“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Um salto para o futuro

Político habilidoso e carismático, Juscelino Kubitschek obteve êxitos na execução de seu ambicioso Plano de Metas. Mas enfrentou acusações de entreguismo e corrupção.

Vânia Maria Losada Moreira

                “Cinquenta anos em cinco" foi o slogan da campanha presidencial de Juscelino Kubitschek, em 1955. O lema propunha de forma sugestiva uma ideia que se tornou central para compreender o seu governo (1956- 1961): a de que por meio do planejamento econômico e de investimentos públicos e privados nos setores corretos da economia era possível realizar, em um mandato presidencial, então de cinco anos, a rápida industrialização do país, superando o subdesenvolvimento, a pobreza e as desigualdades sociais.


               O ambicioso projeto de JK ficou conhecido como desenvolvimentismo e se baseava no Plano de Metas, um programa de investimentos dividido em trinta itens, distribuídos entre os setores de energia, transporte, alimentação, indústria de base e educação. A construção de Brasília só foi incorporada ao programa durante a campanha presidencial, mas rapidamente se transformou em uma das prioridades de JK, que a definiu como "a grande meta de integração nacional". Para alcançar o salto industrial almejado, o Plano incentivava os investimentos nacionais e estrangeiros, procurando ampliar o parque produtivo, além de prever grandes investimentos estatais em rodovias, ferrovias, portos, refinamento de petróleo e na geração de energia elétrica.

               O êxito governamental na implementação do Plano de Metas foi notável. O país cresceu a uma taxa média anual de 8,1%, bem maior, para se ter um dado de comparação, do que os modestos índices de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) durante o governo de Fernando Henrique (2,3% anuais) e dos atuais 2,7% do governo Lula. A implantação da indústria automobilística (meta 27) é um bom exemplo do sucesso alcançado pelo Plano de Metas e de como a política desenvolvimentista lidava com as disputas de interesses do período. A equipe econômica construiu uma espécie de acordo tácito no setor automobilístico, reservando a produção de autopeças para o empresariado nacional e cedendo às multinacionais o controle das montadoras. E apesar dos protestos nacionalistas, que reclamavam que o governo privilegiava o capital estrangeiro, o fato é que o conjunto do setor foi muito bem-sucedido. Em 1960, o desempenho estava bem próximo do que havia sido planejado, com a capacidade de produzir 321 mil unidades, entre caminhões, utilitários, jipes e automóveis, contra os 347 mil veículos inicialmente fixados.

               Que a população brasileira desejava o desenvolvimento e a industrialização, não restam dúvidas. Afinal, JK venceu as eleições de 1955 com 36% dos votos válidos, defendendo abertamente o Plano de Metas e a modernização do país. Não era uma vitória avassaladora se comparada às eleições de 1950, que dera 49% dos votos válidos para Getúlio Vargas. Mas o extraordinário crescimento econômico durante seu governo, aliado à personalidade alegre, otimista e carismática de JK, garantiu-lhe enorme popularidade. Ele parecia terminar o mandato com muito mais apoio popular do que quando começou, tal como sugeria uma pesquisa do Ibope realizada no estado da Guanabara (atual cidade do Rio de Janeiro), em 1961. Apenas 9% consideraram seu governo mau ou péssimo. Para o restante da população pesquisada, o governo era ótimo (22%), bom (35%) ou regular (31%), apesar de a cidade ter perdido o status de capital da República.

                Para setores importantes da opinião pública, a tão festejada política desenvolvimentista não passava de um desacerto. Os membros da União Democrática Nacional (UDN), maior partido de oposição, consideravam JK um presidente perdulário e megalomaníaco, que gastava muito em obras públicas, promovendo o aumento da inflação. Além disso, criticavam a construção de Brasília, que, segundo argumentavam, se tornara o maior foco de corrupção da nação. De fato, o governo JK financiou parte importante dos investimentos públicos emitindo papel moeda, gerando, com isso, a desvalorização da moeda (inflação). Para termos uma ideia do problema, quando JK deixou a Presidência, a inflação anual estava na casa dos 30,5%, bem maior do que a taxa anual de 12,5% herdada por ele. No mesmo período, no entanto, o salário mínimo sofreu diversos reajustes: 58,3% em 1956, 57,9% em 1959 e 60% em 1960.

               As correções monetárias do salário mínimo eram importantes. Ajudavam a manter o poder de compra da classe trabalhadora e garantia ao governo a manutenção da aliança com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), legenda defensora dos interesses dos trabalhadores. A aliança entre os dois partidos foi construída por JK, pois depois do suicídio do presidente Getúlio Vargas, em 1954, e da enorme comoção social gerada pelo trágico acontecimento, ele avaliou que dificilmente se tornaria presidente eleito sem o apoio de João Goulart, carinhosamente apelidado de Jango. Jango era, então, o mais evidente herdeiro político de Vargas e o maior líder trabalhista.

               A aliança com o PTB rendeu votos a JK, mas também a incansável e virulenta oposição da UDN. Apoiados em setores conservadores das Forças Armadas, Carlos Lacerda e outros udenistas foram os pivôs da crise que teve como saldo o suicídio de Vargas, acusando o presidente de corrupção, de demagogia e de tentar implantar uma "república sindicalista" no país. Pouco depois, estavam novamente no centro de outra crise político-militar, articulando um golpe para impedir a posse da dobradinha JK/Jango, levando o então ministro da Guerra, marechal Henrique Teixeira Lott, a fazer o chamado "golpe preventivo", em 11 de novembro de 1955, para garantir a posse dos eleitos. A oposição udenista ao governo JK não se reduzia, portanto, às críticas à escalada inflacionária e às suspeitas de corrupção. Para muitos, aliás, o que mais incomodava no governo JK era sua ligação com a maior herança deixada por Vargas ao povo brasileiro: Jango e o trabalhismo.

               Em 1957, o deputado Carlos Lacerda reclamou veementemente dos gastos e da corrupção e pedia a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar os custos de Brasília. Em 1959, voltou com toda a força ao assunto e quase conseguiu constituir a tal CPI, que, se fosse aprovada, paralisaria as obras no Planalto Central. Mas Lacerda não logrou sucesso. O fracasso da CPI se deveu à habilidade política de JK, que negociou com o vice-presidente João Goulart um nome de consenso para o Ministério da Agricultura, em troca da retirada das assinaturas do PTB da lista de apoio à CPI. Vencia a aliança governista PSD/PTB.

               Desde sua fundação, em 1945, o PTB demonstrava enorme vitalidade política. Em 1945, era um partido relativamente insignificante, controlando apenas 7,7% das cadeiras da Câmara Federal, contra 29,0% da UDN e 52,8% do PSD. Em 1958, no meio do governo JK, praticamente inexistia diferença entre o PTB, com 20,2% da representação parlamentar, e a UDN, com 21,5%. Mas, em 1962, o PTB já era o segundo maior partido e ameaçava a hegemonia do PSD: controlava 29,8% do conjunto dos deputados, contra 30,3% do PSD e 23,4% da UDN.

              O sucesso eleitoral do PTB estava vinculado ao seu programa, que defendia os direitos trabalhistas e reformas econômicas, sociais e políticas que interessavam à maioria pobre da população, como a reforma agrária distributiva de terras, o direito de voto do analfabeto, a extensão da legislação trabalhista ao trabalhador rural e a reforma administrativa, que buscava criar um serviço público realmente à altura das necessidades da população e do país. Desse modo, o PTB angariava muitos votos, criava novos diretórios, influía cada vez mais no meio sindical urbano e rural, e se aproximava de lideranças da esquerda, como os comunistas, cujo partido estava, então, na ilegalidade.

               Com essa trajetória, o PTB acabou ameaçando os interesses conservadores da oligarquia latifundiária, da burguesia industrial e do capital internacional. Durante os anos JK, no entanto, o PTB apoiou o governo, mas sempre fazendo críticas importantes. Muitos petebistas, nacionalistas e comunistas discordavam do endividamento externo e do incentivo à instalação de multinacionais no país. Taxavam essa política de "entreguista", pois acreditavam que ela comprometia a autonomia da economia nacional e entregava o país ao controle do capital internacional. O debate sobre o capital estrangeiro inflamava os ânimos dos setores progressistas e nacionalistas e ficou expresso em vários lugares: na Câmara dos Deputados, quando alguns de seus membros fundaram a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) para defender a industrialização, as reformas sociais e lutar contra a subordinação do Brasil ao capital estrangeiro; em várias entidades nacionalistas, como o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB); e nos memoráveis artigos publicados pela prestigiosa Revista Brasiliense (1955-1964), que reunia intelectuais nacionalistas e comunistas.

               Vê-se por tudo isso que governar no sistema democrático não é tarefa fácil, sobretudo em países com elites conservadoras e uma numerosa população pobre e explorada. Essa é uma das lições que nós, brasileiros, podemos tirar do chamado período democrático (1945-1964), quando, em razão de disputas políticas, a maioria dos governantes não conseguiu completar seus mandatos, envolvidos em crises político-militares cujos desfechos foram bastante surpreendentes e até mesmo trágicos: o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954; a renúncia de Jânio Quadros, em 1961; e a deposição do presidente João Goulart, em 1964, por forças políticas e militares reacionárias que impuseram à nação vinte anos de autoritarismo.

               Juscelino Kubitschek governou caminhando pelo centro, procurando se desviar das críticas e conciliar os interesses da esquerda e da direita. Isso garantiu que ele completasse seu mandato e gerou a chamada modernização conservadora: a intensa industrialização e urbanização do Brasil, com a manutenção dos latifúndios e da distribuição desigual da riqueza nacional. Mais uma vez, a maioria do povo continuaria pobre, só que agora em outro cenário: as grandes cidades que o desenvolvimentismo ajudou a crescer.

VÂNIA MARIA LOSADA MOREIRA é doutora em História pela USP, professora na UFES e autora de "Os anos JK: industrialização e modelo oligárquico de desenvolvimento rural", em O Brasil republicano. O tempo da experiência democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

Fonte: Revista Nossa História – Ano 2 - nº 23 - setembro 2005

Saiba mais - Bibliografia

BENEVIDES, Mana Victoria. O governo Kubitschek. Desenvolvimento econômico e estabilidade política. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

DELGADO, Lucília de Almeida Neves. "Partidos políticos e frentes parlamentares: projetos, desafios e conflitos na democracia." In: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano. O tempo da experiência democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 127-154. 

FARO Clóvis & SILVA, Salomão L. Quadros. "A década de 50 e o Programa de Metas." In: GOMES, Ângela de Castro (org.). O Brasil de JK. Rio de Janeiro: Editora da FGV / CPDOC, 1989, p. 44-70.

TOLEDO, Caio Navarro de. ISEB: fábrica de ideologias. 2a ed. São Paulo: Ática, 1982.

Saiba Mais: Link

A morte de JK. Fatos que levantam suspeitas.

Aprofundamento: Cultura Anos 50 e 60

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