“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Operação Condor - O Voo Mais Longo da Repressão

Multinacional clandestina da perseguição política na década de 1970, para seus agentes não existiam fronteiras. Sua missão era caçar, prender e muitas vezes matar os inimigos dos governos militares da América do Sul, onde quer que estivessem.
Samantha Viz Quadrat
           Na noite de 13 de julho de 1976, 15 policiais comandados por um oficial uruguaio, o major José Nino Gavazzo, invadiram uma casa da Rua Juana Azurduy, no bairro de Belgrano, em Buenos Aires. Dentro, Sara Mendez e sua amiga Asilu se preparavam para dormir. Sara, de 32 anos, trazia nos braços seu filho, o bebe Simon, de apenas 20 dias. Foi levada com Asilu a um centro clandestino de tortura, onde lhe tomaram a criança. Ela só voltaria a ver Simon 25 anos depois.
          Esta e muitas outras histórias, igualmente dramáticas, fizeram a fama da chamada Operação Condor, nascida no Chile com o objetivo de varrer do Cone Sul tudo o que fosse considerado "subversivo" pelos militares então instalados no poder, pelo uso da força, em vários países do continente, inclusive o Brasil.
           O coronel chileno Manuel Contreras, chefe da DINA, a polícia política do governo de Augusto Pinochet, tomou a iniciativa de convidar os principais representantes do setor de informações dos países do Cone Sul para uma reunião secreta, realizada em Santiago do Chile, entre os dias 25 de novembro e 1º de dezembro de 1975. Foi o primeiro passo para a montagem do aparato repressivo.
          Os acordos firmados nesse primeiro encontro visavam basicamente ao funcionamento da operação, que aliás ainda não tinha nome. Foi batizada de "condor" por sugestão do representante uruguaio. Figura simbólica do brasão chileno, o condor é a maior ave de rapina da América do Sul, capaz de alcançar altas e longas distâncias. O nome foi bastante apropriado. O voo do condor, como queriam os que batizaram a nova estratégia, não ficou restrito aos territórios dos países membros da operação.
          Nesse primeiro momento o Brasil, então governado pelo general Ernesto Geisel, não enviou nenhum representante à reunião secreta. Aparentemente havia resistência do governo brasileiro a envolver-se na operação. Teria aceitado apenas participar do intercâmbio de informações. A participação brasileira, contudo, não foi tão restrita quanto se pensava.
          Um dos episódios de maior destaque, nesse período, ocorreu justamente em território brasileiro. Em novembro de 1978 executou-se a chamada Operação Sapato Velho - resultado de uma parceria entre o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), de Porto Alegre, e oficiais do exército do Uruguai. O objetivo era o sequestro dos uruguaios Lilian Celiberti - junto com seus dois filhos menores, Camilo e Francesca - e Universindo Rodriguez Diaz. Presos no Brasil, Lilian e Universindo foram torturados e interrogados no DOPS de Porto Alegre. As crianças, entregues a uma avó. A salvação do casal se deve à imprensa brasileira, no caso representada pelos jornalistas Luís Cláudio Cunha e João Batista Scalco. Eles identificaram policiais envolvidos e denunciaram o sequestro.
          Entre as ações da Operação Condor fora da América do Sul figura o assassinato, num atentado a bomba ocorrido no dia 21 de setembro de 1976, de Orlando Letelier, ex-ministro de Salvador Allende e uma das principais lideranças de oposição à ditadura de Pinochet no exterior. O caso chama especialmente atenção por ter ocorrido na capital dos Estados Unidos, considerada um dos lugares mais seguros do mundo, ao mesmo tempo em que sugere a conivência de agentes norte-americanos.
          Os órgãos de inteligência norte-americanos tinham conhecimento de todas as violações ocorridas nos países do Cone Sul sob ditaduras. Além disso, os Estados Unidos despendiam vultosas verbas no treinamento de militares da América Latina, tanto no seu território como na Escola das Américas, situada no Panamá. Este centro de treinamento militar ficaria conhecido como "Escola dos Assassinos", por haver acolhido e formado inúmeros militares que mais tarde se envolveriam, nos respectivos países, em ações hediondas de violação de direitos humanos.
          O longo voo do condor alcançou também o Velho Mundo. Em 6 de outubro de 1975 Bernardo Leighton, ex-vice-presidente do Chile e alto dirigente do Partido Democrata Cristão, sofreu um atentado a bala na capital italiana. Esta e outras ações foram comandadas pelo norte-americano Michael Townley, um ex-informante da CIA que se tornou um seguidor fiel de Contreras, o chefe da DINA.
          A despeito de todas as vítimas que fez desde 1975 até o final das ditaduras nos anos 80, a Operação Condor acabou se tornando, paradoxalmente, passado o tempo das ditaduras sul-americanas, um dos principais trunfos na luta internacional contra a impunidade. Alguns países, como França e Itália, têm julgado os crimes cometidos contra seus cidadãos ou pessoas com dupla nacionalidade. Outros, como a Espanha, têm-se utilizado da lei que garante que os crimes contra a humanidade podem ser julgados em seus tribunais. E já que esses tribunais não reconhecem as leis de anistia decretadas nos países da América do Sul depois da chamada guerra suja, promovem-se hoje batalhas judiciais em vários países com o objetivo de prender e punir os culpados, por mais longe que estejam.
Samantha Viz Quadrat é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense e Coordenadora do Núcleo de Estudos Contemporâneos desta mesma Universidade.     

Fonte – Revista Nossa História - Ano I nº 2 - Dez. 2003

Saiba Mais – Bibliografia
GUENA, Márcia. Arquivo do horror. Documentos secretos da ditadura do Paraguai (1960-1980). São Paulo: Fundação Memorial da América Latina,1996.
MARIANO, Nilson. As garras do condor. Petrópolis: Vozes, 2003.
MIRANDA, Nilmário e TIBÚRCIO, Carlos. Dos filhos deste solo. São Paulo: Perseu Abramo/Boitempo, 1999.
SÁBATO, Ernesto (org). Nunca mais. Porto Alegre: L&PM, 1984.

Saiba Mais – Links

Documentário
Condor – O Filme
Condor foi o nome dado à sinistra conexão entre governos militares sul-americanos, com o apoio da CIA, que culminou com a morte de cerca de 30 mil pessoas nos anos 70. Outros 400 mil foram presos e 4 milhões exilados. Roberto Mader conta essa história através de depoimentos emocionantes e surpreendentes de generais e ativistas políticos, torturadores, vítimas e parentes dos desaparecidos. Condor foi filmado em quatro países e traz um material de arquivo, acompanhado de belas composições de Victor Biglione.

Direção: Roberto Mader
Ano: 2007
Áudio: Português
Duração: 110 minutos



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