“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

domingo, 29 de novembro de 2015

1985 - 30 anos de democracia

Série de reportagens (Univesp TV) sobre o processo de redemocratização após 21 anos da ditadura militar iniciada com o golpe de 1964.
“1985 - 30 anos de democracia”, volta às vésperas da Nova República para analisar o atual e maior período democrático brasileiro. Com a ajuda dos pesquisadores Marcos Napolitano (História – USP), Brasílio Sallum e Cícero Araújo (Ciência Política – USP), a Univesp TV faz um apanhado histórico crítico desde o movimento das Diretas já (1984), a morte do presidente Tancredo Neves (1985), passando pelos cinco anos do governo José Sarney (1985-1990) e a elaboração da Constituição (1988).
 
Diretas já
Na primeira reportagem da série especial "1985 - 30 anos de democracia", os pesquisadores Brasílio Sallum Jr., Cícero Araújo e Marcos Napolitano, professores da Universidade de São Paulo, analisam o movimento que ficou conhecido como Diretas já. Em 1984, João Figueiredo, último general-presidente, abdicou de indicar o seu sucessor. O fortalecimento do PMDB, a mudança de posicionamento dos liberais e a pressão popular para escolher o presidente da República favoreceram a construção de uma aliança civil vitoriosa que elegeu Tancredo Neves no colégio eleitoral, dando fim a 21 anos de ditadura militar.

Governo Sarney - Parte 1
A segunda reportagem da série especial "1985 - 30 anos de democracia" trata do governo do presidente José Sarney (1985-1990). Após a morte de Tancredo Neves antes da posse, o vice assumiu a presidência da República com uma equipe que desconhecia. Enfrentou oposição política, uma grave crise econômica e convocou uma Assembleia Nacional Constituinte para redigir uma nova carta magna para o Brasil. Heterogênea e difícil, a gestão Sarney teve o mérito de assegurar a transição da ditadura militar para a democracia. Participam da reportagem os pesquisadores Brasílio Sallum Júnior e Cícero Araújo (Ciência Política - USP), o ex-deputado constituinte Nelson Jobim e os ex-ministros Luiz Carlos Bresser-Pereira e Ronaldo Costa Couto.

Governo Sarney - Parte 2
A terceira reportagem da série especial ‘1985 – 30 anos de democracia’ trata da etapa final do governo José Sarney (1985-1990). Para tentar deter uma inflação galopante, o presidente lançou o Plano Cruzado, elaborado pela equipe liderada pelo ministro João Sayad. No princípio um sucesso, o Cruzado naufragou depois de seis meses, com crise de abastecimento e a volta da inflação por meio de pagamento de ágio sobre os produtos. Mais dois ministros da Fazenda tentaram contornar a crise e sob a gestão do último, Mailson da Nóbrega, a moratória brasileira foi solucionada. Sarney assinou a nova Constituição e passou a faixa presidencial a Fernando Collor de Mello, primeiro presidente escolhido em eleições diretas. Participam da reportagem os pesquisadores Brasílio Sallum Júnior e Cícero Araújo (Ciência Política – USP), o ex-deputado constituinte Nelson Jobim e os ex-ministros Luiz Carlos Bresser-Pereira, João Sayad e Ronaldo Costa Couto.

A Constituinte - Parte 1
A quarta reportagem da série especial "1985 - 30 anos de democracia" trata da Assembleia Nacional Constituinte, que atuou entre 1987 e 1988 e definiu uma Constituição para o Brasil. Considerada cidadã pelo deputado Ulysses Guimarães, a carta foi elaborada democraticamente com discussão e conflito. Nesta primeira parte, o início dos trabalhos constituintes e a definição do Regimento Interno. A participação dos partidos e o perfil dos parlamentares. Muitos deles se tornaram políticos de projeção nacional, como os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.

A Constituinte – Parte 2
A quinta reportagem da série especial "1985 - 30 anos de democracia" trata da Assembleia Nacional Constituinte, que atuou entre 1987 e 1988 e definiu uma nova Constituição para o Brasil. Considerada cidadã pelo deputado Ulysses Guimarães, a carta foi elaborada democraticamente com discussão e conflito. Nesta segunda parte, a ação do grupo chamado Centrão para mudar o regimento interno e os trabalhos das comissões de sistematização e redação. A vitória dos governistas no sistema presidencialista de governo e nos cinco anos de mandato de Sarney. A cisão do PMDB e a criação do PSDB. A votação e as conquistas da Constituição, o documento que melhor representa a nossa democracia.

domingo, 22 de novembro de 2015

A História Do Rock'n Roll

Um documentário sem precedente montado a partir de 10 mil horas de imagens de arquivos e shows. Recheado com 204 entrevistas com as maiores estrelas do Rock e 1807 clipes; explodindo com mais de 250 músicas inesquecíveis de 260 vinhetas ao vivo. ELVIS PRESLEY, CHUCK BERRY, BEATLES, ROLLING STONES, JIMI HENDRIX, THE WHO, LED ZEPPELIN, BRUCE SPRINGSTEEN e Cia.
Direção: Andrew Solt
Ano: 1995
Áudio: Inglês
Legendado: Português
Duração: +- 60 min. cada episódio
Tamanho: +- 200 MB cada episódio
Episódio 01 – “O Rock'n Roll Explode”
É um caleidoscópio de memórias musicais. Em entrevistas com algumas das mais brilhantes estrelas do rock, de Little Richards a Mick Jagger, Bruce Springsteen a Bono (do U2), são lembradas canções e sons que mudaram suas vidas. E uma coletânea de clipes revela as primeiras estrelas do rock: Muddy Waters, Chuck Berry e Little Richards. Tina Turner recorda dias de trabalho duro nos campos de algodão e nas noites embaladas pelo sonho de sua carreira musical. E Michael Jackson tempos depois, interpretando Billie Jean.

Episódio 02 – “Rock da Pesada Esta Noite”
Reconta os dias de glória da Era de Ouro do rock: Elvis Presley, Buddy Holly, Little Richards e Jerry Lee Lewis. Dick Clark fala das origens do programa de TV American Bandstand e Fabian divide seus dias de fama precoce. Vale lembrar que o rock era dominado pelos ídolos adolescentes com estilos agitados de dança como o Twist. Mas como revelam os clipes de Ben E. King e dos Ronettes de Phil Spector, havia ainda muito mais coisa reservado para o rock do que apenas um bando de garotos tentando ser o próximo Elvis.

Episódio 03 – “Os Britânicos Invadem, os Americanos Resistem”
O Renascimento do rock entre os anos 1964 a 1966: imagens inéditas mostram os Beatles em 1963, os Rolling Stones em 1965, os Kinks em sua primeira apresentação e o The Who ovacionado por seu público, brilhando com I CAN´T EXPLAIN. Os Beach Boys explicam como as bandas britânicas estimularam a criatividade deles. Supremes e Lovin Spoonful recriam uma era quando o rock'n roll ainda era jovem e cheio de alegria, própria das novas descobertas musicais.

Episódio 04 – “O Som do Soul”
Arraigado no gospel, desenvolvido sob a influência da música popular com uma forte dose de sentimento rhytm-and blues, os primeiros frutos do soul só floriram no final dos anos 50. Seus pioneiros incluem : Sam Cooke, Ray Charles, Jackie Wilson e "mais esforçado operário do show business" James Brown. Três gerações de cantores de soul reunidos no Teatro Apollo no Harlem, para discutir o significado do soul. Smokey Robinson remonta as origens da canção OOO BABY BABY.

Episódio 05 – “Ligando-se na Tomada”
Quando Bob Dylan plugou sua guitarra e começou a tocar rock'n roll no Festival Folk de Newport, em 1965 ele quase causou um alvoroço. O rock se reinventou na metade dos anos 60. Com imagens históricas de The Byrds, The Mamas and The Papas criando um novo som com California Dreamin'. Brian Wilson, membro do The Beach Boys fala da pressão que sentiu ao competir com os Beatles. The Who e Jimi Hendrix agitam o Festival Pop de Monterey. Pete Townshend lembra a passagem.

Episódio 06 – “Minha Geração”
Relembra o renascer vertiginoso e a angustiante queda do rock da contracultura dos anos 60. Em raríssimas imagens, vemos bandas de ponta e seus empresários, responsáveis por trazer à vida o 'Verão do Amor' em Bay Area, depois do que atingiram o estrelato internacional. The Grateful Dead, Santana e Jefferson Airplane tocam juntos, enquanto Janes Joplin aparece ao lado de Big Brother e The Holind Company com uma versão inflamada de Ball and Chain e ainda performances clássicas de Woodstock.

Episódio 07 – “Heróis da Guitarra”
Está focado nos tempos pioneiros, de Chuck Berry à Jimmy Page do Led Zeppelin e também alguns heróis como o virtuoso James Burton. Pete Townshend do The Who descreve como seus movimentos (sua marca registrada que lembrava um moinho de vento) sem que soubesse o aproximava de Keith Richards. Dire Streets, Eddie Van Hely, Slash e Kimi Hendrix juntos mostram como desvendar aquilo que Pete Townshend chama de "poesia física" da guitarra elétrica.

Episódio 08 – “Os Anos 70”
Recaptura os pontos altos artísticos e debochada decadência dos anos de glamour de Rock. Jimmy Page e Robert Plant recuperam as origens de Led Zeppelin. Steely Dan aparece em um show realizado no começo dos anos 70. David Gilmour, do Pink Floyd, lembra como foi feito o álbum Dark Side of the Moon. Lindsey Buckingham, do Fleetwood Mac, executa versão improvisada de Go Your Own Way e explica o significado pessoal da música. Acompanhe famosas cenas do show de David Bowie em seu clássico traje de Ziggy Stardust.

Episódio 09 – “Punk”
Documenta como esse gênero musical usou canções curtas e simples para "reivindicar o rock'n'roll". Descobrimos que as raízes do punk estão nas ruas e na boemia de Velvet Underground, na feiura deliberada de Iggy Pop e no amadorismo campy (pouco usual) do New York Dolls. Observamos o cenário punk surgindo em New York, no Club CBGB - lar dos Ramones - Richards Hell, do Talking Heads e Patti Smith. Seguimos a rápida ascensão e meteórica queda na Inglaterra, através de uma das primeiras apresentações do Clash.

Episódio 10 – “Do Under-Ground à fama”
Do Under-ground à fama mostra como o rock se inventou nos anos 80: com chegada da MTV. Membros do Devo e do Eurythmics explicam como eles produziram seus próprios vídeos musicais. Antigos clipes mostram apresentações de rappers pioneiros como Kurtis Blow e Grandmaster. O vídeo Bille Jean de Micahel Jackson que quebrou as barreiras raciais. E o clipe Justify My Love, de Madonna, que foi banido da MTV. E sentimos a ira dos rappers hard-core, como Public Enemy e N.W.A. 

sábado, 21 de novembro de 2015

Entre um bordado e outro

     Figurinos franceses, crítica teatral, literatura, música, artes e muita ousadia. Estes foram os ingredientes utilizados por duas mulheres, em meados do século XIX, para a criação de um periódico semanal voltado para o público feminino: O Jornal das Senhoras.
     No primeiro número, publicado em janeiro de 1852, o jornal apresentou sua proposta: "trabalhar pelo melhoramento social e pela emancipação moral da mulher". Os artigos reivindicavam o direito a uma educação ampliada que promovesse o aprimoramento cultural feminino por meio da literatura e das artes.  Isto explica o subtítulo do jornal: "Modas, literatura, belas-artes, teatros e crítica".
     Por trás de ideias tão inovadoras, estavam as jornalistas Joana Paula Manso de Noronha (18191875), argentina naturalizada brasileira, e Violante Atalipa Ximenes de Bivar e Velasco (c.1816-1874), figura de destaque nos salões da Corte. Durante os três anos de circulação do jornal, enfrentaram ataques de leitores masculinos que as acusavam de se meter em "ofícios dos homens" e de divulgar "ideias subversivas". Sem timidez, contra-atacavam: mulher não era coisa "que se muda de lugar sem ser consultada" ou que os homens eram inimigos do "progresso do gênero humano".
     O Jornal das Senhoras refletia também as transformações do Rio de Janeiro a partir de 1850. Com o fim do tráfico de escravos, recursos financeiros dessa atividade passaram a ser investidos em infraestruturas como a construção de ferrovias e a instalação de telégrafos. A capital do país ganhou sistema de iluminação a gás (1854), calçamento com paralelepípedos (1853), rede de esgoto (1862), abastecimento de água domiciliar (1874). Os hábitos também mudaram: confeitarias e cafés ofereciam cardápios para paladares e bolsos variados, a famosa Rua do Ouvidor acumulava lojas elegantes, livrarias e casas de banho completavam o glamour da cidade.
     A vida urbana se incrementava e novas alternativas de convívio social surgiam, sobretudo para as mulheres que passaram a marcar presença em bailes, saraus, concertos e espetáculos teatrais. Aprender a se comportar em público e estar atenta aos eventos culturais da sociedade eram passos para a emancipação feminina. O papel da mulher se redefinia e o jornal as convocava para ir além das vivências domésticas. Na seção literária, romances como A dama das camélias, de Alexandre Dumas Filho, eram publicados em fragmentos, possibilitando que entre um bordado e outro a mulher lesse. Partituras de modinhas, lundus e schottisch (o "xote") para pianos eram o reflexo da febre causada por este instrumento no Rio, que à época já era conhecido como a "cidade dos pianos". E, como não podia faltar, a parte dedicada às modas dava um tom elegante ao periódico, informando as leitoras sobre as últimas novidades vindas não só de Paris, mas especialmente do interior da França, mais adequadas à elite escravista dos trópicos.
     Voltado para um público reduzido, já que a maior parte das mulheres brasileiras era analfabeta, O Jornal das Senhoras, ao levantar a bandeira de uma educação ampliada, contribuiu para os primeiros passos da emancipação feminina. O periódico pode ser consultado na Divisão de Obras Raras da Biblioteca Nacional.
Fonte: Revista Nossa História - Ano II nº 19 - Maio 2005

domingo, 1 de novembro de 2015

Última curva do mestre

Oscar Niemeyer fundou uma imagem do Brasil e elevou ao máximo a expressão de sua arte.
     O nome dispensa maiores apresentações. Basta ouvir falar e logo já se faz alusão às grandes obras do mestre. Ele fundou uma imagem do Brasil e elevou ao máximo a expressão de sua arte. Tão ao máximo que, com ela, ajudou a fazer surgir do meio do nada a capital do país. Oscar Niemeyer se foi, (no) dia 5 de dezembro de 2012, aos 104 anos, após deixar para o Brasil um grande legado.
Nascido em 1907, o arquiteto se envolveu com os princípios do movimento modernista desde cedo.  Aos 29 anos, já participava do projeto de construção do prédio do MEC, na antiga capital brasileira, Rio de Janeiro. A obra ainda refletia, segundo o professor de arquitetura da PUC-Rio João Masao Kamita, um Modernismo mais ligado ao que se fazia fora do país. Um indício disso seria a consultoria prestada pelo arquiteto franco-suíço, Le Corbusier.
     O Modernismo nasceu em um contexto de industrialização e racionalidade. O movimento reivindicava uma racionalização da arquitetura. A forma deveria ser criada priorizando a funcionalidade, de maneira direta, sem enfeites ou ornamentação. A noção de design e de formas limpas, trazida especialmente pela escola alemã Bauhaus, foi um dos motores da ação dos artistas.
     Com o tempo, Oscar Niemeyer tentou incorporar os preceitos a outros elementos, desta vez, nacionais, para a construção de um Modernismo brasileiro. Nessa busca, foi imprimindo formas tão próprias, tão peculiares, que se tornaram sua marca registrada. “O traço dele é muito individual. Ninguém consegue extrair dali algum exemplo para fazer parecido, porque fica com cara de imitação”, afirma Kamita.
     Niemeyer teve dois grandes marcos na carreira. O primeiro deles, que o lançou para o mundo e mostrou que o Brasil tinha uma produção diferenciada na arquitetura, foi o Complexo da Pampulha, em Belo Horizonte, de 1942. Foram quatro construções - a Igreja de São Francisco de Assis, o Cassino, a Casa do Baile e o Iate Tênis Clube - que guardam até hoje grande valor artístico e histórico, com azulejos de Cândido Portinari e jardins de Roberto Burle Marx. Ambos foram parceiros dele em outros projetos.
     “A Pampulha foi a grande surpresa. Niemeyer mostrou como dominar a ideia de espaço, a forma moderna e produzir boa arquitetura”, comenta o professor. “Ele não só entendeu o que era a arquitetura moderna, como fez algo diferente. Foi um recado: ‘O Brasil consegue ser moderno sem imitar ninguém’. Esse foi o grande fenômeno”, observa Kamita.
     O segundo grande divisor de águas na carreira de Niemeyer foi a maior de suas obras: os edifícios que compõem Brasília. A capital do país destaca-se pela singularidade de ser a utopia máxima da arquitetura e do urbanismo. Uma cidade erguida no meio do nada e partir do nada com liberdade total de implementação de um modelo técnico e artístico.

Não é unanimidade
     O professor da PUC-Rio afirma que, por mais que o arquiteto tenha sido, de fato, um gênio, não pode ser uma unanimidade. “Ele foi tão importante e tão marcante, que precisa ser objeto de estudos críticos, e não de aceitação passiva. Tem que ser discutido, debatido e questionado”. “Ninguém nega sua importância, mas isso não quer dizer que ele tenha sido perfeito. Foi um grande arquiteto, sim, mas não pode mistificar demais”, conclui o pesquisador.
     Gustavo Rocha-Peixoto, professor de Arquitetura da UFRJ, indica que Brasília é a imagem do país. “Niemeyer conseguiu juntar toda sua habilidade para inventar uma imagem do Brasil que se estabeleceu definitivamente. Um Brasil poderoso, otimista, pujante, ousado. É a própria imagem da República brasileira. É a imagem quase natural para se falar das grandes instituições, do Brasil republicano e capaz de inventar sozinho”, exalta o pesquisador.
     Para Rocha-Peixoto, o arquiteto foi mais que um inventor de formas. “Ele contribuiu para a invenção desse conceito da arquitetura moderna brasileira, não como um dado natural, mas criado. E ele é um dos criadores importantes dessa arquitetura. Teve habilidade, e as formas tiveram a virtude de serem aceitas como uma expressão do Brasil”, avalia o professor, que prefere não tentar definir quem foi Niemeyer. “Defini-lo é tarefa difícil, é o oposto de Niemeyer. Ele está fora das definições, além dos fins. Ele forçou os limites. Defini-lo seria como colocá-lo dentro de uma caixa. E o que ele fez a vida inteira foi mostrar que a arquitetura é mais do que caixas”, conclui.
     Comunista que era, Oscar Niemeyer teve uma fase na vida em que chegou a recusar diversos projetos para a iniciativa privada. Preferia trabalhar com governos, projetando prédios públicos, de uso democrático. E exemplos de museus, teatros, monumentos, praças e igrejas feitos pelo arquiteto não faltam no país. Entre suas obras mais importantes no mundo estão a sede da ONU, em Nova York, a sede do Partido Comunista Francês, em Paris, e a Universidade Mentouri de Constantine, em Argel.

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sábado, 31 de outubro de 2015

#RHBNresiste

A História não pode parar

     Já pensou fazer parte da Revista de História da Biblioteca Nacional?
     
     Pois pode acreditar: você já faz!
     
     A Revista só existe graças aos milhares de assinantes e de compradores em bancas, aos 500 mil seguidores do Facebook e 38 mil seguidores do Twitter, às 52 mil escolas públicas que passaram a recebê-la.
     
     Em dez anos existência e com 121 edições publicadas, conquistamos a posição de Revista de História mais respeitada do Brasil, promovendo a educação, a cultura, a memória e o debate público sobre temas fundamentais para o país.
     
     E é junto com você que vamos conseguir fechar as contas deste ano. Decidimos pedir sua colaboração financeira para garantir nosso funcionamento até 2016.
     
     Venha escrever mais esta bela página em nossa trajetória: são os leitores que mantêm o projeto vivo!

     E quem sabe, a médio prazo, poderemos criar um modelo em que não será mais preciso nenhum tipo de patrocínio institucional. Seremos apenas nós, as pessoas, dando vida à Revista da qual tanto nos orgulhamos.

Participe! Divulgue! Colabore!
#RHBNresiste
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SABIN - Sociedade de Amigos da Biblioteca Nacional
(CNPJ: 29.415.676/0001-28)

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Banco Santander
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segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Anos de chumbo e concreto

Foi durante a ditadura que as grandes empreiteiras consolidaram seu poder, em íntimas ligações com o Estado.
       A Operação Lava Jato, deflagrada em 2014 em ação conjunta da Polícia Federal e do Ministério Público, colocou atrás das grades dirigentes executivos das maiores empresas brasileiras de engenharia. As investigações revelaram que as empreiteiras se organizavam na forma de cartel e mantinham esquemas de corrupção em contratos com a Petrobras. Mas este tipo de relação promíscua entre empresários e órgãos públicos não é exatamente uma novidade. O poder e a influência política dos empreiteiros de grandes obras devem muito ao período da ditadura civil-militar.
     As principais empresas do ramo foram fundadas entre as décadas de 1930 e 1950, momento em que o eixo do desenvolvimento econômico brasileiro se deslocava do campo para as cidades. Para dar conta desse processo, foi montada uma infraestrutura voltada ao desenvolvimento da indústria, com empreendimentos principalmente nas áreas de energia e de transporte. O Estado demandou grandes obras para as corporações de engenharia, ajudando a impulsionar o desenvolvimento industrial. Camargo Corrêa (1939), Andrade Gutierrez (1948), Queiroz Galvão (1953), Mendes Junior (1953)... como o nome da maior parte dessas empresas indica, elas tiveram em sua origem (e têm até hoje) o controle eminentemente familiar.
     O governo Juscelino Kubitschek (1956-1961) foi muito importante para o desenvolvimento das empreiteiras, encomendando-lhes as rodovias previstas no Plano de Metas e as obras da nova capital federal, Brasília. As corporações do setor tiveram então um crescimento impressionante. De pequenas e médias empresas locais tornaram-se grandes firmas nacionais. Nos anos e nas décadas seguintes, sob a ditadura, as construtoras alcançaram uma expansão sem precedentes, em virtude de políticas estatais favoráveis às atividades do setor, incluindo um intenso programa de obras públicas. Formaram-se grandes grupos na indústria de construção pesada. Com incentivo estatal, as empresas se ramificaram para outros setores econômicos, e desde 1968 passaram a realizar obras também em diversos países. Foi a ditadura a responsável pela gestação de grandes conglomerados internacionais liderados pelas empreiteiras. E o poder conquistado por esses grupos consolidou-se de tal forma que não foi abalado nem com a transição do regime político, na década de 1980.
     Ainda no período Kubitschek, os empresários da construção passaram a se organizar em associações e sindicatos nacionais. Foram criadas entidades como a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e o Sindicato Nacional da Construção Pesada (Sinicon) – que desempenhariam papel relevante na desestabilização do governo João Goulart e na deflagração do golpe civil-militar. Diretores dessas entidades participavam também do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), que reunia oficiais da Escola Superior de Guerra (ESG) e representantes de empresas multinacionais e assumiria ativamente a campanha para derrubar João Goulart. Caso emblemático foi o de Haroldo Poland, presidente da empreiteira carioca Metropolitana, ex-presidente do Sinicon e que desempenhava função fundamental dentro do Ipes. Ligado a oficiais militares, Poland foi um dos agentes civis mais importantes no golpe de 1964. 
     Ao longo da ditadura, esses organismos fortaleceram sua atuação junto ao Estado, conquistando livre trânsito em certas agências e influenciando a agenda das políticas públicas nacionais. Enquanto as organizações populares e os sindicatos dos trabalhadores eram cerceados e suas lideranças perseguidas, não havia o mesmo tipo de repressão às organizações representativas das empresas da construção civil, que se multiplicavam e tinham intensa proximidade com certas figuras do governo. A Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) e a União Nacional dos Estudantes (UNE) foram fechadas pela ditadura, enquanto continuavam sendo criadas entidades de empresários da engenharia, como a Associação Brasileira de Engenharia Industrial (1964), o Sindicato da Construção Pesada de São Paulo (1968) e a Associação de Empreiteiros do Estado do Rio de Janeiro (em 1975). 
     A política de repressão e terrorismo de Estado contou com o apoio, inclusive financeiro, de empresários e empreiteiros. A Camargo Corrêa foi uma das empresas que contribuíram com iniciativas para desbaratar a esquerda armada e suas organizações, usando métodos que incluíam tortura e assassinatos. A mais conhecida foi a chamada Operação Bandeirantes, financiada por empresas como grupo Ultra, Camargo Corrêa, Folha de S. Paulo, Nestlé, General Electric, Mercedes-Benz e Siemens.
     Grandiosos empreendimentos foram realizados durante o regime, fortalecendo as maiores construtoras, que ficaram responsáveis pelas principais obras do período. Itaipu e outras hidrelétricas de grande porte, a Transamazônica e outras rodovias em diversas regiões do país, a Ferrovia do Aço e projetos no setor ferroviário, os metrôs do Rio e de São Paulo, os conjuntos habitacionais do Banco Nacional de Habitação (BNH, criado em 1964), as usinas termonucleares de Angra dos Reis e a ponte Rio-Niterói foram alguns dos projetos de grande envergadura que saíram do papel naquele período. 
     Com o suporte institucional do AI-5, em 1969 o governo estabeleceu reserva de mercado para as obras públicas realizadas no Brasil: a partir de então, somente companhias sediadas no país e com controle nacional poderiam ser contratadas. Várias outras medidas beneficiaram o empresariado, como isenções fiscais, financiamento público de obras internas e no exterior, entre outras decisões que ampliavam as margens de lucro da iniciativa privada. Em relação às políticas trabalhistas, também houve favorecimento generalizado aos empresários, e aos empreiteiros em particular. Medidas de “arrocho” salarial implantadas a partir do golpe beneficiavam companhias que empregavam numerosa força de trabalho, caso das empreiteiras. A repressão aos sindicatos permitia que as empresas ignorassem as demandas dos operários por melhores condições de trabalho. Com fiscalização relapsa em relação à segurança, o país virou recordista internacional em acidentes de trabalho – no auge da ditadura, chegou-se a registrar 5 mil trabalhadores mortos por ano, e o setor de construção civil era um dos principais responsáveis por essas estatísticas. 
     Para as empresas de engenharia era rentável manter condições inadequadas e perigosas nas obras e não dar atenção à saúde do funcionário, visto que as multas – quando aplicadas – eram de reduzido valor. Quando ocorriam acidentes, era prática corrente culpar o próprio trabalhador, isentando o empregador da sua responsabilidade. Não à toa, ao final do regime, em meio ao processo de abertura política, eclodiram diversas greves, revoltas e motins em canteiros de obras, inclusive em grandes empreendimentos como a usina de Tucuruí, erguida entre 1976 e 1984 em plena selva amazônica.
     Sob as bênçãos da ditadura, o Brasil viu consolidar-se um capital de novo porte, monopolista em alguns setores da economia – e entre estes destacou-se a construção civil. Alguns poucos grupos chegaram a um patamar diferente, extremamente vigoroso, detendo amplo poder econômico e político. As principais empresas beneficiadas foram Odebrecht (Norberto Odebrecht), Camargo Corrêa (Sebastião Camargo), Andrade Gutierrez (Sérgio Andrade) e Mendes Júnior (Murillo Mendes). Dentre os agentes políticos da ditadura associados aos empreiteiros, destacam-se Mario Andreazza (ministro dos Transportes de 1967 a 1974 e do Interior de 1979 a 1985), Eliseu Resende (diretor do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem [DNER] e ministro dos Transportes de 1979 e 1982) e Delfim Netto (ministro da Fazenda de 1967 a 1974). O cenário forjado nos anos 1960 e 1970 foi altamente favorável ao crescimento das atividades dessas empresas, em ambiente propício para a acumulação de capital. A participação ativa que esses e outros empresários tiveram junto ao governo é mais uma prova de que o regime não foi somente militar, mas também civil, com corporações e Estado de mãos dadas em esquemas de favorecimento mútuo. Um casamento que, tudo indica, resistiu incólume à mudança de regime, e persiste em tempos democráticos. 

Pedro Henrique Pedreira Campos é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e autor de Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar brasileira, 1964-1988 (Eduff, 2014).

Saiba mais – Bibliografia
 CRUZ, Sebastião Velasco. Empresariado e Estado na Transição Brasileira: um estudo sobre a economia política do autoritarismo (1974-1977). Campinas/São Paulo: EdUnicamp/ Fapesp, 1995. 
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1981.
FONTES, Virgínia & MENDONÇA, Sonia Regina de. História do Brasil Recente: 1964-1992. 4. ed. atualizada. São Paulo: Ática, 1996 [1988].
LEMOS, Renato. “Contrarrevolução, ditadura e democracia no Brasil”. In: SILVA, Carla Luciana; CALIL, Gilberto Grassi & SILVA, Marco Antônio Both da (orgs.). Ditaduras e Democracias: estudos sobre hegemonia, poder e regimes políticos no Brasil (1945-2014). Porto Alegre: FCM, 2014.

Saiba mais – Documentário 
Cidadão Boilesen
O documentário vai desnudar a participação do empresariado nos governos militares, não só apoiando o golpe de 1964, mas também financiando a repressão, à perseguição e tortura de grupos de esquerda e revolucionários que se opunham ao regime. Para que isso fosse possível, houve um eficiente trabalho de pesquisa sobre Boilesen (dinamarquês naturalizado brasileiro, presidência da Ultragaz), resgatando desde a sua infância na Dinamarca até o seu assassinato em 1971. O documentário, ainda traz depoimentos de familiares e amigos do empresário, ex-militantes de esquerda, militares, jornalistas, ex-governantes, membros da Igreja, ex-agentes da repressão, entre outros personagens importantes da época.
Além dos depoimentos, da documentação, e das falas dos personagens que vivenciaram essa época, o documentário, fornece importantes pistas de como foi articulado o golpe de 1964, bem como esclarece pontos importantes dessa relação entre o empresariado e os militares neste período.
Direção: Chaim Litewski
Ano: 2009
Áudio: Português
Duração: 93 minutos

Saiba mais – Links 

domingo, 20 de setembro de 2015

Terras para todos

Atraídos pela propaganda oficial, brasileiros de todas as partes tentaram a sorte na Amazónia, no início da ditadura, mas em vez de prosperidade encontraram um território controlado pela violência e trabalho escravo.
Regina Beatriz Guimarães Neto
     Consequências de vários projetos de colonização aprovados pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), tanto oficiais quanto da iniciativa privada, a década de 1970 ficou marcada pela derrubada sem precedentes da floresta amazônica. Grandes clareiras deram lugar, da noite para o dia, a cidades. O barulho das máquinas e de pequenos aviões se somava ao burburinho de homens e mulheres de diversas regiões do Brasil, sobretudo do Sul, que chegavam a lugares tão distantes quanto Rondônia e Mato Grosso seguindo as precárias estradas abertas na mata. Os jornais e as propagandas do governo e das empresas privadas estimulavam esse novo bandeirantismo. Faziam alarde das riquezas da região, da abundância de terras e das inúmeras oportunidades de trabalho que iam surgindo. O que se chamou de "colonização" pelos governos militares se encaixava numa narrativa majestosa sobre a grandeza do Brasil. Era a versão moderna do mito do Eldorado amazônico.
     Esses projetos de colonização passaram a ser um instrumento de poder do Estado para direcionar o deslocamento, sobretudo de pequenos proprietários, do Sul para o Norte. Para a ditadura militar, era prioritário controlar os movimentos sociais no campo. A "questão da terra" era um problema de segurança nacional. Por isso, as empresas de colonização se beneficiaram dos incentivos financeiros do Estado, através da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e da Superintendência do Desenvolvimento Sustentável do Centro Oeste (Sudeco) e outros programas ou projetos governamentais, como o Polocentro, o Proterra, o Polonoroeste e o Prodeagro. Programas desenvolvidos com recursos obtidos pelo governo federal junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ou ao Banco Mundial.
     Nos estados que compõem o território amazônico, instaurou-se um grande mercado de terras, em que o governo controlava o acesso, a posse e a distribuição de áreas a serem exploradas. Empresas de colonização, como a Sinop, a Indeco, a Incol, a Codemat, Jurena Empreendimentos e a Colonizadora Líder, entre outras, adquiriam grandes extensões, com mais de 200 mil hectares, através de licitações abertas pelo Estado para a compra de terras devolutas, que podiam ser compradas a preços irrisórios. A Indeco (Integração, Desenvolvimento e Colonização), por exemplo, adquiriu do estado de Mato Grosso, em 1973, para efeito de colonização, 400 mil hectares de terra, a Cr$ 50,00 o hectare. Incorporando terras contíguas, logo apareceria como dona de mais de 1 milhão de hectares, num território encravado em terras indígenas. A colonizadora Sinop adquiriu 650 mil hectares, num primeiro momento, criando três núcleos de colonização, na área coberta pela BR163 (Cuiabá-Santarém).
     Em sua origem, as empresas que se dirigiram para a Amazônia não eram diretamente ligadas ao agronegócio. Algumas pertenciam a capitalistas estrangeiros, interessados em especular com a terra. Estas colonizadoras destinavam apenas uma pequena parte no caso de Alta Floresta (área explorada pela Indeco), mais ou menos 13% de toda a área enquadrada no projeto - para pequenos agricultores. Eram oferecidos lotes com cem hectares, que logo depois iriam sofrer um processo violento de fracionamento, reproduzindo as mesmas condições das quais os colonos haviam fugido do Sul.
     A construção de novas cidades na região foi anunciada como o melhor caminho para o país superar o "atraso". Ser moderno, como preconizava a publicidade oficial, relacionava-se à adoção de novas tecnologias e à expansão dos mercados. A paisagem da floresta era rasgada por estradas. Em propagandas que exaltavam o "corredor de exportação", a BR-163 - Cuiabá-Santarém, as novas cidades são apresentadas como exemplo de progresso. E mostravam seus grandes saltos desde que clareiras foram abertas na selva.
     Desde o primeiro momento da implantação dos projetos de colonização, as plantas cartográficas que mapeavam os lotes urbanos projetavam um território hierarquizado. Separavam por módulos os novos habitantes, circunscrevendo o lugar social de cada colono. Reproduziam-se, no plano da arquitetura urbana, as relações de poder em que as empresas assumiam o controle sobre a circulação e a fixação dos moradores.
      Os desenhos que projetaram a construção das novas cidades na década de 70 podem ser vistos como um símbolo desta ordem social. A cidade de Juína, próxima ao estado de Rondônia, é emblemática. Tem a forma de vários octaedros interligados, cada qual representando um módulo, que por sua vez é dividido em lotes. Estes octaedros que aparecem nas propagandas parecem grandes colmeias, sugerindo, quase instantaneamente, que se trata de uma cidade voltada para o trabalho. O desenho da cidade de Vila Rica, que se situa nos limites com o estado do Pará, foi feito em forma de sino, evocando a religiosidade do período colonial e a ostentação da riqueza aurífera.
     Os núcleos urbanos dos projetos destinados à colonização se envolveram também com a exploração de madeira por grupos nacionais, mais tarde associados a empresas estrangeiras, à pecuária e à mineração. A exploração de ouro no norte de Mato Grosso fez com que, a partir do final da década de 70, houvesse uma verdadeira corrida para os garimpos dentro dos projetos de colonização. Guarantã do Norte, Matupá, Terra Nova e Colider cresceram com os garimpos do rio Peixoto Azevedo e rio Teles Pires. Também foi assim com Alta Floresta, Paranaíta Carlinda e Apiacás, território controlado pelo grupo Paranapanema. Já na parte mais a noroeste do estado, reinava a Sopemi (Sociedade de Pesquisa e Exploração de Minério S/A), subsidiária da De Beers, Consolidated Mines Ltda., nas grandes explorações e pesquisas de diamantes, com sede na cidade de Juína.
    Estas cidades acabaram, assim, apresentando os maiores índices de aumento populacional da Região Amazônica. Só Mato Grosso - após a divisão do estado, em 1977 - contabilizou mais de cem municípios novos até o ano 2000. Os municípios de Sinop (74.831 habitantes), Alta Floresta (46.982), Juína (38.017) e Sorriso (35.605), que surgiram como núcleos de colonização em finais da década de 70, estão entre os maiores índices de crescimento do estado, segundo dados do censo de 2000, do IBGE. No entanto, a "escravidão por dívida" e o não cumprimento dos contratos de trabalho por parte dos patrões continuam sendo práticas usuais na região.
     As colonizadoras e grandes fazendas contratavam a segurança de homens armados. Os herdeiros deste modelo de colonização ainda utilizam instrumentos de vigilância sobre sua área de influência, uns mais explícitos - como retirar os posseiros à força e até mesmo queimando barracos -, e outros menos visíveis, oferecendo-lhes lotes em setores mais afastados, insalubres, sem acesso a nenhuma infraestrutura.
     Nos primeiros momentos da abertura das novas áreas de colonização, as empresas construíram barreiras físicas, de madeira ou cimento, para ter controle sobre a região. Utilizaram também barreiras naturais, como rios de difícil travessia, para impedir a entrada dos colonos sem identidade comprovada ou daqueles considerados indesejáveis. Os moradores de Juína, cidade encravada em território indígena - Cinta-Larga, Enawenê-Nawê, Erikbaktsa e Myky -, se acostumaram a conviver com os "correntões" que ficam presos às guaritas das empresas onde se abrigam sentinelas armadas. Elas se localizam em pontos estratégicos da área de colonização. Ali se exige a identificação dos colonos, geralmente por meio de uma carteirinha fornecida pela empresa.
      Parcela significativa de pequenos agricultores e trabalhadores, que chegaram à região acreditando na possibilidade de adquirir um lote ou sonhando com novas oportunidades de trabalho, acabou descobrindo que a terra prometida era o paraíso da violência social. O trabalho escravo em propriedades rurais e áreas de desmatamento tem sido alvo de constantes denúncias da Comissão Pastoral da Terra e outras entidades.
     Nos relatórios anuais da CPT, os estados do Pará, Maranhão e Mato Grosso lideram os maiores índices de violência no campo desde a década de 70. Esses números refletem um padrão de ocupação e exploração da riqueza na Amazônia criado na época da ditadura, que acaba por destruir a floresta amazônica em nome da construção de novas cidades e estradas.
     Atraídos pelas promessas do Eldorado amazônico, homens e mulheres, em situação de grande pobreza, três décadas e meia depois se deslocam de forma constante pela região em busca de trabalho. Ora atuam nas áreas de mineração, ora participam das derrubadas da floresta. E ainda nas grandes lavouras de soja, algodão e milho. Excluídos do mercado regular de trabalho e sem qualquer documento de identidade, recebem variadas denominações, sempre pejorativas, nos lugares por onde passam. São conhecidos como "peões de trecho", "andarilhos" ou "pés-inchados". Movem-se de uma cidade para outra, mudam de região e de estado. Esses trabalhadores transformam o próprio caminho que percorrem na sua morada. Trabalhar e caminhar, para eles, são sinônimos.

Regina Beatriz Guimarães Neto é professora de História na Universidade Federal de Mato Grosso e autora de A lenda do ouro verde. Política de colonização no Brasil contemporâneo. Cuiabá: Unicen/apoio Unesco, 2002.

Fonte: Revista Nossa História - Ano II nº 19 - Maio 2005

Saiba Mais – Bibliografia
FERREIRA, Eudson de Castro. Posse e propriedade territorial: a luta pela terra em Mato Grosso. Campinas: Editora da Unicamp, 1986.
MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano. São Paulo: HUCITEC, 1997.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A fronteira amazônica mato-grossense: grilagem, corrupção e violência. Tese de Livre Docência - Departamento de Geografia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1997.

Saiba Mais – Documentários
Mataram Irmã Dorothy
Em fevereiro de 2005, a irmã Dorothy Stang, de 73 anos, foi brutalmente assassinada. Ativista na defesa do meio ambiente e das comunidades carentes exploradas por madeireiros e donos de terra na Amazônia, a freira americana foi morta com seis tiros no interior do Pará. O documentário revela os bastidores do julgamento dos assassinos de Dorothy e investiga as razões de sua morte.
"Não vou fugir e nem abandonar a luta desses agricultores que estão desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzir com dignidade sem devastar."
Direção: Daniel Junge
Ano: 2008
Áudio: Português - Legendado
Duração: 94 minutos

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

De demolidor a construtor

Depois de notabilizasse como conspirador e destruidor de presidentes, o jornalista e político Carlos Lacerda enfrentou o desafio de transformar em estado a antiga capital da República.
Marly Motta
     Em plena crise do governo Collor, o cartunista Ziraldo publicou na Folha de S. Paulo (4/7/1992) uma charge em que lamentava a falta de um "Carlos Lacerda". Referia-se ao "demolidor de presidentes", símbolo de um tipo de oposição política marcada pela virulência. A lembrança provocou reações contraditórias, devido ao temor dos estragos que a radicalização do lacerdismo poderia infringir às instituições do país.
     Carlos Frederico Werneck de Lacerda nasceu em 1914, no Rio de Janeiro. Se, por um lado, era neto de Sebastião Lacerda, prestigiado representante da oligarquia fluminense, por outro era filho de Maurício de Lacerda, político defensor dos direitos dos operários, e sobrinho de Fernando e Paulo Lacerda, líderes do Partido Comunista Brasileiro. Seu nome era uma homenagem a Karl Marx e Friedrich Engels. Em 1934, abandonou o curso de direito para se dedicar à militância na Aliança Nacional Libertadora (ANL), organização que reunia a oposição de esquerda ao governo Vargas. A violenta repressão ao movimento comunista de novembro de 1935 o levou à clandestinidade até 1938, quando foi trabalhar na revista O Observador Econômico e Financeiro. Um artigo seu, publicado em janeiro de 1939, foi considerado prejudicial ao PCB e provocou sua "expulsão" do partido, do qual, aliás, nunca fora membro. Banido da esquerda, associou ao antigetulismo trazido da juventude um forte anticomunismo.
     Lacerda ganhou notoriedade como jornalista ao publicar no Correio da Manhã, em 22 de fevereiro de 1945, a entrevista com o escritor e político paraibano José Américo de Almeida, em que este, rompendo o bloqueio da censura, criticava o regime ditatorial de Vargas. No mesmo jornal, lançou a coluna "Na tribuna da imprensa", destinada a cobrir os trabalhos da Assembleia Constituinte (1946). Filiado à União Democrática Nacional (UDN), foi o candidato mais votado na eleição de 1947 para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, então Distrito Federal. A experiência parlamentar durou apenas um ano, já que renunciou ao mandato por discordar da Lei Orgânica do DF, que dava aos senadores, e não aos vereadores, o poder de examinar os vetos do prefeito carioca, indicado pelo presidente da República.
     Fora da vida parlamentar, fundou, no final de 1949, seu próprio jornal, a Tribuna da Imprensa, de onde iria comandar uma campanha implacável contra Getúlio Vargas, eleito presidente em 1950. Um de seus principais alvos passou a ser o jornal Última Hora, de propriedade de Samuel Wainer, amigo dos tempos de esquerda, a quem acusava de ter obtido empréstimos favorecidos junto aos bancos oficiais para fundar um jornal governista. Foi a pedido de Wainer que o caricaturista Lan desenhou Lacerda como um corvo, símbolo de mau agouro e de morte.
     O antagonismo entre Lacerda e o governo chegou ao ápice na madrugada de 5 de agosto de 1954, quando o jornalista sofreu um atentado na entrada do edifício onde morava, na Rua Tonelero, em Copacabana. Foi ferido no pé, mas o major-aviador Rubens Vaz, que naquele dia lhe dava proteção, foi morto. Os tiros na Tonelero foram o golpe fatal no cambaleante governo de Vargas, que, à renúncia, preferiu o suicídio. Chamado de "assassino de Vargas", Lacerda teve que se esconder para escapar da fúria da multidão, que acorreu às ruas para chorar a morte do "pai dos pobres".
     No entanto, pouco mais de um mês depois do suicídio, Lacerda derrotou um Vargas. Não Getúlio, mas o filho Lutero, presumido herdeiro político. Na eleição de 3 de outubro, foi o deputado federal mais votado no Distrito Federal, com uma diferença de quase 40 mil votos sobre Lutero, o segundo colocado.
     A fama de “demolidor de presidentes” firmaria em novembro de 1955, quando assumiu a liderança civil do movimento que tentou impedir a posse dos eleitos em outubro, Juscelino Kubitschek e João Goulart, considerados herdeiros do varguismo. Como escreveu em editorial da primeira página da Tribuna, no dia 9, "esses homens não podem tomar posse; não devem tomar posse; não tomarão posse".
     A conspiração, entretanto, fracassou por conta da reação do ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, e Lacerda ficou fora do país até outubro de 1956. Para se precaver contra sua volta à cena política, Juscelino anexou uma nova cláusula aos contratos de concessão de rádio e TV, mediante a qual os concessionários seriam punidos com suspensão por trinta dias no caso de transmitir programas "insultuosos às autoridades públicas". Segundo confissões do próprio ex-presidente, a primeira pessoa em quem pensava ao acordar era Carlos Lacerda.
     Na Câmara dos Deputados, onde permaneceu de 1955 a 1960 - em 1958, foi, mais uma vez, o recordista de votos para a bancada do Distrito Federal -, Lacerda foi o tribuno implacável, dono de uma oratória que, segundo contemporâneos, "cortava os ares como rajadas de fogo". A transformação da cidade do Rio de Janeiro em estado da Guanabara, devido à transferência da capital para Brasília em abril de 1960, abriu uma nova perspectiva para a sua carreira política: ser o primeiro governante do Rio eleito pelos cariocas.        
     Logo no início da campanha, Lacerda recebeu um precioso conselho do publicitário Emil Farhat: o momento não era de demolir, e sim de construir. Ganharia a eleição o candidato que se mostrasse mais capaz de conciliar a construção da nova Guanabara com a manutenção de um lugar privilegiado para o Rio de Janeiro na federação. Em 1960, o eleitorado foi às urnas para eleger também o sucessor de JK. Jânio Quadros venceu o general Lott com uma margem mais confortável que a de Lacerda sobre seus opositores, os deputados Sérgio Magalhães e Tenório Cavalcanti.
     Vencida a eleição, o grande desafio era: como um político nacional, radical, que desprezava a "política da conversa", poderia articular apoios para governar, fazer alianças com os grupos locais, construir as bases políticas de um novo estado? Lacerda apostou na montagem de um governo "técnico", que preservasse a administração das disputas políticas.
     A atenção dedicada ao governo estadual não reduziu a participação de Lacerda na política nacional. O discurso que fez na televisão no dia 24 de agosto de 1961, denunciando a manobra golpista de Jânio, aliado com quem rompera pouco depois da posse, provocou a renúncia do presidente no dia seguinte. A fama de "demolidor de presidentes" voltou com força, ainda mais pela movimentação frustrada para impedir a posse do vice João Goulart, o herdeiro do getulismo.
     A ida de Jango para a Presidência da República, garantida pela Campanha da Legalidade, criou um estado de permanente tensão entre o governo federal e o da Guanabara. O ano de 1963 foi decisivo nesse embate: um plebiscito restaurou os poderes presidenciais de Goulart, depois da breve experiência parlamentarista, e Lacerda se lançou candidato a presidente da República nas eleições previstas para 1965.
     Em tempos de Guerra Fria, o anticomunismo era uma importante bandeira, mas Lacerda sabia que precisava apresentar bons resultados à frente do governo da Guanabara. Educação, urbanização e habitação foram as áreas mais beneficiadas, e que até hoje dão a Lacerda um lugar privilegiado na memória carioca. Contando com recursos externos e, principalmente, com receitas oriundas do aumento de impostos, o governador investiu tanto na construção de escolas, quanto de adutoras (Guandu), viadutos e túneis (Rebouças e Santa Bárbara) e parques (Aterro do Flamengo), firmando, assim, a imagem do administrador "tocador de obras". Afinal, para enfrentar JK, o construtor da Novacap (Brasília), e seu possível rival em 1965, Lacerda teria de "reconstruir" a chamada Belacap.
     Foi polêmica a decisão de remover algumas favelas da Zona Sul e de construir conjuntos habitacionais em subúrbios da Zona Oeste, como os de Vila Aliança e Vila Kennedy, para abrigar os favelados. A ideia de que o governador não gostava de "pobres", vinda desde a época do suicídio de Vargas, foi alimentada pela chacina de mendigos ocorrida em 1962 - corpos foram encontrados no rio da Guarda -, e habilmente explorada por seus adversários. Tachado de "mata-mendigos", Lacerda passou a ser acusado de pretender exterminar também os favelados.
     A derrubada do governo Goulart pelo golpe militar de 1964, incentivado e apoiado pelo Palácio Guanabara, não ajudou a caminhada de Lacerda rumo a Brasília. Ao contrário. Decidido a exorcizar o fantasma do "demolidor", o general-presidente Castello Branco suspendeu as eleições previstas para 1965 e obteve a prorrogação de seu mandato até março de 1967. Derrotado na própria sucessão na Guanabara, quando seu candidato, Flexa Ribeiro, foi batido por larga diferença de votos por Negrão de Lima, Lacerda teve que se defrontar com as mudanças institucionais impostas pelo regime militar: fim dos partidos políticos, bipartidarismo (Arena e MDB) e eleições indiretas para presidente e governador.
     O estreitamento político em nível nacional e o surgimento de outros personagens na política carioca, como Chagas Freitas, levaram Lacerda a apostar na Frente Ampla, de oposição ao regime militar, e a procurar dois antigos adversários, Kubitschek e Goulart, cassados em 1964. A Frente Ampla fracassaria, e Lacerda também seria cassado, em 30 de dezembro de 1968, em seguida ao AI-5. Nove anos depois, a perspectiva da abertura política o animou a dar uma longa entrevista ao Jornal da Tarde (SP), entre 19 de março e 16 de abril de 1977. Como disse na ocasião, "ainda não estava na idade de sair da política". No entanto, a morte por septicemia, em 21 de maio, contrariou suas previsões.
     Casado com Letícia Lacerda e pai de três filhos, foi escolhido como modelo de governante por políticos cariocas, e sempre lembrado em momentos de crise política, Lacerda ocupa um lugar especial no imaginário político nacional e local, já que encarna, ao mesmo tempo, o tribuno incendiário, "demolidor de presidentes", e o administrador competente, o "construtor da Guanabara".

MARLY MOTTA é pesquisadora do CPDOC-FGV e autora de Saudades da Guanabara. Rio de janeiro: Editora da FGV, 2000 e de Rio, cidade-capital. Rio de janeiro: Zahar, 2004.

Fonte: Revista Nossa História - Ano II nº 19 - Maio 2005

Saiba Mais – Bibliografia
BENEVIDES, Maria Vitória. A UDN e o udenismo: as ambiguidades do liberalismo brasileiro (194S-65). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
DULLES, John W. Foster. Carlos Lacerda: a vida de um lutador. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v. 1 (1992); v. 2 (2000).
FERREIRA, Jorge. "Crises da República: 1954, 1955 e 1961". In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano. O tempo da experiência democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2003.
LACERDA, Carlos. Depoimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.

Saiba Mais – Filmes
Flores Raras
O Brasil nos anos 50/60 passa por grandes transformações, Brasília é construída, a Bossa Nova faz grande sucesso e o Rio de Janeiro se transforma rapidamente preparando-se para deixar de ser a capital federal. É quando Elisabeth Bishop (Miranda Otto), poeta americana, chega para conhecer o Rio de Janeiro e passar alguns dias com Lota de Macedo Soares (Glória Pires) mulher forte e empreendedora da sociedade carioca. Com personalidades muito a frente de seus tempos, elas rapidamente estabelecem uma relação pessoal gerando muitas conquistas e perdas, que se refletem até os dias de hoje.
Direção: Bruno Barreto 
Ano: 2013
Áudio: Português
Duração: 118 minutos