“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O Brasil e sua fama

Lúcia Murat é cineasta, diretora de “Quase Dois Irmãos” e “Olhar Estrangeiro”, documentário que retrata as várias idealizações que o cinema mundial faz em torno do Brasil. Baseando-se no livro O Brasil dos gringos, imagens no cinema, de Tunico Amâncio, Lúcia entrevistou grandes diretores, roteiristas e produtores responsáveis por filmes como “Feitiço do Rio” – em que as praias cariocas são povoadas por macacos e moças de topless – e “Amazônia em chamas”, sobre a vida do seringueiro Chico Mendes, no qual todos os brasileiros falam inglês com sotaque espanholado. Ela contou para a Revista de História como as fantasias que existiam em torno do nome Brasil foram perpetuadas e acentuadas pela indústria cinematográfica. Principalmente no que diz respeito à sensualidade.

Revista de História - Você acha que esse paraíso perdido chamado Brasil é uma invenção do cinema mundial?
Lúcia Murat - Não. O que nós vemos é uma repetição da carta de Caminha, com imagens do paraíso, da mulher sensual, “com as vergonhas expostas”. E isso se desdobra de maneira diferente. Há desde filmes europeus, em que essas imagens são tratadas de forma mais carinhosa, até produções um tanto picaretas e agressivas, que acabam vendo o Brasil com um misto de desprezo e admiração. O clichê é o mesmo, mas as abordagens são diferentes. Em “Feitiço do Rio”, o roteirista Larry Gelbart coloca um monte de gente seminua numa praia, com macaquinhos nos ombros, e inventa o que ele chama de “casamento à brasileira”, que é uma mistura de candomblé com uma aparente suruba. Em suma, uma visão totalmente preconceituosa.

RH - Você pode citar outros exemplos?
LM - O filme “Orquídea Selvagem” mostra os negros pela ótica da sensualidade. Eu também gostaria muito de ter feito uma entrevista com o grupo inglês de comédia Monty Python, que fez um filme sobre vikings que viajam para um paraíso repleto de mulheres e frutas chamado Brasil. Esse eterno clichê não surge do nada. Ele é a exacerbação de um aspecto que às vezes é acentuado pelos próprios brasileiros, como no caso das mulatas que dançam no exterior.

RH - Como assim?
LM - É um processo infindável. Existe a expectativa de que o país seja uma terra de fantasias. Você chega lá fora, quer ganhar dinheiro e acaba por reforçar isso. Às vezes, nós gostamos de nos vender de acordo com o que o olhar estrangeiro quer ver.

RH - Esses clichês têm ficado mais exacerbados nos últimos tempos?
LM - Eu sinto isso, principalmente no quesito da sensualidade. Mas vale lembrar que eu trabalhei apenas com filmes de ficção. Se pegarmos os documentários que retratam o Brasil, vem à tona a ideia de violência. Mas essa visão não é suficiente para que se crie uma outra imagem de Brasil. Quando saí nas ruas da Europa para fazer entrevistas aleatórias, perguntando às pessoas o que elas sabiam sobre o país, a visão predominante foi a do paraíso perdido, do sexo, do país onde ninguém trabalha, onde a vida é uma festa. Isso porque a maioria dos filmes de ficção busca reforçar os clichês.

RH - Você acha que a indústria cinematográfica pretende criar outra terra encantada?
LM - Acho que ela não quer descartar esse paraíso chamado Brasil. É óbvio que, à medida que a globalização se acentua, fica cada vez mais difícil lidar com essas idealizações, pois as pessoas viajam mais e acabam conhecendo outros países. Quando o Brasil era um país totalmente desconhecido, acessível somente por navio, era mais fácil que se fantasiasse. Hoje, há cada vez mais pessoas que conhecem Rio e São Paulo. A impressão que me dá é que esse paraíso selvagem vai acabar sendo deslocado para a Amazônia.

Direção: Lúcia Murat
Ano: 2006
Áudio: Português
Duração: 69 minutos

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