“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

segunda-feira, 5 de março de 2012

Pensamentos e sonhos sobre o Brasil

Leonardo Boff
(é teólogo e escritor)

O Brasil é a maior nação neolatina do mundo. Uma das marcas do povo brasileiro é sua capacidade de se relacionar com todo mundo, de somar, juntar, sincretizar e sintetizar. Temos tudo para sermos a maior civilização dos trópicos, não imperial, mas solidária com todas as nações, porque incorporou em si representantes de 60 povos que para aqui vieram.



1. O povo brasileiro se habituou a “enfrentar a vida” e a conseguir tudo “na luta”, quer dizer, superando dificuldades e com muito trabalho. Por que não iria “enfrentar” também o derradeiro desafio de fazer as mudanças necessárias, para criar relações mais igualitárias e acabar com a corrupção?
2. O povo brasileiro ainda não acabou de nascer. O que herdamos foi a Empresa-Brasil com uma elite escravagista e uma massa de destituídos. Mas do seio desta massa, nasceram lideranças e movimentos sociais com consciência e organização. Seu sonho? Reinventar o Brasil. O processo começou a partir de baixo e não há mais como detê-lo.
3. Apesar da pobreza e da marginalização, os pobres sabiamente inventaram caminhos de sobrevivência. Para superar esta anti-realidade, o Estado e os políticos precisam escutar e valorizar o que o povo já sabe e inventou. Só então teremos superado a divisão elites-povo e seremos uma nação una e complexa.
4. O brasileiro tem um compromisso com a esperança. É a última que morre. Por isso, tem a certeza de que Deus escreve direito por linhas tortas. A esperança é o segredo de seu otimismo, que lhe permite relativizar os dramas, dançar seu carnaval, torcer por seu time de futebol e manter acesa a utopia de que a vida é bela e que amanhã pode ser melhor.
5. O medo é inerente à vida porque “viver é perigoso” e sempre comporta riscos. Estes nos obrigam a mudar e reforçam a esperança. O que o povo mais quer, não as elites, é mudar para que a felicidade e o amor não sejam tão difíceis.
6. O oposto ao medo não é a coragem. É a fé de que as coisas podem ser diferentes e que, organizados, podemos avançar. O Brasil mostrou que não é apenas bom no carnaval e no futebol. Mas também bom na agricultura, na arquitetura, na música e na sua inesgotável alegria de viver.
7. O povo brasileiro é religioso e místico. Mais que pensar em Deus, ele sente Deus em seu cotidiano que se revela nas expressões: “graças a Deus”, “Deus lhe pague”, “fique com Deus”. Deus para ele não é um problema, mas a solução de seus problemas. Sente-se amparado por santos e santas e por bons espíritos e orixás que ancoram sua vida no meio do sofrimento.
8. Uma das características da cultura brasileira é a alegria e o sentido de humor, que ajudam aliviar as contradições sociais. Essa alegria nasce da convicção de que a vida vale mais do que qualquer coisa. Por isso deve ser celebrada com festa e diante do fracasso, manter o humor. O efeito é a leveza e o entusiasmo que tantos admiram em nós.
9. Há um casamento que ainda não foi feito no Brasil: entre o saber acadêmico e o saber popular. O saber popular nasce da experiência sofrida, dos mil jeitos de sobreviver com poucos recursos. O saber acadêmico nasce do estudo, bebendo de muitas fontes. Quando esses dois saberes se unirem, seremos invencíveis.
10. O cuidado pertence à essência de toda a vida. Sem o cuidado ela adoece e morre. Com cuidado, é protegida e dura mais. O desafio hoje é entender a política como cuidado do Brasil, de sua gente, da natureza, da educação, da saúde, da justiça. Esse cuidado é a prova de que amamos o nosso país.
11. Uma das marcas do povo brasileiro é sua capacidade de se relacionar com todo mundo, de somar, juntar, sincretizar e sintetizar. Por isso, ele não é intolerante nem dogmático. Gosta e acolhe bem os estrangeiros. Ora, esses valores são fundamentais para uma globalização de rosto humano. Estamos mostrando que ela é possível e a estamos construindo.
12. O Brasil é a maior nação neolatina do mundo. Temos tudo para sermos também a maior civilização dos trópicos, não imperial, mas solidária com todas as nações, porque incorporou em si representantes de 60 povos que para aqui vieram. Nosso desafio é mostrar que o Brasil pode ser, de fato, um pedaço do paraíso que não se perdeu.

FILMES:
Sonhos (Akira Kurosawa)
São oito segmentos. No primeiro, “A Raposa”, uma criança é avisada pela mãe que não deveria ir à floresta quando há chuva e sol, pois é a época do acasalamento das raposas, que não gostam de serem observadas. Mas ele desobedece aos conselhos e observa as raposas, atrás de uma árvore. Ao retornar para casa sua mãe não o deixa entrar e lhe entrega um punhal, dizendo que como ele havia contrariado a raposa ele deveria se matar, mas ela sugere algo que pode remediar a situação. Na segunda, “O Jardim dos Pessegueiros”, o irmão mais novo de uma família, ao servir chá para as irmãs, depara com uma moça que foge. Indo ao seu encalço, nota que ela é uma boneca e depara com os pessegueiros da sua casa totalmente cortados, restando só tocos. Os espíritos dos pessegueiros surgem para ele e, em uma dança melancólica, dizem que as bonecas são colocadas para enfeitar e festejar a florada dos pessegueiros, mas como eles não mais existem naquela casa não fazia sentido a presença das bonecas. Na terceira, “A Nevasca”, o líder de uma expedição, junto com seu grupo, se vê em meio a uma nevasca. Eles sucumbem a nevasca, mas repentinamente surge uma linda mulher que envolve o líder com uma echarpe prata. Ele percebe que ela é a morte, que se transforma em uma horrenda figura, então ele vê que está próximo do acampamento e tenta acordar os companheiros, mas não consegue. Ouve então uma corneta, indicando que o acampamento está mais próximo do que imagina. No quarto, “O Túnel”, ao entrar em um túnel o capitão de um exército é surpreendido por um cão, que ladra para ele. Atravessa então o túnel em curtos passos. Na saída ouve alguém caminhar e depara com um dos seus soldados morto em combate, que pensa não estar morto. No quinto conto, “Corvos”, um jovem pintor, ao observar as pinturas de Van Gogh, entra dentro dos quadros e se encontra com o pintor, que indaga por qual razão ele não está pintando se a paisagem é incrível, pois isto o motiva a pintar de forma frenética. No sexto conto, “Monte Fuji em Vermelho”, o Fuji entra em erupção ao mesmo tempo ocorre um incêndio em uma usina nuclear, provocado por falha humana. É desprendida no ar uma nuvem de radiação. Um homem relata ser um dos responsáveis pela tragédia e diz preferir a morte rápida de um afogamento à lenta provocada pela radiação. No sétimo, “O Demônio Chorão”, ao caminhar um viajante encontra um demônio, que lamenta ter sido um homem ganancioso e, como muitos, transformou a terra em um lastimável depósito de resíduos venenosos. No último, “Povoado dos Moinhos”, um viajante chega à um lugarejo conhecido por muitos como Povoado dos Moinhos. Lá não há energia elétrica e tampouco urbanização. Um idoso, ao ser indagado, relata que os inventos tornam as pessoas infelizes e que o importante para se ter uma boa vida é ser puro e ter água limpa.
Diretor: Akira Kurosawa
Duração: 119 Min.
http://ul.to/muools5kAno: 1990
Áudio: Japonês/Legendado

Dersu Uzala (Akira Kurosawa)
O filme conta a história de um explorador (líder de uma expedição de levantamento topográfico na Sibéria) do exército russo, que é resgatado na Sibéria por um caçador Goldi (Dersu Uzala) que passa a servir-lhe de guia, dando início a uma forte amizade. Quando o explorador decide levar o caçador para a cidade, seus costumes se confrontam de forma esmagadora com o modo de vida burocrático na cidade, fazendo-o questionar diversos padrões da sociedade.
Dersu é um exemplo de humildade e sabedoria, e o filme mostra de maneira poética e sensível as diferenças culturais entre ele e o pesquisador russo. O diretor de fotografia aproveitou ao máximo as imponentes paisagens naturais da Sibéria e as registrou em belas imagens.
Numa das cenas inesquecíveis do filme, Dersu e o explorador russo se encontram em local aberto, uma estepe, quando uma nevasca os atinge. No frio siberiano (que pode atingir até 60º negativos), o russo se abate, quase que como entregue à morte certa. Dersu o convence a recolher os arbustos da estepe. Mesmo sem entender direito o significado do ato, este, cambaleante, faz o que Dersu lhe pede, até o esgotamento. Dersu então continua recolhendo a vegetação rala, que mais tarde se transformará numa pequena cabana, cavada na terra. Uma cena digna das melhores do cinema com relação ao embate entre natureza e sobrevivência.
Direção: Akira Kurosawa
Ano: 1975 (Japão, União Soviética)
http://ul.to/s5puu5whDuração: 144 min
Áudio: Russo/Legendado

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