“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Tragédia oculta

Política contra a seca no Ceará confinava flagelados famintos em campos de concentração para impedir que invadissem as cidades e as enfeassem com suas súplicas e penúria.
Frederico de Castro Neves
     Sempre que pronunciamos as palavras "campos de concentração" surgem imediatamente as imagens dos horrores nazistas. No entanto, a expressão "campos de concentração" é anterior à Segunda Guerra Mundial e pode ser utilizada para designar experiências dife­rentes, sem genocídio programado. Foi este o caso das políticas de controle estatal sobre a população de retirantes das secas no Ceará na primeira metade do século XX, tema que, com algumas exceções, esteve ausente por muito tempo dos trabalhos dos historia­dores e cronistas. As "obras contra as secas" apare­ciam como uma extensão do progresso, e com isso as formas de assistência aos miseráveis eram tomadas como necessárias e inevitáveis, não importando quais mecanismos tenham sido usados para impedir as migrações e promover o trabalho árduo e mal re­munerado. O objetivo destes campos cearenses, os chamados "currais do governo", era combater as in­vasões de retirantes nas cidades mais abastadas.
     Em Fortaleza, a primeira destas invasões ocorreu em 1877, quando cerca de 120 mil camponeses arruinados ocuparam as principais praças e ruas de uma ci­dade que se procurava "aformosear" com a implanta­ção de jardins, cafés e edifícios de padrões europeus, e portanto exigia do governo provincial uma resposta rápida e segura, sobretudo para preservar o quadrilá­tero central de Fortaleza, onde os principais prédios públicos estavam sendo construídos e as famílias mais abastadas possuíam seus casarões. Os acampamentos - ou "abarracamentos" - dos retirantes passaram a ser o objeto da preocupação dos governantes, médicos e policiais, que viam nessa aglomeração de famintos e doentes uma fonte de epidemias, criminalidade e prostituição. De fato, a varíola chegou a infectar cerca de 80 mil pessoas, deixando o sistema de transporte e sepultamento dos cadáveres em colapso. Os poucos coveiros, às vezes recrutados entre os próprios retiran­tes, nem sempre conseguiam dar conta da quantidade de mortos a serem enterrados, deixando corpos empi­lhados para o dia seguinte. Não é à toa que o historiador Raimundo Girão afirmou que Fortaleza, naqueles anos, se transformou na "metrópole da fome, a capital de um pavoroso reino". O governo provincial, nestas graves circunstâncias, tentou disciplinar os abarracamentos, dividindo a cidade em distritos administra­dos por comissários, os quais tinham a função de organizar a distribuição de comida, o alistamento de trabalhado­res para as várias obras públicas iniciadas no período e garantir a ordem in­terna, impedindo a circulação dos re­tirantes pela cidade e combatendo a criminalidade e a prostituição.
     A repetição das invasões em menor escala em 1888-1889 e 1899-1900 dei­xava claro para as autoridades que al­go mais definitivo deveria ser feito pa­ra poupar a população urbana das in­vestidas dos miseráveis, que pediam esmolas, furta­vam as casas, saqueavam os armazéns e prostituíam suas mulheres e filhas. Consolidava-se entre as elites cearenses uma concepção segregacionista da assistên­cia aos pobres em momentos de seca, que levaria à criação do Campo de Concentração do Alagadiço, em 1915. Naquele ano, os agricultores arruinados come­çaram a chegar em Fortaleza, anunciando mais uma seca. O clima político era tenso: três anos antes o go­verno provincial havia sido deposto por uma revolta popular, e após a sedição de Juazeiro em 1914 "cabras" armados saqueavam as cidades em nome do Padre Cícero e de Floro Bartolomeu. Pesando todos estes fatores, o governo decidiu adotar uma solução radical para os retirantes. Na estação de Otávio Bonfim, na peri­feria da cidade, eles eram desembarca­dos e conduzidos diretamente para um terreno previamente preparado, cerca­do, iluminado e vigiado por homens armados, de onde não poderiam mais sair. O coronel Benjamin Barroso, pre­sidente do estado na época, chamou este espaço de "campo de concentração", mas o povo continuou a chamar de "curral", em referência aos currais abandonados durante as secas, que eram ocupados pelos re­tirantes em sua trajetória em direção às cidades.
     Ao contrário dos "abarracamentos" das secas ante­riores, que eram tentativas de controle sobre os acam­pamentos espontâneos dos retirantes, o campo foi pla­nejado com o objetivo de conter o aumento descon­trolado da criminalidade e da prostituição. A distri­buição de alimentos, roupas ou remédios era realizada em seu interior, atraindo mais e mais retirantes, que não paravam de chegar. Mas, apesar da obrigatorieda­de e do confinamento, o governo não oferecia uma si­tuação de conforto sanitário, nem permitia que as fa­mílias se acomodassem em espaço suficiente. O "cam­po" apenas impedia o contato dos retirantes famintos com a população da cidade, concentrando em um pe­queno cercado todos os recursos disponíveis para a as­sistência. Em pouco tempo, mais de 8 mil pessoas se aglomeravam em casebres de taipa e cobertura de pa­lha, sem as mínimas condições de higiene, configuran­do um ambiente extremamente favorável às doenças e aos conflitos. De fato, os poucos registros deixam uma impressão de horror e morte, com corpos empilhados ao lado do campo, esperando transporte para o cemi­tério, onde seriam atirados em valas comuns.
     Para os retirantes, o "campo" era o último recurso, cheio de sofrimento e dor, que sua condição de sem-terra tornava inevitável. Mas nestes anos eles apren­deram a se organizar em multidões aparentemente disformes e sem controle, que levavam o medo às au­toridades e aos comerciantes de alimentos. O simples ajuntamento de retirantes já era suficiente para ater­rorizar as populações das cidades mais próximas às áreas secas. Em 1932, quando os saques a mercados no interior começaram a acontecer já no início do ano, os governantes sabiam que algo mais grave pode­ria acontecer, caso os conflitos se generalizassem por todo o Ceará. Porém, o clima político nacional era muito instável, com as forças militares de São Paulo levantando-se em armas contra o governo provisório de Getúlio Vargas. O governo não poderia permitir mais uma fonte de conflito no norte do país. Um am­plo programa de "socorros públicos" foi então organizado, tendo como base a construção de vários "cam­pos de concentração" espalhados por todo o território afetado pela seca. Desta vez, os retirantes deveriam ser enviados a campos de trabalho, com o propósito de ocupar a mente instável e arredia daqueles homens pobres, que, pressionados pela fome, não hesitavam em atacar os armazéns.
     Como se vê, o alto índice de mortalidade entre os "concentrados" de Fortaleza em 1915 não foi considerado um obstáculo para o planejamento das ações governamentais; pelo contrário, a ideia de concentrar e isolar os retirantes foi aperfeiçoada e ampliada. Em 1932, foram criados sete campos de concentração em locais estrategicamente escolhidos, para que a rota de migração dos camponeses em direção a Fortaleza fosse interrompida, reduzindo o número de retirantes que chegavam à capital. Contudo, os campos de concentração não procuravam interferir apenas na mobilidade dos homens pobres do mundo rural. No interior de cada cam­po, uma série de medidas visava a com­bater costumes arraigados e inserir no­vos comportamentos, tanto no que diz respeito ao trabalho quanto ao trato com o próprio corpo. O trabalho era organizado por engenheiros e chefes da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS) e obedecia a um padrão coletivo, em que a divisão de tarefas era fundamental. Os camponeses eram divididos em grupos e executa­vam serviços simples e repetitivos, sob o controle e a vi­gilância de um "feitor" e de um "apontador". Ao menor sinal de atraso, desleixo ou rebeldia, o trabalhador era cortado da lista de pagamento e não recebia sua ração diária de alimentos. Na construção dos açudes, as tur­mas de retirantes removiam manualmente pedras e areia das áreas a serem alagadas, sob os olhares sempre severos dos chefes, sem domínio sobre o significado daquilo que estavam construindo.
     Quanto ao trato com o corpo, no momento em que os retirantes entra­vam no campo eram obrigados a cor­tar o cabelo, fazer a barba e tomar banho, sendo observados por médicos e enfermeiros que administravam remé­dios e ditavam normas de comporta­mento coletivo a serem rigorosamente seguidas, sob pena de exclusão imedia­ta e perda do acesso às rações. A vaci­nação também era obrigatória, e os exames frequentes procuravam evitar a proliferação de doenças graves, mas eram vistos pelos retirantes como uma invasão da intimidade e muitas vezes as crianças eram escondidas, mesmo estando doentes, para não serem examinadas. Alguns campos, como o do Ipu, tinham postos médicos, que procuravam zelar pelo controle das epidemias, embora muitos enfermeiros tenham si­do acusados de abusos e desrespeito. Os testes laboratoriais com os mortos, por outro lado, eram vistos co­mo profanação dos cadáveres e, mais uma vez, o direi­to à assistência em tempos de seca foi sentido pelos agricultores como sofrimento e humilhação.
     Apesar da mortalidade intensa e das medidas de disciplinamento, controle e vigilância, as diferenças entre os campos brasileiros de refugiados das secas e os campos de extermínio de judeus e outros dissidentes são claras. Burity não era Auschwitz. Os reti­rantes não eram conduzidos deliberadamente para a morte, embora as condições em que eram levados a viver debilitassem seriamente sua saúde. A concepção que criou os campos no Ceará era, definiti­vamente, de assistência social e de "socorros públicos". É preciso, contudo, que nossa avaliação, dis­tante no tempo e no espaço, não se deixe levar pelas aparências e consiga situar o uso das expressões e as formas de lidar com os pobres a partir das pressões e tradições vigentes em cada momento.
     No total, segundo os dados do Ministério da Via­ção e Obras, cerca de 90 mil retirantes estiveram concentrados ao mesmo tempo nos "campos de concen­tração" do governo, em 1932. O campo do Burity, na cidade do Crato, chegou a abrigar quase 60 mil pes­soas - mais da metade da população de Fortaleza à época, que era de 100 mil pessoas. As dimensões des­sa experiência social de isolamento e concentração dos retirantes em tempos de seca ilustram o investimento feito pelo governo e as opiniões expressas nos jornais da época demonstram que os setores mais abastados de Fortaleza apoiaram e legitimaram a formação dos campos, saudando seus resultados.
     O relacionamento destas camadas com os retiran­tes no Ceará passou por diversas modificações ao longo do período tratado aqui. A caridade e o conforto pessoal, mecanismos de proteção à pobreza mais co­muns no universo das relações paternalistas rurais, pa­recem perder validade diante da formação da socieda­de aburguesada e individualista das cidades, onde os pobres só encontram lugar nas instituições impessoais de assistência social. Todavia, essa passagem nunca se processou completamente, e o clientelismo, os alista­mentos, a violência pessoal e o apadrinhamento con­vivem com projetos e programas sociais, estatais e pri­vados, que buscam amenizar a miséria dos retirantes. Os "campos de concentração" expressam essa contra­dição, em que valores de dois mundos se combinam na formação de uma imagem dos pobres ora como vi­gorosos trabalhadores que tudo perderam com a seca, ora como preguiçosos que preferem as esmolas do go­verno ao trabalho pesado nas frentes de serviço.

Frederico de Castro Neves é professordo Departamento de História da Universidade Federal do Ceará e autor de A Multidão e a História: saques e outras ações de massas no Ceará. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000.

Fonte: Revista Nossa História - Ano I - nº 2 - Dez. 2003 

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Munduruku lutam pelo território

“Esse é um projeto (a construção da hidrelétrica no rio Tapajós) que traz morte. Acaba com a vida, a cultura, expulsa e tira dignidade do povo Munduruku. Dizima crenças, a cultura e a identidade desse povo”.
     Indígenas do povo Munduruku ocuparam na última sexta-feira, dia 28 de novembro, a sede da Funai na cidade de Itaituba, no sudoeste do Pará. Alguns veículos de comunicação estão noticiando o fato, mas a maioria deles não contextualiza a situação, de modo a facilitar uma interpretação agressiva da atitude dos índios. O que não se explica, no entanto, é a violência que os Munduruku estão vivenciando diariamente, sob pressão do governo brasileiro, em aliança com interesses privados. O objetivo da pressão é a construção da hidrelétrica no rio Tapajós, como parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
     O que os povos Munduruku querem é a publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Sawré Muybu Dajê Kapap Eypi, como garantia de permanência do povo no local que ocupam há centenas de anos. O relatório já está pronto. Basta que a Funai o publique e o que emperra o processo são os interesses envolvidos na região. Como o órgão não avança, os indígenas iniciaram um processo de estudo e demarcação próprios, com apoio de entidades da sociedade civil. (Leia carta de autodemarcação dos Munduruku)
     Mas a queda de braço ainda está longe de terminar. A resposta da sociedade civil à tentativa de imposição da hidrelétrica tem sido forte. Segundo previsões da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a megausina São Luís do Tapajós, no Pará, deveria entrar em operação em 2016. Os conflitos socioambientais (que não se limitam à questão com os índios, mas incluem a redução de áreas de floresta amazônica) já empurraram a previsão para 2020.
     Mas a briga continua, como mostra o documentário abaixo, lançado em novembro. A documentarista Nayana Fernandez, brasileira de 33 anos, percorreu aldeias da tribo indígena ao longo do rio Cururu, afluente do Tapajós, para registrar a luta dos munduruku contra o complexo hidrelétrico. O projeto prevê a construção de mais de 20 barragens na bacia do Tapajós, com recursos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). O resultado das filmagens é o documentário “Índios Munduruku: Tecendo a Resistência”, lançado simultaneamente no Brasil e na Inglaterra. A produção independente contou com o apoio de organizações britânicas e de lideranças da etnia mundurucu.
     Ana Laide Barbosa, do Projeto Xingu Vivo para Sempre afirma no vídeo: “Esse é um projeto que traz morte. Acaba com a vida, a cultura, expulsa e tira dignidade do povo Munduruku. Dizima crenças, a cultura e a identidade desse povo”.   
     O link do documentário está abaixo, na íntegra. Para mais informações sobre a luta do povo Munduruku, acesse o site sobre a autodemarcação no Tapajós.
Reino Unido/Brasil, 25min
Dir.: Nayana Fernandez

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Brasil Místico

A série, com 13 episódios, aborda os discursos, os rituais, a fé e a beleza de religiões existentes no Brasil. Para isso, conta com a participação de líderes religiosos, fiéis, pesquisadores, especialistas, além de ateus e agnósticos.  Com o objetivo de registrar as diferentes crenças no Brasil, foram selecionadas mais de 50 religiões no território nacional. Entre as religiões, estão a protestante, umbanda, espírita, hare krishna, católica, budismo, judaica e islâmica. A série traçará um paralelo entre as manifestações religiosas, identificando semelhanças e alteridades.
Direção: Sílvio Tendler
Ano: 2014
Áudio: Português
Duração: 26 min. cada episódio
Tamanho: 385 MB
Clique no nome do episódio para baixar

Qual é o verdadeiro sentido da nossa existência? De onde viemos e para onde nos estaríamos nos dirigindo? O que realmente motivaria o ser humano a ser conduzido em direção aos caminhos da fé? O ser humano é obrigado a lidar com fenômenos que não possuem uma resposta conclusiva. O povo brasileiro, em particular, apega-se à fé, a algo sobrenatural como forma de aliviar sua dor, sua incompreensão...

Cada religião encara o fim da vida terrena de uma forma particular. O que seria o pós-morte? Como se da a ritualização da Morte? Esse tema será explorado a fim de compreender-se melhor a mensagem filosófica que cada religião pretende passar acerca do significado da Morte e da Imortalidade.

As religiões propõem princípios norteadores da conduta humana na sociedade que influenciam na construção de diferentes dinâmicas sociais das mais diversas culturas encontradas no Brasil. Cada uma possui peculiaridades ricas e reveladoras: quais seriam as semelhanças e diferenças entre sociedades indígenas, a partir de seus preceitos religiosos?

É fato que o avanço da Ciência, através das novas tecnologias, tem possibilitado aspectos positivos jamais vistos pela Humanidade. Mas também nos expõe aos limites para o respeito aos mandamentos divinos. Como a Religião pode contribuir para a construção do Conhecimento? A Ciência é autossuficiente? Como se dá o diálogo entre Ciência e Religião no Brasil?

Religião e Religiosidade podem, em princípio, soar como sinônimos. Contudo, há uma diferença enorme que as diferencia. O ser humano religioso geralmente frequenta uma instituição religiosa onde são realizados cultos e rituais.

Os ateus e os agnósticos representam uma importante parcela da população brasileira. Por conseguinte, não poderíamos deixar de analisar esse grupo que ao se opor aos ideais propostos pela religião acabam, no entanto, assumindo um papel antirreligioso que deve ser debatido e aprofundado.

Nas religiões, assim como na sociedade, os papeis masculinos e femininos são previstos. Rituais, vestimentas e hierarquia são atribuídas distintamente para homens e mulheres. Algumas delas por tradição não tem mulheres nas lideranças; a luta por esse espaço é uma busca por afirmação e reconhecimento. Em algumas religiões as mulheres já exercem as funções mais importantes.

No Brasil, o Estado é laico, mas presenciamos um crescimento de parlamentares ligados a diferentes correntes religiosas que denotam uma relação entre Estado e Religião. Nesse sentido, é fundamental analisar como se dá essa dinâmica e se é possível fazermos um juízo de valor acerca da atuação desses representantes em favor de sua agenda baseada em seus valores religiosos.

Buscaremos retratar rituais fundamentais na diversidade religiosa brasileira, bem como seus significados contidos. É extremamente valioso observar a multiplicidade e a riqueza dos rituais – como os toques dos atabaques determinam a comunicação com as divindades, caso do Candomblé e da Umbanda; ou onde o silêncio é o fundamento para a espiritualidade, como no caso do Budismo.

A sociedade brasileira vem passando por profundas transformações no que se refere aos arranjos familiares. Antigamente, era comum que os casamentos durassem “que a morte os separe”. Hoje em dia, no entanto, é cada vez mais comum que casais se divorciem e seus filhos passem a ter que conviver com o fato de que seus pais tenham novos parceiros.

Como obras literárias promovem uma revelação divina? No Islamismo, o Alcorão como a última escritura revelada. Já para o Cristianismo, a Bíblia é considerada o Livro Sagrado, sendo Jesus a encarnação de Deus. No Judaísmo, o livro sagrado é a Torá que teria sido entregue por Deus a Moisés. Por conseguinte, buscaremos compreender a importância desses livros sagrados para as distintas religiões.

Neste episódio exploraremos alguns lugares sagrados e místicos que existem no Brasil. Nesse sentido, exploraremos a forte religiosidade presente, por exemplo, em Juazeiro (CE), Vale do Amanhecer (DF), Abadiânia (GO), Codó (MA), as tribos Mundukuru (PA) e o Santo Daime (AC).

Ética constitui um conjunto de valores morais e princípios que norteiam a conduta humana na sociedade. Na contemporaneidade, a Ética está sendo pautada constantemente à luz dos novos desafios da Humanidade: bioética, redes sociais, relacionamentos fugazes, aceleramento do ritmo da vida, relação com a Natureza e com o próximo. O que seria a ética para cada uma das religiões?

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A Ciência e o Islã (Science and Islam)

     Jim Al-Khalili, professor de Física na Universidade de Surrey. Nasceu e foi criado em Bagdá, de mãe inglesa e pai iraquiano, deixou Iraque com sua família no fim dos anos 70, quando Sadam Hussain chegou ao poder. O físico viajara pela Síria, Irã, Tunísia e Espanha para contar a história do grande avanço científico no conhecimento que ocorreu no mundo islâmico entre os séculos VIII e XIV.
     Segundo Jim Al-Khalili: “Ainda me lembro dos meus tempos de escola no Iraque de me ensinarem sobre a era de ouro do conhecimento islâmico. Que entre os séculos IX e XII, um grande avanço no conhecimento científico ocorreu em Bagdá, Damasco, Cairo e Córdoba.
     Quero desenterrar essa história oculta para descobrir seus grandes personagens e avaliar exatamente qual foi a sua contribuição para a ciência. Há cientistas medievais muçulmanos que deviam ser falados da mesma forma que Galileu, Newton e Einstein? E, principalmente, qual a relação entre a Ciência e o Islã?
Direção: Tim Usborne
Ano: 2009
Áudio: Inglês
Legenda: Português/no post
Duração: +- 58 minutos /cada episódio

Ep.01 - A Linguagem da Ciência
“Minha viagem pela ciência do mundo medieval islâmico irá me levar à Síria, ao Irã e ao norte da África.
Comecei nas ruelas da capital egípcia do Cairo, com a percepção de que a linguagem da ciência moderna ainda tem muitas referências de origens árabes. Por exemplo, termos científicos como álgebra, algoritmo, álcali. Eu instantaneamente reconheço essas palavras como árabes. E elas estão no centro do que a ciência faz. Não haveria matemática ou física modernas sem álgebra. Nem computadores sem algoritmos ou química sem álcalis. Surpreendentemente, poucas pessoas no Ocidente hoje, inclusive cientistas, sabem desse legado medieval islâmico.

Ep.02 - O Império da Razão
O professor Jim Al-Khalili  ira investigar como uma das ideias mais importantes do mundo surgiu no império islâmico. “Descobrirei como a matemática e a experimentação se fundiram quando o império adotou uma revolução industrial medieval. E, no Cairo, descobrirei como essas ideias levaram diretamente ao mundo atual da ciência e tecnologia”.

Ep.03 - O Poder da Dúvida
No último episódio, Jim Al-Khalili  vai à Síria e ao norte do Irã para descobrir acerca dos grandes cientistas islâmicos que revolucionaram a astronomia, transformando-a numa ciência moderna.
“E também descobrirei como o homem que muitos consideram o pai da renascença científica europeia, Copérnico, utilizou-se de teorias astronômicas islâmicas. E revelarei o mistério de como a Era de Ouro da ciência islâmica chegou ao fim”.

sábado, 1 de novembro de 2014

A voz que vem dos campos

Francisco Julião foi o mentor das Ligas Camponesas, que influenciaram o Movimento dos Sem-Terra.
     Advogado que adorava causas perdidas, Francisco Julião se engajou na luta dos camponeses como quem atende a um chamado do destino: por inteiro e sem a menor disposição para concessões. Filho de uma família católica de donos de engenho, Francisco Juliano (que ele mudaria para “Julião”) Arruda de Paula nasceu em 16 de fevereiro de 1915 no Engenho Boa Esperança, na cidade de Bom Jardim, Pernambuco. Elegeu-se deputado estadual em 1954, pelo PSB. Pouco depois, foi procurado por uma comissão de moradores do Engenho Galileia, no município de Vitória de Santo Antão, que haviam criado uma associação de camponeses, e por isso estavam ameaçados de despejo pelo proprietário. Entre os fundadores estava um antigo integrante do Partido Comunista Brasileiro, José dos Prazeres.
    Nos anos 1940, o PCB havia criado entidades rurais com o nome de “ligas”, extintas na mesma década sem nunca terem alcançado projeção. Os objetivos da organização surgida no Galileia, porém, eram pontuais e localizados, como a criação de uma cooperativa financeira para empréstimos e auxílio funerário. Julião recebeu a comissão e prometeu ajudar os camponeses. Foi o encontro da chispa com a palha seca, disse o escritor Antonio Callado (1917-1997) em uma série de reportagens publicadas no Correio da Manhã entre 10 e 13 de setembro de 1959.
     Julião providenciou a papelada para legalizar a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco (SAPPP), e no dia 1º de janeiro de 1955 visitou o engenho para sacramentar o ato. No mesmo ano, a SAPPP começou a ser chamada de “liga” por deputados estaduais conservadores e pela imprensa do Recife. Era uma tentativa de estabelecer uma ligação entre a nova associação e as antigas “ligas” do PCB. Mas Julião intuiu a força do nome e o adotou para o movimento.
     Ele escreveu seis livros, sendo dois de ficção: um de contos, Cachaça (1951), elogiado pelo sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987), e um romance, Irmão Juazeiro (1961). Foi o único líder brasileiro que reivindicou para si a definição de “agitador”, como se vê no livro Cambão, que lançou no México em 1968: “Agitador, sim! Como é possível conceber a vida sem agitação? Porque o vento agita a planta, o pólen se une ao pólen de onde nasce o fruto e se abotoa a espiga que amadurece nas searas. Manda o médico que se agitem certos remédios no momento de tomá-los e o farmacêutico chega a escrever nas bulas este aviso: ‘Agite antes de usar’”. E arrematava: “O crime não está em agitar, mas em permanecer imóvel”.
     A agitação foi o meio que encontrou para dar visibilidade e capacidade de pressão aos camponeses. No início da década de 1960, dos vinte e dois estados existentes no Brasil, havia núcleos do movimento em treze. Um dos principais fatores para a expansão nacional das Ligas foi a facilidade com que podiam ser fundadas. Eram legalmente uma sociedade civil de direito privado; bastava reunir um grupo de camponeses, aprovar o estatuto, eleger a diretoria e registrar tudo no cartório da cidade. 
     A partir de 1961, as Ligas radicalizaram e adotaram o slogan “Reforma agrária na lei ou na marra”
. Estreitaram-se as ligações do movimento com Cuba. Julião visitou o país duas vezes. Tornou-se amigo de Fidel Castro e um aguerrido defensor do seu governo. Eleito deputado federal em 1962, teve o mandato cassado na primeira lista após o golpe civil-militar de 1964. Escreveu então um manifesto encaminhado ao escritor uruguaio Eduardo Galeano, que publicou o texto no semanário Marcha, em 24 de abril daquele ano. Julião convocava o povo a resistir ao golpe e defender a Constituição “de armas na mão”.
       Foi preso em 3 de junho de 1964, no interior de Goiás. Posto em liberdade em  27 de setembro do ano seguinte por força de um habeas corpus, seguiu para o exílio no México. Em um dia de 1976, um bolsista brasileiro que estudava lá o procurou. Fez duas perguntas-chave: o que dera certo e o que dera errado com as Ligas Camponesas? Julião se queixou da falta de formação de quadros, da infiltração de elementos de direita no movimento, e falou da necessidade de autonomia da organização em relação aos partidos. O estudante se chamava João Pedro Stédile. O Movimento dos Sem-Terra (MST) foi fundado oito anos depois daquele encontro, tendo o antigo bolsista como um dos seus principais líderes. “O MST se considera um descendente, um seguidor das Ligas Camponesas”, afirma Stédile hoje.
    No exílio, Julião vivia pobremente, dando palestras e escrevendo artigos. Em sua casa, na periferia de Cuernavaca, não havia luz elétrica; a iluminação era à base de velas e de lampião. Por lá passaram figuras como o então senador chileno Salvador Allende (1908-1973), que em 1965 pôs discretamente mil dólares no bolso de um paletó de Julião, pendurado numa cadeira, e o escritor colombiano Gabriel García Márquez, de quem o líder camponês era amigo. Os dois planejaram escrever em 1978 um livro sobre a Revolução Mexicana (1910-1920), que nunca se concretizou. 
     Quando retornou ao Brasil, em 1979, Julião se filiou ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), fundado por Leonel Brizola. Em 1986, na primeira eleição que disputou após a volta do exílio, candidatou-se a deputado federal por Pernambuco, mas tomou uma decisão que ninguém entendeu: apoiou o candidato a governador pelo Partido da Frente Liberal (PFL) – atual Democratas (DEM) –, o usineiro José Múcio Monteiro, hoje ministro do Tribunal de Contas da União. Mas o candidato pelo PMDB, Miguel Arraes (1916-2005), foi eleito. Divergências entre Brizola, ligado ao trabalhismo e ao getulismo, e Arraes, defensor de que a antiga oposição ao regime militar se unisse em uma Frente em vez de dividir-se em pequenos partidos, podem ter sido a razão da escolha de Julião. O fato é que ele teve uma votação irrisória – menos de quatro mil votos – e saiu de cena.
     Atuou discretamente no PDT e depois retornou ao México. Morava na periferia de uma pequena cidade, Tepoztlán, num apartamento alugado, construído sobre a laje de uma mercearia, quando sofreu um infarto no dia 10 de julho de 1999. Foi cremado e suas cinzas permanecem com a mulher com quem estava casado, a mexicana Marta Rosas Julião.
     Aos 84 anos, distante do seu povo, pobre e isolado numa cidadezinha mexicana, morria um agitador do Brasil.


Vandeck Santiago é jornalista e autor de “Francisco Julião – Vida, paixão e morte de um agitador” (Assembleia Legislativa de Pernambuco, 2001) e de “Francisco Julião, as Ligas e o golpe militar de 64” (Comunigraf, 2004).

Saiba Mais - Bibliografia
AZEVEDO, Fernando Antônio. As Ligas Camponesas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
AZEVEDO, Fernando Antônio. “Revisitando as Ligas Camponesas”, in O golpe de 1964 e o regime militar. São Carlos: EdUFSCar, 2006.
STÉDILE. João Pedro (org.). A questão agrária, v. 4. São Paulo: Expressão Popular, 2006.

Saiba Mais - Filmes
Cabra Marcado Para Morrer
No início da década de 60, João Pedro Teixeira, líder da liga camponesa de Sapé (Paraíba), é assassinado por ordem dos latifundiários do Nordeste. As filmagens de sua vida, interpretada pelos próprios camponeses, foram interrompidas pelo golpe militar de 31 de março de 1964. Dezessete anos depois, o diretor Eduardo Coutinho retoma o projeto e procura a viúva Elizabeth Teixeira e seus dez filhos, espalhados pela onda de repressão que seguiu ao episódio do assassinato. O tema principal do filme passa a ser a trajetória de cada um dos personagens que, por meio de lembranças e imagens do passado, evocam o drama de uma família de camponeses durante os longos anos do regime militar.
Direção: Eduardo Coutinho
Ano: 1984
Áudio: Português
Duração: 120 minutos