“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

sábado, 24 de novembro de 2012

Atentado ao Riocentro

     A história tem 31 anos e ainda provoca medo e arrepio. Duas bombas explodiram no Riocentro na hora em que milhares de pessoas assistam a um show, em comemoração ao Dia do Trabalho.
     O ano era 1981 e o Brasil estava sob o governo do General João Batista Figueiredo, o último presidente da ditadura que começara com o golpe civil-militar que derrubou  João Gullar, em 1964. O clima era de
abertura política e a ditadura civil-militar logo entregaria o poder para os civis. Mas grupos de extrema direita, ligados aos serviços de repressão das forças armadas, estavam insatisfeitos com a redemocratização. Por isso, planejaram um atentado a bomba contra o pavilhão do Riocentro, a ser realizado durante um show de MPB, organizado por artistas e opositores do regime, nas comemorações do Primeiro de Maio. Mas uma das bombas explodiu antes da hora, dentro de um carro que levava dois militares ligados ao Doi-Codi, um dos serviços de inteligência e repressão política, subordinados ao exército.
     Se o atentado tivesse acontecido como o previsto, seria atribuído aos grupos radicais de esquerda, que nas décadas de 60 e 70 haviam lutado contra a ditadura e o processo de redemocratização estaria comprometido. O caso ganhou repercussão nacional, a opinião pública ficou indignada e a ditadura cada vez mais sem sustentação.
     Participam deste programa os jornalistas Chico Otávio e Fritz Utezi, o historiador Daniel Aarão Reis Filho.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Operação Condor


Uma série de 4 reportagens, da TV Brasil, sobre um dos temas mais marcantes da história recente do Brasil. A operação chamada Condor é o resultado da articulação das ditaduras dos países do Cone Sul, na década de 1970, para reprimir opositores.
A série de reportagens mostrara: a história de uma militante uruguaia que escapou de um destino trágico, e também o drama de um militante catarinense sequestrado na Argentina e que nunca mais foi visto; a polêmica sobre a morte do ex-presidente João Goulart; a história do gaúcho que lutou ao lado de Che Guevara e sumiu na Bolívia; e, finalmente: a Comissão da Verdade vai investigar a aliança entre as ditaduras do continente na década de 70.

sábado, 17 de novembro de 2012

Misticismo e sangue

No alvorecer da República, eclode a Guerra de Canudos, episódio que demonstrou a fragilidade do novo Estado brasileiro. O conflito entre exército e seguidores de Antônio Conselheiro foi representado algumas vezes no cinema 
Por Alexandre Leitão
"Aquela campanha [de Canudos] lembra um refluxo para o passado.
E foi, na significação integral da palavra, um crime.
Denunciemo-lo".                         Euclides da Cunha, Os Sertões.

     A Guerra de Canudos marcou com sangue a formação da República do Brasil. Os motivos por trás da eclosão do conflito são complexos e se estendem para além do período imediatamente posterior à Proclamação, em 1889. Sua sombra pesa até hoje sobre as ciências sociais, as artes, a política e certo ethos nordestino progressivamente construído no século XX. Inúmeros pesquisadores e artistas deram suas respectivas visões e interpretações sobre o episódio, numa lista que vai de Euclides da Cunha até Mario Vargas Llosa, passando, no cinema, por Glauber Rocha e Sergio Rezende.
     A guerra, deflagrada por um levante religioso no interior do sertão baiano, liderado pelo pregador popular conhecido como Antônio Conselheiro, marcou a eclosão de profundas tensões sociais na região. Flagelados pela alta concentração fundiária, tenebrosas secas e um sub-reptício discurso místico, proveniente da longínqua tradição sebastianista portuguesa (a crença do século XVII do retorno do rei D. Sebastião), os sertões baianos mostraram-se terreno propício para a mensagem de salvação apocalíptica anunciada por Conselheiro.
     Furioso com a República recém-declarada, que rapidamente anunciava o alvorecer de um Estado laico, o pregador guiou seus seguidores para o Arraial de Canudos, próximo da cidade de Monte Santo, no início da década de 1890. Por ele rebatizado de Belo Monte, Canudos constituiu-se numa pequena cidade independente, onde fiéis de Conselheiro aguardavam pacientemente o advento de um reino místico de justiça e retidão moral. Após um contínuo processo de militarização, o Arraial acabou por despertar apreensões locais e nacionais, que redundariam em quatro expedições militares para conter a revolta, executadas entre fins de 1896 e 1897. 25 mil baixas humanas depois, a Guerra de Canudos deixou uma marca indelével na República recém-nascida. Por meio dela atestaram-se as contradições socioculturais de um país que passava pelo processo de modernização capitalista e, ao mesmo tempo, travava batalhas campais contra sertanejos armados, lutando pelo que acreditavam ser o Reino de Cristo na Terra.

 Canudos no Cinema
     Inúmeras versões da Guerra de Canudos foram levadas às telas do cinema brasileiro, sendo a mais célebre Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), do cineasta Glauber Rocha (1939-1981), em que uma versão fictícia de Antônio Conselheiro é apresentada através do personagem Sebastião, pregador considerado santo no sertão nordestino. Porém, talvez seja a Guerra de Canudos (1997), lançado no centenário do conflito, película de Sergio Rezende, um dos marcos da retomada do cinema brasileiro, aquela que mais próxima chegou de retratar, fidedignamente, a cronologia e o cenário do evento.
     Logo em suas primeiras tomadas, somos apresentados à imagem desoladora da caatinga, com seu chão rachado e arenoso. A fotografia, conduzida por Antônio Luís Mendes, baseia-se na estética do deserto, remetendo aos filmes do Cinema Novo, movimento artístico do final da década de 1950 que buscou retratar a realidade social brasileira. Imagens de palhoças feitas de barro, em meio a um ambiente desolado, remetem o espectador a filmes como Vidas Secas e O Pagador de Promessas. O roteiro, escrito pelo próprio diretor e por Paulo Halm, acompanha a trajetória de uma família de sertanejos, separada pela dura existência na caatinga e reunida sob a égide do conflito armado. Em conformidade com o modelo de filmes históricos produzidos na segunda metade da década de 1990, num processo iniciado com Carlota Joaquina - Princesa do Brasil, expõe-se uma visão crítica da história brasileira, mostrada em certa medida como trágica e acidental.
     Mas realizado sob uma perspectiva descolada daquela do Cinema Novo, Guerra de Canudos está longe de idealizar os rebeldes de Belo Monte ou a repressão desencadeada pelo Exército brasileiro. Acompanhamos a trajetória de Luiza, filha mais velha de Zé Lucena e Penha, dois camponeses nordestinos do final do século XIX. Renegada pelos pais após se recusar a segui-los na peregrinação para Canudos, Luiza, interpretada pela atriz Claudia Abreu, torna-se uma prostituta e posteriormente esposa de um dos soldados chamados para combater os insurgentes.
     Longe de uma condenação de suas escolhas, o filme se vale do que seria sua ótica particular para conseguir um contraponto entre os “conselheiristas” e os oficiais republicanos. Com os olhos da jovem, testemunhamos um exército elitista, pouco preocupado em respeitar a população pobre do Nordeste, e crente em sua própria missão civilizadora, mesmo que esta tenha de ser levada à cabo com a ajuda de canhões Withworth calibre 32, apelidados de “matadeiras”. Estes figuram em uma sequência na qual o general Artur Costa, interpretado por José de Abreu, decide perfilar-se diante da arma, acompanhado por seus subordinados imediatos, e gritar em tom ufanista “Viva a República!”, iniciando em seguida o disparo indiscriminado contra o centro de Canudos. Do outro lado do campo de batalha, entretanto, não são isentos e paradoxais revolucionários que vemos, atirando continuamente contra as tropas inimigas, mas homens dotados de uma visão extremamente conservadora, imbuídos de uma crença fanática em sua própria retidão moral. Tamanho é o zelo fundamentalista dos mesmos que, em determinada cena, a camponesa Penha não hesita em atirar nas costas de um amigo de sua família, após esse optar pela deserção de Canudos.
     Com um incrível valor de produção, tendo reconstruído o Arraial para executar as cenas de batalha, Guerra de Canudos, tal qual todo filme histórico, é uma visão de sua época e dos artistas por ele responsável. Não há a adesão ou redefinição da causa em jogo, com tentativas de encarar Canudos como uma pré-sociedade comunista, mas uma interpretação igualmente crítica.
     Ao cabo da trama, a pena maior pelo massacre pesa indistintamente sobre o governo brasileiro, deixando claro que isso, por sua vez, não isentaria de responsabilidade o conservadorismo e o fundamentalismo religioso, emanados pelos revoltosos. Quanto à sequência final, acompanhamos Luiza e sua irmã mais nova, caminhando pelos escombros da cidadela e apanhando os rifles abandonados pelos combatentes.
     Num lance que pode talvez remeter ao final de Terra em Transe, outra obra de Glauber Rocha, o filme encerra com uma sugestão de guerra contínua, deixando antever a possibilidade de que as mortes e destruição provocadas no Arraial teriam iniciado um longo e traumático ciclo de violência, tendente a se repetir pelo século seguinte. Nada talvez ecoe com tanta precisão as previsões de Euclides da Cunha, que já na nota preliminar de Os Sertões afirma ter Canudos a “significação inegável de um primeiro assalto, em luta talvez longa”.
Guerra de Canudos
Direção: Sérgio Rezende
Ano: 1997
Áudio: Português
Duração: 165 minutos

Saiba mais - Filmes:
Deus e o Diabo na Terra do Sol
No sertão nordestino, o vaqueiro Manuel (Geraldo Del Rey) mata seu patrão e foge com sua mulher, Rosa (Yoná Magalhães). Os dois tornam-se seguidores do líder messiânico "Santo" Sebastião (Lidio Silva), até que o jagunço Antônio das Mortes (Maurício do Valle), a mando dos coronéis e da Igreja, mata o velho beato e seus fiéis. Manuel e Rosa sobrevivem e encontram o cangaceiro Corisco, vivido por Othon Bastos, que converte Manuel ao cangaço, rebatizando-o como "Satanás". Corisco é caçado e morto por Antônio das Mortes. Quando Glauber Rocha filmou: Deus e o Diabo na Terra do Sol, em 1964, tinha apenas 23 anos. Como laboratório para o filme, Glauber percorreu todo o sertão nordestino em busca de personagens e ideias, convivendo com a dura realidade da seca e da fome. O filme é considerado, por muitos críticos e teóricos, um divisor de águas na carreira do cineasta, além de representar um marco na história do cinema nacional. O filme consagrou internacionalmente o estilo revolucionário e inconfundível do diretor cinemanovista (movimento cinematográfico brasileiro da década de 60), precursor do estilo “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, além de influenciar muitos cineastas latino-americanos.
Direção: Glauber Rocha
Ano: 1964
Áudio: Português
Duração: 119 minutos

Terra em Transe
Na fictícia República de Eldorado, Paulo Martins (Jardel Filho) é um jornalista idealista e poeta ligado ao político conservador em ascensão e tecnocrata Porfírio Diaz (Paulo Autran) e sua amante meretriz Silvia (Danuza Leão), com quem também mantêm um caso formando um triângulo amoroso. Quando Porfírio se elege senador, Paulo se afasta e vai para a província de Alecrim, onde conhece a ativista Sara (Glauce Rocha). Juntos eles resolvem apoiar o vereador populista Felipe Vieira (José Lewgoy) para governador na tentativa de lançarem um novo líder político, supostamente progressista, que guie a mudança da situação de miséria e injustiça que assola o país. Ao ganhar a eleição, Vieira se mostra fraco e controlado pelas forças econômicas locais que o financiaram e não faz nada para mudar a situação social, o que leva Paulo, desiludido, a abandonar Sara e retornar à capital e voltar a se encontrar com Sílvia. Se aproxima de Júlio Fuentes (Paulo Gracindo), o maior empresário do país, e lhe conta que o presidente Fernandez tem o apoio econômico de uma poderosa multinacional que quer assumir o controle do capital nacional. Quando Diaz disputa a Presidência com o apoio de Fernandez, o empresário cede um canal de televisão para Paulo que o usa para atacar o candidato. Vieira e Paulo se unem novamente na campanha, até que Fuentes trai ambos e faz um acordo com Diaz. Paulo quer partir para a luta armada mas Vieira desiste.
Direção: Glauber Rocha
Ano: 1967
Áudio: Português
Duração: 109 minutos

O Pagador de Promessas
Zé do Burro (Leonardo Villar) é um homem humilde que enfrenta a intransigência da Igreja ao tentar cumprir a promessa feita em um terreiro de candomblé de carregar uma pesada cruz por um longo percurso. Zé do Burro é o dono de um pequeno pedaço de terra no Nordeste do Brasil. Seu melhor amigo é um burro. Quando este adoece, Zé faz uma promessa à uma mãe de santo do candomblé: se seu burro se recuperar, promete dividir sua terra igualmente entre os mais pobres e carregará uma cruz desde sua terra até a Igreja de Santa Bárbara em Salvador, onde a oferecerá ao padre local. Assim que seu burro se recupera, Zé dá início à sua jornada.
O filme se inicia com Zé, seguido fielmente pela esposa Rosa (Glória Menezes), chegando à catedral de madrugada. O padre Olavo (Dionísio Azevedo) recusa a cruz de Zé após ouvir dele a razão pela qual a carregou e as circunstâncias "pagãs" em que a promessa foi feita. Todos em Salvador tentam se aproveitar do inocente e ingênuo Zé. Os praticantes de candomblé querem usá-lo como líder contra a discriminação que sofrem da Igreja Católica, os jornais sensacionalistas transformam sua promessa de dar a terra aos pobres em grito pela reforma agrária. A polícia é chamada para prevenir a entrada de Zé na Igreja, e ele acaba assassinado em um confronto violento entre policiais e manifestantes a seu favor. Na última cena do filme, os manifestantes colocam o corpo morto de Zé em cima da cruz e entram à força na catedral.
Direção: Anselmo Duarte
Ano: 1962
Áudio: Português
Duração: 118minutos

Vidas Secas
Vidas secas, filme baseado no livro homônimo de Graciliano Ramos.
Família de retirantes, Fabiano (Átila Iório), Sinhá Vitória (Maria Ribeiro), o menino mais velho, o menino mais novo e a cachorra Baleia, que, pressionados pela seca, atravessam o sertão em busca de meios de sobrevivência. Uma paisagem seca. Terra esturricada, vegetação rasteira, uma árvore desfolhada à direita, céu branco, explosão de sol. Um rangido fino e insistente parece, lentamente, se aproximar. De repente, um cachorro aparece na linha do horizonte. Longe, bem longe. Depois do animal, quatro pessoas caminhando em direção à câmera. O ruído irritante se avoluma, e só então é possível distinguir a sua origem – as rodas enferrujadas do velho carro-de-boi que a família de retirantes, liderada pelo vaqueiro Fabiano, usa para transportar a mudança. O lento e silencioso plano-sequência que abre “Vidas Secas” funciona como um manifesto de intenções. Este é um filme duro, seco e quente sobre o drama da pobreza Foi o único filme brasileiro a ser indicado pelo British Film Institute como uma das 360 obras fundamentais em uma cinemateca. Neste filme fica perceptível a influência marcante do neo-realismo italiano na obra do diretorno sertão nordestino.
Direção: Nelson Pereira dos Santos
Ano: 1963
Áudio: Português
Duração: 103 minutos

Carlota Joaquina
O filme conta, satiricamente, parte da história da monarquia portuguesa, e a elevação do Brasil, de colônia do império ultramarino português, a reino unido com Portugal. Também faz referências a monarquia espanhola. A morte do rei de Portugal D. José I de Bragança, em 1777, e a declaração de insanidade da filha herdeira do precedente, a rainha D. Maria I, em 1792, levam seu filho, o então príncipe D. João de Bragança e sua esposa, a infanta espanhola Carlota Joaquina de Bourbon, ao trono real português. Em 1807, para escapar das tropas napoleônicas que invadiam Portugal, a corte portuguesa e o casal transferem-se às pressas para o Rio de Janeiro, onde a família real e grande parte da nobreza portuguesa vivem exiladas por 13 anos. Na colônia aumentam os desentendimentos entre Carlota Joaquina e D. João VI, que após a morte da mãe, D. Maria I, deixa de ser príncipe-regente e torna-se rei de Portugal e, posteriormente, rei do reino unido de Portugal, Brasil e Algarves
Direção: Carla Camurati
Ano: 1995
Áudio: Português
Duração: 100 minutos

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Violência Policial

"Em cada batalhão da PM tem um grupo de extermínio”.
Policial civil revela como funcionam os novos esquadrões da morte de São Paulo e denuncia as perseguições que sofrem os agentes que se negam a matar e torturar.
     Primeiro, identificam-se os "bilões" de cada batalhão, que, na gíria da Polícia Militar (PM), são os policiais mais violentos. Depois, eles são chamados para integrar os "caixas-dois", como são conhecidos os grupos de extermínio de cada batalhão. Para o "trabalho", geralmente usam viaturas da Rota e da Força Tática - ou Forjas Trágicas, como são apelidadas. O caixa-dois é formado por três integrantes, sendo um deles escoltado até um local seguro, onde tira a farda, coloca uma roupa civil e usa uma moto ou um carro para orientar ou executar os assassinatos. Geralmente, atuam em sua área de circunscrição de trabalho.
     Quando o serviço acaba, chega uma viatura, encarregada de recolher as cápsulas e pedir para o pessoal do comércio lavar o local. O importante é adulterar a cena do crime. Em seguida, coloca-se a vítima no carro, e, mesmo que esteja morta, ela é levada ao hospital. Quando necessário, usam o "kit vela" ou "kit flagrante": uma porção de entorpecente e uma arma fria colocada na mão do cadáver, para justificar o homicídio. Às vezes, também deixam um celular junto à vítima.
     "O caixa-dois funciona quando não dá para fritar na resistência [justificar o assassinato como decorrência de suposto confronto com a PM]", explica um policial civil, que investigou grupos de extermínio formados por policiais militares. "A maior parte deles participa do negócio, mesmo quem não mata. É até uma questão de subordinação hierárquica ao comando."
     Na maioria dos casos de extermínio, seja na capital, litoral ou interior, o modus operandi das ações é praticamente o mesmo. Atiradores em carros de cores escuras, vestindo toucas ninja e roupas pretas, e manejando, na maioria das vezes, armas de calibres 9mm, .380 ou .40.

Punição
     A regra do batalhão é: o PM se negou a torturar, a matar? Vai para o PAO: Pelotão de Apoio Operacional, espécie de punição dada pelo comando de alguns batalhões da PM paulista a policiais que se negam a participar de ilegalidades e abusos, como torturas, matanças e grupos de extermínio. O castigo consiste em fazer ronda do lado de fora do batalhão, ficar 12 horas de pé, incomunicável com os outros membros da tropa e sem poder comer, urinar ou evacuar. Os que ousarem se solidarizar com os castigados são punidos da mesma maneira.
     O major de um dos batalhões onde o PAO é aplicado intimida sua tropa batendo no peito e gritando: "Eu sou Highlander, vocês me respeitem!". Highlander é um grupo de extermínio chamado dessa maneira, porque corta as cabeças e mãos das vítimas. O major incentiva a matança de "ladrões" e dispensa do trabalho quem matar mais. Manda para o PAO quem não quiser entrar para o "caixa-dois".
     Essas graves acusações são feitas pelo policial civil, citado anteriormente, e por um sargento da Polícia Militar - ambos não compactuaram com ilegalidades cometidas por membros de suas corporacões. O primeiro conversou com a Caros Amigos na condição de sigilo de identidade, sob alegação de estar sendo perseguido e ter sofrido ameaças e duas tentativas de homicídio, após ter apresentado relatórios de investigação sobre grupos de extermínio.
     A denúncia sobre o PAO também foi levada ao Conselho de Defesa da Pessoa Humana (Condepe), que vem sendo procurado por policiais civis e militares que não estão de acordo com torturas, assassinatos e desaparecimentos que vêm acontecendo em São Paulo. "Primeiro vieram investigadores da polícia civil, depois da PM - soldado, sargento, tenente e até capitão -, e, por fim, delegados de polícia. Todos deram um quadro que, para nós, é muito grave. São pessoas que ficam na seguinte situação: 'ou eu entro para a bandidagem ou sou punido'", relata Ivan Seixas, presidente da instituição. Segundo ele, tais funcionários
públicos estão sofrendo ameaças de morte, de punição e processos administrativos e disciplinares. As denúncias que o policial passou à reportagem da Caros Amigos também foram encaminhadas a órgãos públicos fiscalizadores da lei.

Higiene Social
     De acordo com o policial civil, os grupos de extermínio funcionam "numa égide de controle e higienização social, para prestigiar o comando e o governo, para abaixar índices de criminalidade", explica. "Assim, os vagabundos sabem que, se roubarem naquela determinada cercania, vão para o saco, morrem. Isso provoca um êxodo, o cara migra". Segundo ele, ao ajudar a baixar as estatísticas de violência nas suas regiões de trabalho, os policiais recebem proteção do comando, sendo favorecidos por melhores escalas, bicos, armamentos, viaturas e outros equipamentos táticos.
     Um dos grupos de extermínio que atuava dessa maneira, os Highlanders, era formado por policiais da Força Tática do 37° Batalhão, na Zona Sul de São Paulo. Eles atuavam no bairro do Jardim Ângela, matando as vítimas e jogando os corpos decapitados em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo. Aproveitando a situação, os policiais dos grupos de extermínio também cometeriam crimes para matar seus desafetos.
     Paralelamente a isso, também matam por encomenda, "modalidade" de assassinatos chamada de "firma". "É quando parte do ideal funcional vai para o ideal capitalista". Tal modalidade estaria, assim, diretamente relacionada com os casos de corrupção. "A corrupção e a mortandade são institucionalizadas". O policial civil relata, ainda, que existe um acordo entre policiais e criminosos sobre a divisão de caixas eletrônicos. Na firma, também entram disputas por caça-níqueis, loterias clandestinas e bingos.

Mortos ‘em confrontos’
     Segundo dados divulgados pela PM no final de agosto, nos primeiros sete meses deste ano 170 pessoas foram mortas por policiais militares na capital paulista, contra 128 no mesmo período de 2011 - um aumento de 32%. Os números incluem os mortos em confrontos com a PM [as chamadas "resistências seguidas de morte"] e vítimas de "homicídios cometidos por policias em período de folga. Em todo o estado de São Paulo, o número de mortos por PMs atingiu a marca de 369 pessoas (redução de 4%). De janeiro a julho, 57 PMs morreram nas mesmas condições.
     Nas periferias e região metropolitana' de São Paulo, os meses de junho e julho foram marcados por terror, batidas e toques de recolher impostos pela PM, execuções sumárias e chacinas com características de grupos de extermínio, que teriam a participação de policiais militares.
     De acordo com balanço trimestral divulgado em 25 de julho pela Secretaria Estadual de Segurança
Pública de São Paulo (SSP), o número de homicídios dolosos na cidade de São Paulo cresceu 21,8% no primeiro semestre de 2012 em comparação a 2011: 586 homicídios nos primeiros seis meses deste ano contra 482 no mesmo período do ano passado. Para o policial ouvido pela Caros Amigos, esses dados são "maquiados". "Muitas vezes um BO [Boletim de Ocorrência] que seria de tentativa de homicídio é elaborado como lesão corporal, encontro de cadáver, morte a esclarecer. Hoje, a maior parte dos casos de resistência seguida de morte são casos de execução. E como são, na maioria, de pobres e negros, 'foda-se'".

Vingança e limpeza
     Um relatório realizado pelo serviço de inteligência do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil de São Paulo indica que, entre 2003 e 2010, grupos de extermínio formados por PMs foram responsáveis pelo assassinato de 152 pessoas em São Paulo, em 70 ocorrências. Quase a metade (48%) das Vítimas fatais não tinha antecedentes criminais. Já entre os que sobreviveram aos tiros. 82% não tem passagem pela polícia. A maioria dos mortos e feridos são do sexo masculino (90%).
     De acordo com o documento, produzido em 2011, os assassinatos foram motivados por: vingança (20%); abuso de autoridade (13%); "limpeza" (13%); cobranças ligadas ao tráfico (10%), e cobranças ligadas ao jogo (5%). Além disso, 39% das mortes não tiveram motivo aparente.
     A investigação indica dois grupos de extermínio de PMs, um na Zona Norte e outro na Zona Leste. O primeiro é chamado de "Matadores do 18", já que os acusados são do 18º Batalhão. Entre as mortes atribuídas a ele está a do coronel José Hermínio Rodrigues, que era comandante da área, em 2008. O PM Pascoal dos Santos Lima, apontado como um dos membros do grupo, é acusado de 17 mortes.
     O relatório aponta o PM Valdez Gonçalves dos Santos, do 21º Batalhão, como o chefe do grupo da Zona Leste. Ele é acusado de matar pelo menos 23 pessoas e ferir outras 17. Mas, de acordo com o relatório obtido pela reportagem, Valdez é responsável por mais de 50 assassinatos.
     "Esses caras se tornam deuses. O Valdez, depois de ter sido preso, está na rua. Quem não pagava pau para ele, para se solidarizar, paga agora de medo". Integrante da Força Tática do 21º Batalhão, Valdez tem uma tatuagem no braço com o símbolo da morte: uma pessoa vestindo uma capa preta. Valdez foi preso em 2010 pelo assassinato do camelô Roberto Marcel dos Santos - tirado de dentro de casa e morto com dez tiros no dia em que completava 22 anos -, mas foi absolvido em júri popular ocorrido em 2011. O soldado e outros quatro PMs da Força Tática são investigados pela Corregedoria da PM e pelo DHPP. De acordo com as investigações, os assassinatos estão ligados a uma disputa de pontos de venda de drogas na Zona Leste de São Paulo.

Sangue nos olhos
     "Os grupos começaram a atuar para prestigiar o comando, fazendo um favor de limpar socialmente. Mas não só os 'noias' [usuários de drogas]. Se está havendo muito roubo de carro, por exemplo, eles matam os caras", explica o policial. "Mas o que passou a acontecer depois é que um traficante começou a pagar para o policial matar o seu rival. Os caras iam e matavam o concorrente dele. Nisso, virou uma 'firma", conta. "E nessas tem muito PM batizado no PCC".
     Para atuar nos grupos de extermínio, seja das modalidades "firma" ou "caixa- dois", os escolhidos para a "linha de frente" são os "bilões", os considerados mais violentos; "os que mais têm 'sangue nos olhos', os que mais batem, mais torturam, com perfil de psicóticos. Eles são detectados e, em vez de serem colocados sob avaliação, ganham respaldo, incentivo. Se o cara já é monstro, vira o quê?".
     Tais policiais teriam o hábito de filmar e fotografar os cadáveres de suas vítimas e compartilhar entre eles. "É comum abordar um PM e encontrar fotos de um monte de vítimas em seu celular. E ele ganha status com isso. Ao exibir essas fotos, ele é promovido, é favorecido." Segundo o policial, as futuras vítimas também são fotografadas - suas imagens ficam no celular dos policiais para que estes as identifiquem caso cruzem com elas. Os PMs chegam, ainda, a compartilhar as imagens na internet, postá-las em blogs e sites.
     Os policiais são formados para matar, acredita o policial civil. "Isso é cultural, institucional, vem da formação deles. Além disso, há muito incentivo dentro dos batalhões. Esse papinho de que vai fazer pacto é balela [referindo-se ao anúncio do comando da PM de que pagará gratificação para policial que matar menos]. Não vai mudar nada. Se o cara puder, ele mata mesmo".
     Após os dois meses de aumento da violência policial, o Comandante-Geral da Polícia Militar de São Paulo, Roberval Ferreira França, anunciou, em 8 de agosto, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, a criação de uma remuneração variável aos policiais que conseguissem reduzir o crime e a letalidade. Outra iniciativa anunciada é a descentralização da Corregedoria e a criação de 12 escritórios regionais na capital, Grande São Paulo e interior. Porém, no dia 'seguinte, o comandante da PM disse que se confundiu e trocou os conceitos de "letalidade policial" por "integridade policial", ao explicar o índice que pretende criar.

De cima para baixo
     A dificuldade de combater o problema ocorre, entre outros motivos, por causa da determinação para matar "que, segundo os policiais, vem de cima para baixo. Essas coisas não ocorrem à revelia do comando. Não há interesse em investigação porque há uma política de cima para baixo - não conseguimos saber até que nível chega. Porém, conter as estatísticas de criminalidade interessa a quem?", questiona Ivan Seixas.
     "A cúpula sabe que existe grupo de extermínio", garante o policial civil. "Eles sabem, mas não querem denunciar. Não é para acabar, pois há interesses pecuniários e políticos. O comando manda fazer, acontecer e foder. Mas, se der merda, o cara fica sozinho."
     Em 2009, durante a posse do coronel Paulo Adriano Lopes Telhada como comandante da Rota, o secretário de Segurança Pública Antônio Ferreira Pinto disse: "É notório que ela [Rota] não estava sendo empregada com toda a sua força [...] Em matéria de segurança pública, o politicamente correto beira a hipocrisia". Em seu discurso, Ferreira Pinto afirmou também que "agir com rigor no combate ao crime violento não significa incursionar para o abuso, descambar para o mau combate, implantar a barbárie". Para ele, a Rota "deve voltar ao lugar que ocupava com destaque e eficiência no combate aos criminosos violentos e covardes". Para o policial civil, essa fala é "uma apologia ao homicídio ou genocídio social. Se entende que é para matar”.
     Para se ter uma ideia da letalidade da polícia paulista, entre 2006 e 2010 o índice de mortos pela PM foi de 5,5 para cada 100 mil habitantes, mais do que o índice nos Estados Unidos. No mesmo período, 2.262 pessoas foram mortas após casos de "resistência seguida de morte", os supostos confrontos com PMs. Nos EUA, no mesmo intervalo de tempo, conforme dados do FBI, foram 1.963 "homicídios justificados", o equivalente às resistências seguidas de morte registradas em São Paulo.

Esquadrão da morte
     Para o policial, a violência existente na polícia paulista é pior do que a da época do esquadrão da morte da ditadura militar. "Hoje é pior, porque naquela época era bem delimitado: polícia é polícia e bandido é bandido. Hoje, a polícia é bandido, porque ela está conjugada com o crime. Tomou uma desproporção." Além disso, acredita, "o Esquadrão da Morte nunca acabou de fato. A Escuderie Le Cocq nunca acabou. Pode ter abrandado por um tempo, mas a cultura sempre perdurou".
     A associação criminosa de policiais para executar pessoas tidas como marginais ficou notória no Rio de Janeiro a partir de 1964. A Escuderie Detetive Le Cocq, assim nomeada em homenagem ao assassinado detetive Milton Le Cocq, funcionava como um dos esquadrões da morte da época, e foi bastante ativa dos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. No fim da década de 1960, um grupo de policiais de São Paulo foi ao Rio para conhecer a experiência. Assim, formou-se o chamado Esquadrão da Morte, responsável por mortes de supostos bandidos. O líder da organização era o delegado Sérgio Paranhos Fleury, que depois foi utilizado pela ditadura militar para torturar e matar os opositores ao regime.
     Os esquadrões da morte deixaram um legado na polícia brasileira durante as décadas seguintes. Um dos seus participantes, Florisvaldo de Oliveira, apelidado de "Cabo Bruno" e acusado de mais de 50 assassinatos na década de 1980 na capital paulista, foi solto em agosto deste ano, após 27 anos de prisão.
     Para Ivan Seixas, os grupos de extermínio de hoje e o esquadrão da morte da ditadura "são a mesma coisa, só que com outro nome. Supostamente começa para matar bandidos e vira terrorismo de Estado".

Em todo o Estado
     Em entrevista à imprensa, o major Marcelino Fernandes, representante da Corregedoria da Polícia Militar, nega a existência de grupos de extermínio formados por policiais militares. O policial da Polícia Civil rebate: "É indefensável o governo alegar essas coisas. Se formos ver a Baixada Santista, que tem comando diferente do de São Paulo, mata do mesmo jeito que a capital. E no interior também se mata. Os grupos de extermínio são institucionalizados e regionalizados em cada batalhão, tem em todo o estado de São Paulo. Cada batalhão tem um grupo de extermínio, tem seu 'caixa-dois'". E, dentro da corporação, afirma, há vários policiais que querem denunciar e não conseguem.
     Quando entrou para a polícia, o agente tinha um ideal. "Não me via fazendo outra coisa, queria prestar um serviço social, tinha o tesão da luta do bem contra o mal. Eu queria ajudar". No entanto, ele acredita que em casos como o do PAO, por exemplo, "muitas vezes o cara acaba cedendo. Se não; ele morre ou sofre bullying funcional. Mas, é claro, tem quem fale não”.
     A perseguição aos policiais "rebeldes" ocorre, muitas vezes, no Tribunal Militar, conhecido por sua capacidade de garantir a impunidade: "Hoje, ele estaria sendo usado não só para garantir a impunidade como para punir quem não quer participar do 'jogo'. Os policiais dizem que quando o processo disciplinar é julgado, muitas vezes o acusador e o julgador são a mesma pessoa", explica Ivan Seixas, do Condepe.

Arredondar B.O.
      Se junto aos PMs a pressão é para participar ou se omitir em relação aos casos de extermínio e corrupção, na polícia civil a pressão é para "arredondar" o Boletim de Ocorrência, explica o policial. Ou seja, tentar deixar o BO mais "redondo", para, caso se consiga chegar ao culpado, ele esteja o mais "defensável" possível. Entre as formas de se fazer isso, está a manipulação de testemunhas ou sua não intimação.
     Além disso, a polícia civil encontra-se desaparelhada e sem capacidade de investigação. "Está engessada, militarizada. A discricionariedade do delegado de polícia está convertida para a politicagem. É raro ver o que aconteceu no caso do publicitário [após o assassinato do publicitário Ricardo Aquino, por policiais militares, em 18 de julho, o delegado responsável disse que houve falha na atuação dos policiais]: o delegado pegar o flagrante. Isso é raro.
     Geralmente, a PM sitia a situação. "Na opinião de Ivan Seixas, a polícia civil está sem poder de investigação, porque "há uma ordem verbal, às vezes muito objetiva: se for apontada a existência de crimes envolvendo policiais civis ou militares, a investigação deve ser 'arredondada' para não se abrir flanco para denúncias. E aí ficamos com uma polícia que não investiga, uma polícia científica que não tem condições de investigar. Ou seja: ficamos sem investigação", critica.
     Outro fator que favorece a atuação dos grupos de extermínio e enfraquece as investigações dos crimes cometidos por PM é a militarização das subprefeituras de São Paulo. Hoje, 30 dos 31 subprefeitos de São Paulo são coronéis da reserva da PM, sendo que todos eles foram indicados pelo ex-comandante da corporação Álvaro Camilo.
     A militarização das subprefeituras teve início em 2008, na segunda gestão de Gilberto Kassab, com a indicação do coronel Rubens Casado para a subprefeitura da Mooca. A PM ainda está presente em órgãos como serviço funerário, ambulatorial e defesa civil. "É um absurdo essa municipalização da PM. Acho que isso aumenta o prestígio e o apoio à violência. Prestigia a segurança e medidas extremadas dos grupos de extermínio", aponta o policial.
     O atual subprefeito da Penha, coronel Eduardo Félix de Oliveira é apontado como protetor do soldado Rodolfo da Silva Vieira, acusado de integrar o grupo de extermínio "Os Highlanders". Oliveira é amigo do pai do soldado, o capitão Paulo Roberto da Silva Vieira.

Perseguição
     Apesar das dificuldades, há vários casos de policiais que se negaram a participar de esquemas de matança e corrupção, Um deles é o soldado Júlio César Lima dos Nascimento, do 42º Batalhão da PM, em Osasco, assassinado em 4 de setembro de 2011, com 18 tiros, em frente a sua casa, quando estava de folga e lavava o carro na rua. Segundo testemunhas, os assassinos estavam dentro de um carro quando passaram atirando. Um deles, antes de atirar, teria dito: "Isso é para você!".
     Um mês antes de morrer, o soldado havia procurado o Condepe e a polícia afirmando estar sendo perseguido por seus superiores dentro do quartel onde trabalhava e que respondia a procedimentos internos. Após as denúncias, o policial prometeu voltar para apresentar os nomes daqueles que o ameaçavam e as provas criminais contra eles, porém não teve tempo.
     Na denúncia que fez à polícia civil, consta: "O declarante acrescenta que seus problemas na polícia militar começaram a partir do dia 14/12/2006, ocasião em que após ter saído de serviço da 3ª Cia do 36º BPMM, já de folga e à paisana, presenciou o desdobramento de uma ocorrência de roubo e receptação de
carga de frios e de carne, sendo que um dos presos em flagrante delito era um policial militar também da 3ª Cia do 36º BPMM. O declarante esclarece que, por ocasião dos fatos, o Tenente Coronel Henrique Dias era o Comandante do 36º BPMM".

Processos disciplinares
     De acordo com sua advogada, Sandra Paulino, após a apreensão da carga roubada. Nascimento foi repreendido dentro da delegacia. "Ele ouviu de um delegado o seguinte: 'Você fez muito mal, isso não se faz'. Mas a conduta dele foi correta", afirma Sandra. Desde então, Nascimento passou a ser perseguido, com processos disciplinares. Foi transferido, dois anos depois, para o 42º Batalhão da PM, em Osasco. "Lá ele estava bem, até que o Henrique Dias foi transferido para lá. Aí começaram a abrir os procedimentos disciplinares, coisas bobas: que ele tinha quebrado a bandeja de uma impressora, que atendeu mal uma pessoa ...", aponta Sandra Paulino.
     Após as denúncias, foi instaurado um inquérito policial, em que o coronel Henrique Dias consta como "averiguado" e o soldado Nascimento como vítima. "Ele foi depor e um mês depois foi assassinado". Sandra conta que também sofreu inúmeras ameaças, tendo ficado, inclusive, sob proteção do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do Governo Federal.
     O caso está sendo investigado na delegacia de homicídios de Cotia, mas Sandra reclama do fato de não terem permitido que ela tivesse acesso à investigação. Desde então, ela vem denunciando o assassinato do soldado Nascimento e pede que a investigação seja federalizada.
Tatiana Merlino é jornalista.
tatianamerlino@terra.com.br
*Procurada para comentar a existência de grupos de extermínio dentro da PM e as demais denúncias contidas nesta matéria, a corporação não se manifestou até fechamento desta edição.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Só o PCC ameaça São Paulo?

Breve dossiê revela: onda de assassinatos que apavora Estado foi iniciada e radicalizada pela PM. Governo Alckmin omite-se. Mídia silencia.
 
I.
     Ao descrever, num ensaiorecente (breve em português, em Outras Palavras), a situação tormentosa vivida pela Grécia, o jornalista Paul Mason, da BBC, recorre à história da Alemanha, às portas do nazismo. Só uma sucessão de erros crassos, mostra ele, pôde permitir que Hitler chegasse ao poder. Mas havia algo sórdido por trás destes enganos. Embora não fosse conscientemente partidária do terror, a maior parte das elites alemãs desejava o autoritarismo, pois já não conseguia tolerar o ambiente democrático da república de Weimar.
     As circunstâncias são distintas: não há risco de fascismo no cenário brasileiro atual. Mas é inevitável lembrar de Mason, e de sua observação sobre a aristocracia alemã, quando se analisa a espiral de violência que atormenta São Paulo há cinco meses. Em guerra com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), parte da Polícia Militar está envolvida numa onda de assassinatos que já fez dezenas de vítimas, elevou em quase 100% o índice de homicídios no Estado e aterroriza as periferias.
     Pior: a escalada foi iniciada (e é mantida e aprofundada) por integrantes da própria PM, a força que deveria garantir a segurança e o cumprimento da lei no Estado. Mas apesar de inúmeras evidências, o governo do Estado não age para refrear tal atitude. E a mídia omite, ao tratar da onda de mortes, a participação e responsabilidade evidentes da polícia. É como se tivessem interesse em manter, em São Paulo, um corpo armado, imune à lei e ao olhar da opinião pública, capaz de se impor à sociedade e diretamente subordinado a um governador cujos laços com a direita conservadora são nítidos.
     Para ocultar o papel de parte da PM na avalanche de brutalidade, a mídia criou um padrão de cobertura. As mortes de autoria do PCC são noticiadas, corretamente, como assassinatos de PMs. Informa-se que o número de crimes deste tipo cresce de modo acelerado — já são 90 vítimas, este ano. Mas se associa a insegurança que passou a dominar o Estado apenas a estes atos. Também informa-se sobre parte das mortes praticadas pela PM — seria impossível escondê-las por completo. No entanto, aceita-se, sempre sem investigação jornalística alguma, a versão da polícia: morreram “em confronto”, depois de terem reagido.
     Este estratagema permite silenciar sobre três fatos essenciais e gravíssimos: a) parte da PM abandonou seu compromisso com a lei e a ordem pública e passou a agir à moda de um grupo criminoso, colocando em risco a população e a grande maioria dos próprios policiais, honestos e interessados em cumprir seu papel; b) diante desta subversão do papel da PM, o comando da corporação e o governo do Estado estão, ao menos, omissos; c) procura-se preservar este estado, evitando, recorrentemente, caracterizar a atitude do setor criminoso da polícia e, muito menos, puni-lo.
 II.
Algumas iniciativas permitiram, nos últimos dias, começar a quebrar a cortina de silêncios e omissões. O jornalista Bob Fernandes, editor-chefe do TerraMagazine, sustentou, num comentário corajoso, em noticiário da TV Gazeta, que havia algo além do crime organizado, por trás da onda de assassinatos. “Rompeu-se um pacto entre polícia militar e PCC”, frisou Fernandes — e atribuiu a esta ruptura tanto a “guerra” entre os dois grupos como a espiral de morte que se seguiu. “Criminosos matam de um lado? Vem a resposta: alguns, quase sempre em motos, com munição de uso exclusivo de forças policiais, dão o troco e também matam.”
     A fala do editor do Terra Magazine teve o mérito de romper o consenso que a mídia fabricava, até então, em torno de uma explicação inconsistente. Mas a que se referiria ele, ao mencionar, em linguagem quase enigmática, a ruptura de um pacto?
     Uma das pistas, para encontrar a resposta, é seguir o fio da meada da onda criminosa. Quando ela teria começado? Por quais motivos? Entre o final de maio e o presente, os jornais estão fartos de notícias sobre os assassinatos, sempre no padrão descrito acima. Mas não é difícil encontrar um ponto de inflexão, o momento a partir do qual o cenário se transforma.
     Ele situa-se precisamente em 29 de maio. Nesta data, quando ainda não adotava a confirmação sem checagem das versões da Polícia Militar, O Estado de S. Paulo registra um massacre. Seis pessoas foram mortas pela ROTA, uma unidade da PM conhecida pela truculência. Estavam num estacionamento, próximo à favela da Taquatira, Zona Leste da capital. Foram vítimas de um comando constituído por 26 policiais. A própria PM afirmou, na ocasião, que eram integrantes do PCC. Alegou-se que estariam reunidas (num estacionamento?) para “traçar um plano de resgate de um preso”. Segundo as primeiras versões, teriam “atirado contra os policiais”. Apesar de numerosas (segundo a PM, 14 pessoas, das quais três foram capturadas e cinco fugiram), e “fortemente armadas”, nenhum soldado sequer se feriu.
     Esta versão fantasiosa foi desmentida logo em seguida. Pouco depois da ação policial, um dos mortos “em confronto” seria executado a sangue frio, por parte dos PMs que haviam participado da operação. Os assassinos agiram em pleno acostamento da rodovia Ayrton Senna, e em área habitada. Uma testemunha presenciou o crime e o denunciou, enquanto acontecia, pelo telefone 190. A sensação de impunidade dos assassinos levou-os a ser fotografados pela próprias câmeras de vigilância da estrada. Nove dos 26 policiais foram presos, horas depois. Destes, seis foram soltos em dois dias. Três — apenas os que teriam praticado diretamente a execução — permaneceram detidos. Não é possível encontrar, nos jornais, informações sobre sua situação atual.
     Atingido, o PCC reagiu recorrendo, embora em escala limitada, ao método que marcou sua atuação em 2006. Na região de Cidade Tiradentes, uma das mais pobres da cidade e local de moradia de um dos mortos, o grupo obrigou a população a um toque de recolher no dia do enterro do comparsa, 31 de maio. Tiveram de fechar as portas, entre outras, as escolas municipais Adoniran Barbosa e Wladimir Herzog… Mas, também repetindo o que fizera em 2006, a facção não se limitou a isso. Começaria, logo em seguida, a longa série de assassinatos de policiais militares.
     No ano passado, 47 PMs paulistas foram mortos, em serviço ou suas folgas. Não é um número excepcional, para uma corporação que reúne quase 100 mil soldados, exerce atividade de risco e vive sob tensão permanente (o índice anual de suicídios é muito próximo ao das vítimas de homicídio). Em 2012, tudo mudou. Até o incidente fatídico de 29/5, haviam sido contabilizadas 29 mortes de PMs — pouco acima da média registrada no ano anterior. Entre 29/5 e 4/11, os ataques disparam. São 61 novos assassinatos, em apenas cinco meses. Há casos dramáticos: uma policial morta diante de sua filha; um garoto assassinado apenas por ser filho de policial, ocasiões em que as próprias bases da PM são atacadas. Inúmeros relatos narram a situação de pânico vivida por milhares de soldados honestos, cuja vida foi subitamente colocada em risco numa “guerra” provocada por uma minoria.
     Mas aos poucos — e aqui começa um dos pontos mais obscuros de todo o episódio –, a PM parece inclinar-se em favor de sua banda violenta. Além de ter provocado o PCC à luta no final de maio, num ataque cujo caráter criminoso está demonstrado, a polícia paulista empenhou-se, nos meses seguintes, em tornar a disputa cada vez mais sangrenta e mais letal para a população civil.
     Alguns episódios são emblemáticos desta tendência e da barbárie produzida por ela. Em 10 de outubro, por exemplo, um soldado de 36 anos foi executado em Taboão da Serra, oeste da Grande São Paulo. Dois homens dispararam seis tiros em seu corpo. Nas horas seguintes, no mesmo município, nove pessoas foram assassinadas. Duas delas foram vítimas da ROTA — execuções, segundo testemunhas. As sete outras, em circunstâncias nunca esclarecidas, mas muito assemelhadas às descritas por Bob Fernandes, em seu comentário recente. Poucos dias antes, na Baixada Santista, um outroepisódio, em condições muito semelhantes, deixou, em cinco dias, um rastro de quinze mortos. Em nenhum destes casos houve investigações sobre o comportamento dos policiais — nem por parte de seus pares, nem da mídia…
A esta altura é perturbador, porém inevitável, traçar um paralelo. Radicalizar ao máximo a guerra contra o PCC; afogar o “inimigo” em sangue, sem se importar com o risco de atingir a população como um todo, foi a estratégia que prevaleceu na PM em 2006, quando a força enfrentou pela primeira vez o grupo criminoso. Entre 12 e 20 de maio daquele ano, mais de 500 pessoas foram assassinadas em chacinas e execuções na capital, região metropolitana, interior e litoral de São Paulo. A grande maioria não tinha relação alguma com o PCC, como denunciam, desde então, as Mães de Maio. Adotou-se aparentemente a ideia de que deflagrar terror indiscriminado contra a população forçaria o grupo criminoso a recuar, temeroso de perder apoio de suas bases sociais.

III.
     Um personagem destacado é comum aos episódios de 2006 e aos de hoje: o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Não estava diretamente à frente do Palácio dos Bandeirantes, durante a primeira rebelião do PCC (deixara o posto um mês antes, para concorrer à presidência da República). Mas havia governado o Estado nos seis anos anteriores e executara uma política de segurança considerada ao mesmo tempo brutal e ineficiente. Sua ligação com os acontecimentos ficou patente ao abandonar, de modo abrupto, uma entrevista em que jornalistas britânicos (ao contrário da grande mídia brasileira) questionaram-no sobre o ocorrido.
     Apontado como membro da organização ultra-direitista Opus Dei, até mesmo por integrantes de seu partido (o PSDB), Alckmin é visto, por parte da elite brasileira, como uma liderança importante a preservar. As declarações que tem dado, desde maio, em favor das posições mais belicosas e agressivas, no interior da PM, são eloquentes.
     Falta muito a apurar, na trilha tenebrosa e caótica para a qual descambou a segurança (?) pública em São Paulo, desde maio. Por que, após uma tentativa fugaz de investigar ações ilegais e criminosas de parte de seus integrantes, a PM desistiu do esforço? Que levou a imprensa — que também denunciou a truculência, num primeiro momento — a silenciar e a repetir, desde junho, uma versão insustentável? Um setor de policiais especialmente violento terá conseguido impor sua postura? De que forma estarão envolvidos o governador e a imprensa?
     O certo é que, para interromper a escalada sangrenta, a sociedade precisa agir — o quanto antes.

Saiba Mais – Filmes:
Salve Geral
Salve Geral (2009), é um filme de Sérgio Rezende. A história aborda os acontecimentos envolvendo a violência do Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo, em 2006.
Lúcia (Andréia Beltrão) é uma viúva de classe média que sonha em tirar o filho Rafael (Lee Thalor), de 18 anos, da prisão. Em suas frequentes visitas à penitenciária ela conhece Ruiva (Denise Weinberg), advogada do Professor (Bruno Perillo), líder do Comando. As duas ficam amigas e logo Lúcia é usada em missões ligadas à organização criminosa. Precisando do dinheiro, ela aceita realizar as tarefas. Paralelamente o Comando passa por uma luta interna pelo poder, ampliada pelo confronto dos prisioneiros com o sistema carcerário. Quando o governo decide transferir, de uma só vez, centenas de presos para penitenciárias de segurança máxima no interior do estado, o Comando envia a ordem para que seus integrantes realizem uma série de ataques em pleno Dia das Mães, deixando a cidade de São Paulo sitiada. Inspirado em fatos verídicos, ‘Salve Geral’ conta uma história de ficção das mulheres por trás do Comando e mostra que quando a lei e a ética são postas em questão o que impera é a força. Foi escolhido para ser o representante brasileiro ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010.
Direção: Sérgio Rezende
http://ul.to/bhkfeugv
Ano: 2009
Áudio: Português
Duração: 121 min.

 Verônica
Verônica (Andréa Beltrão) é uma professora da rede municipal do Rio de Janeiro. Depois de vinte anos na profissão, ela encontra-se estressada. Um dia, após o final da aula, ela repara que ninguém veio buscar Leandro (Matheus de Sá), seu aluno de oito anos. Tarde da noite, ela decide levar Leandro para casa, ao chegar à favela, descobre que os pais do garoto foram assassinados e que os assassinos estão atrás dele. Diante da situação, Verônica decide levar o menino consigo e conta com a ajuda de seu ex-marido e policial, Paulo (Marco Ricca). Ela procura ajuda e descobre que a policia também está ligada ao assassinato dos pais do menino. Sem poder confiar em ninguém, ela decide esconder o garoto.
Assim, Verônica é obrigada a enfrentar policiais e traficantes para sobreviver. E enquanto procura uma maneira de escapar com o menino, redescobre sentimentos que estavam adormecidos na sua vida solitária e difícil.
Direção: Maurício Farias
Ano: 2009
http://ul.to/f5ft3gcqÁudio: Português
Duração: 91 min.