“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

sábado, 31 de março de 2012

A Crise do Sistema Colonial/América Espanhola/Complemento

A pintura de Goya
A tela “O3 de Maio de 1808”, é de autoria do pintor espanhol Francisco Goya (1746-1828). A cena representa o momento da execução de rebeldes espanhóis por uma tropa napoleônica.
     Goya representou em sua pintura o período de dominação napoleônica na Espanha. No dia 2 maio de 1808, eclodiu uma série de revoltas populares em Madri contra a chegada de José Bonaparte, enviado ao país por Napoleão para ocupar o trono da Espanha após a queda do rei Fernando VII. No dia seguinte, as tropas francesas vingaram-se cruelmente, executando centenas de rebeldes e muitos inocentes. Goya só conseguiu registar os acontecimentos seis anos mais tarde, quando o rei Fernando VII ocupou novamente o trono de Espanha.
     O sangue espalhado pelo chão, o corpo caído e a intimidação das tropas de Napoleão, apontando armas para uma população indefesa, foram os elementos utilizados por Goya para denunciar o horror à guerra. É possível observar à esquerda da pintura um homem de camisa branca com os braços erguidos em sinal de rendição, pose simbólica de Cristo crucificado (repare-se na palma da mão direita). Tradicionalmente, o branco é a cor da paz; por meio desse homem, Goya faz um apelo para que a guerra termine.

As independências hispano-americanas
     Desde a segunda metade do século XVIII, as colônias espanholas na América eram palco de inquietações. Entre as elites, a grande tensão se dava entre os funcionários da Coroa, responsáveis pelo governo e pela política fiscal, e os poderosos locais, tudo agravado pelo crescente controle da metrópole sobre os negócios coloniais. Foi o auge das reformas impostas pela metrópole, que resultaram no aumento dos impostos e no rigor dos monopólios comerciais.
     Além disso, a Coroa passou a excluir os senhores locais das altas posições do governo para reservá-las aos espanhóis, ao contrário do que havia ocorrido desde o século XVII. Essa foi a raiz da tensão entre peninsulares (representantes do rei, naturais da Espanha), denominados pejorativamente de chapetones, e criollos, membros das elites locais.
     As tensões também se faziam presentes nos grupos populares, cada vez mais explorados pela Coroa Espanhola. O maior exemplo dessa tensão foi a insurreição liderada no Vice-Reinado do Peru, em 1780, por José Gabriel Condorcanqui, que se proclamou sucessor do último imperador Inca, com o título de Tupac Amaru II.
     À frente de um poderoso exército indígena, Tupac Amaru colocou-se em defesa das aldeias, exigindo a abolição do trabalho compulsório (mita). Na fase mais radical da revolta, lutou pela restauração do Império Inca. Foi, porém, derrotado e executado brutalmente: teve a língua cortada, o corpo atado a quatro cavalos que o esticaram até desmembrá-lo e, finalmente, foi decapitado. Suas partes foram expostas nas principais vilas das províncias rebeldes.
 José Gabriel Condorcanqui nasceu no Peru, em 1742, filho de chefe indígena que descendia dos Incas. Herdou cargo de cacique desfrutou dos diversos privilégios que Coroa espanhola concedia aos líderes indígenas. Fixou residência em Cuzco. Além de supervisionar o trabalho em suas terras, onde praticava agricultura, dedicava-se ao comércio de mulas. Apesar da posição social elevada, sensibilizou-se com vida que os indígenas levavam no Peru, opondo-se aos rigores da mita (trabalho forçado). De início, tentou negociar com vice-rei abolição da mita, que se mostrou inviável. Organizou, então, uma insurreição indígena como Tupac Amaru II, em honra seu antepassado que havia comandado a resistência indígena no século XVI.
Tupac Amaru II estampado em nota de 500 intis (moeda oficial do Peru de 1985 a 1991)

Sentença contra o rebelde Tupac Amaru (Peru, 1781)
     “Na causa criminal que perante mim pende contra José Gabriel-Tupac Amaru, cacique da aldeia de Tungasuca, na província de Tinta, pelo horrendo crime de rebelião ou levantamento geral dos índios, mestiços e outras castas (...), executado em quase todos os territórios deste vice-reinado e o de Buenos Aires, com ideia (de que está convencido) de querer coroar-se Senhor deles e libertador das que chamava misérias destas classes de habitantes que conseguiu seduzir (...).
     Considerando, pois, tudo isto, devo condenar condeno José Gabriel-Tupac Amaru que seja levado à praça principal e pública desta cidade, arrastado até lugar do suplício, onde presencie execução das sentenças que se derem à sua mulher, Micaela Bastidas, seus dois filhos, Hipólito Fernando Tupac Amaru, seu tio, Francisco Tupac Amaru, seu cunhado, Antônio Bastidas, e a alguns dos principais capitães auxiliares de sua iníqua e perversa intenção ou projeto (...).
     E concluídas estas sentenças, se lhe cortará, pelo carrasco, a língua e depois amarrado ou atado por cada um dos braços e pés com cordas fortes de modo que cada uma destas se possa atar ou prender (...) a quatro cavalos para que, posto deste modo, ou de sorte que cada um destes puxe de seu lado, olhando a outras quatro esquinas da praça, marchem, partam e arranquem de forma que fique seu corpo dividido em outras tantas partes, levando-se este, logo que seja hora, ao monte chamado Pichu, onde teve o atrevimento de vir intimidar, sitiar e pedir que se rendesse esta cidade, para que ali queime numa fogueira que estará preparada, lançando-se suas cinzas ao ar, em cujo lugar se porá uma lápide de pedra que expresse seus principais delitos e morte, somente para memória e escarnecimento de sua execrável ação (...)”.
(Sentença pronunciada pelo visitador José António de Areche, em Cuzco, contra José Gabriel-Tupac: Amaru, sua mulher, filhos e demais réus principais da sublevação, em 18 de maio de 1781. Traduzido de: VALCARCEL, Carlos Daniel. La rebelión de Tupac Amaru. Lima: Peisa, 1973.)

O vodu e a revolução haitiana
     Segundo o etnólogo Roger Bastide (As Américas negras. São Paulo: Difel/Edusp, 1974), o vodu haitiano tem origem na religião praticada no Daomé pelos grupos fon. Nela os deuses são chamados de loas, organizados em famílias de divindades. A família dos Ogon, por exemplo, inclui Papa Ogou, que é general, Ogou Ferraille, protetor dos soldados, Ogou Ashadé, mestre das plantas medicinais, Olisha, mágico.
     Ao transferir-se para as Américas, o vodu sofreu alterações nos ritos e nomes de loas, mas manteve uma forte ligação com a tradição religiosa daomeana.
     A importância do vodu para a revolução haitiana não é desprezível, pois funcionou como elemento agregador de comunidades quilombolas diferentes. Um dos maiores especialistas no estudo desta revolução, o historiador José Luciano Franco, afirma (em: Presença negra na América Latina. Lisboa: Prelo, 1971) que as autoridades coloniais e senhores de escravos perseguiam os adeptos do vodu não tanto pelo fato de desafiar o catolicismo, mas por causa de sua relação íntima com as práticas quilombolas. No contexto da revolução, os sacrifícios de animais feitos a certos loas reforçaram a confiança dos rebeldes. O rufar dos tambores das cerimônias do vodu, por sua vez, além do pavor que causava nos franceses, auxiliava na comunicação dos revoltosos.

Representação do processo de independência do México
      Juan O'Gorman foi um importante artista mexicano que nasceu em Coyoacán, região do subúrbio do México, em 1905. Na década de 1920, luan cursou arquitetura na Universidade de San Carlos e, a partir de então, se destacou projetando os ateliers de Diego e Frida Kahlo, o prédio da Biblioteca da Universidade Nacional do México, entre outros. Juan O'Gorman também foi um pintor importante, cuja temática contemplava momentos históricos do México e de sua população. Nesta pintura, chamada “Retábulo da Independência”, o artista representa o processo de independência mexicano. O mural, que ocupa uma sala do Museu Nacional de História, na Cidade do México, foi produzido entre 1960 e 1961.
     O padre Hidalgo, que aparece em destaque à frente da população brandindo uma tocha (como um símbolo da revolução). Chamar a atenção  o fato de padre Hidalgo ser o único personagem que aparece discursando. Nesse quadro os protagonistas da independência são indígenas, mestiços, negros, homens da elite, misturados à população pobre, e o clero. O quadro representa um momento anterior à independência, uma vez que o padre Hidalgo protagonizou, com Morelos, um movimento popular que foi sufocado pela repressão espanhola.
Miguel Hidalgo: Nasceu em Guanajuato, México, em 1753, filho primogênito do criollo Don Cristobal Hidalgo. Estudou em colégio de jesuítas tornou-se padre aos 26 anos. Aos quase 60 anos, liderou uma grande rebelião popular, inicialmente voltada contra dominação francesa na Espanha. Em 16 de setembro de 1810, deu o famoso "Grito de Dolores", um discurso em que convocava povo às armas em nome do rei da Espanha da Virgem de Guadalupe (que se tornou padroeira do México). A rebelião acabou se voltando contra vice-rei da Nova Espanha, em favor da independência do México. Capturado, julgado condenado à morte, Hidalgo foi fuzilado em 30 de julho de 1811. É considerado "Pai da Pátria" mexicana.

José de San Martín
     “Nasceu em 1778num povoado às margens do rio Uruguai, filho de um governador espanhol com sobrinha do conquistador do Chaco, na atual Argentina. Mudou-se para Espanha com família, em 1783Estudou no Colégio dos Nobres, em Madri, onde aprendeu latim, francês, alemão, retórica, matemática, história geografia. Iniciou o aprendizado militar com apenas 11 anos e, em 1797, tornou-se subtenente no exército espanhol. Depois de passar por Londres, viajou para Buenos Aires, em 1812participando ativamente do movimento de independência. Comandou expedição ao Chile, em 1817e governou o Peru entre 1821 e 1822. Considerado na Argentina como o "Pai da Pátria", sua atuação militar é comparável à de Simón Bolívar. Morreu na França, em 1850, aos 72 anos de idade.

A construção de um herói
     Simón Bolívar morreu profundamente amargurado em dezembro de 1830. Considerava-se derrotado e
fracassado. Doze anos após sua morte, ele foi relembrado e suas ações passaram a ser celebradas na Venezuela. O país construía sua nacionalidade e buscava um personagem que expressasse a identidade nacional. Para tanto, iniciou-se a construção da figura de Bolívar como herói e mito nacional.
Os textos seguintes mostram visões diferentes e abordam aspectos distintos da questão.

I
"Aos povos da Colômbia.
Colombianos
Haveis presenciado meus esforços para implantar a liberdade onde antes reinava a tirania. Trabalhei com desinteresse, abandonando minha fortuna e mesmo minha tranquilidade. Afastei-me do poder quando me convenci de que desconfiáveis de meu desprendimento. Meus inimigos abusaram de vossa credulidade e esmagaram o que é mais sagrado: minha reputação e meu amor pela liberdade. [...] Afastando-me do vosso meio, meu carinho diz que devo manifestar meus últimos desejos. Não aspiro a outra glória senão a consolidação da Colômbia. Todos deveis trabalhar pelo bem inestimável da União: os povos, obedecendo ao atual governo para libertar-se da anarquia; os ministros do santuário, dirigindo suas orações ao céu; os militares, empregando sua espada para defender as garantias sociais."[...]
(Simón Bolívar. Manifesto aos povos da Colômbia [10 dez. 1830].In: CORRÊA, Anna Maria Martinez; BELLOTTO, Manoel Leio. Bolívar. São Paulo: Ática, 1983.)

II
"Quarenta e sete anos de existência foram-lhe suficientes. Não precisou de mais para encarnar em ação a mais formidável vontade que o continente já conheceu. Foi um meteoro, um corpo ígneo, uma inteligência multiplicada. Nos dias do Renascimento, teria sido um 'condottiere', um poeta, um homem de intensas luzes e paixões exaltadas. Não há dúvidas de que teria medido forças igualmente com papas e cardeais, com mui importantes senhoras [ ...].
Esse Simón Bolívar - sangue basco nas veias, talvez um pouco de africanidade - soube ser terno e feroz; poucos o superaram em elegância de espírito."
(POMER, León. A jornada de Simón Bolívar. In: Folhetim. Folha de S.P., 24 jul. 1983.)

III
"A classe dominante venezuelana apropriando-se do prestígio de que desfrutava Bolívar o elevou ao mais alto pedestal. As comparações feitas regular e continuamente entre Bolívar e os heróis da mitologia greco-romana tinham o objetivo de legitimar sua 'obra incomparável'. Criou-se o Olimpo 'criollo' no qual Simón ocupava o lugar de Júpiter. No rastro da tradição judaico-cristã, além das figuras bíblicas, era ainda comparado com Jesus Cristo. [...] Ele nascera para ser o 'libertador do continente, o criador das repúblicas americanas, o pai dos cidadãos livres'. Para tanto, 'Deus oferecera a ele todos os talentos de valor, de audácia e de perseverança incomparáveis em toda a superfície da Terra tanto no passado, como no presente e no futuro. Desse modo, o herói nacional, simples mortal, avança para o plano da deificação.
Colocou-se Bolívar numa região inacessível, num alto pedestal inatingível, onde ele paira acima do bem e do mal."
(PRADO, Maria Lígia Coelho. Bolívar, Bolívares. In: Folhetim. Folha de S.Paulo, 24 jul. 1983.)

Bolívar e o pan-americanismo
     A única liderança hispano-americana que esboçou um plano de unificação da América espanhola, ainda que limitado, foi Simón Bolívar, conhecido como Libertador. Em 1815, o exército chamado de bolivariano consolidou a independência na Colômbia e na Venezuela e se alastrou para o Alto Peru, dando origem ao Equador e, mais tarde, à Bolívia (nome adotado em homenagem ao Libertador).
     Tradicionalmente, atribui-se a Bolívar o papel de precursor do pan-americanismo, sobretudo por causa das ideias unificadoras que exprimiu na Carta da Jamaica (1815) e no Congresso do Panamá (1826). Mas há exagero nessa avaliação: quando muito, ele ambicionava a união das antigas colônias hispano-americanas a partir da Gran Colombia.
     A base do projeto pan-americano de Bolívar era precaríssima. Muitas lideranças disputavam o poder com o Libertador, com a intenção de manter o controle de governos regionais. Nem mesmo a base política e territorial da Gran Colombia era consistente. No Congresso do Panamá, só compareceram representantes de Colômbia, Venezuela, Equador, México, Federação Centro-Americana (que reunia os futuros países da Nicarágua, Guatemala, Costa Rica, Honduras) e Peru. O projeto da América do Sul unida não saiu do papel, e a região se esfacelou em várias repúblicas - independentes, mas que conservaram a herança colonial, exceto quanto ao livre-comércio.
O próprio Bolívar deu o tom do conservadorismo, em discurso de 1819, ao defender que o Estado deveria ser controlado pelas classes decentes, isto é, os proprietários de terras e comerciantes, com o poder executivo forte e o legislativo formado a partir do voto censitário (eleitores homens com renda mínima estabelecida por lei), excluídos os pobres.

América Latina quer integração econômica, mas não política
     "Estudo do instituto chileno Latinobarómetro mostra que os países da América Latina exibem alto índice de apoio ao processo de integração econômica, mas são bem menos entusiastas quando o tema é a cooperação politica ou livre circulação de pessoas. De acordo com as 20.204 entrevistas feitas em 18 países entre setembro e outubro de 2008, 73% dos latino-americanos querem a integração econômica e 69% apoiam a entrada de investimento estrangeiro sem restrições. Quando o tema é a integração política, porém, o índice cai para 60%. Em 2002, nota o estudo, a taxa era de 71%. A diretora do Latinobarómetro, socióloga Marta Lagos, ligou a queda de apoio à presença polarizante do presidente esquerdista venezuelano, Hugo Chávez. 'Chávez, de alguma maneira, polarizou tudo que tenha a ver com a integração politica e fez mal a esse processo', disse ela, que defende maior espaço para a integração na agenda de política doméstica. A Venezuela promove seu bloco de integração, a Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), com forte cunho político-ideológico. [...] Apesar de criticar as restrições migratórias impostas por Estados Unidos e Europa, a região se mostra receosa quanto à abertura de fronteiras aos vizinhos. Só 46% são favoráveis à livre circulação de pessoas. Para Lagos, a taxa baixa sinaliza que os latino-americanos veem a integração como uma oportunidade, mas também como ameaça. 'Observa-se uma preferência pela integração de coisas, não de pessoas', critica."
(América Latina quer integração econômica, mas não política. Folha de S.P., 24 jun. 2009.)
 Mafalda e Liberdade: personagens criadas pelo argentino Quino.

FONTE:
História, ensino médio. Organizadores: Fausto Henrique Gomes Nogueira, Marcos Alexandre Capellari. - 1. ed. - São Paulo: Edições SM,2010. - (Coleção ser protagonista)
Conexões com a História / Alexandre Alves, Letícia Fagundes de Oliveira. - 1.ed. - São Paulo. Moderna, 2010.
História: das cavernas ao terceiro Milênio /Patrícia Ramos Braick. Myriam Becho Mata. 2. ed. - São Paulo: Moderna, 2010.
História: O Longo séc. XIX, volume 2/Ronaldo Vainfas... [et al.] - São Paulo: Saraiva, 2010.

FILME:
Queimada (1969)
Em 1845, numa ilha do Caribe que tem o nome de Queimada, desembarca um agente britânico, William Walker (Marlon Brando). Intelectualizado, bem-falante, ele fomenta na população de escravos a ideia da revolução contra os colonizadores portugueses. Encontra até a figura ideal de um líder para moldar, o estivador José Dolores (Evaristo Marquez), a quem incita inclusive a roubar um banco para financiar a rebelião. Um outro rebelde, o funcionário de hotel Teddy Sanchez (Renato Salvatori) será levado a assassinar o governador local, facilitando a tomada do poder pelos revolucionários.
Uma vez no comando, o novo governo descobre os limites de seu poder. O agente Walker era, na verdade, um homem a serviço do Almirantado Britânico e de industriais açucareiros ingleses, que apenas procurava tirar os colonizadores portugueses do caminho.
Agora, os empobrecidos novos governantes descobrirão que não tem alternativa senão vender o açúcar, principal produto da ilha, aos ingleses, em condições desvantajosas.
Dez anos depois, Walker e Dolores estarão de novo frente a frente, quando o segundo decide liderar uma nova revolução e o inglês volta para sufocá-la - nem que para isso tenha de queimar novamente toda a ilha e aniquilar a população, como fizeram os portugueses ali, em 1520. Este episódio da queimada referia-se a fatos reais, ocorridos no Caribe (Haiti), só que cometidos por colonizadores espanhóis.
Direção: Gillo Pontecorvo
Ano: 1969
http://ul.to/vohar4y9Áudio: Inglês/Legendado
Duração: 115 minutos

sexta-feira, 30 de março de 2012

Crise do Sistema Colonial/Brasil/Complemento

Muitas independências
     A interpretação sobre a independência do Brasil provocou e ainda provoca muitas divergências. Sob o ponto de vista econômico, alguns pesquisadores defendem que a separação ocorreu de fato em 1808, com o fim do monopólio comercial através da abertura dos portos ao comércio internacional. Outros, com interpretações mais políticas, indicam o 7 de setembro de 1822, embora nenhuma medida formal tenha sido tomada nessa data - foi um ato simbólico!
     Depois da Guerra do Paraguai, jornais republicanos argumentavam que a independência comemorada no Sete de Setembro não fez mais do que manter os brasileiros sob o "odioso poderio da família bragantina". D. Pedro havia atendido aos apelos de independência dos brasileiros, mas os teria traído quando fechou a Assembleia Constituinte em 1823. Enalteciam, então, a Inconfidência Mineira (1789), a Revolução Pernambucana (1817) e a Confederação do Equador (1824), movimentos com teor republicano, conforme as reais aspirações dos brasileiros.
     São várias interpretações, que variam de acordo com a posição política ou do momento histórico dos autores. Alguns intelectuais consideram até mesmo que o Brasil, hoje, tem uma independência mais nominal do que real, pois continuaria dependente dos países mais ricos.

A Independência da Bahia
     Além do dia 7 de setembro, quando se comemora a Independência do Brasil, os baianos celebram no dia 2 de julho a Independência da Bahia. Trata-se da vitória final, em 2 de julho de 1823, sobre as tropas portuguesas estacionadas na Bahia, dez meses após dom Pedro proclamar a independência do país. A vitória sobre os portugueses na Bahia, assim como em outras regiões do país, consolidou a independência do Brasil.
     A Revolução Liberal do Porto, em 1820, em Portugal, recebera a adesão de capitanias brasileiras do Norte e do Nordeste, onde comerciantes portugueses entusiasmaram-se com as propostas revolucionárias de rever os acordos comerciais com os ingleses e retomar o monopólio das trocas com a Europa. Entre os brasileiros, a expectativa de minar o poder absoluto animava os que desejavam participar mais da vida política do reino.
Os conflitos na Bahia
     Na medida em que as decisões das Cortes portuguesas chegavam à Bahia, o clima ficava mais tenso. As determinações dos liberais portugueses em favor da recolonização começavam a desagradar aos baianos, que viam sua autonomia diminuir e os lusos ganharem mais privilégios. Os baianos reivindicavam maior participação política. Em novembro de 1821, houve protestos contra ajunta de Governo da Bahia, constituída na sua maioria de lusitanos.
     As Cortes atenderam à reivindicação baiana e novos representantes foram eleitos para governar a província, com maioria de brasileiros. Mas as Cortes nomearam o português Inácio Luís Madeira de Melo para ser governador militar. Assim, enquanto a Junta de Governo representava o povo baiano, o chefe militar defendia os interesses das Cortes portuguesas.
     Essa situação gerou conflitos que envolveram militares e civis portugueses e brasileiros. A proclamação da Independência, em 7 de setembro de 1822, não diminuiu o ímpeto das disputas. As tropas portuguesas estacionadas na Bahia resistiram às forças baianas. Somente em 2 de julho de 1823, quando os britânicos já intervinham no conflito, os baianos conseguiram derrotar os lusitanos.
A participação feminina nos conflitos
Nos conflitos na Bahia, duas mulheres destacaram-se. Uma foi a abadessa Joana Angélica. Em fevereiro de 1822, tropas lusitanas procuravam rebeldes brasileiros escondidos em Salvador. No convento da Lapa, onde havia soldados brasileiros, a abadessa tentou impedir a entrada dos lusitanos, sendo morta por isso. Ela é considerada mártir da Independência da Bahia.
Outra mulher lutaria nos conflitos na Bahia. Contra os costumes da época, Maria Quitéria de Jesus decidiu participar da luta. Cortou o cabelo, vestiu-se como homem e alistou-se no Batalhão de Voluntários. Mesmo descoberta, Maria Quitéria foi incorporada à tropa e participou ativamente das lutas contra os portugueses até julho de 1823. Hoje é considerada heroína da Independência da Bahia.

A Conjuração do Rio de Janeiro
     A chamada Conjuração do Rio de Janeiro sequer chegou a se articular de fato, a ponto de alguns historiadores a chamarem de "a conjuração que não houve”: O vice-rei Conde de Resende, escaldado com o caso de Minas Gerais, passou a desconfiar das reuniões que membros da elite intelectual do Rio de Janeiro realizavam na Sociedade Literária, fundada na década de 1770.
      Mas as reuniões eram inofensivas: não passavam de encontros para discutir filosofia, religião e política, como na maioria das academias literárias da Colônia. Se de fato alguns dos participantes possuíam, em suas bibliotecas, livros considerados subversivos, não existe nenhuma evidência de que conspiravam contra Portugal. O vice-rei, em dezembro de 1794, mandou prender vários membros da Sociedade Literária, que acabaram processados pelo crime de conjuração. Nenhum deles foi condenado, por absoluta ausência de provas incriminadoras.

Tiradentes: de traidor a herói
     Mártir, desequilibrado, corajoso, idealista, falador, imprudente, idealizador da República, bode expiatório. Ao longo do tempo, são várias - e por vezes contraditórias - as imagens produzidas sobre Tiradentes.
     As diversas percepções sobre sua atuação respondem, na verdade, aos momentos históricos vividos pelos que dele trataram. Desde o século XIX foi apresentado com o emblema de herói.
     O Visconde de Taunay, em 1889, após a proclamação da República, reclamava que os republicanos estavam tentando monopolizar sua figura, transformando-a em herói republicano. Dizia o Visconde que a independência de 1822 libertou o Brasil de Portugal, sonho de Tiradentes, e que, portanto, também ao Império ele pertencia.
     Exaltar a liberdade na figura de Tiradentes uniu grupos das mais variadas origens. Foi representado como um herói antigo, como caboclo, mas foi como um mártir que mais foi retratado.
     Exemplo dessa dinâmica são as diferentes representações feitas do personagem, aproveitando-se do fato que dele não existe qualquer retrato de época, apenas descrições feitas nos processos da Inconfidência.

Observe as obras:
“Tiradentes Esquartejado”, de Pedro Américo, pintado em 1893, em Florença, onde o artista morava.

Painel intitulado “Tiradentes”, de Candido Portinari, pintado entre 1948 e 1949. (Fundação Memorial da América Latina, São Paulo.)
 A fuga da família real
     As crônicas sobre a saída da Corte portuguesa da Europa são contraditórias. Contam que na noite de 26 novembro nobres esbaforidos teriam corrido rumo ao cais e alguns, na tentativa de alcançar a nado as embarcações, teriam morrido afogados. Consta que D. João seguiu para o cais disfarçado, tendo sido levado nos braços até a embarcação.
     Hoje, os historiadores alegam que essa imagem está mais para o anedótico do que para a realidade. O que se sabe, ao certo, é que milhares de pessoas deixaram Lisboa - alguns dizem ter sido 8 mil; outros, 15 mil -, entre elas nobres e toda a família real: D. João, sua mãe, D. Maria I, sua mulher, D. Carlota Joaquina, e seus oito filhos. A superlotação e a falta de mantimentos, água e remédios foram comuns a todas as embarcações. D. João acabou desembarcando na Bahia, em 22 de janeiro de 1808. Foi recebido calorosamente por parte da população, que lotava o porto. Era a primeira vez que um rei europeu pisava em terras da América. E foi principalmente por esse motivo que a independência do Brasil seguiu um rumo diferente das independências das colônias da América espanhola.

Leia os dois textos que mostram visões diferentes a respeito de D. João, do Reino Português e da vinda da família real para o Brasil.
I
     "Segundo filho da rainha louca, d. João não tinha sido educado para dirigir os destinos do país. [...] Além de despreparado para reinar, d. João era um homem solitário às voltas com sérios problemas conjugais [...]. O príncipe regente era tímido, supersticioso e feio. O principal traço de sua personalidade e que se refletia no trabalho, no entanto, era a indecisão. [...] Em novembro de 1807, porém, d. João foi colocado contra a parede e obrigado a tomar a decisão mais importante da sua vida. [...] Encurralado entre as duas maiores potências econômicas e militares de sua época, d. João tinha pela frente duas alternativas amargas e excludentes. A primeira era ceder às pressões de Napoleão e aderir ao Bloqueio Continental. A segunda, aceitar a oferta dos aliados ingleses e embarcar para o Brasil levando junto a família real, a maior parte da nobreza, seus tesouros e todo o aparato do Estado. [...] Havia, obviamente, uma terceira alternativa, que sequer foi considerada por d. João. Seria permanecer em Portugal, enfrentar Napoleão e lutar ao lado dos ingleses na defesa do país [...], mas, em 1807, essa opção não estava ao alcance do inseguro e medroso príncipe regente. Incapaz de resistir e enfrentar um inimigo que julgava muito mais poderoso decidiu fugir."
(GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil. São Paulo: Planeta, 2007.)
II
     "A situação era grave, como bem sabia o gabinete português. Logo após a chegada da esquadra britânica, foi convocado o Conselho de Estado, que se reuniria em várias ocasiões até novembro de 1807 para discutir a situação e propor soluções [...]. Foi nessas ocasiões que a proposta de transferência da corte para a América começou a ganhar contornos consistentes e definitivos, principalmente a partir de agosto de 1807, com a iminência de uma invasão franco-espanhola do território português [...].Os estadistas portugueses, pensando e agindo em meio a um turbilhão de acontecimentos e sob fortes pressões, mostravam-se capazes de fazer uma acertada leitura de conjuntura. Aliás, essa era a sua função. Por isso, quando conceberam e realizaram a mudança da corte para a América, não agiam como 'visionários' ou 'beneméritos', apenas faziam aquilo que muito provavelmente outros governos na mesma situação fariam [...]. A concretização da medida em Portugal, tomada por um grupo de estadistas, tampouco deve servir de argumento para tolas pretensões de 'recuperação da imagem' de d. João - ou seu oposto, a igualmente tola ideia de que era um príncipe 'medroso' [...]. D. João não parece ter sido nem mais nem menos talentoso ou medíocre do que seus colegas de ofício europeus. Da mesma forma, a transferência da corte foi uma medida emergencial, bem-sucedida a curto prazo, mas incapaz de garantir, por muito tempo, a longevidade do Império Português na América."
(SLEMIAN, Andréa; PIMENTA, João Paulo. A Corte e o mundo: uma história do ano em que a família real portuguesa chegou ao Brasil. São Paulo: Alameda, 2008.)

 A rainha
       Um dos principais problemas enfrentados por D. João foi com sua própria mulher. Absolutista convicta,
D. Carlota Joaquina articulou várias conspirações contra o marido, uma delas em 1805, em que pretendia assumir o governo no lugar de D. João. O plano não deu certo, e ela foi exilada por um tempo no Palácio de
Queluz, em Portugal, acarretando no rompimento definitivo entre os dois.
     D. Carlota Joaquina detestava o Brasil. A partir do Rio de Janeiro, tentou assumir a regência do Vice-reino do Rio da Prata, contando com o apoio do almirante inglês Sir Sidney Smith, tido como um de seus amantes, comandante da escolta britânica em 1808. Sua intenção principal, porém, não era a de se tornar a rainha do Prata, como sugeriram, mas defender os interesses da Espanha. Era filha de Carlos IV e irmã de Fernando VII, destronados por Napoleão.
     Foi descrita como mulher de baixa estatura (menos de um metro e meio), morena, com feições andaluzas (sul da Espanha, meio mourisca), com vários amantes, embora alguns historiadores a tenham descrito como beata e devota.
     Negou-se a jurar a constituição das Cortes de Lisboa, em 1821, sendo confinada no palácio real. Anos depois, tentou outra conspiração para que D. Miguel, seu filho, assumisse o reinado de Portugal, movimento conhecido como "Abrilada". D. Miguel chegou a prender o pai, mas foi vencido e deportado.
D. Carlota acabou desterrada novamente no Palácio de Queluz.
     Alguns historiadores sugerem que o único golpe bem-sucedido de Carlota foi o assassinato de D. João VI, em 1826, aparentemente por envenenamento (segundo alguns, a mando dela). A rainha ainda articulou um outro movimento para aclamar seu filho D. Miguel como rei de Portugal.
     Carlota Joaquina morreu em 1830, aos 65 anos, aparentemente de morte natural. Sua figura, como a do marido, foi e é motivo de divergência. Era, sem dúvida, mulher avessa ao diálogo e intransigente defensora do governo absoluto.

D. João no Brasil
     D. João e sua corte desembarcaram em janeiro de 1808 e se estabeleceram no Rio de Janeiro, após escala em Salvador. Seu governo tomou medidas que mudaram totalmente a posição que o Brasil ocupava no Império Português.
     A mais importante foi a Carta Régia, assinada quando ainda estava em Salvador, que determinou a abertura dos portos brasileiros às nações amigas. Com a ocupação francesa em Portugal, o governo tinha de providenciar com rapidez -sua principal fonte de receitas: os impostos alfandegários. A Carta Régia ordenava que todas as mercadorias fossem admitidas nas alfândegas do Brasil, transportadas ou não por navios portugueses, pagando o imposto de 24% sobre seu valor. Determinava, também, que tanto os súditos de Portugal como os estrangeiros poderiam exportar para qualquer porto os produtos do Brasil - com exceção do pau-brasil e do diamante -, pagando por saída os impostos usuais.
     Essa medida rompeu o monopólio dos portugueses sobre o comércio colonial. Os comerciantes locais ficaram muito satisfeitos, pois se abriu a possibilidade de negociarem diretamente com outros mercados. Estavam preparados para o novo papel, pois praticavam rotineiramente, desde o século XVIII, o tráfico de escravos nos portos da África. Os grandes prejudicados foram os comerciantes de Portugal, que perderam a exclusividade na intermediação entre os mercados colonial e europeu.
     Quando da chegada da Corte portuguesa ao Rio de Janeiro, o vice-rei do Brasil, o conde dos Arcos, reservou seu palácio para moradia da família real e sede do governo. Mas D. João preferiu ter como domicílio a Quinta da Boa Vista, oferecida pelo negociante português de escravos Elias Antônio Lopes, em troca de inúmeros benefícios. Muitos dos demais nobres requisitaram outras residências, em geral as mais ricas – era um privilégio da nobreza portuguesa tomar posse de moradias, mesmo que os proprietários as habitassem. No Rio de Janeiro, tal prática passou a ser odiosa para a população. Quando uma residência era requisitada, o governo colocava na fachada a inscrição P.R., de Príncipe Regente, ironicamente chamada pela população de "Ponha-se na Rua" ou "Prédio Roubado".
     D. João exercia a regência de Portugal desde 1792, pois sua mãe, D. Maria I, abalada pela perda de um filho e do marido em um curto período de tempo, estava impossibilitada de reinar. D. Maria I morreu em 1816, mas somente em 6 de fevereiro de 1818 D. João foi aclamado rei, com o título de D. João VI. Foi o primeiro e único monarca europeu a assumir o trono na América.
     O estabelecimento da Corte no Rio de Janeiro é o marco inicial da emancipação política do Brasil.

Longe de Napoleão, mas não da cultura francesa.
     Um dos muitos efeitos da expansão napoleônica foi o impulso renovado à difusão da cultura francesa pela Europa: desde os modos de se vestir, comportar-se, falar e comer, até as influências na decoração e nas artes plásticas. Um tanto surpreso Napoleão relatou a sua esposa que, ao entrar na Rússia durante a campanha de 1812, encontrara móveis com estilo francês.
     Se d. João havia conseguido escapar por pouco de Napoleão, seguindo para o Brasil um dia antes da entrada dos soldados franceses em Lisboa, o mesmo não aconteceria em relação à cultura e aos costumes provenientes da França, que, desde o século XVII, nos tempos de Luís XIV, era um centro irradiador de tendências na moda e nas artes. A Corte portuguesa, como tantas outras, esforçava-se para aprender os costumes de Paris e a língua francesa. Até 1807, as elites políticas lusas dividiam -se entre os adeptos de uma aliança com a França e os defensores do tradicional alinhamento com a Inglaterra.
     No Rio de Janeiro do período joanino não foi diferente. Apesar da hostilidade a Napoleão, a cultura francesa era reverenciada. Havia cabeleireiros oferecendo penteados "à moda de Paris". As lojas vendiam gêneros diversos, como "água-de-colônia", "essências", "sapatos e chinelas", "chapéus" e "champanha", tudo "vindo de Paris". Depois da queda do imperador, essa influência intensificou-se. Modistas parisienses vieram para o Brasil e encantaram suas clientes com os figurinos das francesas.
      Tais influências não passaram despercebidas aos viajantes estrangeiros. Eles logo notaram a semelhança entre a postura das damas em Paris e no Real Teatro de São João, no Rio de Janeiro. Ou registraram a etiqueta à mesa, inspirada nos modos de servir e de se comportar próprios das cortes francesas do século XVIII.
     A chamada Missão Artística Francesa também era um traço da presença marcante daquela cultura. Para "refinar os gostos" ou "civilizar" a nova sociedade, era necessário buscar modelos europeus, franceses, sobretudo. No entanto, a influência dos costumes franceses na sociedade carioca do período joanino limitou-se basicamente ao ambiente cortesão e às elites locais.
     Nas décadas seguintes, houve, no Brasil, uma nítida divisão entre a influência inglesa e a francesa. Os primeiros predominavam na economia e em aspectos como a moda masculina, que se tornou mais sóbria e adotou tons mais escuros. Já os franceses influenciaram as artes em geral, a etiqueta e o mobiliário, reinando absolutos na moda feminina, que encontrava em Paris sua fonte inspiradora.
O Grito do Ipiranga
     Em agosto de 1822, D. Pedro estava em viagem política pela província de São Paulo quando chegou ao Rio de Janeiro um navio com documentos das Cortes de Lisboa que limitavam o poder e a autoridade do príncipe regente. Tais informações foram enviadas a D. Pedro junto com cartas de D. Leopoldina, dos conselheiros e de José Bonifácio, todas insistindo na separação imediata de Portugal. A de José Bonifácio dizia: "Senhor, o dado está lançado: de Portugal não temos a esperar senão escravidão e horrores". Decidindo-se, D. Pedro teria dado o brado de "Independência ou morte!". O dia era 7 de setembro, e o lugar, as margens do rio Ipiranga.
   O evento não teve grande repercussão, nem mesmo quando, no dia 20 do mesmo mês, o periódico O Espelho publicou um artigo se referindo ao grito de "Independência ou morte" como "o grito acorde de todos os brasileiros", apresentando os motivos que justificavam o rompimento com Portugal: "os decretos injustos e cruéis" de uma facção arrogante, que prevaleceu nas Cortes de Lisboa e que sacrificou a união de dois hemisférios à sua ambição, ao atropelar os "direitos inauferíveis do cidadão".
     Para os historiadores, dois fatores explicam a pouca importância dada ao 7 de setembro: o fato de a Independência já estar consumada desde a convocação, em 3 de junho, de uma Assembleia Constituinte e por terem sido declaradas inimigas as tropas enviadas por Portugal (decreto de 1º de agosto). A transformação do 7 de setembro em data comemorativa oficial da independência do Brasil só aconteceu bem depois. Havia outras datas mais apropriadas para comemorar o Império, como a da aclamação de D.
Pedro I, em 12 de outubro de 1822, a da coroação, em 1º de dezembro do mesmo ano, e a da outorga da primeira Constituição, em 25 de março de 1824.
      O Grito Interpretação romântica do pintor Pedro Américo (1843-1905) sobre o momento em que D. Pedro, em viagem a São Paulo, teria decidido enfrentar as Cortes portuguesas que tentavam obrigá-lo a voltar a Portugal, dizendo a frase eternizada pelos historiadores: "Independência ou morte". A pintura foi realizada muito tempo depois, em 1888, e foi encomendada pelo governo do Brasil. O pintor resolveu não ficar "preso à verdade". No quadro, vê-se D. Pedro ao centro empunhando a espada, junto de sua comitiva, sob os olhares espantados de tropeiros, à esquerda. Todos estão montados em cavalos imponentes, inapropriados para as longas viagens (feitas, na maioria das vezes, em lombos de mulas). O pintor selecionou trajes que dessem maior elegância ao príncipe e sua comitiva. A Guarda de Honra do Imperador foi adicionada à tela posteriormente. Não há registro documental sobre o príncipe português ter realmente proferido a frase.
Fonte:
História, ensino médio. Organizadores: Fausto Henrique Gomes Nogueira, Marcos Alexandre Capellari. - 1. ed. - São Paulo: Edições SM,2010. - (Coleção ser protagonista)
História: O Longo séc. XIX, volume 2. Ronaldo Vainfas... [et al.] - São Paulo: Saraiva, 2010. 
Saiba - Mais:
Filme 
Carlota Joaquina
O filme conta, satiricamente, parte da história da monarquia portuguesa, e a elevação do Brasil, de colônia do império ultramarino português, a reino unido com Portugal. Também faz referências a monarquia espanhola. A morte do rei de Portugal D. José I de Bragança, em 1777, e a declaração de insanidade da filha herdeira do precedente, a rainha D. Maria I, em 1792, levam seu filho, o então príncipe D. João de Bragança e sua esposa, a infanta espanhola Carlota Joaquina de Bourbon, ao trono real português. Em 1807, para escapar das tropas napoleônicas que invadiam Portugal, a corte portuguesa e o casal transferem-se às pressas para o Rio de Janeiro, onde a família real e grande parte da nobreza portuguesa vivem exiladas por 13 anos. Na colônia aumentam os desentendimentos entre Carlota Joaquina e D. João VI, que após a morte da mãe, D. Maria I, deixa de ser príncipe-regente e torna-se rei de Portugal e, posteriormente, rei do reino unido de Portugal, Brasil e Algarves
Direção: Carla Camurati
Ano: 1995
Áudio: Português
Duração: 100 minutos

Documentário:
A Corte no Brasil

Reportagem: Sandra Moreyra e Mônica Sanches
Ano: 2009
Áudio: Português
Duração: +- 20 minutos (cada episódio)



 1º episódio – A fuga dos Reis – O Tejo tema de tantos e poemas, ponto de partida das viagens que levaram aos grandes feitos e descobertas dos navegadores lusitanos, foi testemunha de um embarque inusitado 200 anos atrás.

2º episódio – Nobreza e política – No início do século XIX, a amizade entre Portugal e Inglaterra já tinha 500 anos. A mais duradoura aliança entre dois países. Parceiros no comércio navegavam juntos contra os piratas e os inimigos.

3º episódio – Um reino sem Rei – Um povo abandonado. Depois da partida da família real a dor tomou conta dos portugueses. Uma tristeza do fado, este sentimento de orfandade, faz parte da história de Portugal.

4º episódio – A travessia – Ha 2900 km do Brasil, uma ilha vulcânica se ergue no meio do Oceano Atlântico. Na Santa Helena, um Napoleão derrotado pelos ingleses, dita suas memórias a dois companheiros, Admite que a invasão da Península Ibérica foi um erro, reconhece que o príncipe D.João de Portugal, foi o único que conseguiu enganá-lo, quando embarcou para o Brasil.

5º episódio – Chegada à Bahia – A viagem da corte portuguesa, já durava quase dois meses desde a partida no porto de Lisboa em Novembro de 1807. Um típico por de sol em Salvador, fez o soldado de plantão no forte, no dia 21 de janeiro de 1808, levar um grande susto e correu para contar a novidade. Ao norte, quatro embarcações que parecia ser de guerra se aproximavam, a primeira no horizonte tinha a bandeira da Inglaterra. João de Saldanha da Gama, o conde da Pontem governador geral da Bahia recebeu a notícia e ficou em pânico. No diário que escreveu, ele relata o medo de uma invasão inglesa até o outro de que as outras naus eram portuguesas e uma trazia o pavilhão real.

6º episódio – O desembarque no Rio de Janeiro – O brique voador era a nau mais veloz da frota portuguesa. A tripulação do voador fora designada uma importante missão. Chegar ao Brasil o quanto antes. O voador partiu de Portugal na véspera do embarque da corte. No navio seguiam documentos, com algumas decisões do príncipe regente D. João, um comunicado que ia deixar o Rio de Janeiro em polvorosa.

7º episódio – A economia do tempo de D. João – O Brasil já era a economia do futuro em 1808. Um território imenso a ser explorado, o interior ainda desconhecido, um extenso litoral com portos apropriados para o comércio. Um mercado consumidor praticamente vigente. Ansioso para receber novidades estrangeiras. Muitas eram as possibilidades e infinitas as dificuldades para o governo de D. João.

8º episódio – A política no tempo de D. João – No tempo de D. João, governar Portugal era viver na defesa. Temer constantemente os vizinhos, maiores, mais fortes e poderosos. No Brasil o soberano destas vastas terras, descobriu que havia uma enorme diferença. Naquela época, tamanho era documento, a conquista de territórios, uma carta na manga, para negociar a qualquer momento em períodos de guerra ou quando chegasse a paz.

9º episódio – A corrupção – No Brasil colonial ostentar riqueza era proibido. Nas roupas, nada de tecidos nobres ou ricos bordados, nas casas muita simplicidade. Tudo isso mudou com a chegada da corte. O luxo nas festas, os gastos descontrolados, a troca de favores, a burocracia aliada a corrupção, tinham exemplos que vinham de cima, do trono e dos fidalgos que cercavam a monarquia aqui instalada.

10º episódio – Arte e ciência, o Reino do saber – Quando Napoleão perdeu a guerra, a família real portuguesa não voltou para a Europa. O Brasil naquela altura dos acontecimentos, tinha se tornado o melhor lugar para se chamar de lar, onde sede do Império Colonial Português. Faltava apenas arrumar a casa, enfeitar o Rio de Janeiro, dar uma sofisticação a este reino tropical, foi o que fez D. João.

11º episódio – Templo dos livros e da música – As catedrais e as bibliotecas são até hoje templos imponentes em Portugal. Em 1808, na nova corte do Rio de janeiro, D. João fez que são de cultivar as duas paixões da Família Bragança. Quando voltou para Lisboa, deixou os tesouros na Real Biblioteca no Rio de Janeiro. Enquanto viveu no Brasil contratou músicos, maestros e cantores trouxe atrações internacionais. Duzentos anos atrás, encontramos as raízes das nossas bibliotecas públicas e da música brasileira.

12º episódio – O retorno da corte – A família de D. João VI, viveu uma saga surpreendente até os momentos finais. O Rei não queria deixar o Rio de Janeiro, em Lisboa a rainha Carlota Joaquina e seu filho, príncipe Miguel, comandaram um governo de terror. Duas crianças, filhos de D. Pedro, receberam as coroas do Brasil e de Portugal. Duzentos anos depois com o fim da monarquia no Brasil, ficaram os herdeiros do trono que não existe mais.

quinta-feira, 29 de março de 2012

"INQUIETOS"

O filme 'Inquietos', de Gus Van Sant, aborda as expectativas de vida e morte a partir da relação de um jovem casal.

     Pessoas amadas às vezes vão embora. Em algumas ocasiões, porque não amam suficientemente – deliberadamente ou por capricho do acaso, como nos ensinou Drummond em “Quadrilha”. Em outras, quando não querem se prender a alguém menor, partem porque têm bom senso. Há ainda aquelas que vão sem poder escolher.  “Inquietos” (Restless), que estreou no Brasil no final de 2011, trata deste último caso.
     A película do norte-americano Gus Van Sant, entretanto, não é um filme triste. Apesar de ter sido rotulado como “melodrama”, provavelmente por conta da fórmula manjada garoto-encontra-garota-mas-ela-está-doente, o diretor conseguiu dar outra roupagem a velhos clichês (aliás, clichês nunca são clichês à toa, como prova boa parte da literatura ocidental). E foi além, subvertendo alguns rótulos geralmente atribuídos a gerações inteiras e dando imagem a sentimentos difíceis de serem retratados no grande ecrã sem uma certa afetação.
     O filme traz um elenco bem afinado, locações outonais do Oregon e trilha sonora irrepreensível – destaque para a sequência inicial, na qual a simples, genial e aconchegante “Two of Us”, dos Beatles, literalmente carrega os espectadores para o ambiente no qual transcorre a história.
     Os dois jovens protagonistas, Enoch e Annabel, se conhecem em um funeral. Ambos costumam entrar de penetra nestas cerimônias, pois compartilham, por caminhos diversos, certo fascínio pela morte.  Ele, vivido por um melancólico, irascível, profundamente triste e lindo de doer Henry Hopper, perdeu os pais em um acidente de automóvel e costuma conversar com eles no cemitério. Ela, vivida pela angelical e etérea Mia Wasikowska, com roupas de vovó, corte de cabelo estilo gamine, paciente terminal de câncer, tem uma visão realista do mundo e sabe que a morte faz parte da vida.
     As referências mais primárias deste enredo são bem evidentes. De acordo com o Gênesis bíblico, Enoque foi arrebatado e poupado por Deus do dilúvio, e não há notícia de que tenha morrido – o Enoch de Van Sant também chegou perto do outro lado, e sua fixação com o tema da morte assume feições de frustração com a separação definitiva em relação aos pais (ele sofre porque é incapaz de morrer).
Annabel, por sua vez, pode ser uma citação explícita do poema “Annabel Lee”, escrito pelo romântico norte-americano Edgar Alan Poe em 1849. Aliás, o enredo está quase todo ali: uma paixão fulminante
iniciada na juventude entre o narrador e a moça que dá nome à obra, que morre jovem, e a quem ele devota um amor que atravessa a morte, dormindo junto ao seu túmulo. Segundo o próprio Poe, a morte de uma linda mulher é o “tópico mais poético do mundo”. Já se escreveu que o seu poema tem uma atmosfera necrófila.  Há muitos elementos, portanto, para que este seja visto como um filme sombrio.
Fantasma da Segunda Guerra
Pode-se ultrapassar essa primeira vista e pensar o filme para além das suas aparências imediatas, ainda assim em termos bem formais, simplistas, redutores: Annabel tem os pés no chão, é serena e bem resolvida com a vida e a morte, vistos não de uma forma religiosa, mas natural (seu ídolo é Darwin, o naturalista por excelência, símbolo da luta contra uma certa cultura transcendentalista extremista nos EUA); a morte, no seu caso, é sinônimo de libertação; Enoch, que possui uma relação ao mesmo tempo de proximidade e de distância com o desaparecimento final (ele conversa com um fantasma da Segunda Guerra Mundial); no seu caso, a morte é uma prisão; ele se apaixona pela primeira vez e vive uma jornada de amadurecimento no curto convívio com Annabel.
     Nesta chave de leitura, poderia se dar o braço a torcer às feministas mais irritadiças: uma mulher precisa morrer para que um homem – que seria visto aqui como “o” protagonista – cumpra a sua jornada. Gus Van Sant é gay (o que, é bem verdade, não é um antídoto contra o machismo), e não abriu mão de tratar relações homoafetivas em seu trabalho (como “Mala Noche”, de 1985, e “Milk”, de 2008), quebrando alguns estereótipos geralmente atribuídos aos gêneros. É possível, entretanto, ver a história por outro ângulo: a personagem feminina é o centro de equilíbrio da relação e da trama, e dita, do início ao fim, o nível de racionalidade e de apreensão da realidade do personagem masculino – não porque se trata de uma mulher, mas porque sua proximidade com a morte é de outra natureza, o que faz com que a sua relação com a vida também seja de outra ordem – Annabel é sinceramente atraída por Enoch em todos os níveis da sua existência, mas também está interessada na vida dos besouros e das aves marinhas.
     Entretanto, como escrevi acima, não se trata de um filme triste. Há, sim, elementos que podem ser atribuídos a um romantismo com o qual estamos acostumados, que inventou boa parte dos nossos sentimentos, e que pode nos levar às lagrimas com facilidade – poucas pessoas são indiferentes a um amor impossível, como tem demonstrado a perenidade de Shakespeare e Goethe. Mas Van Sant não ficou na reprodução do clichê – aliás, ele caçoa deste lugar-comum em uma cena que pega muita gente de surpresa.
     Ainda assim, pode-se tratar aqui – uma vez que um filme, assim como qualquer discurso, não é apenas aquilo que pretende ser, mas também aquilo que fazemos dele – de uma obra sobre a vida, e sobre como ela pode ser ainda mais densa quando se tem consciência da sua exiguidade (“restless”, do título original, brinca com o eufemismo da morte, descansar, ou “rest”, através da sua negação – isto é, trata-se de uma afirmação da vida sobre a morte). É possível amar verdadeira e profundamente, e se transformar por inteiro, mesmo sabendo que a única pessoa que realmente importa na sua vida vai partir. Amor de verdade não vem com prazo de validade e não tem relação direta com presença ou ausência – não apenas o amor dito erótico, mas a necessidade de uma outra alma.
     Van Sant pode estar dizendo que levar um afeto genuíno às últimas consequências vale a pena – se realmente é amor, é a coisa mais importante do mundo. Afinal, até onde se deve lutar por um sentimento que se julga verdadeiro? Se você não tem bom senso, até o fim – no caso de Enoch, ir até o centro da cidade, algo que não faz por conta de um trauma, e procurar um xilofone para presentear Annabel; no caso de um anônimo aleatório da vida real, gastar todo o dinheiro do aluguel em um mimo cafona. Annabel não teve tempo de aprender a tocar o instrumento; a musa que ganhou o presente inapropriado de um qualquer pode tê-lo mandado diretamente para o lixo. Mas as pequenas ações “heroicas” (bobas, se vistas externamente ou retrospectivamente) dão sentido à vida daqueles que ficam e guardam a doce maldição de, mesmo em condições adversas, poder amar – ainda que o objeto de afeição vá embora, seja por conta da morte, seja por conta do bom senso.








Direção: Gus Van Sant
Ano: 2011
Áudio: Português
Duração: 91 minutos
Tamanho: 654 MB

terça-feira, 27 de março de 2012

Crianças Invisíveis

Formado por 7 curtas realizados no Brasil, Itália, Inglaterra, Sérvia, Burkina Faso, China e Estados Unidos. O projeto de Crianças Invisíveis foi criado para despertar a atenção para o sofrimento das crianças em situações difíceis por todo o mundo. Todos os oitos diretores consagrados de diferentes nacionalidades trabalharam de graça ao realizar seus curtas para Crianças Invisíveis. A realidade dos continentes tem recortes de suas crianças transpostos para as telas a partir do olhar sensível e diferenciado de nomes como os do inglês Ridley Scott e de sua filha Jordan Scott, da brasileira Katia Lund (co-diretora de Cidade de Deus), do norte-americano Spike Lee, do chinês John Woo, do italiano Stefano Veneruso, do bósnio Emir Kusturica e do argelino Mehdi Charef.
Parte da renda do filme será destinada para a UNICEF e para o Programa Mundial contra a Fome.

Direção: Kátia Lund, Spike Lee, Ridley Scott, Jordan Scott, Stefano Veneruso, John Woo, Mehdi Charef e Emir Kusturica
Roteiros de Mehdi Charef, Diogo da Silva, Stribo Kusturica, Kátia Lund Cinqué Lee, Joie Lee, Spike Lee, Qiang Li, Stefano Venerusco, Jordan Scott Elenco: Francisco Anawake, Maria Grazia Cucinotta, Damaris Edwards, Vera Fernandez, Hazelle Goodman, Hannah Hodson, Zhao Ziann, Wenli Jiang, David Thewlis, Jake Ritzema, Kelly Mcdonald, Rosie Perez, Andre Royo, Qi Ruyi, Lanette Ware.
País/Ano de produção: Itália, 2005
Áudio: Português
https://www.youtube.com/watch?v=IxmBRrbEhFA&feature=emb_logo
Duração: 116 minutos
Tamanho: 829 MB 

domingo, 25 de março de 2012

Brasil Colônia-Economia, Sociedade/Complemento.

À margem da plantation
     O sistema de plantation não representou a única forma de organização econômica existente na América
portuguesa. Outros produtos, tais como o algodão e o tabaco, foram cultivados em pequenas unidades de
exploração, com vantagens econômicas para os colonos. Mesmo a cana-de-açúcar, quando plantada para a
produção da rapadura e da cachaça, adaptou-se a esse modelo de exploração, que exigia pouco investimento.
     O algodão já era um produto conhecido pelos indígenas, que utilizavam seus fios para tecer redes. No início do período colonial, o cultivo de algodão destinava-se ao consumo interno, principalmente à manufatura de tecidos para as vestimentas dos escravos. A partir da segunda metade do século XVIII, o algodão passou a ser exportado em grandes quantidades. Isso ocorreu devido ao aumento do preço do produto no mercado internacional e à guerra de independência dos Estados Unidos. As colônias norte-americanas eram as maiores produtoras de algodão e com a instabilidade gerada pela guerra, suas exportações caíram sensivelmente. Já no início do século XIX, os Estados Unidos retomaram sua produção, o que ocasionou uma grande queda nas exportações da América portuguesa.
     O tabaco é uma planta nativa da América e, além de ser consumido na colônia, era destinado aos mercados europeus, nos quais o número de consumidores era crescente. Algumas propriedades produziam o tabaco para que servisse como "moeda" na compra de escravos na África. A principal área produtora era o litoral baiano.
     Os negócios nos mercados locais mobilizavam produtores e mercadores. Comercializavam-se alimentos produzidos na região e produtos importados (com fornecimento irregular e preços bastante elevados). Dentre os produtos produzidos na colônia, destacaram-se a farinha de mandioca, de milho e de trigo, feijão, açúcar, rapadura, aguardente, toucinho, charque e carne fresca, fumo, couro, peixe seco e fresco. Dentre os produtos importados, os de maior procura eram vinagre, azeite, vinho, bacalhau, azeitonas, pimenta-do-reino, especiarias, tecidos finos, linhas, agulhas para costura, papel, pena e tinta para escrever,
anzóis e linhas para pesca, pratos, jarros, vasilhas, panelas, tachos e vasos para uso doméstico, pregos, cobre e ferramentas, caixas, cordas e o sal.

Brasil colonial: feudalismo ou capitalismo? Duas visões.
Durante muito tempo, os estudiosos do passado colonial do Brasil travaram intensos debates a respeito de instituições políticas, regimes de trabalho e outros temas relacionados à vida na colônia. As capitanias hereditárias foram um dos assuntos que geraram polêmica entre os estudiosos. Enquanto alguns compreendiam suas características como feudais, outros viam as capitanias como meio de enriquecer, de obter lucro, ou seja, inseridas num contexto capitalista.
I
     "Sob o ponto de vista econômico, [...] não me parece razoável a assemelhação desse sistema ao feudalismo [...]. Por mais que estudemos os elementos históricos, não podemos concluir que o regime das donatarias apresente pronunciada semelhança com o da economia medieval. Em primeiro lugar todos procuravam a nova terra em busca da fortuna; todos visavam a melhorar sua situação econômica. O fito do lucro era a causa primordial da vinda para o Brasil. [...] Os donatários não eram mais do que exploradores em grande escala. As concessões dadas pelo rei a esses homens eram o meio de os estimular, facilitando o empreendimento. [...]
     Assim como hoje se concede a certas empresas a isenção de impostos, [...] o rei de Portugal concedeu uma série de favores àqueles que com seus capitais e seus serviços podiam incrementar a colonização das terras recém-descobertas [...].
     Na verdade, Portugal, em 1500, já não vivia sob o regime feudal. D. Manuel, com sua política de navegação, com seu regime de monopólios internacionais, com suas manobras econômicas de desbancamento do comércio de especiarias em Veneza, é um autêntico capitalista. Os seus 'vassalos' não ficam atrás."
(SIMONSEN, Roberto. História econômica do Brasil: 1500/1822. 8. ed. São Paulo: Nacional, 1978.)

II
     "O regime das capitanias foi em princípio caracteristicamente feudal. Não gozavam os donatários de nenhum direito sobre a terra, vedando-lhes mesmo expressamente os forais a posse de mais de dez léguas (1 légua equivale aproximadamente 6.600 metros) de terra. E mesmo estas dez léguas deviam ser separadas em várias porções. Cabia-lhes, contudo um direito eminente, quase soberano, sobre todo o território da capitania, e que se expressava por vários tributos [...].
     Este ensaio de feudalismo não vingou. Decaiu com o sistema de colonização que o engendrara, e com ele desapareceu sem deixar traço algum de relevo na formação histórica do Brasil. [...]"
(PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil: colônia e império. 20. ed. São Paulo: Brasiliense, 1993.)

As várias faces da família colonial
     Normalmente, a sociedade colonial tem sido caracterizada, quer nos "domínios rurais", quer nos "domínios urbanos", como patriarcal. De acordo com esse modelo, a família colonial brasileira apresentava um núcleo central composto do chefe da família, sua mulher, seus filhos e netos por linha materna ou paterna, além de um núcleo de membros considerados secundários, formado por filhos ilegítimos ou de criação, parentes, afilhados, serviçais, amigos, agregados e escravos.
     O patriarca, na liderança dos dois núcleos, cuidava dos negócios e mantinha a linhagem e a honra familiar, procurando exercer sua autoridade sobre a mulher, os filhos e demais dependentes sob sua influência.
     Com frequência, o filho mais velho herdava o patrimônio, enquanto seus irmãos eram encaminhados aos estudos para se tornar bacharéis em Direito, médicos ou padres.
     Ligados ainda à família patriarcal ou sob sua influência, por razões econômicas, políticas ou laços de compadrio(1), estavam os vizinhos: sitiantes, lavradores, gente que mantinha laços de dependência e solidariedade.
     Esse modelo é verdadeiro. Todavia, pesquisas evidenciam que não houve um modelo único de família
na América portuguesa. Ela variou de acordo com as heranças culturais, com a região e com a condição social e jurídica de seus componentes.
     No Nordeste açucareiro, entre os grandes proprietários de terras, predominou a família extensa, verdadeiro centro de poder econômico e político local. Dela faziam parte os parentes de sangue, os parentes simbólicos (padrinhos, compadres e afilhados), os agregados ou protegidos e até escravos.

(1) Compadrio: Relações entre compadres, isto é, entre o pai de uma criança e seu padrinho de batismo ou de crisma, o qual se compromete a ampará-la caso os genitores não possam mais fazê-la. O compadrio criava laços simbólicos de parentesco entre o indivíduo escolhido para padrinho, em geral alguém dotado de poder e prestígio, e a família do afilhado.

Mulheres bandeirantes
     "Boas esposas e mães de família, quase sempre recolhidas aos seus lares. 'Recatadas' e 'austeras', nas poucas vezes que saíam à rua cobriam-se totalmente com mantos de baeta - um tecido de lã grosseiro e tingido de cor escura -, o que lhes rendeu o apelido de 'mulheres tapadas'. Essa era a imagem estereotipada das mulheres paulistas do período colonial que muitos historiadores repetiram em suas obras durante muito tempo. Era quase um consenso entre eles que, quando as moças se casavam, passavam do poder paterno para o do marido, a quem seriam submissas pelo resto da vida. Limitavam-se a costurar, lavar, bordar, fazer rendas, mandar nas escravas, rezar e, é claro, parir e criar muitos filhos, um após o outro. [...] Assim, durante muito tempo as mulheres do período bandeirista – séculos XVI e XVII - foram vistas como figurantes da história. Enquanto os maridos e filhos cuidavam dos negócios comerciais ou seguiam, sertões adentro, à caça de indígenas e à procura de ouro nas bandeiras, elas simplesmente cuidavam das coisas do lar. [...] Pesquisas recentes têm demonstrado outra realidade, muito diferente da tradicional. [...] Muitas famílias criavam, graças ao trabalho escravo, porcos, bois, vacas, cavalos, frangos, geralmente para o abate. Também tinham plantações e pomares. Trigo, cana, milho, mandioca, feijão, algodão, vindimas, marmeleiros, macieiras, tudo isso era comum ao universo dos paulistas. Todo mês, praticamente, desciam a Serra do Mar até a região santista caravanas de comerciantes, com seus carregadores indígenas cheios de gêneros às costas. [...] Gerenciar o lar, portanto, extrapolava administrar simplesmente a casa e passava por controlar todo um cotidiano produtivo nas propriedades, assim como toda a escravaria.
     Eram tarefas que as esposas realizavam ao lado dos maridos, ou mesmo sozinhas, quando eles se ausentavam por longos períodos, nas bandeiras. [...] Era desejável, portanto, que elas soubessem administrar e tomar decisões importantes, pois ficavam investidas de poder para representar seus maridos em pendengas judiciais, casar e dotar(2) filhos. [...] Nessas ocasiões, elas firmavam matrimônios que implicavam criar ou aprofundar alianças com outras famílias de destaque na vila, o que poderia lhes trazer muitas vantagens políticas e facilitar a sobrevivência. Também podiam ampliar relações comerciais, diversificar a produção doméstica, quitar dívidas ou fazer empréstimos, adquirir mais escravos, enfim, agir como seus maridos agiriam se estivessem em casa. [...] Embora careça de mais estudos, o papel das mulheres no período das bandeiras paulistas era multifacetado e surpreendente. [...] Resgatar a valentia e a determinação que existiram ao lado da docilidade e obediência concede a elas a garantia de sua presença na história paulista.”
(DIAS, Madalena Marques. As bravas mulheres do bandeirismo paulista. Revista História Viva, ed.14, dez. 2004. Disponível em: www2.uol.com.br/historiaviva.)
(2) Dotar: Conceder o dote a alguém.
Dote: Bens que são transferidos ao marido, geralmente por alguém da família da esposa, por ocasião do casamento.

Sexo frágil?
     A ideia do marido dominador e da mulher submissa aparece nos registros históricos e nos romances
ambientados no período colonial. Sem dúvida, muitas mulheres foram enclausuradas, espancadas e perseguidas por seus maridos e pais. Em contrapartida, várias reagiram às violências que sofriam. Pelos relatos ou evidências da época percebe-se que, de um lado, parte da população feminina livre esteve sob o poder dos homens, enquanto outra parte acabou desenvolvendo uma maneira própria de viver, criando cumplicidades ou alianças capazes de desordenar ou suavizar os obstáculos que encontravam na sociedade.
     Numa época em que o conhecimento científico era privilégio de poucos, as práticas "mágicas", que chegavam a causar temor entre os homens, foram uma das maneiras pelas quais as mulheres enfrentaram as contrariedades do cotidiano.
     "[...] Além de filtros, poções e beberagens, as mulheres usavam de 'cartas de tocar', às quais atribuíam o poder de conquistar todas as pessoas que por elas fossem tocadas. Faziam, ainda, variadas orações, invocando santos, diabos, almas ou forças naturais. Entre as mais belas, encontramos [...] 'João eu te encanto e reencanto com o lenho da vera cruz, e com os anjos filósofos que são trinta e seis, e com o mouro encantador, que tu te não apartes de mim, e me digas quanto souberes, e me dês quanto tiveres, e me ames, mais que todas as mulheres' [...]”
(VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Campus, 1989.)
     Percebe-se, portanto, que nem sempre as mulheres foram dóceis, submissas e enclausuradas: nas relações homem-mulher, o comportamento feminino muitas vezes divergiu do estereótipo imposto pela história tradicional.

O mito do bandeirante
     Os sertanistas paulistas eram homens comuns, portugueses ou mestiços. Distantes dos privilégios da Coroa, organizaram-se por conta própria. Na primeira metade do século XX, vários historiadores tentaram fazer desses rudes sertanistas heróis nacionais.
     No caso do bandeirante, suposto ancestral das elites modernas e progressistas de São Paulo, cria-se a imagem de um ser dotado de força, determinação e independência, que não obedecia a reis ou papas em busca de seus "ideais". Em obras de divulgação [...] as características físicas destes bandeirantes não se assemelham à de nenhum homem mas a heróis; criou-se a imagem idealizada de homem forte, corpulento, sábio e com um ar de profeta bíblico. Esta adjetivação atribui-lhe sabedoria e conhecimento fora da alçada dos homens comuns. Já no século XVIII autores [...] criam o mito do bandeirante como desbravador e descobridor de novas terras, e o paulista como um povo no qual sempre foi predominante a paixão por conquistar. [...]
     [...] Já no século XX a memória bandeirante serve para justificar a predominância econômica de São Paulo, que herda de seus antepassados o espírito de iniciativa, a valentia e o arrojo. Com a alma bandeirante o paulista construía o seu progresso e o [...] do Brasil [...],puxando o desenvolvimento dos outros estados, qual uma locomotiva [...]. Isto lhe dava o direito de exercer, sobre eles, sua liderança.
(TORRÃO FILHO, Amílcar. A sétima porta da cidade: memória, esquecimento e ressentimento na história de São Paulo. Disponível em: <www.hístoriaperspectivas.inhis.ufu.br>.)

As festas no Brasil holandês
     “A ocupação de Pernambuco pelos holandeses de 1630 a 1654 [...] criou uma realidade econômico-social tão peculiar dentro do panorama do Brasil colonial que levou os historiadores a não temerem a contradição entre termos ao cunhar a expressão 'Brasil holandês'.
     Do ponto de vista do processo de criação de cultura urbana, no entanto, o que a pesquisa revela é o fato de que, pelo menos no que se refere a festas de que restaram informações históricas, nada foi mais brasileiro - no sentido de luso-africano - do que aquelas efusões coletivas do tal Brasil holandês. [...] Os representantes da Companhia das índias Ocidentais, interessados apenas na exportação do açúcar, 'enquistaram-se' em suas casas de comércio no Recife. [...]
     No que se refere aos negros africanos e crioulos, a prova documental da prática de sua música e folguedos aparece principalmente em gravuras e telas de Frans Post. Nesta, especialmente, figuram no traço de Frans Post - em verdadeiro flagrante da vida do dia a dia - grupos de negros a dançar ao som de pandeiros, de braços erguidos, diante da senzala coberta de palha, vizinha da casa-grande de um engenho. [...]
     Como aos ouvidos dos estrangeiros em geral os sons dos tambores dos negros eram interpretados sempre como música de dança, o desenho de um soldado alemão, Zacharias Wagener, chegado a Pernambuco em 1636 (a partir de 1637, promovido a escrivão do palácio de Nassau), reproduzia sob o título de 'Negertanz' não a dança de negros que o autor pensava ver, mas a primeira cena de ritual negro-africano fixada ao vivo no Brasil. [...]
     Assim, durante quase um quarto de século do chamado Brasil holandês, em matéria de festividades públicas a única contribuição original dos dominadores terá sido a festa-espetáculo do chamado Boi Voador. Um espetáculo idealizado, por sinal, pelo próprio príncipe Maurício de Nassau, com o objetivo muito prático e rasteiro de arrecadar dinheiro. Segundo conta frei Manoel Calado no primeiro volume de seu O valeroso Lucideno, Nassau mandou anunciar por toda a cidade que no domingo 28 de fevereiro de 1644 - dia da inauguração da ponte sobre o Rio Capibaribe, que fizera concluir com recursos pessoais, e que agora pretendia recuperar cobrando pedágio - quem comparecesse à festa veria um boi voar. A ideia de Nassau era simples: como havia na cidade do Recife um boi conhecido por sua mansidão, [...] mandaria encher de palha o couro de um boi de cor semelhante e, no dia da festa, após exibir (e depois esconder) o verdadeiro, faria o falso deslizar ante os olhos de todos por uma corda estendida do alto de seu jardim até o outro lado da rua. E tal como planejado, assim aconteceu.”
(TINHORÃO, José Ramos. As festas no Brasil colonial. São Paulo: Editora 34, 2000.)

O barroco no Brasil
     O estilo barroco, predominante na Europa, havia sido reproduzido por diversos artistas, que recebiam os ensinamentos de mestres em oficinas de talha e escultura espalhadas pelas cidades da colônia.
     O barroco também influenciou as obras dos artistas de Minas Gerais, mas foram reelaboradas com materiais existentes no Brasil, como a pedra-sabão.
     A principal expressão artística do Brasil no século XVIII foi a obra de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
     Os dados de sua vida não são bem conhecidos. Consta que nasceu em Vila Rica, filho de um arquiteto
português e de sua escrava, nascida na África. Era, portanto, um mestiço. Teria nascido em 1730 e falecido em 1814.
     Aleijadinho foi vítima de uma doença que lhe consumia os dedos dos pés e das mãos. Foi escultor, entalhador e arquiteto. Projetou a igreja de São Francisco de Assis, de Vila Rica (atual Ouro Preto), mas sua obra mais conhecida é o conjunto de estátuas dos doze profetas de Congonhas do Campo, em Minas Gerais, todas em pedra-sabão.
     Valentim da Fonseca e Silva, o Mestre Valentim, outro artista de porte e da mesma época, também natural de Minas Gerais e mestiço, foi o idealizador e criador do Passeio Público do Rio de Janeiro, de diversos chafarizes em ferro fundido e de imagens sacras. Assim como Aleijadinho e muitos outros, suas origens não são conhecidas. Presume-se que tenha nascido em Serro do Frio, em Minas Gerais, em torno de 1745, e falecido no Rio de Janeiro, em 1813.

O contratador de diamantes e Chica da Silva
     Entre as personagens históricas do Brasil colonial, uma que se tornou famosa é Chica da Silva. Chica era
escrava e tinha entre 18 e 22 anos quando o contratador de diamantes João Fernandes de Oliveira a comprou de seu antigo dono e a libertou.
     João Fernandes e Chica da Silva viveram em concubinato por 16 anos. Um relacionamento estável, que resultou em treze filhos. João Fernandes reconheceu - legitimou - todos os filhos, prática comum na época, mas não se casou com Chica da Silva.
     A única maneira de mulheres negras ou mulatas conseguirem ascender socialmente era através do concubinato. Como no Distrito Diamantino havia poucas mulheres brancas em relação ao número de homens, e os casamentos inter-raciais eram proibidos, a possibilidade de concubinato era grande.
     Chica da Silva era proprietária de um grande sobrado, tinha roupas finas, joias e numerosos escravos. Adquiriu importância social na fechada sociedade de Diamantina graças ao seu relacionamento estável com o homem mais poderoso do Distrito Diamantino.
      A personagem entrou para o imaginário nacional por meio de um filme dirigido por Cacá Diegues em 1976, Xica da Silva, estrelado por Zezé Motta. Entre 1996 e 1997 foi levada ao ar a novela Xica da Silva. Produzida pela extinta TV Manchete, o papel principal foi protagonizado por Taís Araújo. Tanto o filme como a novela retrataram Chica como uma mulher sensual, de imenso apetite sexual e perversidade equivalente.
Desconstruindo o mito
     Com base em inúmeras pesquisas, a historiadora Júnia Furtado desconstruiu essa imagem. No livro Chica da Silva e o contratador de diamantes: o outro lado do mito (São Paulo: Cia. das Letras, 2003), a historiadora afirma que Chica não foi muito diferente de outras negras libertas de sua época. Não era uma devoradora de homens, tampouco uma mulher perversa. Também não foi uma heroína da causa negra, como defendem alguns. Chica da Silva teve muitos escravos e não alforriou nenhum.
     A alforria e o concubinato com o contratador de diamantes foram formas de Chica da Silva incorporar valores da elite branca e possibilitar sua inserção, assim como a de seus descendentes, na sociedade mineradora.
     O casal Chica da Silva e João Fernandes deu educação formal a todos os filhos. João Fernandes teve de voltar a Portugal em 1770, mas manteve contato e deu apoio a todos os filhos, concedendo dotes às filhas que casaram com pessoas da elite. Chica morreu em 1796, recebendo cortejo fúnebre como pessoa de importância.

As Minas Gerais depois do ouro: decadência ou diversificação?
     Ouro e diamantes foram os principais gêneros extraídos da região da América portuguesa, que, aliás, desde fins do século XVII, ficou devendo à mineração seu nome e sua própria razão de ser. No entanto, jamais a economia das Minas Gerais se limitou, de maneira exclusiva, a tais gêneros, precisando contar com escravos, serviços, alimentos, produtos manufaturados diversos etc.
    Por um lado, durante muito tempo, alguns especialistas sustentaram que o declínio da atividade mineradora, observada a partir da década de 1760 e em curso até as primeiras décadas do século XIX, significou uma decadência geral das Minas Gerais; por outro, em estudos recentes, alguns historiadores têm mostrado que houve uma grande diversificação das atividades econômicas na região, mesmo após 1760.
I
     "O quadro desta área mineira, ao apontar do século XIX, revelava-se desolador. Superada a 'febre' do ouro, a economia estagnara-se e ocorria franca recessão populacional. Nos arredores de Vila Rica descortinavam-se campos desertos, sem lavouras ou rebanhos. Dos morros, esgaravatados até a rocha, havia-se eliminado a vida vegetal; neles restavam montes de cascalhos e casas, a maioria destas em ruínas. [...] A atividade manufatureira, proibida durante largo espaço de tempo, revelava-se tímida. Existiam na Vila e suas proximidades tão-somente a manufatura de pólvora, pertencente ao governo, e uma fábrica de louça, estabelecida a pequena distância de Vila Rica [...]. Por outro lado, a lavoura - atividade a ressurgir - não se desenvolveu, em decorrência, ao que parece, do despreparo e da mentalidade do colonizador."
(LUNA, Francisco Vidal; COSTA, Iraci Dei Nero da. Minas colonial: economia e sociedade. São Paulo: Estudos Econômicos-FIPE/Pioneira, 1982.)

II
     "O objetivo deste trabalho é discutir o caráter e a forma de funcionamento da economia mineira no período de 1750 a 1850 que compreende três distintas etapas da economia mineira: um primeiro subperíodo de auge minerador (1750-1770); uma segunda fase de acomodação evolutiva (1780-1810), quando então a economia da região sofreu um processo de diversificação da produção com tendências para a autossuficiência; e finalmente um último subperíodo (1820-1850), caracterizado pela consolidação da economia mercantil de subsistência [...] Quando o ouro de fácil extração se esgotava, não adiantava deixar a terra em descanso para, anos mais tarde, retomar a produzir. Só restava ao minerador abandonar aquela terra ou usá-la para outros fins, para a produção agropecuária, por exemplo, que muitas vezes já era desenvolvida paralelamente à atividade extrativa."
(ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Dinâmica produtiva em Minas Gerais. O sistema econômico em funcionamento no termo de Mariana, 1750-1850. In: Revista Eletrônica de História do Brasil. n. 2, 2004. v. 6 p. 58-71.)

Fonte:
História, ensino médio. Organizadores: Fausto Henrique Gomes Nogueira, Marcos Alexandre Capellari. - 1. ed. - São Paulo: Edições SM,2010. - (Coleção ser protagonista)
Conexões com a História / Alexandre Alves, Letícia Fagundes de Oliveira. - 1.ed. - São Paulo. Moderna, 2010.
História: das cavernas ao terceiro Milênio /Patrícia Ramos Braick. Myriam Becho Mata. 2. ed. - São Paulo: Moderna, 2010.
História: das sociedades sem Estado às monarquias absolutistas, volume 1 /Ronaldo Vainfas... [et al.] - São Paulo: Saraiva, 2010.

Filmes:
A Missão
     Composto de astros do porte de Robert de Niro, Jeremy Irons e Liam Neeson, A Missão retrata a guerra estabelecida por portugueses e espanhóis contra jesuítas que catequisavam os índios de Sete Povos das Missões, na América do Sul no século XVIII.
     Durante o século XVIII o movimento missionário enfrentou problemas na América do Sul, em áreas de litígio entre o colonialismo espanhol e português. No sul do Brasil, a população indígena dos Sete Povos das Missões, foi submetida pelo Tratado de Madrid (1750), um dos principais "tratados de limites" assinados por Portugal e Espanha para definir as áreas colonizadas.
Pelo Tratado de Madrid, ficava estabelecida a transferência dos nativos para margem ocidental do rio Uruguai, o que representaria para os guaranis a destruição do trabalho de muitas gerações e a deportação de mais de 30 mil pessoas. A decisão foi tomada em comum acordo entre Portugal, Espanha e a própria Igreja Católica, que enviou emissários para impor a obediência aos nativos. Os jesuítas ficaram numa situação delicadíssima, pois se apoiassem os indígenas seriam considerados rebeldes, e se contrário, perderiam a confiança deles. Alguns permaneceram ao lado da coroa, mas outros, como o padre Lourenço Balda da missão de São Miguel, deram todo apoio aos nativos, organizando a resistência desses índios à ocupação de suas terras e à escravização. Dá-se o nome de "Guerras Guaraníticas" para esse verdadeiro massacre dos nativos e seus amigos jesuítas por soldados de Portugal e Espanha. Apesar da absurda inferioridade militar, a resistência indígena estendeu-se até 1767, graças as táticas desenvolvidas e as lideranças de Sépé Tirayu e Nicolau Languiru.
     No final do século XVIII, os índios já tinham sido dispersados, escravizados, ou ainda estavam refugiados, na tentativa de restabelecer a vida tribal, que os caracterizava antes das missões.
Direção: Roland Joffé
Ano: 1986
Áudio: Português
Duração: 125 minutos

O Judeu
     O filme é baseado na história real de Antônio José da Silva, poeta e o mais célebre autor de teatro de Portugal do século 18, que ficou conhecido como “O Judeu”, nascido no Brasil, de origem judaica. Torturado aos 20 anos pela Inquisição por crime de judaísmo, Antônio José da Silva redescobre o sentido da vida graças ao teatro de marionetes. Casa com Leonor de Carvalho, cristã-nova como ele, e frequenta os salões aristocráticos dos Estrangeirados (Iluministas) que o apoiam. Uma denúncia de heresia contra sua prima Brites Eugênia e o espírito irreverente das comédias desse Molière português, o conduzem mais uma vez aos cárceres do Santo Ofício junto com a mãe, Lourença Coutinho e a mulher. Secretário do Rei, D. João V, o brasileiro Alexandre de Gusmão, tenta libertá-lo, enquanto seu inquisidor, o jovem dominicano D. Marcos, sofre dúvidas de consciência sobre a legitimidade do processo inquisitorial. Lourença e Leonor são torturadas. Mas, no jogo de pressões, que opõe o Rei ao Inquisidor Geral, D. Nuno de Athayde e Mello, um outro destino é reservado ao poeta: o martírio pelo fogo, que fez dele um dos mitos da história de Portugal e do Brasil.
Direção: Jom Tob Azulay
Ano: 1996
Áudio: Português
Duração: 90 minutos