“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

terça-feira, 29 de novembro de 2011

O terror e as suas várias acepções

Da Revolução Francesa, passando pelos carbonários, o século XX com as guerras, e o XXI, com Bin Laden: o terrorismo foi encarado de formas até antagônicas.

     Um grupo de oito soldados judeus americanos persegue oficiais nazistas na França ocupada em 1944. Entre outras coisas, arrancam os escalpos das vítimas – depois de uma sessão de tortura que inclui surra com um bastão de baseball – e gravam suásticas nas testas dos sobreviventes com a ponta da faca. O objetivo? Espalhar o pânico entre os alemães e facilitar a vitória dos aliados. Este é o enredo de “Bastardos inglórios” (2009), filme de Quentin Tarantino. A tática de amedrontar o inimigo – neste caso, os nazistas – nos soa absolutamente legítima. Afinal, se existe um partido a ser tomado nesta disputa, com certeza não é o de Hitler e dos seus comandados.

          

     Mas os pontos de vista sobre esta questão podem variar de acordo com o lugar do observador. De volta à Segunda Guerra Mundial e à ocupação da França, mas agora fora do grande écran, o uso político do medo (e a guerra é a expressão máxima de uma disputa política) pode ser percebido de outra forma, mesmo que nos pareça inesperada. Nem todos os franceses aceitaram ou toleraram a invasão alemã, e organizaram uma série de movimentos e células de defesa. Estes homens e mulheres que atuaram contra os nazistas e os colaboracionistas franceses ficaram conhecidos como partisans (partidários), e La Résistence teve entre os seus membros o célebre historiador Marc Bloch (1886-1944), torturado e morto pela Gestapo. O grupo se tornou um dos movimentos mais dignos de nota na história recente da França, atuando inicialmente no anonimato, em ações de guerrilha e de propaganda. A Resistência teve um papel importante para a derrocada nazista, além de ter servido como um fator de união entre grupos antagônicos da sociedade civil francesa. Como seus membros eram chamados pelos homens de Hitler? Terroristas.
 
Robespierre (1)
     É possível notar, portanto, que o terrorismo – o uso sistemático do medo como atuação política – é um tema bastante complexo, e que a reflexão sobre ele deveria considerar duas direções: 1) o papel que o medo pode ter desempenhado na organização da sociedade ocidental (bem como na teorização sobre o surgimento do seu status político) e 2) a importância da atribuição de valor aos agentes que se utilizam deste sentimento na arena política.
     No século XVIII, em uma época de profundas transformações políticas e sociais, o medo foi utilizado deliberadamente como meio para manter uma ordem política e social. Levando às últimas consequências a autoridade dos líderes da Revolução Francesa, a Convenção declarou, no dia 5 de setembro de 1793, o “Terror”. A nova ordem instaurada pelos revolucionários no poder permitia o encarceramento dos suspeitos de oposição ao regime, medida inicial que acabou se convertendo na morte de cerca de 40 mil pessoas. Os “terroristas”, como ficaram conhecidos estes líderes entre 1793 e 1794, tentavam assegurar as conquistas da Revolução contra anseios dos reacionários, que queriam o retorno ao Antigo Regime. Homens como o líder Maximilien de Robespierre, “o incorruptível”, uma vez instalados no poder, trataram as disputas políticas em termos de uma luta entre o “bem” (eles) e o “mal” (os outros). Ao fim do período do Terror, Robespierre também foi parar na guilhotina.
     Tragédia do ponto de vista da humanidade, o Terror foi fundamental para a formação da máquina militar francesa que teria grandes triunfos nos anos seguintes, inclusive no período da expansão bonapartista. Expansão que, além da guerra, também levou a outras paragens instituições revolucionárias, como o governo constitucional. A partir do século XIX, estas instituições herdeiras de 1789 se configuraram nos governos liberais que se espalharam pelo ocidente, garantindo certas liberdades e, principalmente, colocando grilhões na violência do Estado. A possibilidade de eliminação do indivíduo por conta de injunções políticas não desapareceu, mas estava regulada. Até que grupos políticos organizados fora do âmbito do Estado começaram a se utilizar sistematicamente da violência como estratégia para mudanças institucionais.
     Nas primeiras décadas do século XIX, vários grupos revolucionários se reuniram clandestinamente na Europa. Resgatando a experiência revolucionária francesa, associando-a a princípios políticos de esquerda consolidados logo depois, como a defesa dos extratos sociais inferiores, os “carbonários” tinham como elemento de união o ódio aos ricos. Inspirados na maçonaria, estes grupos reuniam indivíduos interessados em instaurar regimes populares, mas não acreditavam que o próprio “povo” estivesse apto a lutar politicamente por esta nova ordem. Outras organizações, chamadas pelo historiador britânico Eric Hobsbawm de “terroristas”, como os Whiteboys (“Rapazes brancos”) e os Ribbonmen (“Homens das fitas”), estiveram ativos na Irlanda entre os séculos XVIII e XIX, atuando violentamente contra os grandes proprietários.


Bakunin (2)
Ao longo do século XIX, estes grupos organizados fora das estruturas formais do Estado – e às vezes francamente contrários aos seus dirigentes – e que tentavam impor uma revolução social, um objetivo justo sob muitos pontos de vista, instrumentalizaram o medo como forma de ação política. Na década de 1880, os anarquistas formularam uma estratégia chamada “Propaganda pelo Ato”. Proposta pelo russo Mikhail Bakunin e pelo teuto-americano Johann Most, consistia no uso da violência dirigida a alvos políticos estruturais.  A longo prazo, o objetivo seria angariar o apoio das massas para a derrubada do sistema capitalista burguês. Ultrapassando as palavras, os atos violentos seriam um meio mais eficiente de impor uma nova realidade político-social. Outros grupos passaram a se utilizar da estratégia ao longo do século XX – como os próprios carbonários, envolvidos no assassinato do rei D. Carlos I de Portugal e do seu filho e herdeiro, o príncipe D. Luís Filipe, em 1908.
     Os atos de “terror”, ações violentas “cirúrgicas” com propósitos políticos – em geral, mas não sempre, contra o status quo –, passaram a integrar definitivamente o arsenal das mais diversas correntes ideológicas. Em 1914, o sérvio Gravilo Princip, membro da organização nacionalista terrorista Unificação ou Morte (também conhecida como Mão Negra), assassinou o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono da Áustria. Era o estopim para a Primeira Guerra Mundial, que inaugurava um século de conflitos e de extremismos políticos. Ao longo deste tempo, os terroristas assumiram as mais variadas colorações, aumentaram a escala da sua ação e foram vistos de forma negativa ou positiva dependendo do contexto no qual atuaram e, principalmente, de quem os qualificava. Assim, os guerrilheiros islâmicos em atuação no Afeganistão foram chamados de “insurgentes” pelos norte-americanos quando lutavam contra a dominação soviética durante a Guerra Fria, mas seus remanescentes se tornaram “terroristas” quando a União Soviética desapareceu e o seu alvo atravessou o Atlântico.
     Agindo de forma isolada, como o norte-americano Theodore Kaczynski, mais conhecido como Unabomber, que realizou atentados a bomba nos Estados Unidos entre 1978 e 1995 em protesto contra a sociedade industrial e tecnológica, ou em organizações estruturadas, como o ETA, grupo basco de orientação nacionalista e separatista que atua na Espanha, os “terroristas” conquistaram definitivamente a atenção dos meios de comunicação. Se os seus fins mais explícitos não têm sido alcançados (a sociedade capitalista industrial não parece estar em vias de recuar, apesar das seguidas crises; países latino-americanos não parecem dispostos a adotar sistemas comunistas de orientação leninista, malgrado o constante ribombar dos artefatos das facções armadas; o estado de Israel na Palestina não dá sinais de que vai desaparecer, não obstante o sangue continue a correr nas ruas de Tel-Aviv), o meio de luta tem sido um sucesso.

Osama bin Laden (3)
Em maio deste ano, após a morte do terrorista árabe Osama bin Laden, o presidente norte-americano Barack Obama afirmou que a operação foi mais um passo na luta para tornar o mundo um lugar mais seguro – uma etapa do que foi chamado de Guerra ao Terror após os atentados sofridos pelos Estados Unidos em setembro de 2001. Dias depois, em Moscou, o presidente russo Dmitry Medvedev declarou que “a eliminação dos terroristas – até mesmo pessoas em pé de igualdade com Bin Laden – tem efeito direto na segurança dentro da Rússia”. A impressão que se teve a partir de comentários deste tipo, repercutidos pela imprensa de todo o mundo, é de que o nível de insegurança (ou medo) global diminuiu. A julgar pelo histórico da questão, esta não parece uma impressão muito acertada.




(1) Robespierre, em retrato da escola francesa do século XVIII / Fonte: wikimedia-cc
(2) O anarquista Mikhail Aleksandrovitch Bakunin / Imagem: Wikimedia-cc
(3) Osama bin Laden, que foi morto recentemente / Imagem: Wikimedia-cc 

Rodrigo Elias é pesquisador da Revista de História da Biblioteca Nacional


Inspeção Geral
Desde o final do século XIX nos Estados Unidos, a suposta maior democracia da Terra, priva em nome da "segurança nacional" os cidadãos dos seus direitos, que deveriam ser respeitados. Os atentados de 11 de setembro fizeram medidas extremas e ilegais virem à tona novamente. O professor James Perley (Austin Pendleton) pergunta aos seus alunos se teoricamente os Estados Unidos pudessem acabar com o terrorismo no mundo para sempre se eles estariam dispostos a renunciar por apenas um dia seus direitos constitucionais. Os alunos dizem que sim, então James aumenta o prazo para uma semana, depois um mês, um ano, uma década e finalmente por toda a vida. Quanto mais o prazo aumenta, maior é o número de alunos que acha o "preço" bem caro. Para ilustrar melhor isto são mostradas duas situações quase idênticas. Na primeira delas uma americana, Linda Sykes (Maggie Gyllenhaal), é detida na China e interrogada por Liu Tsung-Yuan (Ken Leung). Nenhuma acusação formal é feita contra ela, mas não a deixam chamar um advogado ou entrar em contato com sua embaixada. Paralelamente em Nova York, um árabe, Sharif Bin Said (Bruno Lastra), é detido e interrogado por Karen Moore (Glenn Close), uma agente do FBI que o priva de todos os direitos civis.
Direção: Sidney Lumet
Ano: 2004
Duração: 56 min
Áudio: Inglês/Legendado     

domingo, 27 de novembro de 2011

Comissão da Verdade

O torturador de Dilma vai depor?
Luiz Cláudio Cunha

A verdade se corrompe tanto com a mentira como com o silêncio.
(Marco Túlio Cícero, 106-43 A.C, citado por Dilma Rousseff)

     Um quarto de século após o fim da ditadura, em 1985, o Brasil ganha afinal a sua Comissão da Verdade. Na histórica manhã desta sexta-feira, 18 de novembro de 2011, Dilma Rousseff, a ex-guerrilheira que sobreviveu a três semanas de tortura no período mais duro do regime militar, sancionou no Palácio do Planalto a lei que cria a comissão encarregada de investigar violações aos direitos humanos cometidos pelo regime dos generais. A primeira mulher presidente do Brasil fez o que seus cinco antecessores homens do período democrático não tiveram força ou coragem para fazer: dotar o país do mecanismo legal capaz de resgatar a verdade e a memória soterradas pela treva do arbítrio.
     Ausências e presenças na solenidade do palácio mostraram o que a presidente da República teve que enfrentar até assinar as duas leis que quebram o sigilo de documentos oficiais e que instauram a comissão.
     Uma figura carimbada em todas as cerimônias palacianas brilhou pela ausência: o presidente do Congresso Nacional, senador José Sarney (PMDB-MA), não estava lá, amargando a derrota de sua manobra para preservar um absurdo sigilo eterno sobre os papéis públicos. Uma derrota compartilhada com seu aliado de segredos inconfessáveis, o senador Fernando Collor (PTB-AL), outro ilustre derrotado do dia.
     Quatro figuras estreladas, em contrapartida, estavam lá, discretamente alinhadas na segunda fila de autoridades: os comandantes militares do Exército, Marinha, Aeronáutica e Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas. Aplaudiram pouco, sem entusiasmo, mas pelo menos estavam presentes, privilégio que não teve o antecessor de Dilma. Quando o Planalto lançou, em agosto de 2007, o livro Direito à Memória e à Verdade, um corajoso trabalho de 11 anos da Secretaria de Direitos Humanos, iniciado ainda no Governo FHC, nenhum chefe militar compareceu à cerimônia presidida pelo comandante-em-chefe das Forças Armadas, o presidente Lula. Era a acintosa censura da caserna ao documento oficial que reconhecia pela primeira vez a violência do regime militar, listando os nomes de 339 mortos e desaparecidos pela repressão política.

A voz da comandante
     Os comandantes que se ausentaram do Planalto em 2007 — o general Enzo Peri, o brigadeiro Juniti Saito e o almirante Júlio Soares de Moura Neto — eram os mesmos chefes militares que estavam presentes em palácio nesta sexta-feira. A única diferença, de lá para cá, foi a troca de guarda na presidência da República: saiu Lula, entrou Dilma, e os ministros que ainda sobrevivem no governo sabem fazer a distinção.
     Um ano atrás, no ocaso do governo anterior, o mesmo trio bombardeava a ideia da Comissão da Verdade e ousava confrontar o projeto do presidente Lula, num documento enviado ao ex-ministro da Defesa Nelson Jobim, argumentando: “Passaram-se quase 30 anos do chamado governo militar…”.
     Agora, os chefes militares tiveram que ouvir, disciplinados, o eloquente e emocionado discurso da presidente Dilma, que ensinou: “São momentos difíceis, acontecimentos que foram contados sob um regime de censura, arbítrio e repressão, quando a própria liberdade de pensamento era proibida. É fundamental que a população, sobretudo os jovens e as gerações futuras, conheçam o nosso passado, principalmente o passado recente, quando muitas pessoas foram presas, foram torturadas e foram mortas. A verdade sobre nosso passado é fundamental para que aqueles fatos que mancharam nossa história nunca voltem a acontecer”.
     O general Peri, o brigadeiro Saito e o almirante Moura Neto agora com certeza sabem o que seria um ‘chamado governo militar’, pela voz autorizada da comandante-suprema das Forças Armadas, que resume tudo aquilo pela palavra simples e consagrada que define este tipo de regime: ditadura. Até ouvir essa lição de moral, os militares e a plateia no Planalto tiveram que esperar quase uma hora além do previsto. A razão do atraso foi explicada pelo jornalista Lauro Jardim, o editor bem informado da coluna ‘Radar’, da revista Veja: o pau quebrou no gabinete de Dilma, quando o cerimonial avisou que um dos discursos estava reservado ao familiar de um preso torturado. Os ministros José Eduardo Cardoso (Justiça) e Maria do Rosário (Direitos Humanos) defendiam, o ministro Celso Amorim (Defesa) rejeitava com firmeza a proposta. Após um tenso debate, ficou garantida a palavra a Cardoso e, em troca do familiar, falou o presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, Marco Antônio Rodrigues Barbosa.
     A emenda ficou pior do que o soneto. Sem se intimidar com a cara fechada dos militares, Barbosa atacou no seu discurso a Lei da Anistia e sua “esdrúxula figura do crime conexo de sangue”, a esperteza jurídica que nivelou torturadores aos torturados, consagrando a impunidade. O ato solene do Planalto ecoou imediatamente em Nova York, onde a criação da Comissão da Verdade foi saudada como “um grande passo” pela Alta Comissária dos Direitos Humanos da ONU, a sul-africana Navi Pillay, que emendou: “A norma deveria incluir a promulgação de uma nova legislação para revogar a Lei da Anistia de 1979 ou para declará-la inaplicável, facilitando o julgamento dos supostos responsáveis por violações dos direitos humanos. Ao impedir a investigação, ela leva à impunidade, em desrespeito à legislação internacional”.

Até Uganda
     Pillay sabe do que fala: ela foi a primeira mulher não branca nomeada para a Suprema Corte da África do Sul, antes de ser indicada para a Corte Criminal Internacional, o tribunal com sede em Haia dedicado a crimes contra a humanidade e integrado por 117 países — entre eles o Brasil. Mês que vem, dezembro, esgota-se o prazo para o Brasil se defender da condenação sofrida um ano atrás na Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) por não ter investigado os crimes de detenção arbitrária, tortura, execução e desaparecimento de 62 militantes do PCdoB, combatidos pelo Exército na guerrilha do Araguaia, entre 1972 e 1975. Lá não serviu o pretexto brasileiro de que os crimes estavam protegidos pela anistia. A OEA e as cortes internacionais os consideram crimes comuns e imprescritíveis, que estão acima da ‘autoanistia’ que os militares se concederam no Governo Figueiredo, o último dos cinco generais que se revezaram no poder entre 1964 e 1985.
     A simples assinatura da lei que acaba com o sigilo de documentos e cria a Comissão da Verdade parece ter sido a parte mais fácil para Dilma, apesar da longa, arrastada costura política que colocou o Brasil numa situação vexatória no Cone Sul. Das grandes ditaduras da região, o país é o último a se mover para investigar os crimes do seu passado recente, tarefa já cumprida de forma exemplar na Argentina, Chile e Uruguai. Ali, militares e torturadores estão sendo investigados e julgados e já cumprem longas penas. O general argentino Jorge Rafael Videla, que iniciou a ditadura mais sangrenta do extremo sul do continente em 1976, hoje cumpre duas penas de prisão perpétua em Buenos Aires pelo envolvimento direto em dezenas de mortes e desaparecimentos. Trinta e quatro países no mundo já criaram suas Comissões da Verdade, muito antes do Brasil. “Este é o nosso momento, esta é a nossa hora”, justificou a presidente Dilma Rousseff.
     Por falta de empenho, o Brasil perdeu a vez para países que repassaram abusos há muito tempo, com comissões que pertencem agora ao passado: Argentina (comissão encerrada em 1984), Chile (1991), El Salvador (1993), Haiti (1996), África do Sul (2002), Peru e Uruguai (2003), entre outros. A primeira Comissão da Verdade nasceu na Uganda do folclórico ditador Idi Amin Dada no distante 1974, ano em que o Brasil via a troca de guarda entre os generais Garrastazú Médici e Ernesto Geisel, os dois governos mais sangrentos da ditadura que parecia então interminável.
     Os trabalhos da missão brasileira só devem começar em maio de 2012, quando Dilma deverá escolher e anunciar os sete membros da comissão, que terão dois anos e 14 funcionários para ajudá-los numa tarefa gigantesca: investigar os abusos aos direitos humanos cometidos em 8,5 milhões de km² ao longo de 42 anos, o espaço de tempo entre as duas últimas Constituições democráticas do país: as de 1946 e 1988. Esta foi uma cínica exigência dos chefes militares, para camuflar o verdadeiro foco da Comissão da Verdade — os 21 anos da ditadura do ‘chamado governo militar’ de 1964 a 1985. Com a concessão, o país faz de conta que investigará também os governos civis dos presidentes Dutra, JK, Jânio, João Goulart e Sarney. O ‘jeitinho’ brasileiro funciona aqui dentro, mas não convence lá fora. A revista britânica The Economist desta semana analisa o atraso brasileiro no trato dos crimes da ditadura de 1964.


Duplo equívoco
     Apesar de ter nos últimos 17 anos de presidência três vítimas do regime militar — FHC exilado, Lula preso e Dilma torturada —, o Brasil só verá sua Comissão da Verdade em ação a partir de maio próximo, 27 anos após a saída do general Figueiredo pela porta dos fundos do Palácio do Planalto. A Argentina enfrentou o problema já em 1983, ano da queda de Reynaldo Bignone, o último general, condenado em março passado à prisão perpétua por crimes contra a humanidade. A Suprema Corte do Chile decidiu em 2004 que a anistia não cobria os desaparecimentos do regime Pinochet. O Parlamento do Uruguai derrubou em outubro passado a autoanistia — justamente o contrário do Brasil, que viu o Supremo Tribunal Federal confirmar, por 7 votos a 2, a autoanistia concedida pelo general Figueiredo em 1979 e aprovada num Congresso dominado pela legenda da ditadura (221 cadeiras da ARENA contra 186 do MDB), que garantiu a chicana jurídica do “crime conexo” para salvar o pescoço dos torturadores.
     O relator do STF, ministro Eros Grau (um ex-preso político torturado no DOI-CODI de São Paulo, o mesmo onde padeceu Dilma), e o relator da Comissão da Verdade no Senado, o senador do PSDB paulista Aloysio Nunes Ferreira (um ex-militante da ALN, organização guerrilheira comandada por seu amigo Carlos Marighella), cometeram o mesmo e indefensável equívoco, alegando que a Lei da Anistia era intocável por ser fruto de “entendimento nacional”. Não foi nada disso.
     Apesar da larga maioria governista na Câmara dos Deputados, em 1979, a ditadura penou para aprovar a lei sob encomenda dos quartéis por apenas cinco votos de diferença — 206 a 201. Um especialista em Nova York do International Center for Transitional Justice, Eduardo González, diz que a demora brasileira em relação aos vizinhos aconteceu porque “a transição brasileira para a democracia foi lenta e controlada”. O ativista gaúcho Jair Krischke, fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, resume a questão numa frase mais precisa e cortante: “Não houve justiça de transição no Brasil. Aqui, houve justiça de transação”.
     The Economist diz que a repressão no Brasil continua até hoje, “embora a violência seja policial e não mais do Exército”. Só no Rio de Janeiro, a cada ano, a polícia mata cerca de mil civis, “a maioria deles pobres e negros”, lembra a revista, denunciando que a “truculência da polícia raramente é punida e é frequentemente aplaudida”, como aconteceu na ocupação da favela da Rocinha e nas sessões lotadas do filme Tropa de Elite.


A solidez da broa
     Tirar a comissão do papel, na verdade, será bem mais difícil do que o festivo ato de sua criação. A começar pela complexa escolha de seus sete integrantes, de competência exclusiva da presidente Dilma, “entre brasileiros de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados com a defesa da democracia e institucionalidade constitucional, bem como com o respeito aos direitos humanos”. O grupo terá um perfil de imparcialidade, sem cargos em partidos ou cargos de comissão em qualquer dos três poderes. Isso, na prática, significa que militares e agentes da repressão, bem como familiares de desaparecidos ou ex-presos políticos e torturados não têm espaço na comissão. É o que acha o ex-preso da guerrilha do Araguaia e torturado José Genoíno, hoje assessor especial do Ministério da Defesa, que definiu: “Colocar ex-preso político na comissão não dá certo. Preso de um lado e militar de outro, pela ideia do equilíbrio, criaria um impasse na comissão. Seria um jogo de soma, que vai ser igual a zero”.
     Uma obsessão permanente, de um lado e outro, foi o combate ao princípio da revanche. “O Brasil se encontra consigo mesmo, sem revanchismo, mas sem a cumplicidade do silêncio”, pontuou a presidente Dilma no seu discurso. Muito tempo foi gasto para negociar uma única palavra no parágrafo 3º do inciso VIII do Art. 4º: “É dever dos servidores públicos e dos militares colaborar com a Comissão Nacional da Verdade”.
     Os militares não queriam estar ali, no que lhes parece ser o banco dos réus, submetidos ao escrutínio tardio de seus abusos. Queriam substituir o mandatório “é dever” pelo condicional “poderão”, com um sentido mais ameno de convite, a ser aceito ou não. Perderam a batalha. Mas ganharam a guerra decisiva do parágrafo seguinte, o 4º, que decreta: “As atividades da Comissão Nacional da Verdade não terão caráter jurisdicional ou persecutório”.
     Ou seja, o que for dito ou revelado numa audiência salgada da comissão terá o mesmo destino de uma plácida broa de milho no pacato chá das cinco dos imortais na Academia Brasileira de Letras: virar farelo, pura migalha. Nenhum efeito legal ou jurídico irá decorrer mesmo no caso de uma improvável confissão de culpa em atos de tortura ou crimes de desaparecimento. Para não deixar margem a qualquer risco, o inciso V do artigo anterior, o 3º, estabelece que todas as apurações sejam feitas no âmbito da Lei de Anistia de 1979 — aquela mesma que, segundo a ditadura e o Supremo Tribunal Federal, perdoou para sempre torturadores que nunca foram condenados, sequer julgados. Será um jogo de soma zero, como prefere Genoíno, ou uma inaceitável limitação, como define o senador Pedro Taques (PDT-MT): “Não há justiça enquanto algumas pessoas não forem responsabilizadas”.


     Assista reportagem especial do Jornal SBT Brasil. Na semana que fez aniversário o golpe militar que depôs João Goulart (Jango) e instaurou no país a ditadura militar que perdurou por 21 anos, o SBT realizou uma série de reportagens que lançam luz no debate sobre a impunidade dos torturadores.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

O poder das letras - Medo de alfabetização

Em 14 de Novembro se comemora o Dia Nacional da Alfabetização. Neste artigo, Sandra Graham conta como e por que os senhores de escravos temiam que cativos se alfabetizassem. Mas não foi só aqui que isto aconteceu.
     Será que um fazendeiro com muitos escravos, no começo do século XIX, deveria permitir que seus escravos aprendessem a ler e a escrever? Nos Estados Unidos, os cativos eram impedidos de estudar nas escolas. Mas nem sempre foi assim: nos tempos coloniais, os fazendeiros do sul dos EUA, seguindo suas convicções protestantes, achavam que todos os homens e mulheres deveriam encontrar Deus lendo a Bíblia. Para isso, eles costumavam matricular seus escravos em escolas missionárias ou oferecer algum tipo de instrução particular para que pudessem aprender a ler.
     As coisas começaram a mudar em 1880, quando, perto de Richmond (Virginia), um grupo de escravos planejou matar seus donos e fugir: a tentativa de rebelião fracassou e o líder, Gabriel, foi enforcado. A vontade de educar se transformou em medo. Muitos acreditavam que os escravos alfabetizados poderiam ser influenciados por textos incendiários e forjar seus próprios salvo-condutos, que os autorizavam a transitar sozinhos, tornando-se perigosos fugitivos. No mesmo ano, um juiz da Virginia declarou: “Todo ano aumenta o número daqueles que podem ler e escrever, e o aumento do conhecimento (...) é a coisa que mais precisamos temer”. Com pavor das insurreições, os fazendeiros resolveram banir as assembleias que pudessem permitir que os escravos se reunissem e conspirassem, e até mesmo reuniões destinadas a algum tipo de “instrução mental”, como as escolas.
     Para acalmar suas apreensões e conter seus escravos, os americanos resolveram impor posturas que cerceavam a possibilidade de alfabetização dos escravos, transferindo a responsabilidade e a culpa para aqueles que ensinassem: mestres, negros libertos e colegas escravos. Os donos de escravos na Carolina do Sul toleravam os escravos que sabiam ler, mas desde 1740 vinham prometendo impingir uma pesada multa a qualquer um que ensinasse um escravo a ler ou o empregasse “como escriturário em algum tipo de atividade escrita”.
     Os brancos intensificaram as restrições depois da sangrenta rebelião de Nat Turner, que em 1831, na Virginia, acabou com cinquenta e seis brancos assassinados e um número igual de escravos executados – incluindo o próprio Turner –, além de muitos espancados ou mortos pelos guardas. Qualquer pessoa branca que ensinasse ou até mesmo ajudasse um escravo a ler ou a escrever poderia ser multada em cem dólares ou ficar presa por até seis meses. Um negro liberto que fizesse o mesmo poderia receber até cinquenta chibatadas e ser multado em até cinquenta dólares, ao passo que um escravo receberia até cinquenta chibatadas. Mesmo antes dessa revolta, a legislação da Geórgia de 1829 proibia qualquer um de ensinar um “escravo, negro, ou pessoa livre de cor, a ler ou escrever palavras, sejam escritas ou impressas...” Outros estados americanos acabaram copiando o exemplo. Sumiu a permissão a ensinar os escravos a ler a Bíblia. O medo superou o amor cristão.
     Essas leis apenas refletiam o medo branco, porque, na prática, eram quase inaplicáveis. Quem poderia monitorar o que os donos de escravos faziam em suas próprias plantações ou casas, nos centros urbanos ou nos locais de trabalho? A legislação da Virginia reconheceu o dilema: não se podia impedir que os donos de escravos ensinassem seus próprios escravos a ler e a escrever. Na melhor das hipóteses, podia-se evitar que um forasteiro o fizesse.
     O médico C. G. Parsons, que passou por plantações sulistas na década de 1850, reparou que os donos de escravos da Geórgia alfabetizavam seus cativos “apesar da proibição da lei, pois isso servia melhor aos seus interesses e conveniências”. Ainda segundo Parsons, “quando esses proprietários tinham necessidade de que seus serviçais fossem ao mercado para realizar transações comerciais e levar cartas e recados de família a família, eles lhes ensinavam a ler nomes, a escrever instruções simples e a contar pequenas somas”. Ironicamente, os donos de escravos caíram em sua própria armadilha. As leis que deveriam protegê-los, caso fossem cumpridas, acabariam impedindo que eles usassem seus escravos como desejavam.
     Também é verdade que alguns escravos pagaram caro por saberem ler e escrever. Um certo Solomon Northup sofreu “cem chibatadas” por ter roubado uma folha de papel e fabricado a tinta de que precisava para escrever aos seus amigos do norte, pedindo ajuda para que pudesse fugir e alcançar a tão almejada liberdade.
     Ao contrário dos seus colegas protestantes do sul dos Estados Unidos, os donos de escravos brasileiros, como católicos, não achavam que fosse seu dever ensinar os cativos a ler a Bíblia. Nem falavam abertamente sobre o que poderia acontecer caso seus serviçais se alfabetizassem, embora certamente temessem uma insurreição. De qualquer maneira, o acesso às escolas públicas lhes foi restringido. Uma reforma da educação pública, feita em 1854 na capital imperial, juntou no mesmo balaio as crianças com doenças contagiosas, aquelas que não tinham sido vacinadas e os filhos de escravos, e decretou que ninguém que pertencesse a esses grupos poderia frequentar a escola primária. A Bahia seguiu o exemplo do Rio de Janeiro com uma regulamentação provincial, em 1862 – repetida em 1873 –, que proibia os escravos de estudar nas escolas públicas. Em 1881, autoridades baianas exigiram dos alunos matriculados que confirmassem ter entre cinco e 15 anos, que não tinham doenças contagiosas e que não eram escravos.
     As autoridades achavam que educar os cativos era desnecessário. Suas motivações eram, em parte, econômicas, já que ninguém queria “desperdiçar” verbas públicas. Assim como os sulistas americanos, os brasileiros temiam que as escolas acabassem se tornando zonas perigosas, lugares onde os escravos ou os filhos dos escravos poderiam se reunir para alimentar e divulgar ideias sediciosas. Tanto na América do Sul como na do Norte, os donos de escravos se tornaram vítimas dos seus próprios medos.

Sandra Lauderdale Graham é autora de Caetana diz não: História das mulheres da sociedade escravista brasileira (Companhia das Letras, 2003) e “Writing from the Margins: Brazilian Slaves and Written Culture”, in Comparative Studies in Society and History, vol. 49, nº 3 (2007).

Saiba Mais - Bibliografia
ALGRANTI, Leila Mezan, MEGIANI, Ana Paula (orgs). O Império por escrito: Formas de transmissão da cultura letrada no mundo ibérico, séculos XVI-XIX. São Paulo: Alameda, 2009.
HAIDAR, Maria de Lourdes Mariotto. O ensino secundário no império brasileiro. São Paulo: Universidade de São Paulo/Editorial Grijalbo, 1972.
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Cultura no Brasil colonial. Petrópolis: Vozes, 1981.
Filme:
Mississipi em Chamas
Mississipi, 1964. Rupert Anderson (Gene Hackman) e Alan Ward (Willem Dafoe), dois agentes do FBI, investigam a morte de três militantes dos direitos civis em uma pequena cidade onde a segregação divide a população em brancos e pretos e a violência contra os negros é uma tônica constante.
Um dos jovens desaparecidos é negro e os outros dois jovens são brancos ativistas contra a discriminação legitimada na região pela sociedade e pelo descaso das autoridades. Na cidade em questão, encontra-se um grupo que faz parte da Ku Klux Kan, organizações racistas que apoiam a supremacia branca e o protestantismo em detrimento a outras religiões. Ainda que nem todos os moradores compartilhem desse sentimento a favor da segregação racial, há um silêncio em relação ao assunto, e a Ku Klux Kan goza de uma impunidade providenciada pelas vistas grossas dos policiais locais. Alguns policiais, inclusive, participam dos atos violentos que o grupo promove contra a população negra local. Os negros vivem em condição de miséria e não podem frequentar os mesmos lugares que os brancos, a não ser em um espaço definido para eles. Os ataques constam de incêndios, espancamentos e mortes, sem que ninguém seja responsabilizado. O desenrolar da história mostra uma certa mudança de situação para os negros, principalmente quando alguns criminosos racistas são presos e condenados a longos anos atrás das grades. Porém, muito sangue foi derramado antes que algum benefício fosse atingido pela população discriminada.
Direção: Alan Parker
Ano: 1988
Áudio: Português
Duração: 127 min.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O dia em que a USP reviveu a ditadura

PM detém 73 estudantes e os confina em ônibus por horas. Repressão teria sido articulada diretamente por reitor e governador e radicaliza estratégia de criminalizar protestos
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A exemplo de seu antecessor, o governador Alckmin parece interessado em liderar os que buscam, na crise, a opção do autoritarismo
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Ao contrário do que dizem os jornais, os estudantes da USP não lutam pelo “direito de fumar maconha” – e, sim, contra um reitor incapaz de diálogo e decisões compartilhadas. 
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domingo, 6 de novembro de 2011

REFLETIR:Chomsky e as 10 Estratégias de Manipulação Midiática



 Noam Chomsky. Filósofo, ativista, autor e analista político estadunidense. É professor emérito de Linguística no MIT e uma das figuras mais destacadas desta ciência no século XX. Reconhecido na comunidade científica e acadêmica por seus importantes trabalhos em teoria linguística e ciência cognitiva.

Noam Chomsky elaborou a lista das “10 Estratégias de Manipulação” através da mídia. Em seu livro “Armas Silenciosas para Guerras Tranquilas”, ele faz referência a esse escrito em seu decálogo das “Estratégias de Manipulação”:
1- A ESTRATÉGIA DA DISTRAÇÃO.

O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir ao público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais (citação do texto 'Armas silenciosas para guerras tranquilas')”.

2- CRIAR PROBLEMAS, DEPOIS OFERECER SOLUÇÕES.

Este método também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que este seja o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja o mandante de leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.

3- A ESTRATÉGIA DA GRADAÇÃO.

Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradativamente, a conta-gotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não asseguram ingressos decentes, tantas mudanças que haveriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

4- A ESTRATÉGIA DO DEFERIDO.

Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é empregado imediatamente. Em seguida, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se com a ideia de mudança e de aceitá-la com resignação quando chegue o momento.

5- DIRIGIR-SE AO PÚBLICO COMO CRIANÇAS DE BAIXA IDADE.

A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse um menino de baixa idade ou um deficiente mental. Quanto mais se intente buscar enganar ao espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por quê? “Se você se dirige a uma pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então, em razão da sugestão, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver “Armas silenciosas para guerras tranquilas”)”.

6- UTILIZAR O ASPECTO EMOCIONAL MUITO MAIS DO QUE A REFLEXÃO.

Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e por fim ao sentido critico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar ideias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos…

7- MANTER O PÚBLICO NA IGNORÂNCIA E NA MEDIOCRIDADE.

Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores às classes sociais superiores seja e permaneça impossível para o alcance das classes inferiores (ver ‘Armas silenciosas para guerras tranquilas’)”.

8- ESTIMULAR O PÚBLICO A SER COMPLACENTE NA MEDIOCRIDADE.

Promover ao público a achar que é moda o fato de ser: estúpido, vulgar e inculto…

9- REFORÇAR A REVOLTA PELA AUTOCULPABILIDADE.

Fazer crer ao indivíduo que somente ele é culpado por sua própria desgraça devido à insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, em vez de se rebelar contra o sistema econômico, o indivíduo se menospreza e se culpa, o que gera um estado depressivo, cujo um dos efeitos é a inibição da ação do indivíduo. E sem ação não há revolução!

10- CONHECER MELHOR OS INDIVÍDUOS DO QUE ELES MESMOS SE CONHECEM.

No transcorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado crescente brecha entre os conhecimentos do público e aquelas possuídas e utilizadas pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos a si mesmos.
FONTE: http://www.institutojoaogoulart.org.br/

sábado, 5 de novembro de 2011

Brasil Uma História Inconveniente

Portugal foi responsável pela maior emigração forçada da história da humanidade. De Angola chegou ao Brasil um número 10 vezes superior de escravos comparado à América do Norte. 
Documentário, sobre o passado colonial do Brasil, foi realizado em 2000 por Phil Grabsky, para a BBC/History Channel. Ganhou um Gold Remi Award no Houston International Film Festival em 2001Enquanto todo o mundo conhece a história da escravidão nos EUA, poucas pessoas percebem que o Brasil foi, na verdade, o maior participante do comércio de escravos. Quarenta por cento de todos os escravos que sobreviviam à travessia do Atlântico eram destinados ao Brasil, quando apenas 4% iam para os EUA. Chegou uma época em que a metade da população brasileira era de escravos. O Brasil foi o último país (na América) a abolir a escravidão, em 1888. Com depoimentos dos historiadores: João José Reis, Cya Teixeira, Marilene Rosa da Silva; do antropologista Peter Fry e outras pessoas que contam os efeitos de séculos de escravidão no Brasil de hoje. Este é um importante documentário sobre a história dos negros, história africana e estudo latino americano.
Direção: Phil Grabsky
Ano: 2000
Áudio: Inglês/Legendado
Duração: 46 minutos

REVISÃO: HISTÓRIA DO BRASIL

Série narrada pelo historiador Bóris Fausto (USP) e que, por meio de documentos e imagens de arquivo, traça um panorama político, social e econômico do País, desde os tempos coloniais até os dias atuais. A série é composta, ainda, de entrevistas com algumas personalidades que ajudaram a escrever essa história

Clique no episódio para assistir on-line
               Episódio 03: República Velha             
            Episódio 05: Período Democrático      

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Democracia apurada

Ao contrário do sistema eleitoral do Brasil, o dos EUA desencoraja o multipartidarismo.
As diferenças entre o sistema político do Brasil e dos Estados Unidos.

     Desde que a urna eletrônica começou a ser usada nas eleições brasileiras, em 1996, passamos a conhecer nossos prefeitos, governadores e presidentes eleitos em prazos de até 24 horas. Os norte-americanos, por sua vez, utilizam um sistema que raramente permite que seus representantes sejam revelados em menos de uma semana depois de um pleito. Se os fundadores da República dos Estados Unidos influenciaram decisivamente a primeira Constituição republicana do Brasil (1889), o mesmo não se aplica ao processo eleitoral.
     Brasil e Estados Unidos adotam o bicameralismo – a divisão das atividades legislativas em duas casas, Câmara dos Deputados e Senado –, o federalismo e o presidencialismo. Mas os dois países utilizam sistemas muito diferentes para a escolha dos representantes do Legislativo e dos chefes do Executivo. O presidente brasileiro, por exemplo, é eleito por voto direto, ao passo que nos EUA ele é escolhido indiretamente.
     A Constituição brasileira de 1988 instituiu a regra de dois turnos para a escolha do presidente, dos governadores e dos prefeitos em cidades com mais de 200 mil eleitores. Se um dos aspirantes a determinada vaga não consegue mais de 50% dos votos no primeiro turno, é realizada uma nova eleição, disputada pelos dois candidatos que obtiveram a maior votação. Este procedimento garante que os chefes do Executivo tenham o apoio de mais da metade dos eleitores que comparecem às urnas e votaram em um dos nomes – os votos nulos e brancos não são considerados. As eleições dos senadores e dos prefeitos nas cidades com menos de 200 mil eleitores seguem a regra da maioria simples: os mais votados – ou os dois mais bem-sucedidos em eleições que visam renovar dois terços do Senado – são eleitos.

Democracias diferentes
     Quem acompanha as eleições presidenciais dos Estados Unidos tem a impressão de que o sistema eleitoral de lá é semelhante ao adotado no Brasil: candidatos correndo o país em busca de votos, pesquisas mostrando a posição de cada um deles na disputa e votos sendo contados nacionalmente. 
 Mas o fato é que o presidente americano é eleito por um Colégio Eleitoral, formado por 538 delegados dos cinquenta estados americanos. A disputa em cada uma dessas bases é fundamental para o resultado final das eleições, pois o candidato mais votado em um determinado estado elege todos os representantes desta mesma região no Colégio Eleitoral. A Califórnia, por exemplo, tem 55 representantes no Colégio. Nas eleições de 2008, o candidato do Partido Democrata, Barack Obama, obteve a maioria dos votos populares no estado, o que lhe garantiu a eleição dos 55 representantes. Obama foi eleito presidente porque obteve a maioria dos votos (286) no Colégio, contra 252 obtidos pelo candidato do Partido Republicano, John McCain.
     Outra diferença fundamental entre os dois países é a forma de eleger deputados. Os Estados Unidos utilizam o voto distrital, que funciona da seguinte maneira: o país é dividido em 435 distritos eleitorais, sendo que cada um deles elege um deputado. Cada partido pode apresentar um nome por distrito, sendo eleito o mais votado em cada um deles.
     No Brasil, para montar uma Câmara dos Deputados que virá a ser composta de 513 representantes, os partidos, de acordo com as regras estabelecidas, têm que apresentar uma lista de candidatos em cada um dos 26 estados da federação e no Distrito Federal. O sistema para a distribuição dessas cadeiras é proporcional, ou seja, elas são distribuídas de acordo com a proporção de votos que cada um dos postulantes recebeu no estado. Se um partido receber 20% dos votos em São Paulo, que tem setenta representantes na Câmara dos Deputados, ele elegerá cerca de 14 deputados, que equivale a 20% das cadeiras.
     O sistema majoritário-distrital utilizado na maior parte dos Estados Unidos garante a eleição de um partido por distrito. Os votos dados a todos os outros partidos são desperdiçados. Alguns analistas acreditam que o sistema eleitoral é um dos fatores que contribuem para a existência do bipartidarismo americano. Os partidos pequenos, por sua vez, têm mais facilidade para obter representações no sistema proporcional – utilizado em um número reduzido de cidades –, já que ele distribui as cadeiras de maneira razoavelmente equitativa. Em geral, países que utilizam a representação proporcional têm sistemas multipartidários.
     Comparar os resultados das eleições de 2010 no Brasil e nos Estados Unidos é uma boa maneira de percebermos as diferenças entre os sistemas eleitorais dos dois países. Por aqui, vinte e dois partidos conseguiram eleger pelo menos um deputado federal. Já na terra de Obama, em contraposição, apenas dois partidos elegeram representantes para a Câmara dos Deputados.

Jairo Nicolau é professor de Ciências Políticas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e autor de História do Voto no Brasil (Jorge Zahar, 2002) e Sistemas Eleitorais (FGV Editora, 2004).

Saiba Mais – Bibliografia:
AVRITZER, Leonardo et al. (orgs.).Reforma Política no BrasilBelo Horizonte: UFMG, 2006.
POWER, Timothy et al. (orgs.). Instituições Representativas do Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2007.

Saiba Mais – Links: