“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

sábado, 21 de novembro de 2015

Entre um bordado e outro

     Figurinos franceses, crítica teatral, literatura, música, artes e muita ousadia. Estes foram os ingredientes utilizados por duas mulheres, em meados do século XIX, para a criação de um periódico semanal voltado para o público feminino: O Jornal das Senhoras.
     No primeiro número, publicado em janeiro de 1852, o jornal apresentou sua proposta: "trabalhar pelo melhoramento social e pela emancipação moral da mulher". Os artigos reivindicavam o direito a uma educação ampliada que promovesse o aprimoramento cultural feminino por meio da literatura e das artes.  Isto explica o subtítulo do jornal: "Modas, literatura, belas-artes, teatros e crítica".
     Por trás de ideias tão inovadoras, estavam as jornalistas Joana Paula Manso de Noronha (18191875), argentina naturalizada brasileira, e Violante Atalipa Ximenes de Bivar e Velasco (c.1816-1874), figura de destaque nos salões da Corte. Durante os três anos de circulação do jornal, enfrentaram ataques de leitores masculinos que as acusavam de se meter em "ofícios dos homens" e de divulgar "ideias subversivas". Sem timidez, contra-atacavam: mulher não era coisa "que se muda de lugar sem ser consultada" ou que os homens eram inimigos do "progresso do gênero humano".
     O Jornal das Senhoras refletia também as transformações do Rio de Janeiro a partir de 1850. Com o fim do tráfico de escravos, recursos financeiros dessa atividade passaram a ser investidos em infraestruturas como a construção de ferrovias e a instalação de telégrafos. A capital do país ganhou sistema de iluminação a gás (1854), calçamento com paralelepípedos (1853), rede de esgoto (1862), abastecimento de água domiciliar (1874). Os hábitos também mudaram: confeitarias e cafés ofereciam cardápios para paladares e bolsos variados, a famosa Rua do Ouvidor acumulava lojas elegantes, livrarias e casas de banho completavam o glamour da cidade.
     A vida urbana se incrementava e novas alternativas de convívio social surgiam, sobretudo para as mulheres que passaram a marcar presença em bailes, saraus, concertos e espetáculos teatrais. Aprender a se comportar em público e estar atenta aos eventos culturais da sociedade eram passos para a emancipação feminina. O papel da mulher se redefinia e o jornal as convocava para ir além das vivências domésticas. Na seção literária, romances como A dama das camélias, de Alexandre Dumas Filho, eram publicados em fragmentos, possibilitando que entre um bordado e outro a mulher lesse. Partituras de modinhas, lundus e schottisch (o "xote") para pianos eram o reflexo da febre causada por este instrumento no Rio, que à época já era conhecido como a "cidade dos pianos". E, como não podia faltar, a parte dedicada às modas dava um tom elegante ao periódico, informando as leitoras sobre as últimas novidades vindas não só de Paris, mas especialmente do interior da França, mais adequadas à elite escravista dos trópicos.
     Voltado para um público reduzido, já que a maior parte das mulheres brasileiras era analfabeta, O Jornal das Senhoras, ao levantar a bandeira de uma educação ampliada, contribuiu para os primeiros passos da emancipação feminina. O periódico pode ser consultado na Divisão de Obras Raras da Biblioteca Nacional.
Fonte: Revista Nossa História - Ano II nº 19 - Maio 2005

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