na República, implementou-se a política de
valorização do café.
A gestão foi marcada também por
um saudosismo do Império. Em setembro de 1920, a visita dos reis da Bélgica fez
a capital do país reviver dias de gala. Numa das festas, o rei Alberto I, sem
saber, criou um constrangimento: presenteou a todos com condecorações, um dos
símbolos da monarquia, porém objeto de aversão dos republicanos. Epitácio, já
acostumado com esta honraria, autorizou o uso do mimo. A noite, o banquete foi
digno de galhofas: ninguém sabia usar as insígnias.
Epitácio revogou o decreto de
1889 que bania a família imperial. Determinou a transferência dos restos
mortais de d. Pedro II e d. Teresa Cristina, que foram depositados num jazigo
na Catedral de Petrópolis.
No último ano do seu governo, o
país comemorou o Centenário da Independência. Mesmo com os cofres públicos no
vermelho, o presidente fez questão de um grandioso espetáculo. O evento de
maior destaque foi a Exposição Universal do Rio de Janeiro. Para edificar os
pavilhões, demoliu-se parte do Morro do Castelo. Na ocasião, a letra do Hino
Nacional do Brasil, de Osório Duque Estrada, foi finalmente oficializada. Os
festejos atraíram tanta gente que foi preciso construir o Hotel Glória. A
representação da Paraíba contava com tantos membros da família do presidente,
que o comentário geral era: "Paraíba, terra boa/ Pouca gente, mas muitas pessoas".
No último dia do seu governo,
Epitácio despediu-se de cada um dos funcionários do Catete. Desejou que seu
sucessor, Arthur Bernardes (1922-1926), fizesse pelo Brasil, segundo suas palavras,
"todo o bem que eu quis, mas não pude ou não soube fazer". Continuou
ativo na política, mas não no Brasil: nomeado juiz da Corte Permanente da
Justiça Internacional de Haia, seguiu para a Holanda, na manhã seguinte à
posse de Bernardes. Em 1930, voltou ao país, após o assassinato do sobrinho João
Pessoa (1878-1930), candidato a vice-presidente ao lado de Getúlio Vargas.
Depois de mais uma temporada na Europa, descobriu os primeiros sintomas do
mal de Parkinson. Faleceu em 13 de fevereiro de 1942, em seu sítio, em
Petrópolis.
Nívia Pombo é mestre em História Social pela Universidade Federal
Fluminense e pesquisadora de Nossa História.
Fonte: Revista Nossa História - Ano III nº 35 – Setembro
2006
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