Multinacional clandestina da perseguição política na década de
1970, para seus agentes não existiam fronteiras. Sua missão era caçar, prender
e muitas vezes matar os inimigos dos governos militares da América do Sul, onde
quer que estivessem.
Samantha Viz Quadrat
Esta e muitas outras histórias, igualmente
dramáticas, fizeram a fama da chamada Operação Condor, nascida no Chile com o
objetivo de varrer do Cone Sul tudo o que fosse considerado
"subversivo" pelos militares então instalados no poder, pelo uso da
força, em vários países do continente, inclusive o Brasil.
O coronel chileno Manuel Contreras, chefe
da DINA, a polícia política do governo de Augusto Pinochet, tomou a iniciativa
de convidar os principais representantes do setor de informações dos países do
Cone Sul para uma reunião secreta, realizada em Santiago do Chile, entre os
dias 25 de novembro e 1º de dezembro de 1975. Foi o primeiro passo para a
montagem do aparato repressivo.
Os acordos firmados nesse primeiro encontro
visavam basicamente ao funcionamento da operação, que aliás ainda não tinha
nome. Foi batizada de "condor" por sugestão do representante
uruguaio. Figura simbólica do brasão chileno, o condor é a maior ave de rapina
da América do Sul, capaz de alcançar altas e longas distâncias. O nome foi
bastante apropriado. O voo do condor, como queriam os que batizaram a nova
estratégia, não ficou restrito aos territórios dos países membros da operação.
Nesse primeiro momento o Brasil, então
governado pelo general Ernesto Geisel, não enviou nenhum representante à
reunião secreta. Aparentemente havia resistência do governo brasileiro a
envolver-se na operação. Teria aceitado apenas participar do intercâmbio de
informações. A participação brasileira, contudo, não foi tão restrita quanto se
pensava.
Um dos episódios de maior destaque, nesse
período, ocorreu justamente em território brasileiro. Em novembro de 1978
executou-se a chamada Operação Sapato Velho - resultado de uma parceria entre o
Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), de Porto Alegre, e oficiais do
exército do Uruguai. O objetivo era o sequestro dos uruguaios Lilian Celiberti
- junto com seus dois filhos menores, Camilo e Francesca - e Universindo
Rodriguez Diaz. Presos no Brasil, Lilian e Universindo foram torturados e
interrogados no DOPS de Porto Alegre. As crianças, entregues a uma avó. A
salvação do casal se deve à imprensa brasileira, no caso representada pelos
jornalistas Luís Cláudio Cunha e João Batista Scalco. Eles identificaram
policiais envolvidos e denunciaram o sequestro.
Entre as ações da Operação Condor fora da
América do Sul figura o assassinato, num atentado a bomba ocorrido no dia 21 de
setembro de 1976, de Orlando Letelier, ex-ministro de Salvador Allende e uma
das principais lideranças de oposição à ditadura de Pinochet no exterior. O
caso chama especialmente atenção por ter ocorrido na capital dos Estados
Unidos, considerada um dos lugares mais seguros do mundo, ao mesmo tempo em que
sugere a conivência de agentes norte-americanos.
Os órgãos de inteligência norte-americanos
tinham conhecimento de todas as violações ocorridas nos países do Cone Sul sob
ditaduras. Além disso, os Estados Unidos despendiam vultosas verbas no
treinamento de militares da América Latina, tanto no seu território como na
Escola das Américas, situada no Panamá. Este centro de treinamento militar
ficaria conhecido como "Escola dos Assassinos", por haver acolhido e
formado inúmeros militares que mais tarde se envolveriam, nos respectivos países,
em ações hediondas de violação de direitos humanos.
O longo voo do condor alcançou também o
Velho Mundo. Em 6 de outubro de 1975 Bernardo Leighton, ex-vice-presidente do Chile
e alto dirigente do Partido Democrata
Cristão, sofreu um atentado a bala na capital italiana. Esta e outras ações
foram comandadas pelo norte-americano Michael Townley, um ex-informante da CIA
que se tornou um seguidor fiel de Contreras, o chefe da DINA.
A despeito de todas as vítimas que
fez desde 1975 até o final das ditaduras nos anos 80, a Operação Condor acabou
se tornando, paradoxalmente, passado o tempo das ditaduras sul-americanas, um
dos principais trunfos na luta internacional contra a impunidade. Alguns
países, como França e Itália, têm julgado os crimes cometidos contra seus
cidadãos ou pessoas com dupla nacionalidade. Outros, como a Espanha, têm-se
utilizado da lei que garante que os crimes contra a humanidade podem ser
julgados em seus tribunais. E já que esses tribunais não reconhecem as leis de
anistia decretadas nos países da América do Sul depois da chamada guerra suja,
promovem-se hoje batalhas judiciais em vários países com o objetivo de prender
e punir os culpados, por mais longe que estejam.
Samantha Viz Quadrat é
doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal
Fluminense e Coordenadora do Núcleo de Estudos Contemporâneos desta mesma
Universidade.
Fonte – Revista Nossa História - Ano I nº 2 - Dez.
2003
Saiba Mais – Bibliografia
GUENA, Márcia.
Arquivo do horror. Documentos secretos da ditadura do Paraguai (1960-1980). São
Paulo: Fundação Memorial da América Latina,1996.
MARIANO, Nilson.
As garras do condor. Petrópolis: Vozes, 2003.
MIRANDA, Nilmário
e TIBÚRCIO, Carlos. Dos filhos deste solo. São Paulo: Perseu Abramo/Boitempo,
1999.
SÁBATO, Ernesto
(org). Nunca mais. Porto Alegre: L&PM, 1984.
Saiba Mais – Links
Documentário
Condor
– O Filme
Direção: Roberto Mader
Ano: 2007
Áudio: Português
Ano: 2007
Áudio: Português
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