Ao contrário do que muitas pessoas pensam, Portugal não foi o
único soberano ao longo de nossa história colonial.
Jacqueline Hermann
Iniciada em 1580, a União Ibérica foi uma
das consequências mais dramáticas da derrota de d. Sebastião em Alcácer Quibir,
dois anos antes. Celibatário, o rei não deixara herdeiros, abrindo uma
disputada crise sucessória da qual saiu vencedor o então rei espanhol, Felipe
II. Sua estratégia combinou o assédio sistemático a membros da alta nobreza e
do alto clero, com a presença militar ostensiva nas fronteiras lusitanas. Desta
ofensiva nasceu o Portugal dos Filipes, produto de uma negociação cujo
resultado deu base à agregação do reino à monarquia católica em 1580.
A consolidação prática dessa agregação
foi, no entanto, bem mais difícil do que os Habsburgo esperavam, apesar de
estarem habituados a dirigir uma monarquia compósita, uma vez que a Espanha era
formada por partes heterogêneas e híbridas política e culturalmente. O projeto
de enquadrar o reino e seus domínios coloniais ao modo hispânico de governar,
bem mais centralizado e administrativamente estruturado, enfrentou inúmeras
dificuldades dentro e fora do reino, além de diversas conjunturas
internacionais, fundamentais para a compreensão da poderosa rede de inimigos
fomentada pelas ambições imperiais de Espanha. A anexação de Portugal e de suas
colônias coroava, sem trocadilho, o poderio irrefreável do rei católico,
provocando o continuado assédio, sobretudo de França e Holanda, aos territórios
incorporados à monarquia castelhana.
No caso do Brasil, é preciso matizar sua
importância para os Habsburgo ao longo da união dos dois reinos - já que em
1580 era pouco mais do que uma estreita faixa costeira, ainda pouco produtiva e
povoada; situação bem diferente da América portuguesa restaurada em 1640.
De forma bem resumida, é possível
relacionar algumas medidas que indicam o empenho espanhol em realizar mudanças
político-administrativas visando o maior controle dos espaços anexados,
contando para isso com os serviços da nobreza que aderiu à causa da união.
Filipe I (1580-1598) começou a implementar reformas na Justiça e administração
de Portugal desde 1582 - a mais estrutural, a promulgação das Ordenações Filipinas
(um código de leis vigente no Brasil até meados do século XIX), ocorreu em
1603, já no reinado de Filipe II (1598-1621). Neste mesmo ano foi criado o
Conselho de Portugal, responsável pela mediação política entre reino e rei, em
1604 o Conselho das índias e Conquistas Ultramarinas, com o objetivo de
centralizar a gestão da política colonial. Mas talvez a ação mais sentida na
colônia brasílica ainda no tempo do primeiro Filipe tenha sido a inspeção
efetivada pela Primeira Visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil, entre
1591 e 1595. Embora em Portugal funcionasse um Tribunal desde 1540, nunca o
Brasil havia sofrido diretamente uma sindicância inquisitorial.
O início do reinado de Filipe II foi
marcado por sistemáticas incursões estrangeiras às costas do Brasil, dentre as
quais a francesa foi a mais bem-sucedida, com a ocupação do Maranhão entre 1612
e 1615. O fim da França Equinocial - projeto francês - marcou a expansão para o
norte e foi importante para a divisão interna do poder a favor do rei espanhol.
A criação do Estado do Maranhão e Grão-Pará, separado do Estado do Brasil,
planejada desde 1618 e efetivada em 1621, pode ser analisada como mais um
desdobramento do esforço espanhol para dividir o poder colonial e enfrentar as
resistências locais, sobretudo na Bahia e Pernambuco.
O auge do assédio ao Brasil deu-se no
reinado de Filipe III (1621-1640), face mais conhecida do período filipino,
embora nem sempre claramente relacionado a ele: primeiro, a tentativa de
invasão holandesa à Bahia, em 1624, e a sua efetiva instalação em Pernambuco em
1630. Exemplos eloquentes desse continuado cerco são os quase trinta fortes
construídos nos sessenta anos da União Ibérica, fruto da importância
estratégica e econômica assumida pela colônia na primeira metade do XVII e da
conjuntura internacional antiespanhola.
A história do Brasil entre 1580 e 1640,
período da União Ibérica, portanto, passou por transformações importantes,
tanto na esfera de sua organização político-administrativa como econômica, além
da expansão territorial para o norte, o sul e o centro-oeste, jamais reclamada
pelos espanhóis depois da Restauração.
Jacqueline Hermann é
professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora de No reino
do Desejado. A construção do sebastianismo em Portugal, séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
Fonte: Revista Nossa História - Ano IV nº 38 -
Dezembro 2006
Saiba Mais – Bibliografia
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"O Estado do Brasil na União Ibérica. Dinâmicas políticas no Brasil no
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