“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Palavras de imperatriz

Cartas de Leopoldina no Museu Imperial destacam sua importância como protagonista política

Déborah Araujo

                “Com a maior impaciência, esperei este momento em que me é permitido exprimir a Vossa Majestade todos os sentimentos que me invadiram quando o Imperador, meu Augusto Pai, me anunciou que Vossa Majestade me concedia a honra de pedir minha mão para o Príncipe do Brasil, seu querido filho”. Assim começa a carta escrita pela então arquiduquesa Leopoldina, do Império Austro-húngaro, ao seu futuro sogro, D. João VI, em 16 de abril de 1817. Esta é apenas uma das mais de 200 correspondências referentes à imperatriz, que hoje estão no acervo do Museu Imperial de Petrópolis, no Rio de Janeiro.

                Há mais de 50 arquivos e coleções no Museu Imperial com documentos que fazem referência à imperatriz, de acordo com Thais Martins Lepesteur, pesquisadora do setor de Arquivo Histórico. São cartas escritas por D. Leopoldina para parentes, clérigos, naturalistas, políticos, entre outras personalidades de sua época, bem como correspondências endereçadas a ela e a seu marido, D. Pedro I. Além desses manuscritos, a lista de itens do rico acervo inclui documentos oficiais de Estado, diários de viagens, cadernos de pesquisas em ciências naturais – tanto da imperatriz quanto de seu marido – e notas sobre aquisições de bens e sobre a herança da monarca. “Não foi elaborado um catálogo definitivo da documentação sobre D. Leopoldina, e sim uma listagem preliminar que ainda passará por revisão”, ressalta Thais. Ainda assim, a museóloga garante que a documentação tem sido frequentemente consultada ao longo dos 70 anos da instituição.

                Segundo Viviane Tessitore, mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), o estudo das cartas relacionadas à D. Leopoldina permitem a visualização de traços da personalidade da imperatriz, aspectos de seu cotidiano e da Corte em parte do período joanino e do Primeiro Reinado, bem como sua relação com o marido, familiares e amigos. “Podemos visualizar também algo do significado político de seu casamento com D. Pedro I e muito do seu protagonismo no cenário político da Independência e do primeiro Reinado”, ressalta a pesquisadora. Seus textos demonstram o grande carinho e parceria na relação com seu marido. 

                Em carta a Dom Pedro I, de 19 de agosto de 1822 (São Cristóvão, Rio de Janeiro), D. Leopoldina escreveu: “Meu querido e prezado esposo. Mesmo sendo privada de notícias suas, que é muito custoso a meu coração, acho meu dever e único meio de aliviar as minhas saudades escrever-lhe. (...) Chegou um navio de Nantes [França], que trouxe a notícia de que o exército francês forte de 1.000.000 de homens passou os Pirineus; que os austríacos e os prussianos são na Itália fortes de 2.000.000 de soldados, para fazer guerra à Península, e que o Marechal Beresford [militar inglês, comandante-chefe do exército português na luta contra os franceses] saiu da Inglaterra com 20 navios”.

               As palavras articuladas e as informações detalhadas redigidas pela imperatriz eram fruto da disciplinada e apurada educação que ela e os irmãos receberam na infância. Além do alemão, seu idioma materno, D. Leopoldina falava e escrevia em italiano e francês, “língua usada nas relações internacionais da época, ocupando o mesmo lugar hoje ocupado pelo inglês”, destaca Viviane Tessitore. Quanto ao português, “ela aprendeu por ocasião de seu casamento com D. Pedro, então Príncipe Herdeiro do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves”. “Também tinha conhecimentos de inglês”, ressalta a historiadora.

                Os conhecimentos da imperatriz eram valiosos para D. Pedro I e para a política externa e interna do Brasil. “Ela desempenhou papel importante na cena política da época, intermediando a vinda de colonos e soldados germânicos e servindo de intérprete na chegada dos mesmos, além de se empenhar junto ao pai, o imperador Francisco I, pelo reconhecimento da Independência e proclamação do Império do Brasil”, declara a pesquisadora Maria de Lourdes Viana Lyra, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. A pesquisadora também chama a atenção para a importância documental das centenas de cartas escritas por D. Leopoldina encontradas em arquivos da Áustria e de Portugal, “por ressaltar o perfil de agente atuante e plenamente consciente do papel assumido com o casamento que lhe cabia desempenhar em prol do fortalecimento da forma de governo monárquica instalada no Novo Mundo desde 1808”.  

                 Entre as cartas do acervo do Museu Imperial de Petrópolis, destacam-se muitas notas de condolências enviadas ao imperador em decorrência da enfermidade, e posterior falecimento, de D. Leopoldina, após sofrer o aborto de sua nova gravidez, em dezembro de 1826. Um número imensurável de pessoas lamentou a morte da primeira imperatriz do Brasil, “que morreu no exercício do cargo de Regente do Império e cujo papel de protagonista no contexto das relações e dos interesses estabelecidos em prol da consolidação do Brasil monárquico e imperial era então reconhecido e pranteado”, argumenta Maria de Lourdes. Para ela, isso mostra a necessidade de “urgente revisão do perfil da D. Leopoldina, usualmente retratada como personagem secundária e sem a devida importância em muitos trabalhos historiográficos”. 

 Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional - Edição nº 107 - agosto de 2014

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