Eliane Lúcia
Colussi
A historiografia brasileira dedicou pouco espaço
aos estudos sobre a Maçonaria. Em 1939, Gustavo Barroso (1888-1959) chamou a
atenção sobre a importância da instituição maçônica na sua História secreta
do Brasil. Um dos principais expoentes do pensamento conservador-católico,
o autor afirmava que a história brasileira poderia ser explicada através da
teoria do complô judaico-cabalístico-maçônico. A conspiração, que
combinava elementos místicos e étnicos, agia subterraneamente e seria a
responsável por muitos dos desfechos da política brasileira.
Diversos mitos presentes até hoje na
Maçonaria no Brasil tiveram sua origem nas teses de Barroso, entre os quais ela
ser fonte de influência na política. Ao longo dos séculos XVIII e XIX, a ordem
fez pesada oposição ao absolutismo e à Igreja, congregando a elite econômica e
intelectual ascendente. Essa postura gerou uma série de conflitos com o clero, que
reagiu tentando restaurar e até mesmo endurecer um catolicismo autoritário,
quase medieval.
O crescente desprestígio do catolicismo no
século XIX motivou a Igreja a adotar políticas que revigoraram o chamado ultramontanismo
- movimento que pregava a retomada da autoridade papal "além das montanhas"
que separavam a Itália do resto da Europa. O ultramontanismo foi uma reação a
leis que, nos países católicos, subordinavam a Igreja à autoridade do Estado,
como acontecia no Brasil. Do outro lado, o pensamento anticlerical reunia um
amplo leque de pensadores, incluindo liberais, maçons, nacionalistas, positivistas,
anarquistas e socialistas.
O confronto entre clérigos e maçons
recrudesceu quando repercutiram no Brasil os ventos da política de romanização
católica. Implementada pelo Papa Pio IX (1848-1879), essa política pretendia, a
partir da retomada de posicionamentos conservadores, do prosseguimento de uma
política de centralização da Igreja em torno da figura do papa e da intransigência
liberal, reverter o quadro negativo enfrentado pelo catolicismo em escala
mundial.
Um dos espaços importantes na disputa
entre os posicionamentos clericais e anticlericais foi a política institucional.
Os maçons transitavam com muita intimidade neste terreno. Muitos pertenciam ao
Partido
Conservador e outros
tantos, ao Partido Liberal. A Maçonaria não orientava seus integrantes a
seguirem uma ou outra corrente política. A liberdade de expressão tanto
religiosa como política, constituía-se em ponto fundamental a ser respeitado
pelos maçons.
Tal postura não significava, porém, que a
Maçonaria evitasse exercer algum tipo de influência no cenário político. No
período em que se radicalizou a luta entre a ordem e a Igreja Católica, houve
diversas iniciativas que revelaram a necessidade de uma atuação mais intensa
dos maçons na política. Tratava-se de defender a liberdade de imprensa e
discutir temas que envolviam a relação de Igreja e Estado, como o ensino
religioso na rede pública, subsídios para a vinda de padres estrangeiros para o
Brasil e a destinação de recursos para a construção e reforma de igrejas.
As irmandades religiosas foram outro
espaço de disputas entre Maçonaria e Igreja Católica, especialmente a partir de
1872, quando aconteceu a chamada Questão Religiosa. Até então, era pública a
presença de muitos integrantes do clero nas lojas maçônicas e de maçons nas irmandades
religiosas - a maioria dos integrantes da Maçonaria no Brasil era formada por
católicos. Apesar da aparente contradição, esse fato estava em sintonia com a
situação mundial da ordem: a religião predominante num país tende a ser a mais
comum dentro das lojas locais.
A Igreja Católica no Brasil, porém,
mobilizou-se contra essa situação e passou a contra-atacar, publicando bulas e
cartas pastorais condenando a Maçonaria e as sociedades secretas. Os documentos
de condenação previam várias penalidades aos anticlericais, incluindo a
expulsão de padres maçons que não abjurassem a ordem e a suspensão dos trabalhos
das irmandades e confrarias que estivessem sob suspeita de influência maçónica.
No início da década de 1870 o pensamento
ultramontano já dominava o clero brasileiro. Havia um conflito de consciência
entre a lealdade às diretrizes da Santa Sé e às leis do Império. A Constituição
de 1824 determinava que a publicação e aplicação no Brasil de decretos, bulas e
cartas papais dependiam do beneplácito (consentimento) do imperador. Em 1872,
os bispos de Olinda, d. Vital Maria Gonçalves de Oliveira, e de Belém, d.
Antônio de Macedo Costa, resolveram cumprir as ordens de Roma. Desobedecendo ao
beneplácito, suspenderam as irmandades religiosas que haviam se recusado a
expulsar os maçons de seus quadros.
Em muitas cidades do Brasil ocorreu uma
verdadeira caça às bruxas no interior das irmandades. Houve até mesmo a
interdição dos templos de irmandades que não quiseram excluir das suas fileiras
os membros maçons. Em 16 de janeiro de 1873, d. Vital lançou o interdito, como
penalidade pela desobediência de expulsar os maçons de seus quadros, à
Irmandade do Santíssimo Sacramento. No Pará, d. Macedo Costa editou uma
pastoral em 25 de março de 1873 proibindo a presença de maçons nas irmandades. Foram
punidas as Irmandades da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo, a Irmandade
do Senhor Bom Jesus dos Passos e da Ordem Terceira de São Francisco.
As irmandades recorreram ao imperador que
ordenou aos bispos que cancelassem a suspensão. Como eles se recusaram a
obedecer, foram presos e condenados "no grau médio do Artigo 96 do Código Criminal
que previa quatro anos de prisão com trabalhos". Anistiados em 1875, os
prelados mantiveram suas decisões contra as irmandades, o que contribuiu para
que as relações entre Igreja e Império ficassem cada vez mais estremecidas. Por
trás da presença ou não de maçons nas irmandades religiosas grande tema da
Questão Religiosa foi a subordinação da Igreja Católica ao Estado brasileiro.
Além da liberdade política e religiosa, a educação
popular foi sempre um tema muito caro à Maçonaria, com ideias comuns à dos
liberais no século XIX. Eles acreditavam que a sociedade moderna,
necessariamente laica e secular, originária da revolução intelectual dos finais
do século XVIII, deveria assentar-se no conhecimento científico e racional, eliminando
os vestígios medievais da influência católica.
As divergências entre as duas instituições
adquiriram contornos de uma disputa político-institucional na educação. A ideia
que se tinha era a de que por meio da educação das crianças e dos jovens se
construiria o "futuro". Mas qual seria esse futuro? Para a maçonaria,
ele estava intimamente ligado ao racionalismo/cientificismo, a modernidade e ao
progresso. Para tanto era fundamental retirar das escolas públicas a
obrigatoriedade do ensino religioso. Uma das vitórias nessa luta foi um decreto
de 1874, que dispensava das aulas de religião os alunos não católicos. O fim do
ensino religioso obrigatório só viria com a Constituição republicana de 1891. A
Igreja Católica lutou bravamente contra a adoção do sistema educacional laico
no Brasil. Seu discurso alertava os católicos contra “o falso brilho das
doutrinas da época".
É possível compreender o complexo quadro
político e cultural brasileiro do século XIX também a partir da luta dessas
duas instituições. O campo das ideias e das disputas em torno delas foi muito mais
amplo do que os posicionamentos anticlericais e clericais abordados aqui. Num
quadro em que a vida social se desenvolvia em poucos espaços públicos, a
Maçonaria tornou-se efetivamente um lugar onde ocorria a sociabilidade da maior
parte da elite. A Igreja Católica precisou empenhar-se muito para recuperar os
espaços perdidos ou, talvez, até então não consolidados.
Eliane Lúcia
Colussi é professora de História na Universidade de Passo Fundo (RS) e autora
de A maçonaria gaúcha no século XIX. 3ª ed. Passo Fundo: Ediupf, 2003.
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