“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

domingo, 16 de junho de 2013

O Estado contra a sociedade

Onda de protestos contra aumento das passagens de ônibus em São Paulo provoca reação exagerada da polícia e declarações polêmicas por parte dos governantes.
     “Se a passagem não baixar, a cidade vai parar.” E parou. Não uma, mas várias vezes. Na última semana, uma série de protestos levou milhares de pessoas às ruas de São Paulo contra o reajuste de R$ 0,20 na tarifa cobrada pela passagem de ônibus. O aumento gerou uma onda de insatisfação tão grande que foi capaz de tirar até mesmo a tal geração Y da frente de seus computadores. Encabeçados pelo Movimento Passe Livre, os manifestantes deram nó no trânsito ao fechar as principais avenidas da cidade. O fato foi encarado pelas autoridades como crime contra a ordem pública e a resposta dos governantes veio por meio de um truculento aparato de “segurança”, expandindo o movimento para além dos próprios limites.
     O reajuste das passagens na capital paulista foi anunciado pelo prefeito Fernando Haddad (PT) em maio deste ano e entrou em vigor no último dia 2 de junho, num domingo. Na quinta-feira da mesma semana, a população já tomava conta das ruas e uma faixa, entre tantas outras, com os dizeres “vamos repetir Porto Alegre” deixava claro: a onda de protestos iniciada na capital gaúcha tomaria conta do Brasil. Porto Alegre foi o primeiro caso em que as manifestações conseguiram barrar o reajuste da tarifa, reduzindo o valor da passagem de R$ 3,05 para R$ 2,85 e mostrando que lutas populares, ao contrário do que pensa o senso comum, têm lá sua força.
     Na última terça-feira (11), em Paris, o governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), afirmou que a interrupção do trânsito durante um protesto é “ato de vandalismo” e, portanto, deve ser tratado como "caso de polícia". E como caso de polícia ele vem sendo tratado. Só nesta quinta-feira (13), a polícia deteve ao menos 235 pessoas durante o quarto dia de manifestações, que reuniu cerca de 5.000 manifestantes, segundo a polícia. Entre os presos estavam um repórter da Carta Capital e outras 40 pessoas, levadas para a 78º DP, nos Jardins, por porte de vinagre (que, em tese, ameniza os efeitos do gás lacrimogênio). Quatro jovens seguem presos, sem direito a pagamento de fiança. O motivo? Formação de quadrilha. Aos afiançáveis, a bagatela é de R$ 20 mil.
     Em entrevista no Palácio dos Bandeirantes  realizada nesta sexta-feira (14), Alckmin disse que a corporação tem o dever de "proteger a população, garantir o direito de o comércio abrir e preservar o patrimônio público". Além disso, o governador afirmou que os batalhões de choque da Polícia Militar agem desta forma no intuito de evitar manifestações mais violentas.
     Não é de hoje que “questão social é caso de polícia”. A célebre expressão foi atribuída ao ex-presidente brasileiro Washington Luís e resumiu sua postura frente às revoltas populares que incomodavam o governo, entre 1926 a 1930.  Aparentemente, 80 anos se passaram e a ação truculenta do Estado diante de movimentos sociais permanece. Para o historiador Paulo Terra, a conivência da grande imprensa com o discurso marginalizante acompanha este processo.
     “Ambas as formas de criminalização, por parte do Estado e por parte da imprensa, não são novidade na história do país. Desde o primeiro movimento contra o aumento do valor das passagens, ainda no século XIX, é possível observar a forte repressão policial e a cobertura, muitas vezes, detratora nas folhas dos jornais”, diz ele referindo-se à chamada Revolta do Vintém, de 1879.
     Em ação semelhante a das autoridades paulistas, o governador do Rio de Janeiro,  Sérgio Cabral (PMDB) tentou deslegitimar as manifestações ao afirmar, nesta quinta-feira, que os protestos têm um “ar político” e “não espontâneo”.  Segundo ele, os “baderneiros” não estavam ali para defender interesses públicos, mas para gerar um clima de confusão.
     A postura de Alckmin e Cabral – assim como do prefeito Haddad que negou qualquer redução nas tarifas - conta, ainda, com o apoio do Governo Federal. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT), também andou tecendo críticas às manifestações e pediu à Polícia Federal o acompanhamento dos protestos. “O governo federal está à disposição do governo de São Paulo e de qualquer outro estado em que isso aconteça para apoiar naquilo que for solicitado”, disse.
     Para o historiador Rafael Lima, da PUC-Rio, não há justificativa plausível para a truculência do poder público que – independente da filiação partidária – acusa os manifestantes de vandalismo e formação de quadrilha. “É deplorável que a maioria dos meios de comunicação subestime nossa inteligência e acusem as mobilizações de constituírem veículo de interesse político-partidário”, argumenta.
E conclui: “As mobilizações ganham as ruas porque é nelas que a população se sente mais ultrajada, mais usurpada em sua cidadania, mais desrespeitada enquanto coletividade. Na rua está a alma da cidade, para usar a feliz expressão de João do Rio. E se causam transtornos, paciência. Significa que, felizmente, a cidade ainda dá sinais de vida em meio a tanta especulação e espetacularização.”

Saiba Mais - Links
A revolta da farinha  

Um comentário:

  1. Ótima matéria ! Te convido a ler o texto a seguir , postado no Blog do Juca Kfouri. Abraço.

    POR ROBERTO VIEIRA

    Tapajós e Blanc se divertem.

    Samba e futebol didáticos.

    Golbery recomenda calma.

    Em quinze minutos eles se calam.

    Mas lá fora, nas ruas…

    O Brazil que não conhece o Brasil toma um susto.

    Filas no metrô.

    Sardinhas nos ônibus.

    O Brasil diz:

    ‘Welcome!’

    Brasil dos doentes atendidos no chão.

    Das mães de maio, junho e julho.

    Filhos nos braços em febre.

    Brazil do Sírio Libanês.

    Brasil do Amapá e Amazonas,

    recordistas em óbitos infantis.

    Welcome!

    Brasil da escolas públicas de pau a pique.

    Brasil dos professores descalços.

    Brasil dos analfabetos funcionais.

    Brazil do Colégio São Bento.

    Brasil do Grupo Escolar Antonio Carlos Magalhães.

    Welcome!

    Brasil dos massacres.

    Brasil dos fuzilamentos.

    Brasil sem lei para fracos e oprimidos.

    Brazil do patrício assassino liberto.

    Brasil do ladrão de galinha encarcerado.

    Welcome!

    Brazil dos 100% com esgotos no Distrito Federal.

    Brasil dos 95% sem esgoto no Piauí.

    Brazil dos carros blindados.

    Brasil dos craques da seleção.

    Welcome!

    Por vezes os dois Brasis se encontram.

    No dilúvio Petrópolis.

    Na queda do avião da TAM.

    Na tragédia da Boate Kiss.

    O Brazil imagina que vive longe do outro.

    Mas o Brasil está bem pertinho

    Do outro lado da esquina

    Aparece quando menos se espera

    Corrupto, desorganizado, escravagista

    A bagunça na Copa das Confederações

    A luta pelo passe livre

    Os Cara Pintada de Collor

    As Diretas-Já

    A indignação mostrando que não se pode ser Brazil com ‘Z’.

    Esquecendo que Brasil se escreve com ‘S’

    Brasil, mostra tua cara

    Brazil!

    Welcome to Brasil!

    ResponderExcluir