“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

domingo, 30 de outubro de 2011

11 de Setembro (11’9″01 – September 11)


Após os acontecimentos de 11 de setembro de 2001, o produtor artístico Alain Brigand pediu a 11 diretores que contribuíssem cada um com um curta-metragem para uma coletânea que seria exibida internacionalmente. Inspirados naquele dia, todos os realizadores tiveram liberdade artística para refletir sobre o atentado, obedecendo à duração de 11 minutos, 9 segundos e 1 frame - ou 11'09''01.
Onze curta-metragens abordando diversos aspectos dos ataques terroristas aos Estados Unidos, ocorridos em 11 de setembro de 2001. Danis Tanovic e Ken Loach relacionam a data do atentado a outros acontecimentos. Tanovic lembra-se do dia 11 de julho de 1995, quando ocorreu o massacre em Srebrnica e Loach rememora que Salvador Allende foi deposto do governo chileno em 11 de setembro de 1973. Idrissa Ouedraogo realizou uma comédia reflexiva sobre Burkina Faso. Samira Makhmalbaf mostra uma professora que tenta explicar o ataque a um grupo de crianças. Sean Penn evoca a vida de uma viúva que morava à sombra das duas torres desabadas. Claude Lelouch descreve as reações de vários surdos ao evento ou que testemunharam o evento. Shonei Imamura recorre às memórias japonesas da Segunda Guerra Mundial e Mira Nair mostra os problemas das minorias étnicas. Amos Gitai dá a sua interpretação sobre o papel da mídia em uma informação de significado internacional. Alejandro González Iñárritu apresenta 11 minutos de preces na escuridão, enquanto Youssef Chahine reflete a perspectiva do Oriente Médio.

Direção: Youssef Chahine, Amos Gitai, Alejandro González Iñárritu, Shohei Imamura, Claude Lelouch, Ken Loach, Samira Makhmalbaf, Mira Nair, Idrissa Ouedraogo, Sean Penn, Danis Tanovic
Ano 2002
Áudio: espanhol, inglês, francês, árabe, hebraico, persa/Legendado
Duração:128 minutos

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

DITADURA MILITAR: "Cabo" Anselmo sabatinado

Em entrevista ao 'Roda Viva', da TV Brasil, ‘maior traidor da esquerda brasileira’ nega fatos históricos e até que sabia da gravidez de sua namorada, torturada e morta na ditadura.

     José Anselmo dos Santos, o “cabo” Anselmo – considerado o maior delator da esquerda armada brasileira – negou ontem, em entrevista à TV Brasil, vários fatos históricos a ele imputados.
Anselmo era presidente da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB) em março de 1964, até deixar a Marinha para, supostamente, se dedicar à luta armada. A repercussão de sua história ofuscou as trajetórias de vários de seus colegas de farda que, ao contrário dele, continuaram lutando contra o governo militar – como você pode ver aqui.
     O “cabo” garante que passou a delatar companheiros apenas em 1971, depois de ser torturado. Mas, ironicamente, ele diz que “não imaginaria” o que poderia acontecer com sua namorada Soledad Viedma (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18721), torturada até a morte pelos militares – além de negar, também, saber que ela estava grávida de quatro meses.
     Anselmo refutou – e não transpareceu – qualquer arrependimento. Para ele, tratava-se de “uma guerra declarada”, na qual “morreram gente dos dois lados” e que Soledad “escolheu enfrentar os policiais da ditadura”. Anselmo negou, inclusive, ter dado informações sobre companheiros – sob o argumento de que tudo era colhido por sua “sombra”, um militar encarregado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, do Dops, de seguir Anselmo e todos que se encontravam com ele.
     O ex-militar declarou ainda que participaria da Comissão da Verdade – em votação no Congresso Nacional –, desde que “houvesse gente dos dois lados”. Anselmo hoje vive, segundo ele, de favores de amigos empresários – “nenhum deles ligados ao regime militar” – que se solidarizaram com sua história.
Veja alguns trechos da sabatina nos vídeos abaixo disponibilizados pela TV Brasil no YouTube.





FONTE: http://www.revistadehistoria.com.br/+ You Tube

domingo, 16 de outubro de 2011

APROFUNDAMENTO:(3) DITADURA - TORTURA

República e Cidadania

     A ditadura militar imposta em 1964 significou um retrocesso nos direitos de cidadania dos brasileiros.
Os direitos civis foram os mais violentados, sobretudo após a decretação do AI-5. Os direitos mais básicos do ser humano foram suspensos: os direitos à liberdade, à segurança individual, à livre expressão de opinião e até mesmo à vida. O setor repressivo de Estado poderia prender qualquer pessoa sem ordem judicial. O preso, sem direito a habeas corpus, corria o risco de tortura. Se morresse nas dependências policiais, não haveria punições aos culpados. Muitas pessoas foram presas e assassinadas nessas circunstâncias simplesmente porque expressaram opinião contrária ao governo militar. Os direitos civis também foram violentados com a censura prévia aos jornais, rádios e televisões. Não havia mais garantias sobre a privacidade da correspondência e da inviolabilidade do lar. Os direitos à organização e à greve foram suspensos.
     Também os direitos políticos sofreram grande retrocesso. A sociedade perdeu o direito de eleger o presidente da República, os governadores de estados, os prefeitos das capitais e de municípios considerados área de segurança nacional. Diversos mandatos de parlamentares de oposição foram cassados e o Congresso Nacional foi fechado em várias ocasiões.
     Os direitos sociais, por sua vez, conheceram avanços e recuos. A extensão das leis sociais ao campo foi um avanço nos direitos sociais, pois permitiu aos trabalhadores rurais o acesso a pensões, aposentadorias e assistência médica. Mas houve também um recuo desses direitos, como a degradação da escola pública e da rede de saúde pública. O arrocho salarial também prejudicou os trabalhadores.

Doutrina de Segurança Nacional

     A Doutrina de Segurança Nacional foi usada como justificativa paras Forças Armadas conservarem o poder após o golpe de 1964. Formulada nos EUA durante a Guerra Fria - sobretudo no National War College -, ideologia da segurança nacional partia do princípio de que o Ocidente capitalista vivia em guerra permanente contra o comunismo. A agressão poderia vir do exterior, ou seja, de países comunistas, ou do interior da própria sociedade dos países ocidentais. Neste caso, tratava-se do "inimigo interno" - cidadãos do próprio país que professavam a ideologia comunista. Segundo a ideologia de segurança nacional, eles deixavam de ser cidadãos para ser inimigos do Estado. No Brasil, a Doutrina de Segurança Nacional começou a ser estudada pelos militares na Escola Superior de Guerra, fundada em 1949. Mas até 1964, as Forças Armadas estavam subordinadas à Constituição democrática de 1946.
     Foi após o golpe de 1964 que a ESG aboliu dois fundamentos do regime democrático: a obediência dos militares ao poder civil e o respeito à legalidade democrática. Outra alteração importante foi sobre a própria função das Forças Armadas. Em um regime democrático, cabe a elas a defesa do país contra agressões externas. Com a Doutrina de Segurança Nacional, os militares também passaram a ser responsáveis pela "segurança interna".
     As mudanças instauradas pela ESG após 1964 no papel reservado às Forças Armadas foram influenciadas pelo contexto internacional da Guerra Fria. Após a Segunda Guerra Mundial, somente países que possuíam arsenais atômicos e alta tecnologia, como os EUA, poderiam enfrentar a URSS. Nesse contexto, as Forças Armadas de países como o Brasil não teriam o que fazer em uma guerra atômica. Assim, a Doutrina de Segurança Nacional passou a justificar a ação dos militares: sem ter como combater o inimigo externo, eles enfrentariam o inimigo que estaria dentro do próprio país – os comunistas.

A Igreja católica desafia a ditadura militar

Discurso de Dom Paulo Evaristo Arns no culto ecumênico em memória de Vladimir Herzog, realizado em 31 de outubro de 1975.
Estamos diante de Deus, único dono da vida, senhor da História e esperança dos que n'Ele confiam.
1- De fato, Deus é dono da vida. Ninguém toca impunemente no homem, que nasceu do coração de Deus, para ser fonte de amor em favor dos demais homens. Desde as primeiras páginas da Bíblia Sagrada até a última, Deus faz questão de comunicar constantemente aos homens que é maldito quem mancha suas mãos com o sangue de seu irmão. (...)
2 - Deus é também o senhor da História. Ao longo de toda a experiência humana, incentivou Ele os homens a se unirem e a marcharem juntos, para construir um mundo de paz, onde os pobres não fossem oprimidos e ninguém fosse opressor. (...) O senhor da História não aceita a violência em fase alguma, como solução de conflitos. Prefere sacrificar o próprio Unigênito para que não morram os demais irmãos. No meio da caminhada, oferece-lhes o Decálogo, para os orientar. E no meio do Decálogo, aparece a ordem, como imperativo inarredável, princípio universal, indiscutível: Não matarás. Quem matar, se entrega a si próprio nas mãos do senhor da História e não será apenas maldito na memória dos homens, mas também no julgamento de Deus.
3 - Nosso Deus é um Deus de esperança. Acontece facilmente que esquecemos o nosso Deus, quando achamos que sozinhos resolvemos os nossos problemas. Mas Ele está aí, na hora do caos, na hora da desesperança, nos acontecimentos sem saída. Ele se apresenta como Deus da esperança e da salvação, volta a apontar-nos o caminho da Justiça, a caminhada da solidariedade nas sendas da paz. (...)
     Neste momento, o Deus da esperança nos conclama para a solidariedade e para a luta pacífica, mas persistente, crescente, corajosa, em favor de uma geração que terá como símbolos os filhos de Vladimir Herzog, sua esposa e sua mãe.
     O Deus da vida, o Deus da História e o Deus da esperança coloca em nossas mãos a missão, exigente, mas pacífica, oposta a qualquer arbitrariedade e a qualquer violência, o que temos em nós de divino e de mais humano: construamos a Paz, na Justiça e na Verdade. 
(In: O Estado de S. Paulo, 1º novembro 1975. p. 14.)

A tortura como política: relato de um guerrilheiro preso

     Sem nenhuma ideia de quedas do PCBR no Rio e em São Paulo, fui à casa de um companheiro na noite de 20 de janeiro de 1970, conforme combinado. Chovia muito e eu segurava o guarda-chuva aberto, quando a janela do apartamento térreo se escancarou e aparecem à minha frente uma carabina, uma metralhadora e um revólver 38. (...)
     No terceiro andar do DEOPS (...), empurraram-me até uma sala, onde identifiquei certos implementos: duas mesas paralelas e separadas com uma grossa trave de madeira apoiada em ambas, a maquininha com a manivela e os fios, um funil, cordas, bastões etc. Tiraram-me a roupa e, desnudado, encostaram-me à parede. (...) A função começou por uma dose de choques elétricos. A intervalos, novas doses. (...) Depois de pontapés e telefones (tapas atordoantes e simultâneos nos dois ouvidos) (...) chegou a vez do pau de arara. (...) De pés e mãos atados por cordas, seguro à trave de face para cima, eu ia recebendo choques elétricos em várias partes do corpo, queimaduras nas plantas dos pés, telefones. A água derramada sobre o corpo aumentava o efeito da eletricidade. Fizeram o afogamento: introdução de água pelas narinas por meio de um funil. Com a cabeça inclinada para baixo, a água entope o nariz, sai pela boca e provoca a sensação de asfixia. (...)
     Creio que depois de seis horas de tortura, lá pelas três da madrugada, suspenderam a função e mandaram que me vestisse. O corpo muito dolorido, caminhei com dificuldade até largo recinto. Indicaram confortável poltrona para me acomodar (...). O resto da noite ia ser empregado na pressão psicológica. Perguntas sempre as mesmas, deboche, insultos. Tudo vile nojento. (...)
     Passados vários dias, resolveram encerrar a tortura e fui (...) prestar depoimento tomado o termo por escrito. Pelas suas perguntas, percebi que o descontrole, que tanto me inquietou, havia sido ineficaz. Nada me tiraram de comprometedor para os companheiros. (...)
     Afasto decididamente a pretensão de me apresentar como herói ou como exemplo. O meu relato não excluí os momentos de temor e desespero. Só não renunciei à luta. Prestei o depoimento da fase policial em condições de aguda debilitação física e num ambiente de terror onipresente. Duelava contra um inquisidor habilidoso. (...) Por deliberação calculada, declarei apenas um ato incriminador contra mim mesmo: o de participante da fundação do PCBR.
(GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. SãoPaulo: Ática, 1990. p. 216 e seguintes.)


Martírio de Frei Tito

     Após o golpe de 1964, alguns frades da ordem católica dominicana de São Paulo engajaram-se na luta contra a ditadura.
     Inspirados no grande movimento de abertura da Igreja para as questões sociais, trazido pelo Concílio Vaticano II (1962-1966), esses frades acabaram envolvendo-se com a luta armada. Na retaguarda, ajudavam a Ação Libertadora Nacional (ALN) , liderada pelo ex-deputado federal Carlos Marighella, recolhendo fundos, dando abrigo ou facilitando a fuga de perseguidos políticos.
     Os dominicanos envolvidos foram presos e, sob tortura, dois deles acabaram sendo usados para atrair Marighella, que foi executado em uma emboscada em 1969.
Em seguida, frei Tito foi capturado no convento dos dominicanos e, pouco depois, foi a vez de frei Betto, um religioso e pensador dominicano que se encontrava escondido no Rio Grande do Sul.
     O cearense frei Tito de Alencar Lima, que estudava Ciências Sociais na USP, foi preso em 1968 em Ibiúna, onde se realizava clandestinamente um Congresso da UNE. Em novembro de 1969, foi preso novamente, acusado de cooperar com a ALN, sendo submetido a torturas. Em fevereiro de 1970, quando já se encontrava detido no presídio Tiradentes, em São Paulo, foi levado à Oban, com o anúncio de que conheceria a "sucursal do inferno".
     Sofreu diversos tipos de tortura, entre as quais espancamentos no pau de arara, queimaduras de cigarros, choques elétricos em várias partes do corpo. Frei Tito, contudo, não falou nem denunciou seus companheiros. Usando de muita crueldade, os torturadores ordenavam-lhe que abrisse a boca para receber a "hóstia", nome que davam às descargas elétricas aplicadas à sua língua.
     No comando, o delegado Sérgio Paranhos Fleury mandava que beijasse seu anel. Dizendo ser o papa, acusava frei Tito de ser um traidor do país e da religião. Desesperado, frei Tito tentou o suicídio, cortando a
artéria da parte interna do cotovelo, mas foi socorrido.
     Em dezembro de 1970, Tito foi incluído em uma lista de presos políticos dos quais a Vanguarda Popular
Revolucionária (VPR), uma organização armada de esquerda que havia sequestrado o embaixador da Suíça, exigia a libertação. Rumou então para o Chile e, em seguida, para a Europa, onde se exilou na França.
     As torturas às quais foi submetido comprometeram gravemente a saúde mental de frei Tito. No convento dominicano francês onde recebeu abrigo, ele passou a ser acometido de frequentes alucinações, nas quais era assombrado pela figura do delegado Fleury, que o ameaçava. Enquanto esteve nas mãos dos torturadores, era frequentemente ameaçado por eles. Um dos torturadores costumava dizer que, caso não falasse o que queriam, seria quebrado por dentro, sem deixar marcas.
     Em agosto de 1974, o corpo de frei Tito foi encontrado inerte, pendurado no galho de um álamo. Ele cometera suicídio.

     Como diz um de seus poemas:
"Nos dias primaveris, colherei flores
para meu jardim da saudade.
Assim, exterminarei a lembrança de
um passado sombrio".

     Em 1983, os restos mortais de frei Tito foram trazidos para o Brasil. Na catedral da Sé, em São Paulo, o cardeal dom Paulo Evaristo Arns presidiu a cerimônia fúnebre. Depois o corpo seguiu para Fortaleza, onde foi sepultado.

Martírio de Diógenes Arruda Câmara

     "Em carta com data de 1969, o engenheiro Diógenes Arruda Câmara, de 55 anos, preso em São Paulo naquele mesmo ano, relata (...): Este era o meu estado físico: não podia me levantar, nem podia andar; hematoma generalizado dos ombros e costas até os dedos dos pés, inclusive os braços e as mãos, que ficaram quase pretas, saindo uma espécie de salmoura debaixo das unhas e das linhas de cada mão; os ouvidos inflamados; uma costela do lado esquerdo fraturada; o rim direito afetado; a perna direita com vários ligamentos da coxa rompidos, inclusive o joelho com o menisco fraturado, o que me deixou semiparalítico por mais de dois meses (...)"
(Arquidiocese de São Paulo. Brasil: nunca mais. 10ª. ed. Petrópolis: Vozes, 1985. p. 227.)

Mobilização pela memória dos desaparecidos

     ”Não esquecer os companheiros mortos pela ditadura militar, como também não perder de vista o que eles queriam, pelo que lutavam: Com esta frase, a presidente do Movimento Tortura Nunca Mais de Pernambuco, Amparo Araújo, explica o principal objetivo da associação. (...) O movimento tem unidades em nove estados brasileiros e é uma das associações espalhadas pelo país que buscam resgatar a história daqueles que perderam a vida, foram torturados ou desapareceram na luta contra a repressão.
     A militância dessas organizações não governamentais já chegou à internet. (...) A página do Comitê Catarinense Pró-Memória dos Mortos e Desaparecidos Políticos, com sede em Criciúma, em Santa Catarina, é uma delas. Fundado há 20 anos, ele reúne mães e irmãos de desaparecidos, além de ex-presos políticos e algumas pessoas que se comoveram com o trabalho da associação.
     O comitê trabalha em conjunto com o Movimento Tortura Nunca Mais.
     De acordo com a coordenadora da instituição, Derlei Catarina de Luca, (...) a luta para que a população brasileira saiba mais sobre o destino de ex-presos, mortos e desaparecidos políticos da época da ditadura militar tem dois objetivos principais: desfazer a imagem de bandidos dos torturados que o governo militar sempre quis passar e mostrar que a luta antirrepressão não foi em vão. 'Não fomos torturados nem vimos nossos companheiros morrerem à toa. Por isso, a luta de nossas associações tem tanto valor', completa: (Carolina Cardoso. Sites têm resgate histórico de desaparecidos. Disponível em http://www.torturanuncamais-sp.org/site/)

FONTE:
BRAICK, P. R.; MOTA, M. B. HISTÓRIA Das Cavernas ao Terceiro Milênio. S.P.: Ed. Moderna. 2010.
NOGUEIRA, F.H.G.; CAPELLARI, M. A. Ser Protagonista. S.P.: Edições SM. 2010.
VAINFAS, Ronaldo; (Et. Al.); HISTÓRIA O Mundo por um fio: do século XX ao XXI. S.P.: Ed. Saraiva. 2010
http://www.revistadehistoria.com.br/

APROFUNDAMENTO:(2) DITADURA: CULTURA ANOS 60 E 70

Leila Diniz e os anos 1960 no Brasil

     Durante os anos 1960, a sociedade brasileira era muito conservadora. Eram exigidos das mulheres comportamentos como a submissão aos homens e que elas não expressassem o que pensavam. Embora muitas trabalhassem, para elas estava reservado o papel de esposas, mães e donas de casa.
     É nesse contexto social muito conservador, agravado no plano político com a ditadura militar, que se destacou uma bela jovem carioca: Leila Diniz. Ela trabalhou como atriz no teatro, no cinema e na televisão. Bonita e talentosa, logo se tornou conhecida do público. Dela se esperava o papel reservado às mulheres da época: casamento e filhos. Não foi o que aconteceu.
     Leila, em suas entrevistas, dizia o que pensava e expressava seus sentimentos. Suas atitudes subvertiam o papel exigido das mulheres - recato e submissão. Além disso, ela não estava preocupada com a repressão política da ditadura, mas sim com a repressão da família e da própria sociedade. Sua preocupação era com a liberdade individual.
     Depois do reconhecimento no filme Todas as mulheres do mundo, de 1967, ela concedeu entrevista ao jornal Pasquim, dois anos depois. Vivia-se o período mais duro da ditadura militar. Em seu depoimento, ela falou 70 palavrões, todos substituídos por asteriscos devido à ação da censura federal. Falar palavrões era algo condenável no comportamento feminino da época. Falou também de suas experiências sexuais, desvinculando sexo do casamento. A entrevista teve grande repercussão na época: Leila foi intimada a comparecer à Polícia Federal e obrigada a assinar um documento se comprometendo a não falar mais palavrões. Também foi proibida de aparecer na televisão.
     Leila queria ser mãe, mas não queria estar casada. Assim, tomou a opção de ter um filho fora do casamento. Para a época, tratava-se de um verdadeiro escândalo. Mas para ela era uma escolha consciente em sua própria vida. Nos últimos meses de gravidez, ela resolveu ir à praia. Pôs um biquíni, um chapéu e mostrou sua barriga em público. Novo escândalo. Sua foto nos jornais e revistas teve grande repercussão. Sua atitude foi considerada condenável. Até então as mulheres grávidas, quando iam à praia, escondiam suas barrigas com batas. Hoje, as mulheres que mostram suas barrigas não sabem que houve uma pioneira nesse comportamento, que, por esse motivo, enfrentou preconceitos e condenações sociais. Leila mostrou que a maternidade, dentro ou fora do casamento, não é para ser escondida.
     Alegre, irreverente, eleita Rainha da Banda de Ipanema, Leila Diniz expressava sentimentos que estavam contidos e silenciados em milhões de mulheres. Ela abriu o caminho para a mudança do comportamento feminino no Brasil. Sem saber ou querer, foi a precursora do movimento de liberação das mulheres brasileiras.
     Quando sua filha Janaína tinha sete meses de vida, Leila Diniz faleceu, aos 27 anos de idade, em um acidente de avião. Na interpretação da antropóloga Mirian Goldenberg, ficou o exemplo da mulher revolucionária, símbolo dos anos 1960. Ficou a mulher que abriu caminho para que as que estavam silenciosas falassem e mudassem seus comportamentos.

A Jovem Guarda

     Desde meados dos anos 1950, jovens brasileiros estavam ouvindo o rock'n roll que vinha dos EUA e, depois, da Inglaterra. Nessa época, alguns deles tomaram a iniciativa de fazer versões para o português de rocks norte-americanos, como a cantora Cely Campello com a música "Estúpido Cupido". O rock começava a cair no gosto dos jovens. Nas grandes cidades, grupos de rock se formavam, muitos deles continuando com a fórmula de fazer versões para o português de baladas norte-americanas. Assim surgiram grupos como The Golden Boys ou Renato & Seus Blue Caps. O movimento tomou fôlego com a gravação de Roberto Carlos da música "Splish splash", também uma versão de letra norte-americana. A seguir, "Parei na contramão" e "O calhambeque" tornaram Roberto Carlos um artista de grande sucesso. Mas foi em agosto de 1965 que estreou na televisão, em São Paulo, um programa em que artistas apresentavam o novo estilo musical que explodia em sucessos no país: "Programa Jovem Guarda", sob a liderança de Roberto Carlos. O sucesso foi imediato. Somente na cidade de São Paulo a audiência era de 3 milhões de pessoas. O programa de televisão foi fundamental para popularizar o estilo musical que recebeu o mesmo nome: Jovem Guarda. As grandes estrelas eram Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia. A expressão lê-lê-lê, como sinônimo da Jovem Guarda, foi tirada de uma letra de música Beatles que falava yeah, yeah, yeah. Mesmo com o reconhecimento do público, os artistas continuaram cantando versões de rocks de língua inglesa e, inclusive, de músicas italianas.
     O programa de televisão "Jovem Guarda" tornou-se um referencial de moda e comportamento para a juventude. No vestuário masculino, a moda era usar calça: apertadas de cintura baixa e bocas largas também jeans. As camisas eram largas, de malha e manga comprida; as blusas tinha gola rolê; para as mulheres, minissaias com botas de cano alto ou vestidos no estilo "tubinho". Tudo muito colorido para ambos. Expressões como "mancada", "coroa", "cara", "legal", "gatinha", "brotinho", "barra limpa" e "barra suja" eram muito faladas pelos jovens e muitas delas permanecem até hoje na linguagem cotidiana.
     As letras das músicas falavam de carros, festas, garotas, namoros ingênuos e paixões não correspondidas. Não havia nenhuma preocupação política ou social. O uso de guitarras elétricas, os cabelos compridos, a utilização de palavras em inglês e o descompromisso com a política causavam repulsa entre os jovens de esquerda, que desprezavam abertamente a Jovem Guarda.
     Com o surgimento da Tropicália, a Jovem Guarda perdeu muito de seus elementos originais, como o uso de guitarras elétricas, os cabelos compridos e as roupas coloridas. Em 1969, com o fim do programa de televisão, a Jovem Guarda deixou de existir e cada um seguiu sua própria carreira artística.

A revolução estética: o movimento Tropicalista

     Na década de 1960, intelectuais, escritores, cantores, compositores, atores, cineastas e artistas plásticos participaram ativamente da política e muitos se engajaram em projetos revolucionários. A renovação artística tornou-se muito politizada após o golpe militar. Com o movimento sindical reprimido, as esquerdas investiram na produção cultural. Assim, no teatro, artistas que tinham atuado nos Centros Populares de Cultura da UNE montaram o show Opinião. No palco estavam Nara Leão (cantora de classe média), Zé Kéti (sambista carioca) e João do Vale (compositor de origem nordestina). Portanto, a classe média intelectualizada, o homem do morro carioca e outro de origem rural surgiam como os verdadeiros representantes do povo brasileiro. Mas foi em 1967 que ocorreu uma verdadeira revolução artística no Brasil: Glauber Rocha lançou o filme Terra em transe, o grupo teatral Oficina montou a peça O rei da vela, Chico Buarque encenou Roda-viva e Caetano Veloso e Gilberto Gil inauguraram o movimento musical conhecido como Tropicália.
O conjunto de obras causou impacto pela inovação e ousadia. Cansados da MPB politizada, os fundadores da Tropicália queriam juntar a música brasileira com o movimento de contracultura que ocorria nos EUA e com o rock internacional. O projeto era o de produzir uma arte que fosse mais universal, mas sem negar a cultura brasileira. Assim, em 1967 e 1968, o Tropicalismo tornou-se um dos movimentos mais originais da música brasileira.
     Diversos artistas engajaram-se no movimento: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, o conjunto Os Mutantes, Glauber Rocha, Hélio Oiticica, José Celso Martinez Corrêa e outros. Eles misturaram elementos modernos com antigos, nacionais com estrangeiros, bem como a produção cultural das elites com a da cultura de massa.
     Juntaram o samba, o frevo e o baião com o rock internacional. Recorrendo à irreverência, ao deboche, à informalidade e à improvisação, os tropicalistas introduziram guitarras elétricas na música brasileira. As roupas eram coloridas e largas, como a dos hippies.
     O movimento começou no III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, em 1967, quando Gilberto Gil cantou "Domingo no parque" e Caetano Veloso concorreu com "Alegria, alegria". Apresentando-se com guitarras elétricas, foram vaiados pelos jovens de esquerda. No ano seguinte veio a público o disco mais representativo do movimento: Tropicália ou panis et circensis. No III Festival Internacional da Canção da Rede Globo, Caetano foi novamente vaiado pela plateia de jovens de esquerda quando cantou a música "É proibido proibir". E replicou: "Essa é a juventude que quer tomar o poder? Se vocês forem em política como são em estética, estamos perdidos ( ... )".
     O movimento refluiu quando a ditadura decretou o AI-5. Caetano e Gil foram presos e partiram para o exílio na Inglaterra.

De volta a 67
Documentário aborda a final do conturbado III Festival da Record

Aline Carvalho
     Quase 43 anos depois daquela noite de 30 de outubro de 1967, é curioso como a final do III Festival da Record ainda repercute na cultura brasileira. O documentário “Uma noite em 67” de Renato Terra e Ricardo Calil, investiga o que estava por trás da competição entre as seis músicas finalistas da competição, ocorrida no fervor da ditadura militar no país. Para Nelson Motta, crítico musical e jornalista entrevistado no filme, “é naquele momento que explode o tropicalismo, que racha a MPB, que Caetano e Gil se tornam ídolos instantâneos, que se confrontam as diversas correntes musicais e políticas da época”. 
Naquele momento,  “Ponteio” (Edu Lobo), “Roda Viva” (Chico Buarque), “Domingo no Parque” (Gilberto Gil), “Alegria, alegria” (Caetano Veloso), “Maria, Carnaval e Cinzas” (Roberto Carlos) e “Beto Bom de Bola” (Sérgio Ricardo) representavam os embates políticos que eram travados na cena cultural, entre a juventude engajada, a liberação dos costumes e a despolitização acentuada com a consolidação da cultura de massas. Era música “jovem” e a música “brasileira”. A questão era: porque não uma “música jovem brasileira”?     Graças à parceria com a Record Entretenimento, o filme traz cenas das entrevistas nos bastidores e as apresentações na íntegra e remasterizadas, transformando a sala de cinema no teatro Record daquela noite. É de se observar, no entanto, que apesar daquele festival envolver nomes como a apresentadora Cidinha Campos, a cantora Maria Medalha (intérprete junto a Edu Lobo na música vencedora "Ponteio"), Elis Regina e Nara Leão - que, embora não tenham se apresentado naquela final, foram importantes nomes da música brasileira-, nenhuma mulher é entrevistada no filme.
    O filme leva o espectador de volta a década de 1960, quando a Guerra Fria trazia o embate entre o modelo capitalista e o socialista e, acreditando-se próxima a um governo de esquerda, as bandeiras da juventude ganhavam ares de “revolução”. A chegada da ditadura militar em 64 foi um balde de água fria para os militantes que depositaram suas esperanças em ver o “povo” no poder. Por um lado, a repressão do governo fez calar aqueles que atrapalhavam os interesses do regime e, por outro, possibilitou a consolidação no país de uma indústria cultural nos moldes norte-americanos.
     Enquanto Roberto Carlos e a Jovem Guarda embalavam as tardes de domingo de grande parte da juventude daquela época, artistas considerados engajados, como Geraldo Vandré, Chico Buarque e Edu Lobo, intensificavam o processo de nacionalização e politização na chamada música popular. Porém, se alguns consideravam qualquer influência cultural estrangeira uma ameaça à resistência ao regime militar, os baianos mostraram no Rio de Janeiro que a sociedade poderia ser um pouco mais complexa, misturando berimbau com guitarras elétricas e propondo um estilo musical que deu novos rumos à música brasileira naquele momento.
     Sem grandes pretensões de ser um marco “político, musical, histórico, transcendental”, segundo o diretor da Record Paulinho Machado de Carvalho, e tomar a proporção que tomou, os festivais tinham naquela época um papel semelhante ao da novela nos dias de hoje. Com a chegada da televisão no país, o conteúdo do rádio começava a migrar para o formato audiovisual e os festivais se tornaram importantes vitrines para músicos como Elis Regina, Jair Rodrigues, Tim Maia, Nara Leão, entre muitos outros. No filme, Paulinho Machado conta que sua preocupação era “fazer o festival dar certo, em termos de produção”, em meio a ânimos tão exaltados. Entre as pérolas do festival (e do filme), está a cena em que Sérgio Ricardo, revoltado com as vaias que o impediam de cantar, quebra o violão no palco e o atira na plateia, sendo desclassificado em seguida.
     As vaias tinham cadeira cativa nas apresentações. Para a jornalista Ana Paula Sousa, da Folha de São Paulo, era um Brasil que, “calado pela ditadura, parecia disposto a vaiar quem quer que fosse, de Roberto Carlos a Caetano Veloso”. As disputas políticas em torno da música popular brasileira eram refletidas no palco e principalmente na plateia organizada, que dava ares de final de Copa do Mundo à competição. A própria organização do festival e a seleção dos finalistas lembrava ringues de batalha entre “personagens”: Chico Buarque, o mocinho; Roberto Carlos, o galã; Edu Lobo, o politizado; Caetano e Gil, os baderneiros. Zuza Homem de Mello, técnico de som da Record no festival e consultor do filme, conta que “a plateia estava a fim de destruir as músicas de que não gostava, muitas vezes por razões políticas. Era um tipo de fanatismo que nunca tínhamos visto em um festival”.
(Formada em Estudos de Mídia pela UFF e mestranda em "Indústrias Criativas: web, mídia e artes" pela Universidade Paris VIII, Aline Carvalho é autora do livro Produção de Cultura no Brasil: Da Tropicália aos Pontos de Cultura.)


Uma Noite Em 67


Direção: Renato Terra, Ricardo Calil.
Ano: 2010
Áudio: Português
Duração: 85 minutos
Tamanho:  MB



Futebol e ditadura: a Copa de 1970
 
     A Copa do Mundo de 1966 foi realizada na Inglaterra, onde o Brasil esperava conquistar o tricampeonato e ficar definitivamente com a taça Jules Rimet. O time brasileiro mesclou jogadores veteranos, como Djalma Santos, Bellini e Garrincha, com novos talentos: Tostão, Gérson, Carlos Alberto e Jairzinho. Entre os dois grupos, reinava Pelé. O clima de euforia era enorme. O resultado foi um fiasco: o Brasil foi eliminado na primeira fase, após levar um "baile" de Portugal: 3 x 1.
     Em 1969, o novo técnico, João Saldanha, convocou uma seleção usando a base do Santos e do Botafogo, os melhores times do Brasil naquela época. Sua missão era classificar o Brasil para a Copa do México, em 1970. O time ficou conhecido como "as feras do Saldanha" e ganhou todos os jogos das eliminatórias. No entanto, João Saldanha foi demitido pouco antes da Copa. A versão oficial é a de que o técnico não aceitou a interferência do general Médici, que insistia na convocação do simpático centroavante Dario, o Dadá Maravilha, grande artilheiro na época. A versão oficiosa era a de que o regime militar não queria ganhar uma Copa com um técnico militante do PCB. A seleção brasileira foi para o México sob o comando de Zagalo e com Dario convocado. Apesar de desacreditada, venceu todos os adversários, culminando com uma exibição de gala na final: 4 x 1 contra a Itália. Pela primeira vez, uma Copa do Mundo foi transmitida para o Brasil ao vivo pela TV.
     A seleção brasileira tinha um poderoso ataque, formado por Jairzinho, Pelé e Tostão, junto com um meio-campo eficaz e criativo, composto por Gérson, Clodoaldo e Rivelino. A defesa não era brilhante, mas sabia segurar o adversário nos momentos decisivos, como no jogo contra a Inglaterra; e, se falhasse, o ataque fazia gols para compensar. Mas havia um problema que incomodava muita gente: o Brasil vivia o período mais duro da repressão política e a vitória da seleção poderia ser utilizada pelos generais para popularizar a ditadura. Ao final, a maioria esqueceu a questão política e torceu pela "seleção canarinho", como se dizia na época.
     A vitória brasileira foi espetacular e consolidou o prestígio do país no futebol internacional. Internamente, o regime militar incorporou a vitória na Copa como mais um instrumento de propaganda. Médici recebeu os atletas em Brasília demonstrando imensa alegria, diante das câmaras de televisão. Enquanto o Brasil jogava a Copa, em junho de 1970, a guerrilha urbana sequestrava o embaixador alemão no Rio de Janeiro. Para os guerrilheiros só interessava libertar os companheiros presos nos "porões" da ditadura.

Ditadura militar e propaganda política

     Desde os primeiros momentos de março de 1964, a imagem passada pelos governos militares foi soturna, sombria. A sisudez e a circunspecção dos uniformes, as cataduras graves dos "homens sérios", tudo isso esteve claramente estampado em imagens que eram divulgadas na imprensa. Como se sentir coparticipante, otimista, solidário com tal aparição? Quepes, uniformes, ares de comando – tudo inspira temor, pois lembra a polícia, a força, o monopólio do uso legal da violência. (...) Foi no início de 1970 que a sociedade brasileira deu-se conta da existência da nova propaganda. Os primeiros filmes da Aerp (Assessoria Especial de Relações Públicas) começaram a ser veiculados. Mas foi com o comercial divulgado em março de 1970, que mostrava um gol de Tostão na Copa do Mundo, que eles realmente chamaram a atenção. A propaganda dizia que o futebol e a vida se equivaliam: "O sucesso de todos depende da participação de cada um". (...) A partir de fins de abril de 1976 iniciou-se o que seria a grande campanha da ARP [Assessoria de Relações Públicas}, anunciando que: "Esse é um país que vai pra frente". A campanha supunha uma série de subtemas, sendo produzidos mensalmente oito filmes para exibição na TV - num total de 10 minutos diários - e no cinema (três pequenos filmes por sessão). Os assuntos se renovavam a cada 15 dias. (...) Somente na etapa inicial dessa campanha, 5 mil discos foram distribuídos para 800 estações de rádio (...). O símbolo da campanha era uma gaivota estilizada e, nesse comercial, os personagens a empinavam, como se fosse uma pipa. Mas o curioso eram os personagens, na verdade crianças. Havia um índio, um louro, um negro um caipira, um oriental e uma menina. (...) A grande preocupação da Aerp/ARP era a de transparecer um clima de paz, de concórdia.
(FICO, Carlos. Reinventando o otimismo. Ditadura propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1997.p.59, 103, 109, 127-129.)


Fonte:
BRAICK, P. R.; MOTA, M. B. HISTÓRIA Das Cavernas ao Terceiro Milênio. S.P.: Ed. Moderna. 2010.
NOGUEIRA, F.H.G.; CAPELLARI, M. A. Ser Protagonista. S.P.: Edições SM. 2010.
VAINFAS, Ronaldo; (Et. Al.); HISTÓRIA O Mundo por um fio: do século XX ao XXI. S.P.: Ed. Saraiva. 2010
http://www.revistadehistoria.com.br/

domingo, 9 de outubro de 2011

APROFUNDAMENTO: (1) DITADURA MILITAR NO BRASIL 1964-1985

TODOS OS TEXTOS FORAM EXTRAÍDOS: http://cpdoc.fgv.br/

MOVIMENTO CONTRA A DITADURA

Movimento idealizado durante o XVIII Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), realizado em Belo Horizonte em julho de 1966. Seu objetivo era formar uma frente contra o regime militar, congregando estudantes, operários e camponeses na luta pelo restabelecimento das liberdades democráticas no país.
A UNE encontrava-se na ilegalidade desde abril de 1964, quando foi fechada pelas autoridades militares. Em novembro desse mesmo ano, o ministro da Educação, Flávio Suplicy de Lacerda, baixou uma lei — conhecida como Lei Suplicy — criando o Diretório Nacional dos Estudantes (DNE) e os diretórios estaduais dos Estudantes (DEEs). A Lei Suplicy proibiu ainda os universitários de fazer greves e de desenvolver atividades políticas.
A ideia do Movimento contra a Ditadura (MCD) foi lançada no congresso da UNE pela Ação Popular (AP), organização de esquerda de matriz católica, na época amplamente dominante no movimento estudantil. Foi graças a essa hegemonia que a proposta do MCD, mesmo sofrendo a oposição de outras tendências, conseguiu ser aprovada na reunião. As críticas da Política Operária (Polop) e das várias cisões ocorridas nas seções estaduais do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no decorrer de 1966, as chamadas “dissidências”, vinculavam-se basicamente à falta de representação do movimento operário dentro do MCD. Já o PCB considerava o MCD uma iniciativa radical, uma vez que acreditava que a Lei Suplicy poderia ser utilizada pelas “forças democráticas”.
Na prática, o MCD não conseguiu se concretizar, em parte devido à oposição encontrada no interior do próprio movimento estudantil, e, sobretudo devido às condições políticas existentes no país, visto que os trabalhadores rurais e urbanos estavam em franco processo de desmobilização e suas entidades de classe se encontravam sob intervenção governamental. Por outro lado, o próprio nome do movimento lhe conferia um caráter semilegal, reduzindo-lhe as possibilidades de granjear adeptos em setores que, ao contrário do estudantil, resistiam à ideia de passar à semiclandestinidade.
O ponto alto do MCD correspondeu às eleições legislativas de novembro de 1966, quando a UNE propôs o voto nulo e a colocação da sigla do movimento nas cédulas eleitorais. Essa orientação, contudo, foi seguida basicamente pelos elementos ligados à AP. Devido à pouca receptividade alcançada, a idéia do MCD foi abandonada em meados de 1967.
Entretanto, nas áreas onde a AP logrou manter um contato mais ou menos estreito com as bases operárias e camponesas, como no interior de São Paulo, os núcleos do MCD sobreviveram pelo menos até final de 1968.
Sérgio Lamarão (FONTES: ENTREV. DERWEID, J. e MOTA, P. Movimentos).

JUNTAS MILITARES

Juntas governativas que, entre 1930 e os dias de hoje, governaram o Brasil em quatro oportunidades: em outubro de 1930, quando a alta hierarquia das forças armadas depôs o presidente Washington Luís, permanecendo no poder até a chegada de Getúlio Vargas, líder da Revolução de 1930; ao Rio de Janeiro em agosto de 1961, após a renúncia do presidente Jânio Quadros, quando os ministros militares passaram a controlar de fato o poder, constituindo o principal elemento de oposição à posse do vice-presidente João Goulart, substituto constitucional de Quadros; em abril de 1964, quando, com a derrubada do presidente Goulart, mais uma vez os ministros militares tomaram o poder, conservando-o até a posse do general Humberto de Alencar Castelo Branco na presidência da República, e, finalmente, em agosto de 1969, quando, por motivo de doença, o general Artur da Costa e Silva foi afastado da presidência, sendo substituído por seus ministros militares, que permaneceram na chefia do Executivo até a posse do general Emílio Garrastazu Médici.
  
A renúncia de Jânio Quadros

Após a renúncia de Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961, a presidência da República foi formalmente ocupada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Pascoal Ranieri Mazzilli, do Partido Social Democrático (PSD) de São Paulo, o segundo na linha sucessória. O primeiro, o vice-presidente João Goulart, encontrava-se em viagem oficial ao Extremo Oriente. Apesar de Mazzilli ter-se tornado o presidente em exercício, na prática o poder ficou nas mãos de uma junta formada pelos três ministros militares: Odílio Denis, da Guerra, Sílvio Heck, da Marinha, e Gabriel Grün Moss, da Aeronáutica.
A posse de Goulart na presidência, conforme o previsto na Constituição de 1946, não era vista com bons olhos por muitos setores influentes do sistema de poder, a começar por parcela ponderável das forças armadas representada exatamente pelos ministros militares. Herdeiro político de Getúlio Vargas e presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Goulart fora ministro do Trabalho no segundo governo Vargas (1951-1954), quando desagradou militares e empresários por sua política de aproximação com os sindicatos.
Como solução conciliatória, o Congresso aprovou em 2 de setembro a reforma constitucional que instituiu o parlamentarismo no Brasil. Desse modo, no dia 7 de setembro João Goulart foi empossado na presidência da República com seus poderes limitados pelo sistema parlamentarista, que transferia grande parte das atribuições do Poder Executivo para as mãos do conselho de ministros, chefiado pelo primeiro-ministro. O parlamentarismo vigorou no Brasil até janeiro de 1963, quando, através de um plebiscito, o eleitorado brasileiro votou a favor do retorno ao presidencialismo.

O movimento militar de 1964
A derrubada do presidente João Goulart em 31 de março de 1964 trouxe de volta à presidência o deputado Ranieri Mazzilli, que ainda presidia a Câmara dos Deputados. E, mais uma vez, os militares passaram a exercer o poder de fato, constituindo uma junta formada pelos ministros militares, general Artur da Costa e Silva, da Guerra, almirante Augusto Rademaker Grünewald, da Marinha, e o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo, da Aeronáutica. No dia 9 de abril, na condição de detentora do “comando supremo da Revolução”, a junta militar baixou o Ato Institucional nº 1 (AI-1). Composto de 11 artigos, o AI-1 cassou os mandatos de 41 deputados federais e suspendeu os direitos políticos dos ex-presidentes João Goulart e Jânio Quadros, do secretário-geral do proscrito Partido Comunista Brasileiro, Luís Carlos Prestes, do governador de Pernambuco, Miguel Arrais, do ex-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Darci Ribeiro, e do economista Celso Furtado, além de magistrados, oficiais das forças armadas e numerosos líderes sindicais.
No dia 11 de abril, conforme prescrevia o AI-1, o Congresso Nacional elegeu o general Humberto de Alencar Castelo Branco presidente da República. Um dos principais articuladores do movimento militar vitorioso, Castelo Branco foi empossado no dia 15, institucionalizando o primeiro de uma série de governos militares no país.

O impedimento de Costa e Silva
Em 26 de agosto de 1969, o presidente da República, marechal Artur da Costa e Silva, apresentou os primeiros sintomas de trombose cerebral. No dia 30, seu quadro já se mostrava extremamente agravado, impossibilitando-o de continuar no exercício da presidência.
Na noite de 30 de agosto, o alto comando das forças armadas reuniu-se no Rio de Janeiro para discutir o problema criado pela doença de Costa e Silva. Participaram do encontro os três ministros militares — o general Aurélio Lira Tavares, do Exército, o almirante Augusto Rademaker Grünewald, da Marinha, e o brigadeiro Márcio de Sousa e Melo, da Aeronáutica —, o chefe do Estado-Maior do Exército, general Antônio Carlos Murici, o chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Adalberto de Barros Nunes, o chefe do Estado-Maior da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Alberto de Oliveira Sampaio, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, general Orlando Geisel, e o chefe do Gabinete Militar da Presidência da República, general Jaime Portela. Durante a reunião foi decidida a formação de uma junta militar de caráter temporário composta pelos três ministros militares, em substituição ao presidente enfermo.
Na noite do dia 31 de agosto, através de uma cadeia nacional de rádio e televisão, o país tomou conhecimento das modificações ocorridas na cúpula do poder. Pelo Ato Institucional nº 12, as funções da presidência foram assumidas interinamente pelos ministros militares, encarregados de dar continuidade à administração pública. Após a leitura do AI-12, foi divulgada uma proclamação que além de explicar as causas do afastamento de Costa e Silva declarava que, em virtude da grave situação interna do país, a presidência da República não poderia ser ocupada pelo vice-presidente Pedro Aleixo, conforme determinava a Constituição de 1967.
Com efeito, a situação política que o Brasil atravessava em 1969 era de grande tensão. Dentro das forças armadas, corriam boatos de que os setores que pregavam um endurecimento mais decisivo do regime estavam tramando substituir Costa e Silva por um general mais jovem e mais enérgico. Por outro lado, as relações entre o governo e a classe política eram bastante delicadas desde o fechamento do Congresso em dezembro de 1968.
O sequestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick, ocorrido em 4 de setembro de 1969 no Rio de Janeiro, convulsionou ainda mais o quadro institucional. Os sequestradores condicionaram a libertação de Elbrick à libertação de 15 presos políticos e à divulgação de um comunicado pela imprensa contendo pesadas críticas ao governo. Pressionado pelos Estados Unidos, o governo acabou cedendo, o que provocou viva reação dos oficiais “duros”, que acusaram a junta de capitular diante das organizações de esquerda.
Procurando controlar as ações armadas dos grupos esquerdistas e, ao mesmo tempo, atender às exigências da ala mais à direita das forças armadas, a junta militar tomou uma série de medidas repressivas. No dia 8 de setembro, baixou o Ato Institucional nº 13, que instituía o banimento das “pessoas perigosas para a segurança do Estado”, e o Ato Complementar nº 64, que impunha essa sanção aos 15 presos políticos libertados e então exilados no México. No dia 9, foi publicado o Ato Institucional nº 14, que permitia a aplicação da pena de morte ou da prisão perpétua em caso de “guerra de oposição psicológica, de guerra revolucionária e de luta subversiva”. No dia 27, foi publicada uma nova Lei de Segurança Nacional (Decreto-Lei nº 898), que incorporava todas as medidas de exceção tomadas pela junta, decretando que todo condenado à morte seria fuzilado se, em 30 dias, o Executivo não comutasse a pena em prisão perpétua. Por essa mesma lei, o governo aumentava seu controle sobre a imprensa, punindo com penas de seis meses a dois anos os jornalistas que difundissem notícias “falsas e tendenciosas” ou fatos verídicos “truncados ou desfigurados”.
Acompanhando esse conjunto de atos de força, o policiamento foi intensificado e foi desencadeada uma nova onda de detenções arbitrárias e de cassações, inclusive de nove deputados federais e de um senador. A maior parte das eleições estabelecidas por Costa e Silva foi adiada por período indeterminado, bem como as datas das convenções nacionais dos dois partidos políticos consentidos, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição, e a Aliança Renovadora Nacional (Arena), pró-governo.
Como o estado de saúde de Costa e Silva não apresentava sinais visíveis de melhora, no dia 16 de setembro a junta emitiu uma nota oficial comunicando que a substituição definitiva do presidente enfermo era inevitável e que já havia sido constituída uma comissão de três generais para encaminhar a questão sucessória. Preocupada em obter o mais amplo respaldo dentro das forças armadas, a comissão efetuou uma consulta entre todos os oficiais superiores das três armas, que deveriam manifestar-se em relação à substituição de Costa e Silva. Finalmente, em 7 de outubro de 1969, a secretaria de imprensa da Presidência da República anunciou que o general Emílio Garrastazu Médici, comandante do III Exército, havia sido o escolhido por seus pares. Para vice-presidente foi designado um dos membros da junta, o almirante Augusto Rademaker.
Dando seguimento ao processo sucessório, no dia 14 de outubro foi baixado o Ato Institucional nº 16, que declarou vagos os cargos de presidente e vice-presidente e fixou para o dia 25 daquele mesmo mês a data da eleição pelo Congresso. Ainda no dia 14, outro Ato Institucional — o de nº 17 — revelava a oposição que o nome de Médici levantara em certos setores militares. Segundo o ato, ajunta era autorizada a transferir para a reserva os militares que tivessem “atentado contra a coesão das forças armadas ou que [viessem] a fazê-lo”.
No dia 15, dois atos complementares promoveram a reabertura do Congresso — exatamente para possibilitar a ratificação do nome de Médici — convocando os parlamentares a se apresentarem em Brasília a partir do dia 22. No dia 25, Médici e Rademaker foram eleitos presidente e vice-presidente da República por 293 votos a favor e 76 abstenções (correspondentes à bancada do MDB), tomando posse no dia 30 de outubro.
Sérgio Lamarão (FONTES:  ABREU, A. Rio; FIECHTER, G. Regime; FRANCO, V. Outubro; SKIDMORE, T. Brasil).

UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES (UNE)

Organização fundada extraoficialmente em 11 de agosto de 1937 por iniciativa da Casa do Estudante do Brasil, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, por ocasião do I Conselho Nacional de Estudantes. Entretanto, a União Nacional dos Estudantes (UNE) só foi reconhecida oficial e formalmente em dezembro do ano seguinte no II Congresso Nacional dos Estudantes, posteriormente II Congresso da UNE, no qual foi aprovado seu estatuto e eleita sua primeira diretoria oficial.
A UNE era constituída pelas organizações estudantis brasileiras a ela filiadas, sendo “o órgão máximo de representação dos estudantes” e tendo por finalidade “congregar todos os estudantes do Brasil para a defesa dos seus interesses”. Em termos organizacionais, era dirigida por uma diretoria composta de um presidente, três vice-presidentes, três secretários e um tesoureiro, eleita pelo Conselho Nacional de Estudantes, posteriormente Congresso da UNE.
O período de ilegalidade
Em 1º de abril de 1964, a sede da UNE foi saqueada e incendiada pelos participantes do movimento político-militar — o segundo despejo da história da UNE —, obrigando seus dirigentes a exilarem-se. A entidade foi posta na ilegalidade pela Lei Suplicy de Lacerda, de 9 de novembro, que também extinguiu as UEEs, substituindo-as pelo Diretório Nacional de Estudantes e pelos diretórios estaduais de estudantes, respectivamente. Todas as instâncias da representação estudantil brasileira ficaram submetidas ao MEC.
Sem diretoria durante o período de abril de 1964 a julho do ano seguinte, a UNE elegeu nova direção no seu XXVII Congresso, procurando mobilizar os estudantes na defesa de seu espaço político ameaçado pela Lei Suplicy e pelo Decreto Aragão — que proibiu a organização estudantil em nível nacional, só permitindo-a em diretórios por universidade e escola —, e, ao mesmo tempo, no combate ao regime político instituído em 1964. Em julho de 1966, a UNE realizou seu XXVIII Congresso em Belo Horizonte. Nesse encontro, os estudantes concentraram suas críticas no acordo firmado pouco antes entre o governo federal e a United States Agency for International Development (USAID), conhecido como Acordo MEC-USAID, que entre outros pontos visava estimular a privatização do ensino superior brasileiro através da transformação das universidades mantidas pelo Estado em fundações.
O XXIX Congresso da UNE foi realizado em agosto de 1967, num mosteiro beneditino perto de Campinas (SP), sempre na ilegalidade. Pouco antes do encontro, haviam ocorrido conflitos de rua entre policiais e estudantes na capital paulista. Na reunião, as maiores críticas dirigiram-se contra a política educacional do governo, que admitia a interferência de organismos estrangeiros em sua orientação, e contra a contenção geral dos salários colocada em prática pelos militares. Ainda em 1967, a UNE rompeu com a União Internacional dos Estudantes (UIE), com sede em Praga, alegando que a entidade era pró-soviética, enquanto a direção da UNE era mais próxima da linha política chinesa.
O nível de tensão entre o governo e o movimento estudantil ganhou nova dimensão em 28 de março de 1968, quando o estudante secundarista Edson Luís Lima Souto, de 18 anos, foi morto a bala pela polícia no Rio de Janeiro, durante uma manifestação contra o fechamento do restaurante Calabouço, que atendia sobretudo a estudantes pobres oriundos de outros estados. Cerca de 20 estudantes saíram feridos da agressão policial. A morte de Edson Luís foi imediatamente denunciada pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição ao regime militar, na Assembleia Legislativa do então estado da Guanabara, para onde o corpo do estudante foi levado.
No dia 29 de março, cerca de 60 mil pessoas participaram do cortejo fúnebre até o cemitério São João Batista, em Botafogo. A manifestação transcorreu normalmente, sem intervenção policial. No resto do país, entretanto, ocorreram demonstrações e marchas de protesto. Em Salvador, Belo Horizonte, Goiânia e Porto Alegre, estudantes e populares entraram em choque com as forças policiais. A UNE decretou greve geral dos estudantes.
Ainda em 1968, a entidade promoveu passeatas em quase todas as cidades do país onde havia um número significativo de estudantes em escolas superiores, às quais se juntaram professores, escritores, artistas, religiosos e outros setores das camadas médias, como, por exemplo, na Passeata dos Cem Mil, que paralisou o Rio de Janeiro durante quase todo o dia 26 de junho de 1968 e marcou o momento de maior amplitude do movimento estudantil brasileiro desde 1964. Ao mesmo tempo em que se desenvolviam as tentativas dos estudantes de manter a UNE funcionando, enfrentando restrições governamentais, ela foi se tornando cada vez mais uma bandeira de luta (“A UNE somos nós”) do que propriamente uma entidade.
Em outubro de 1968, a UNE sofreu uma de suas maiores derrotas, com a prisão do presidente eleito, Luís Travassos, de várias lideranças estudantis, tais como Vladimir Palmeira, José Dirceu, Franklin Martins e Jean Marc van der Weid e de mais de setecentos delegados ao XXX Congresso da entidade, realizado clandestinamente em Ibiúna (SP). Na ocasião, a maioria dos estudantes foi enquadrada na Lei de Segurança Nacional. Ainda assim, embora cada vez mais afastado das bases e enfrentando forte repressão depois da edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5), o movimento estudantil tentou manter uma direção para a UNE com a posse de mais dois presidentes substitutos — Jean Marc van der Weid, preso em 1969, e, posteriormente, Honestino Guimarães, desaparecido em 1973 —, mas efetivamente não havia condições políticas de atuação. Abriu-se, então, um período de paralisação das atividades da UNE, que se estenderia até 1979.
Para isso muito contribuiu o Decreto-Lei nº 477, baixado pelo presidente da República, general Artur da Costa e Silva, em 26 de fevereiro de 1969, dois meses depois da promulgação do AI-5. O decreto previa as infrações disciplinares de cunho político dos professores, alunos e funcionários de estabelecimentos de ensino, bem como as penas, bastante severas, a eles aplicáveis. Os professores e funcionários seriam demitidos, não podendo ser contratados por outros estabelecimentos de ensino durante o prazo de cinco anos. Os estudantes seriam desligados dos cursos que estivessem fazendo e proibidos de se matricular em qualquer outro estabelecimento de ensino durante os três anos seguintes. O Decreto-Lei nº 477 foi aplicado mais intensamente até 1973, período em que atingiu 263 pessoas, quase todas estudantes.
A abolição desse decreto-lei foi, desde sua promulgação, bandeira de luta do movimento estudantil, das associações de professores e pesquisadores universitários e de vários setores que se opunham ao regime militar.
Luís Antônio Cunha colaboração especial/Marcelo Costa/Aline Portilho

DESTACAMENTO DE OPERAÇÕES E INFORMAÇÕES – CENTRO DE OPERAÇÕES E DEFESA INTERNA (DOI-CODI)

Órgão de repressão política criado por diretrizes internas do Exército assinadas pelo presidente da República Emílio Médici em 1970, com o objetivo de combater as organizações de esquerda. Foi extinto através de portaria reservada do ministro do Exército, general Valter Pires, no final do governo do general João Batista Figueiredo (1979-1985).

Antecedentes

O golpe civil-militar de 1964, visando a instaurar uma nova ordem político-social no país, deu ensejo a uma vasta gama de medidas no sentido de coibir iniciativas que fossem de encontro às forças políticas que assumiam a direção do Estado. Foi assim posta em marcha uma “operação limpeza”, materializada na suspensão de garantias constitucionais, em intervenções em sindicatos, cassações de direitos políticos, expurgos nas forças armadas e no serviço público, e instauração de Inquéritos Policial-Militares (IPMs). Em torno desses inquéritos, articulou-se um primeiro núcleo de oficiais que defendiam uma repressão política sistemática e que, paulatinamente, se constituiu como um grupo de pressão dentro das forças armadas, conhecido pela alcunha de “linha dura”.
A preocupação em manter um consenso forçado em torno do projeto político que os militares implantavam no país levou à promulgação de leis – atos institucionais, Constituição de 1967, Lei de Segurança Nacional – de caráter coercitivo, suspendendo direitos individuais e restringindo a representação política. A nova legislação incorporou o conceito de segurança nacional, adotando a noção de “inimigo interno”, segundo a qual qualquer cidadão era suscetível de tornar-se um inimigo da nação caso cometesse atos que colocassem em risco a segurança do país. Dentro do arsenal de leis criado pelo regime militar, destaca-se o Ato Institucional n° 5 (AI-5), de 13 de dezembro de 1968, que representou a porta de entrada jurídica para a viabilização de uma nova estrutura repressiva. O AI-5 aboliu o habeas corpus para os crimes políticos e permitiu que as prisões prescindissem de acusação formal e mandado judicial.
Até 1969, a repressão política ficou a cargo das secretarias de Segurança Pública e dos departamentos de Ordem Política e Social (DOPS) de cada estado. Com o recrudescimento das ações dos grupos da esquerda armada, constituiu-se, no início desse ano, uma primeira iniciativa, em São Paulo, no sentido de centralizar e coordenar as atividades de combate ao crime político. A 2ª Companhia da Polícia do Exército, diretamente subordinada ao comando do II Exército, ficou encarregada dessa tarefa, com a colaboração do DOPS para investigações e diligências.
Ainda em fevereiro de 1969 realizou-se o I Seminário de Segurança Interna em Brasília, que reuniu todos os secretários de Segurança Pública, os comandantes das Polícias Militares e os superintendentes regionais da Polícia Federal, sob a orientação do ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, e do general Carlos de Meira Matos, chefe da Inspetoria Geral das Polícias Militares. Em junho, o general José Canavarro Pereira, acompanhado pelo chefe de Estado-Maior do Exército (EME), general Ernani Ayrosa, convocou uma reunião de todos os órgãos ligados à segurança no estado de São Paulo, na qual foi debatido e aprovado um plano de combate ao “terrorismo”. Tratava-se da integração das diversas forças militares e policiais no combate às organizações de esquerda, com a finalidade de dissolvê-las e impedir seu ressurgimento. Assentavam-se as bases do que viria a denominar-se Operação Bandeirante (Oban).

Operação Bandeirante (Oban)

A Oban foi dotada de um Centro de Coordenação, constituído de uma Central de Informações e de uma Central de Operações. Reuniu representantes do II Exército, da Aeronáutica, da Marinha, do Departamento da Polícia Federal (DPF), do Serviço Nacional de Informações (SNI), e ainda da Secretaria de Segurança Pública (SSP), do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), da Guarda Civil e da Força Pública do Estado de São Paulo (FPESP).
Inicialmente funcionou nas dependências do 2º Batalhão de Reconhecimento Mecanizado da Polícia do Exército, na rua Abílio Soares, na capital paulista. Embora não tenha sido legalmente oficializada, sua fundação foi celebrada em ato solene, em julho de 1969, prestigiado por diversas autoridades civis e militares do estado de São Paulo, assim como personalidades do mundo dos negócios.
Por não ter verbas consignadas em orçamento oficial, a Oban contou com auxílios de diversas ordens. O prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, contribuiu com o asfaltamento e com a renovação da rede elétrica da área do quartel. O governador Roberto de Abreu Sodré cedeu parte das dependências da 36ª Delegacia de Polícia, para onde foi transferida sua sede em setembro de 1969. As novas instalações, situadas a poucos minutos do Quartel General do Exército, possuíam duas entradas: uma na rua Tutóia, 921, e outra na rua Tomás Carvalhal, 1.030, no bairro da Vila Mariana. Luiz Macedo Quentel, membro da elite paulista, ajudou a coordenar os esforços para viabilizar o novo órgão repressivo. Coube a Delfim Neto e a Gastão Vidigal – dono do Banco Mercantil de São Paulo – reunir os representantes de grandes bancos brasileiros para pedir fundos, procedimento repetido na Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP). Os empresários Paulo Sawaya e Henning Albert Boilesen (Assista ao documentário postado "Cidadão Boilesen")  – presidente da Ultragás –  fizeram a ponte entre empresários e industriais e o órgão. Houve ainda outras modalidades de apoio: fornecimento de carros pelas empresas Ford e Volkswagen, empréstimo de caminhões pela Ultragás e de peruas pela Folha da Manhã, cessão de refeições congeladas pela Supergel. Parte da verba destinada ao funcionamento do órgão foi doada, em forma de gratificação, aos agentes repressivos que se destacaram na captura de reconhecidos dirigentes da esquerda.
O comando da Oban foi entregue ao coronel Antônio Lepiane, chefe do Estado-Maior da 2ª Divisão de Infantaria do Exército. O centro nevrálgico das operações de busca, de captura, de interrogatório e de análise de informações ficou sob os cuidados da Coordenação de Execução, subordinada à Central de Informações. Esse núcleo funcionava ininterruptamente 24 horas por dia. O trabalho era comandado pelo então major Waldyr Coelho, promovido a tenente-coronel em abril de 1970. A Coordenação de Execução, por sua intensa atividade, repetidas vezes foi confundida com a própria Oban. Os funcionários provinham de distintas unidades da polícia e das forças armadas. Parte de seu contingente era oriundo da Divisão Estadual de Investigações Criminais (DEIC), célebre pela crueldade de seus métodos de interrogatório. A experiência investigativa da polícia comum, que contava com um variado rol de métodos de tortura, foi absorvida pelo órgão e incorporada à lógica militar de repressão interna.
Em março de 1970, no início do governo do general Emílio Médici, foi criada uma comissão composta por Alfredo Buzaid (ministro da Justiça), general Orlando Geisel (ministro do Exército), almirante Adalberto de Barros Nunes (ministro da Marinha), brigadeiro Márcio de Sousa e Melo (ministro da Aeronáutica), general Carlos Alberto Fontoura (chefe do SNI), e general João Batista Figueiredo (secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional), com o objetivo de institucionalizar e aumentar o escopo de atuação da Oban. Isso foi feito através da constituição do Sistema de Segurança Interna (Sissegin) e da instituição do Destacamento de Operações e Informações (DOI) e do Centro de Operação de Defesa Interna (DOI).

Atuação

Os primeiros anos de funcionamento do órgão foram dedicados principalmente ao combate às organizações da esquerda armada. A partir de janeiro de 1971, na área sob jurisdição do II Exército, sob o comando do general Humberto de Sousa Melo, a política em relação aos militantes de esquerda passou a ser o extermínio. Isso ocorreu especialmente com algumas categorias, como a dos banidos – criada pelo governo militar para punir os militantes libertos em troca do embaixador americano, em 1969 – ou a dos principais dirigentes das organizações de esquerda. Em paralelo às atividades “oficiais” do DOI-CODI, foram criados centros clandestinos de tortura e assassinato, dispositivos complementares autorizados pelos superiores hierárquicos através da autonomia concedida ao órgão.
O recurso ao “desaparecimento” de presos políticos passou a ser empregado com maior frequência, aumentando expressivamente em 1971 e atingindo seu auge em 1974. Evitavam-se, dessa maneira, as versões já desgastadas de “tiroteio”, “atropelamento”, “suicídio” e “tentativa de fuga” para mortes ocorridas em dependências militares ou em sítios clandestinos de tortura. Em fins de 1973, a maior parte das organizações da esquerda havia sido desarticulada, seus militantes presos, banidos, exilados ou assassinados. Como recompensa por serviços prestados ao país, 90 integrantes do DOI-CODI do II Exército foram condecorados com a Medalha do Pacificador com Palma, a mais alta distinção nos meios militares.
Findo o governo do general Médici (1969-1974) e alcançada a derrota dos grupos revolucionários armados, iniciou-se uma nova era, tanto para o regime militar quanto para seu aparelho repressivo. O período de distensão foi marcado por gestos pendulares do general Ernesto Geisel no sentido de abrir gradativamente o regime, ao mesmo tempo que demarcava os estreitos limites da abertura. A repressão política tornou-se mais discreta e seletiva.
À medida que as organizações armadas foram sendo destruídas, as atenções do DOI-CODI voltaram-se na direção dos dois partidos comunistas que não haviam participado da guerrilha urbana, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Brasil (PC do B). As eleições de 1974 acirraram ainda mais os ânimos, pois o partido oposicionista oficial, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), recebeu uma votação maciça de setores da esquerda, permitindo que candidatos apoiados pelos partidos comunistas se elegessem. Entre 1974 e 1975 foram assassinados clandestinamente vários dirigentes do PCB, em grande parte por agentes do DOI-CODI.
O comandante do II Exército, general Ednardo D’Ávila Melo, e o secretário de Segurança Pública, coronel Erasmo Dias, integravam o setor da linha dura contrário à política de “distensão” do governo do general Ernesto Geisel. A queda de braço estabelecida entre Geisel e os setores ligados à repressão política teve seu ápice na ocasião das mortes do tenente-coronel da Polícia Militar José Ferreira de Almeida, em agosto de 1975, e do jornalista Vladimir Herzog, em outubro do mesmo ano, nas dependências do DOI-CODI paulista. O assassinato sob tortura de um jornalista da TV Cultura que se apresentara voluntariamente à sede do órgão e a versão evidentemente falsa de suicídio por enforcamento criaram uma comoção pública de grande repercussão. Desse modo, quando houve uma terceira morte, nas mesmas circunstâncias, do operário Manuel Fiel Filho, Geisel reagiu imediatamente destituindo o general Ednardo D’Ávila Melo, em atitude de grande impacto entre os militares. Todos aqueles direta ou indiretamente responsáveis pelo episódio foram afastados, inclusive o comandante do DOI, o tenente-coronel Audir Santos Maciel, e o subcomandante, Dalmo Lúcio Cyrilo.
Em dezembro de 1976, ocorreu o episódio que ficou conhecido como a “chacina da Lapa”, no qual uma reunião da cúpula do PC do B em São Paulo foi cercada e, numa simulação de tiroteio, parte dos membros da direção do partido foi assassinada. Os outros dirigentes foram presos e torturados, um deles até a morte. A ação contou com a participação do delegado do DOPS, Sérgio Paranhos Fleury, e do ex-chefe do DOI paulista, tenente-coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, lotado no CIE. Após a chacina, a tortura continuou a ser empregada nos DOI-CODI, mas não houve mais registro de assassinatos durante os interrogatórios ou ações de captura.
Limitados em sua atividade pelo projeto de distensão, os órgãos repressivos começaram a organizar ações clandestinas que, apesar de serem de autoria anônima, traziam impressa sua marca de violência: atentados a bomba em bancas de jornal, em redações da imprensa alternativa e nas sedes de entidades civis que se alinhavam à oposição ao governo militar. Um dos casos mais eloquentes foi a tentativa frustrada do sargento Guilherme Pereira do Rosário e do capitão Wilson Dias Machado, ligados ao DOI-CODI do Rio de Janeiro, de colocar uma bomba no Centro de Convenções Riocentro durante um show de música popular em comemoração ao 1º de maio, em 1981. A operação foi malsucedida, e a bomba explodiu no colo de um dos agentes. A versão divulgada foi de que se tratava de um atentado de organizações de esquerda contra os agentes do DOI-CODI, mas a explicação não foi convincente. Foi aberto um inquérito para apurar os verdadeiros responsáveis, sem que se chegasse a resultados concretos. De todo modo, o episódio foi desmoralizante para o sistema repressivo.
O DOI-CODI foi desativado no final do governo do general João Batista Figueiredo, por meio de uma portaria reservada do ministro do Exército, general Valter Pires. As funções do órgão foram reabsorvidas pelas 2ªs Seções do Exército e voltaram-se exclusivamente para informações da área militar. Assim como sua instituição se dera através de uma diretriz interna do Exército, sua extinção foi determinada, sem grandes alardes, por meio de uma instrução administrativa.

Mariana Joffily
FONTES:

ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil: 1964-1984. Bauru: Edusc, 2005.
Apostila Sistema de Segurança Interna. SISSEGIN. [1974?]
COUTO, Ronaldo Costa. História indiscreta da ditadura e da abertura: Brasil: 1964-1985. 4. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.
D’ARAUJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon; CASTRO, Celso. Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.
FICO, Carlos. Como eles agiam. Os subterrâneos da ditadura militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro: Record, 2001.
FON, Antonio Carlos. Tortura, a história da repressão política no Brasil. São Paulo: Global, 1979.
FREIRE, Alípio; ALMADA, Izaías; PONCE, J. A. de Granville (Org.). Tiradentes, um presídio da ditadura. São Paulo: Scipione, 1997.
GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
HUGGINS, Martha. Polícia e política: Relações Estados Unidos/América Latina. São Paulo: Cortez, 1998.
JOFFILY, Mariana. No centro da engrenagem: os interrogatórios da Operação Bandeirante e do DOI de São Paulo (1969-1975). 2008. Tese (Doutorado em História) – Pós-Graduação em História Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
SILVA, Tadeu Antonio Dix. Ala Vermelha: revolução, autocrítica e repressão judicial no estado de São Paulo (1967-1974). 2007. Tese (Doutorado em História) – Pós-Graduação em História Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
SOUZA, Percival de. Autopsia do medo: vida e morte do delegado Sérgio Paranhos Fleury. São Paulo: Globo, 2000.
USTRA, Carlos Alberto Brilhante. A verdade sufocada. Brasília: Ser, 2006.