“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Solução caseira

A escravidão indígena começou logo no início da colonização e manteve-se até meados do século XVIII, mesmo ilegal.
     Tão logo fizeram os primeiros contatos na costa brasileira, os portugueses começaram a carregar suas embarcações com mercadorias extraídas da nova terra para serem levadas à Europa. Entre elas, o pau-brasil, animais exóticos e... índios. Em pouco tempo tornou-se comum encontrar escravos indígenas nas ruas de Lisboa e arredores, principalmente nos serviços domésticos. Eles também eram vendidos na Espanha e em seus domínios.
     Quando os portugueses deram início às atividades produtivas no Brasil, a partir da criação das capitanias hereditárias, decidiram utilizar os índios para o trabalho escravo. Sem recursos para importar africanos e sem as condições necessárias para o emprego de mão de obra assalariada, os indígenas acabaram sendo a base da formação da economia colonial.
     Transformá-los em escravos era uma tarefa difícil e arriscada. A presença portuguesa no Brasil e a ocupação das novas terras dependiam do apoio da população nativa. Para defender tão vasto território, a Coroa precisava dos índios como aliados militares contra os concorrentes europeus (no século XVI, especialmente os franceses). Eles também eram úteis para combater grupos indígenas rivais que atacavam os incipientes núcleos coloniais, além de fornecerem informações e alimentos indispensáveis à sobrevivência em uma terra ainda mal conhecida.
     Se a princípio chegou a existir um frágil equilíbrio entre índios e portugueses, ele logo se rompeu. Os nativos acharam bom negócio vender aos recém-chegados seus prisioneiros de guerra, antes utilizados em atividades rituais e sociais (como a antropofagia). Quando, porém, o apresamento de escravos tornou-se um negócio concorrido, a ânsia de obter mais cativos desfez as alianças iniciais.
     No início da década de 1540, por exemplo, um certo Henrique Luís, traficante de escravos indígenas na costa, botou a perder o contato amistoso construído até então com os índios da atual divisa do Rio de Janeiro com o Espírito Santo. Tomado pela ambição de um lucro rápido e fácil, ele sequestrou uma liderança nativa aliada e exigiu como resgate um determinado número de escravos. O resgate foi pago, mas o comerciante, ao invés de cumprir o acordo, entregou o chefe ao grupo rival, obtendo assim escravos de ambos os lados. Os índios reagiram à altura da ofensa: tornaram a vida dos portugueses impossível naquela região. Não foi à toa que, ao escrever a sua História do Brasil no início do século XVII, frei Vicente do Salvador comentou que não era possível obter um testemunho direto sobre a ferocidade daqueles índios, pois os que por lá se aventuravam não retornavam com vida para contar.
     Muitos colonos apelaram a Deus e escreveram ao rei, implorando por alguma atitude em relação à conduta inescrupulosa dos traficantes. Não agiam movidos por fins humanitários, mas sim a partir de cálculos estratégicos: se as coisas continuassem como estavam, temiam que os portugueses fossem expulsos do Brasil. Para piorar, os franceses se aproximavam cada vez mais dos índios e entravam na disputa pelo território. A Coroa se viu então diante de um dilema: como escravizá-los e, ao mesmo tempo, manter a sua “amizade”? A solução encontrada foi separar os índios aliados dos índios inimigos.
     Esta diferenciação já existia nas primeiras instruções dos monarcas, que aconselhavam os navegadores a tratarem com distinção os líderes “amigos” e evitarem conflitos. Mas a nova postura em relação aos índios só começou a ser sistematizada em 1549, com a instalação do governo-geral em Salvador. Coube ao primeiro governador, Tomé de Souza, regulamentar a relação com os índios. Para isso, contava com dois importantes recursos: um regimento elaborado pelo rei oferecendo garantias aos aliados e a presença dos jesuítas, que chegaram na mesma época e passaram a ter voz ativa nas questões indígenas.
     O estatuto dos índios na sociedade colonial reafirmava a liberdade dos aliados. É bem verdade que eles eram obrigados a trabalhar para a Coroa e para os colonos, mas deveriam ser remunerados e tinham uma série de outras garantias, como a propriedade coletiva das terras dos seus aldeamentos. A escravização dos índios, porém, continuava permitida em duas situações: o resgate e a guerra justa. O primeiro fazia referência aos prisioneiros feitos pelos próprios índios, destinados à antropofagia. Neste caso, algum colono poderia resgatar o prisioneiro que, em retribuição, trabalharia algum tempo como escravo. Já a guerra justa era um recurso empregado quando os índios atacavam os portugueses, que então tinham o direito de defender-se e de escravizar os prisioneiros. Não foram poucos, no entanto, as guerras justas e os resgates que não passaram de um pretexto para a obtenção de escravos.
     À medida que a economia colonial se desenvolvia a partir de um produto destinado ao mercado internacional (o açúcar no Nordeste), os colonos começaram a importar escravos de origem africana. Assim, evitavam problemas com a lei e se beneficiavam da maior regularidade da oferta desta mão de obra. Trabalhadores indígenas, escravos ou livres, continuaram a existir, mas não formavam mais a base da produção.
     No entanto, em regiões menos prósperas, os índios ainda eram parte importante da mão de obra, por vezes a principal. Sem outra alternativa de enriquecimento, os colonos lutavam pela manutenção dos "seus índios", como então se dizia. Os paulistas alegavam que os índios eram “um remédio para a sua pobreza”. Uma forma de mantê-los cativos era a administração particular. Teoricamente, tratava-se de uma relação de troca: os índios eram livres, mas prestavam serviços ao seu "administrador" que, como pagamento, os instruía na fé católica. Na prática, muitas vezes adquiria ares de escravidão, como quando os índios eram deixados em testamento junto com as demais propriedades.
     Em certas ocasiões, como ocorreu em 1640, as tentativas de proibir definitivamente a escravidão indígena geraram verdadeiras revoltas, obrigando a Coroa a negociar. Na época, os jesuítas estavam empenhados em obter a proibição das expedições dos paulistas às missões do Paraguai em busca de cativos, conhecidas como "bandeiras" e completamente ilegais. Não foi difícil obter do papa e do rei a proibição específica de tal atividade, o problema foi colocá-la em prática. Por conta disso, os jesuítas foram sumariamente expulsos de São Paulo. No Rio de Janeiro, por pouco não aconteceu o mesmo: quando os moradores ficaram sabendo da notícia, dirigiram-se enfurecidos à residência dos padres. Alguns, mais exaltados, gritavam: "Mata, mata!". Diante da ameaça, os jesuítas recuaram e deixaram as coisas como estavam. Dessa vez, como em muitas outras, os colonos ganharam.
     O cenário só se modificou no final da década de 1750, quando o secretário de Estado do Reino de Portugal, futuro Marquês de Pombal, declarou a absoluta e definitiva liberdade indígena. O Diretório dos Índios propunha a inserção dos índios na sociedade colonial em condições de igualdade com os súditos de origem portuguesa. A Coroa pretendia assim criar uma massa populacional capaz de ocupar o território brasileiro, especialmente as áreas de fronteira em disputa com a Espanha. Por um lado, os índios tiveram dificuldades em lidar com a nova realidade, que previa uma série de mudanças culturais, como a obrigatoriedade do uso da língua portuguesa. Por outro, receberam bem certas medidas, como o acesso a cargos geralmente restritos aos luso-brasileiros, como oficiais camarários e militares.
     De maneira geral, os índios fizeram um uso bastante ativo do Diretório em diferentes partes do Brasil. Muitos já possuíam uma longa experiência com a sociedade colonial e sabiam utilizar os recursos disponíveis a seu favor. Índios que estavam em situação de cativeiro irregular, por exemplo, conseguiram obter a liberdade recorrendo à Justiça. Sua lenta e progressiva conquista de direitos começava, de fato, ali.

Elisa Frühauf Garcia é professora da Universidade Federal Fluminense e autora de As diversas formas de ser índio (Arquivo Nacional, 2009).

Saiba mais - Bibliografia
MARCHANT, Alexander. Do escambo à escravidão. 2. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1980.
MONTEIRO, John. Negros da terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
PERRONE-MOISÉS, Beatriz. “Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII)”. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 115-132.
SCHWARTZ, Stuart. “Uma geração exaurida: agricultura comercial e mão de obra indígena”; e “Primeira escravidão: do indígena ao africano”. In: ___. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

Saiba mais – Links

Saiba mais – Documentário
Histórias do Brasil a Série
Clique no nome do episódio para assistir:
Acreditando tratar-se de um francês, um grupo de índios captura o alemão Franz Hessen. E como os franceses são considerados inimigos da tribo, o alemão poderá ser devorado pelos índios. A única saída para Franz é convencer Pero Dias, um português ganancioso que vive entre os índios, a desfazer a confusão.

Saiba mais – Filmes
Como Era Gostoso o Meu francês
No Brasil de 1594, um aventureiro francês prisioneiro dos Tupinambás escapa da morte graças aos seus conhecimentos de artilharia. Segundo a cultura Tupinambás, é preciso devorar o inimigo para adquirir todos os seus poderes, no caso saber utilizar a pólvora e os canhões. Enquanto aguarda ser executado, o francês aprende os hábitos dos Tupinambás e se une a uma índia e através dela toma conhecimento de um tesouro enterrado e decide fugir. A índia se recusa a segui-lo e após a batalha com a tribo inimiga, o chefe Cunhambebe marca a data da execução: o ritual antropofágico será parte das comemorações pela vitória.
Direção: Nelson Pereira dos Santos
Ano: 1971
Áudio: Português / Tupi / Francês
Duração: 84 minutos


Hans Staden
Hans Staden (Carlos Evelyn) é um imigrante alemão que naufragou no litoral de Santa Catarina (1550). Dois anos depois, chegou a São Vicente, concentração da colônia portuguesa no Brasil, onde trabalhou por mais dois anos, visando juntar dinheiro para retornar à Europa. Neste tempo em que viveu em São Vicente, Staden passou a ter um escravo da tribo Carijó, que o ajudava. Preocupado com seu sumiço repentino após ter ido pescar, Staden parte em sua procura, sendo encontrado por sete índios Tupinambás, inimigos dos portugueses, que o prendem no intuito de matá-lo e devorá-lo. É a partir de então que passa a ter que arranjar meios para convencer os índios a não devorá-lo e permanecer vivo. O filme aborda os primórdios da colonização, envolvendo o povo indígena Tupinambá, que então habitava o litoral brasileiro. Conta a história do alemão capturado pelos Tupinambás da Aldeia de Ubatuba, litoral de São Paulo, onde seria devorado em ritual antropofágico. O projeto do filme começou em janeiro de 1996. Da preparação para as filmagens constaram, entre outras coisas, os ensaios com os atores para o aprendizado da língua Tupi e a construção de uma réplica de Aldeia Tupinambá do século XVI em Ubatuba. Também foram rodadas cenas no Forte Bertioga, em trilhas, rios, matas, em canoas no mar e em Lisboa, Portugal, na Caravela Boa Esperança.
Direção: Luiz Alberto Pereira
Ano: 1999
Áudio: Português / Tupi / Alemão
Duração: 92 minutos

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Índio falou, tá falado

Línguas indígenas sobrevivem no português, influenciam nossa fala e guardam sentidos ocultos.
     A prova está no dicionário: dos 228 mil verbetes que o Houaiss apresenta em uma de suas edições, cerca de 45 mil são palavras oriundas de línguas indígenas. Alguma dúvida de que o conhecimento dessa herança linguística, mesmo que superficial, é necessário para entender o português que falamos, e até mesmo para consolidar a nossa identidade?
     “Há várias línguas faladas em português”, afirma José Saramago no documentário Língua: vidas em português, e basta olhar as variedades regionais para dar razão ao escritor. Como explicar essas diferenças? Parte delas reside no fato de que os índios que aqui moravam falavam centenas de línguas autóctones de diversos troncos linguísticos.   Quando começaram a usar um idioma que veio de fora – o português – nele deixaram impressas suas marcas, fruto de uma relação que a sociolinguística denomina de “línguas em contato”. Como as línguas indígenas eram diversas, as marcas que deixaram não foram as mesmas em cada região.
     No início do século XVI, o poeta Sá de Miranda lançou aos mares do futuro a nau da língua portuguesa, vinculando seu destino à expansão do comércio marítimo. Durante um par de séculos, caravelas singraram “mares nunca dantes navegados”, carregando, entre outros, um bem imaterial: o português, que passou a ser falado na Índia, na Malásia, na Pérsia, na Turquia, na África, no Japão e até na China e na Cochinchina. Em muitos lugares tornou-se “língua franca”, isto é, um idioma usado para comunicação entre grupos de pessoas cujas línguas maternas são diferentes – como ocorre hoje com o inglês.
     A língua portuguesa já veio para cá marcada por outras línguas com as quais havia convivido. Aqui, no território que é hoje o Brasil, encontrou mais de 1.300 línguas, faladas por cerca de 10 milhões de habitantes, segundo estimativas de pesquisadores da Escola de Berkeley que estudaram a demografia histórica do período e consideram que no continente americano ocorreu "a maior catástrofe demográfica" da história da humanidade.
     As duas línguas gerais indígenas faladas no Grão-Pará e no Brasil – a Língua Geral Amazônica (LGA) e a Língua Geral Paulista (LGP) – nomearam conceitos, funções e utensílios novos trazidos pelos europeus com adaptações fonéticas e fonológicas: cavalo (cauarú), cruz (curusá), soldado (surára), calça ou ceroula (cerura), livro (libru ou ribru), papel (papéra), amigo ou camarada (camarára).
     Os portugueses começaram a falar essas línguas  e também tomaram delas muitos empréstimos, a maioria sendo do tronco tupi, que mantinha grande número de falantes espalhados por extenso território da costa atlântica. Desde o século XVI, portugueses que tinham interesse econômico em comunicar-se com os índios começaram a usar uma língua de base tupi que se tornou a Língua Geral. Os missionários fizeram então uma gramática explicando como funcionava essa língua e passaram a usá-la na catequese. Traduziram para ela orações, hinos e até peças de teatro.
     Apesar de extintas, algumas dessas línguas indígenas continuam sendo usadas por brasileiros, que nem desconfiam desses empréstimos, em nomes de lugares, animais, vegetais, ervas, flores, plantas, enfim, da flora e da fauna. Numa amostra coletada pelo linguista Aryon Rodrigues, 46% dos nomes populares de peixes e 35% dos nomes de aves são oriundos só de línguas tupi.
     De origem tupi é a palavra carioca, nome de um rio que, segundo alguns especialistas, significa “morada (oca) do acari”, um peixe que cava buracos na lama e ali mora como se fosse um anfíbio. Para outros, é o nome de uma aldeia, a “morada dos índios carijó”. Da mesma origem são os nomes de muitos lugares, como locais atuais do Rio de Janeiro que conservaram as denominações de antigas aldeias: Guanabara (baía semelhante a um rio), Niterói (baía sinuosa), Iguaçu (rio grande), Pavuna (lugar atoladiço), Irajá (cuia de mel), Icaraí (água clara) e tantos outros, como Ipanema, Sepetiba, Mangaratiba, Acari, Itaguaí.
     Muitos topônimos indígenas perderam seu sentido original. Os tupinambás denominaram de Itaorna uma praia em Angra dos Reis. Nessa área, na década de 1970, foi construída a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, mas os engenheiros responsáveis desconheciam que o nome dado pelos índios continha informação sobre a estrutura do solo – minado por águas pluviais, que provocavam deslizamentos de terra das encostas da Serra do Mar. Somente em fevereiro de 1985, quando fortes chuvas destruíram o Laboratório de Radioecologia que mede a contaminação do ar na região, eles descobriram o que significa itaorna: “pedra podre”.
     A influência das línguas indígenas nas variedades usadas no Brasil não se resume em uma listagem de palavras exóticas ou "folclóricas". Existem outras influências entranhadas nas camadas profundas da língua, que penetraram em seus alicerces, mexendo com seu sistema nos campos sintático, fonológico e morfológico. É o que os linguistas chamam de "substrato".
     No caso da fala individual, o substrato é o conjunto de transferências adquiridas pela primeira língua, ou língua materna, depois do contato com uma segunda língua. Do ponto de vista coletivo, o substrato é o conjunto de vestígios que uma língua, quase sempre extinta, deixa sobre outra língua, em geral a de um povo invasor. É a influência da língua perdida sobre a língua imposta, que só se estabiliza após diversas gerações. Exemplos disto são alguns processos de modalização do nome, característicos do tupi, que deixaram suas marcas no português não pela via do empréstimo cristalizado, mas pelo próprio mecanismo. Tanto na palavra netarana, usada no Pará, quanto em outras do português regional, como sagarana, canarana, cajarana, tatarana, há o uso do sufixo tupi rana (“como se fosse”).
     Esses resíduos ainda não foram completamente inventariados, mas alguns deles foram identificados. O indigenista Telêmaco Borba recolheu, em 1878, dados sobre a língua oti, que era então falada no sertão de Botucatu, em São Paulo, e que foi extinta. Descobriu que aquela língua, do tronco Jê, possuía sons que os grupos de língua tupi não tinham, como o r retroflexo. E seus falantes levaram esse traço para o português quando adquiriram a nova língua. Ele ali permanece até hoje no r paulista, conhecido como r caipira.
No interior do Amazonas, no rio Madeira, há o processo de “alçamento” e “abaixamento” de vogais. “Alçamento” é o fechamento vocálico, como no caso de “popa da canoa”, que se pronuncia pupa da canua, o que também é atribuído ao substrato da língua indígena.
     Nem sempre tais mudanças foram aceitas pelos puristas da língua. Da mesma forma que o Império Romano considerou como “línguas estropiadas” as variedades do latim faladas na Península Ibérica (que mais tarde deram origem ao português, ao espanhol, ao catalão, ao galego, ao mirandês), assim também os portugueses consideraram a variedade aqui falada como “língua mutilada”. No Sermão do Ano Bom, em 1642, o jesuíta Antonio Vieira, que viveu no Grão Pará, afirmou que “A língua portuguesa (...) tem avesso e direito; o direito é como nós a falamos, e o avesso como a falam os naturais”. Classificou as variedades locais do português de "meias línguas, porque eram meio políticas [civilizadas] e meio bárbaras: meias línguas, porque eram meio portuguesas e meio de todas as outras nações que as pronunciavam, ou mastigavam a seu modo”.
     Uma resposta a Vieira está na letra da canção “Língua”, de Caetano Veloso: “Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões / (…) E deixe os Portugais morrerem à míngua / 'Minha pátria é minha língua'/ Fala Mangueira! Fala! / Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó/ O que quer / O que pode esta língua?/ (…) Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas”.
     As línguas indígenas permanecem no substrato do português e guardam informações e saberes, funcionando como uma espécie de arquivo. Conhecer a contribuição efetiva que legaram à língua portuguesa é entender como viviam os povos que as falavam e se apropriar dessa experiência milenar.

José R. Bessa Freire é professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e autor do artigo “Da fala boa ao Português na Amazônia Brasileira”, in Amazônia em cadernos (Manaus, 2000).

Saiba Mais - Bibliografia
NOLL, Volker & DIETRICH, Wolf (orgs.). O português e o tupi no Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 2010.
LIMA, Ivana Stolze & CARMO, Laura do (orgs.). História Social da língua nacional. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 2008.
FREIRE, José R. Bessa & ROSA, Maria Carlota (orgs.). Línguas Gerais. Política Linguística e Catequese na América do Sul no Período Colonial. Rio de Janeiro: Eduerj, 2003.
LAGORIO, Consuelo Alfaro; ROSA, Maria Carlota & FREIRE, José R. Bessa (orgs.). Política de Línguas no Novo Mundo. Rio de Janeiro: Eduerj, 2012.

Saiba mais – Links

Saiba Mais - Filme
Língua: vidas em português
Documentário que foi filmado no ano de 2001 e lançado nos cinemas brasileiros no ano de 2004. Todo dia duzentas milhões de pessoas levam suas vidas em português. Fazem negócios e escrevem poemas. Brigam no trânsito, contam piadas e declaram amor. Todo dia a língua portuguesa renasce em bocas brasileiras, moçambicanas, goesas, angolanas, japonesas, cabo-verdianas, portuguesas, guineenses. Novas línguas mestiças, temperadas por melodias de todos os continentes, habitadas por deuses muito mais antigos e que ela acolhe como filhos. Língua da qual povos colonizados se apropriaram e que devolvem agora, reinventada. Língua que novos e velhos imigrantes levam consigo para dizer certas coisas que nas outras não cabe. O filme conta com a participação especial de José Saramago (escritor português), João Ubaldo Ribeiro (escritor brasileiro), Martinho da Vila (cantor e compositor), Teresa Salgueiro (do grupo Madredeus) e Mia Couto (escritor moçambicano).
Direção: Victor Lopes
Ano: 2002
Áudio: Português
Duração: 90 minutos

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

A Odisseia da Espécie - L'Odyssée De L'Espèce

Quase uma década foi o tempo que o realizador Jacques Malaterre e o cientista Yves Coppens demoraram para alcançarem o ambicioso projeto de expressar em imagens a pré-história do Homem, desde os pré-hominídeos à fundação das primeiras civilizações, no que é a maior produção alguma vez realizada sobre as nossas origens. São mais de 8 milhões de anos de evolução recriados graças às últimas descobertas antropológicas, a dezenas de atores, às mais modernas técnicas de animação digital, com cenários naturais escolhidos e sequências dramatizadas que servem de reforço para as intervenções de prestigiosos cientistas de todo o mundo. A Odisseia da Espécie é a nossa história. Através de surpreendentes imagens em três dimensões e efeitos especiais espetaculares, vamos poder observar os primeiros passos de Orrorin, um dos mais antigos pré-humanos, viver ao pé do "homo habilis" que vai inventar o primeiro utensílio, e do "homo erectus" que inventará o fogo. Com o homem de Neandertal será a caça ao urso das cavernas e as primeiras sepulturas. Finalmente com o "homo sapiens" será o nascimento da arte.
Direção: Jacques Malaterre
Ano: 2003
Áudio: Francês – Legenda: Português
Duração: 48 minutos cada episódio

Episódio 1 -"Les Prehumains" (Os Pré-Hominídeos )

Episódio 2 -"Les Premiers Hommes" (Os Primeiros Homens) 

Episódio 3 -"Neandertal et Sapiens" (Neandertal e Sapiens) 

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A Evolução da Humanidade – Armas, Germes e Aço (Guns, Germs and Steel)


“Por que vocês brancos desenvolveram tantos suprimentos, enquanto nós negros temos tão pouco dele?”. A Pergunta, aparentemente inocente de um nativo da Papua Guiné, em 1974, fez com que Jared Diamond escrevesse o premiado livro Armas, Germes e Aço, sempre tentando solucionar o maior mistério da história da humanidade: as raízes da desigualdade social. Baseado na obra do autor, este documentário da National Geographic traça a jornada dos seres humanos nos últimos 13 mil anos – desde o nascimento da agricultura, no final da Era Glacial, até a realidade da vida no século XXI. Gravado em quatro continentes, A Evolução da Humanidade apresenta gravações atuais, entrevista com historiadores, arqueólogos e cientistas, reconstrução histórica e animação computadorizada.
Direção: Tim Lambert, Cassian Harrison
Ano: 2005
Áudio: Inglês – legenda: Português
Duração: 54 Min. cada episódio

Ep.1 - Saindo do Jardim do Éden
"Por que algumas sociedades florescem mais do que as outras?", perguntou-se o pesquisador Jared Diamond, autor do consagrado "Armas, Germes e Aço". Para examinar as razões do sucesso europeu, ele voltou há treze mil anos, quando a agricultura e a pecuária começaram a se desenvolver. E encontrou pelo menos uma parte da solução para o seu enigma: a geografia privilegiada do chamado "Fértil Crescente", no Oriente Médio.

Ep.2 - Conquista
No dia 15 de novembro de 1531, 150 conquistadores espanhóis chegaram ao coração do Império Inca, no Peru, e derrotaram um exército de oitenta mil soldados, promovendo um massacre que se estenderia por toda a América. Para Diamond, o segredo estaria nos poderosos cavalos dos espanhóis, nas afiadas armas de aço e também nos germes que as tropas trouxeram da Europa, espalhando uma epidemia de varíola entre os Incas.

Ep.3 - Entre os Trópicos
A teoria do escritor Jared Diamond, autor do consagrado "Armas, Germes e Aço", para responder à pergunta "Por que algumas sociedades florescem mais do que as outras?" mostrava como a geografia favoreceu os europeus para que eles conquistassem boa parte do planeta. Mas o que teria acontecido com eles assim que sua sede de conquista recaiu sobre a África, o berço da humanidade? Será que as armas, germes e aço de outrora teriam efeito no meio do implacável e imprevisível clima tropical? Suas teorias poderiam explicar, enfim, como um continente tão rico em recursos naturais se transformou no mais pobre do planeta? No fim de sua jornada, Jared Diamond contesta suas próprias teorias ao se deparar com um cenário que nunca tinha sequer imaginado.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Uma questão de limites

Refeito recentemente, mapa das capitanias hereditárias ganha nova cara, 150 anos depois da publicação de sua versão mais conhecida
     Mapa redesenhado pelo engenheiro Jorge Cintra mostra que as capitanias do norte da colônia eram divididas de forma vertical e não horizontal, como se pensava.
Por questões políticas, o rei Dom João III autorizou a colonização do Brasil 30 anos após a chegada de Pedro Álvares Cabral a este lado do Atlântico. Em 1533, a Coroa decidiu repartir as terras do além-mar entre 15 capitães donatários, gente que não tinha grande fortuna ou negócios na metrópole, mas que teria condições de administrar a nova colônia. Assim nasceram as capitanias hereditárias que, durante mais de cem anos, pareciam ser (geograficamente) “uma série de linhas paralelas ao equador que iam do litoral ao meridiano de Tordesilhas”, conforme explicou o historiador Boris Fausto em História do Brasil (1996). Um estudo publicado recentemente nos Anais do Museu Paulista, no entanto, contesta a versão clássica do mapa das capitanias presente até hoje em livros didáticos, e mostra que a divisão de terras do norte do país, na verdade, seguia linhas verticais e não horizontais.
     O engenheiro Jorge Cintra, professor titular de Informações Espaciais na Escola Politécnica da USP, é o autor da pesquisa que pode mudar a maneira como se visualiza a configuração do Brasil nos primeiros 50 anos de colonização. “Eu comecei a fazer um estudo sobre os limites da região Sul e encontrei alguns erros. Decidi conferir tudo e vi que o maior quebra-cabeça estava no norte”, conta.
     Ao ter acesso a cópias de documentos originais, como a carta de doação a João de Barros (da capitania do Rio Grande), Cintra pôde perceber que se as linhas dos segmentos do norte seguissem para oeste, o rei estaria repassando pedaços de mar a alguns donatários. E, além disso, se mantivessem o ritmo, em paralelo, jamais se cruzariam, conforme sugere a seguinte declaração do rei de Portugal: “Léguas se estenderão e serão de largo ao longo da costa e entrarão na mesma largura pelo sertão e terra firme adentro tanto quanto puder entrar e for de minha conquista, que não sejam por mim providas a outro capitão".
     Temístocles Cézar, professor do Departamento de História da UFRGS, diz que o estudo de Cintra é “mais do que uma nova cartografia”, é uma “forma de entender o que já existe através de um exercício de desconstrução original, erudito e consistente, sem fechar a questão, mas colocando-a em um patamar mais sofisticado de argumentação”. Um tipo de estudo que não é muito realizado no Brasil.
     O mapa com que Cintra dialoga – usado nos livros didáticos – foi feito no século XIX pelo historiador Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), responsável em grande parte pela construção de uma visão de Brasil que prevalece até hoje. Para desenhar aquele mapa Varnhagen teria recorrido a uma cartografia de Luis Teixeira, de 1586, quando a configuração do que viria a ser o território brasileiro já era diferente. Especialista nas publicações deste grande pioneiro da historiografia brasileira, Cézar comenta que, “no caso de Varnhagen, em que pesem o número de críticas que recebe desde a publicação da História geral do Brazil  [1854-1857] e sua peculiar tendência para a polêmica, ele pouco foi contestado em relação ao material iconográfico e cartográfico de suas produções”.
     Cético em relação ao alcance que este estudo pode ter, o historiador Guilherme Pereira das Neves, da UFF, opina que talvez o redesenho leve muito tempo para ser conhecido pelo grande público. “O resultado do mapa é importantíssimo, mas acho que difícil que deem importância a isso. É um tipo de resultado que se tem na história que não representa uma nova teoria. É uma correção de rumo”. Para ele, existe “um problema específico de como o Brasil lida com sua história”. Exemplo disto seria “a pouca importância que
se dá a essa história. Há exemplos de best-sellers que romanceiam personagens e eventos [do nosso passado], mas que repetem os grandes jargões. Não existe preocupação em provocar o leitor a pensar uma coisa diferente. Portanto, a história não tem função crítica no Brasil, é uma memória identitária”.
     Para além deste problema estrutural da relação do país com seu passado, se existe uma esperança de que a releitura chegue ao grande público, ela vai demorar ao menos três anos para se materializar, já que a seleção do MEC de material didático para a rede pública de ensino (refeita neste intervalo de tempo) acabou de ser concluída. Por enquanto, não há indícios de que editoras deste tipo de livro publicarão o estudo em suas páginas.

Guerra e Paz

Programa Especial da RBS do Rio Grande do Sul sobre a Segunda Guerra Mundial: histórias de vida de quem esteve no front, de quem ficou, a expectativa de que o conflito se alastrasse para o resto do mundo, o medo e o drama de quem viveu esse período da História. No Rio Grande do Sul eram planejados abrigos antiaéreos, haviam ensaios de blackout e treinamento militar para caso o conflito se estendesse ao sul da América Latina.
Direção: Cláudia Dreyer
Ano: 2010
Áudio: Português
Duração: 70 minutos cada episódio
https://mega.co.nz/#!ORMgTKpD!m8MW-G7H3x1Bd4HzW9S9dtDW_JExSsCK0vBL5M4ANuMTamanho: 258 MB

  
Episódio 01 - O Falsário de Hitler A história do judeu Salomon “Sally” Smollanoff, artista plástico e falsificador, que foi preso num campo de concentração e obrigado a falsificar as matrizes de libra e dólar para que Hitler financiasse o seu projeto de dominação do mundo. Sally, depois de viver no Uruguai, terminou seus dias, anonimamente, na Avenida João Pessoa em Porto Alegre (RS). 
Episódio 02 – Ensaios de Guerra:  Enquanto a Europeu vivia os terrores da II Guerra Mundial, o Brasil enviava seus pracinhas para lutar ao lado das forças Aliadas e vivia um período de tensão. Como viveram 12 dos soldados que se preparam para defender as costas gaúchas dos ataques nazistas. Eles são os remanescentes de um grupo de 800 soldados que receberam treinamento em São José do Norte (RS). 
Episódio 03 – Aos Olhos de Santa Bárbara: Às nove horas da manhã de 22 de julho 1943, um estrondo marcou a história de uma cidade no alto da serra rio-grandense. Seis moças, entre 16 e 20 anos de idade, morriam vítimas de uma explosão na linha de montagem de bombas e granadas em uma tradicional indústria metalúrgica. O palco da II Guerra Mundial, a milhares de quilômetros de distância, do outro lado do mar, pairava sinistro no céu de Caxias do Sul. Naquele 22 de julho, os sinos de todas as torres da cidade tocavam tristemente. 
Episódio 04 – O Soldado Kleine:  Em 1935, Theodor foi para a Alemanha estudar. Lá conheceu Mari Agnes cuja família também tinha regressado para a Alemanha e se casaram. Em 1942, ele se naturalizou alemão e duas semanas depois o chamaram para o exército. Ele trabalhou numa instituição para a manutenção da cultura alemã no Exterior. Quando um chefe da SS encampou esta instituição Theodor foi obrigado a ir como “voluntário” para o front. O drama desse brasileiro obrigado a lutar nos exércitos alemães e a grande paixão de sua mulher tornam esse programa comovente.
Episódio 05 – Prisioneiros Durante a II Guerra cresceu a desconfiança, o medo e a perseguição para quem não falasse português. Italianos, alemães, japoneses, muitos imigrantes foram perseguidos, espancados e, segundo alguns historiadores e testemunhas, colocados em campos de concentração, aqui chamados de “campos de confinamento”.