Trazidos para cultivar chá no Rio de Janeiro, os primeiros
imigrantes chineses a desembarcar no Brasil sofreram com o preconceito e as más
condições de vida.
Geraldo Moreira Prado e Rael Fiszon Eugênio dos Santos
A este grupo de chineses se devem as
primeiras experiências brasileiras de cultivo da planta conhecida pelo nome científico
de Camellia sinensis, nativa da
China. Alguns poucos livros, como o clássico D. João VI no Brasil, do
historiador pernambucano Oliveira Lima, destacam a presença chinesa no Brasil.
O mais comum entre os autores, no entanto, é apontarem os suíços que se
estabeleceram na região serrana de Nova Friburgo, no estado do Rio de Janeiro,
em 1818, como a primeira força de trabalho estrangeira, e livre, a atuar no
país cuja economia era então sustentada pelo braço escravo. Ao lado dos suíços,
os colonos chineses também tiveram papel relevante, protagonizando um projeto
que seria a menina-dos-olhos de d. João VI, mas cujos resultados acabaram
infelizmente ficando bem aquém das expectativas.
O hábito de tomar chá chinês (dito
inglês) surge por aqui a partir da chegada da família real portuguesa, em 1808,
que introduz na acanhada colônia hábitos europeus mais sofisticados. A ideia de
d. João, príncipe regente e futuro rei de Portugal, era cultivar o produto por
aqui mesmo, dispensando as importações e transformando-o em fonte de riqueza. O
número de trabalhadores chineses que ficaram no Brasil no período com esse
propósito, bem como suas origens, não são exatos. Benedicto Freitas se refere a
uma centena, mais ou menos, e seriam eles provenientes de Macau e Cantão.
Sabe-se que primeiramente desembarcaram 45 colonos, em 1815 - e, segundo Fania
Fridman, provenientes de Macau. Mas havia também chineses de outras regiões.
Johann Luccock, viajante que chegou ao Brasil em meados de 1808, referindo-se
ao chefe dos lavradores residentes na Fazenda Santa Cruz, diz ser ele
originário de Nanquim.
Pelos relatos que ficaram, a fazenda,
naquela época, principalmente graças aos cuidados de d. João, pessoalmente
empenhado no projeto, parecia algo muito próximo do paraíso. Na visita ao
local, a viajante Maria Graham, além de testemunhar o interesse do monarca
português pelo assunto, descreve um cenário que mistura trabalho, sonho e
fantasia. Segundo ela, d. João mandara construir na Fazenda Santa Cruz portões
e cabanas, em estilo chinês, que ficavam próximos a canteiros abrigando
arbustos da erva, de folhas escuras e brilhantes e flores semelhantes às da
murta. Tais canteiros eram cercados por caminhos onde se misturavam
laranjeiras, roseirais e uma linda espécie de mimosa, formando belos jardins.
Desse modo, a "China de Santa Cruz", escreveu Maria Graham, se
tornara um dos pontos mais aprazíveis para os visitantes.
Tudo parecia que ia muito bem, mas não
era verdade. O clima supostamente idílico da Fazenda Santa Cruz não duraria
muito. Contra os chineses e o projeto de d. João se levantariam em breve duas
forças imbatíveis: o preconceito e as leis do mercado. Houve quem criticasse as
peculiaridades comportamentais dos chineses na relação do trabalho e no modo de
assimilar as informações recebidas. Luccock, por exemplo, achava que eram
meticulosos no modo de lavrar e que alguns chineses demonstravam rapidez de
assimilação. Considerava, no entanto, que a maioria deles era extremamente
ignorante, "como jamais se viu em outra raça". O preconceito em
Luccock ia ainda mais além: "Tais como os gregos modernos, a inteligência
deles se desviou e o caráter envileceu". As condições que cercaram a vinda
dos chineses já eram reveladoras de um futuro nada promissor. Não puderam
trazer mulheres, para que seus traços orientais não passassem a descendentes
brasileiros, e, aqui, eram proibidos de se aproximar da senzala, a fim de se
evitar eventuais relações íntimas com escravas.
Os resultados negativos desse regime de
opressão a que foram submetidos, certamente agravado pela barreira da língua,
surgiram quatro anos após a chegada dos primeiros imigrantes. Em 1819, 51
chineses subscreveram um abaixo-assinado que foi referendado por José Bonifácio
e enviado a d. João VI. No texto, solicitavam um intérprete para auxiliá-los
nos tribunais. É que alguns deles haviam virado réus, em consequência de fugas
verificadas na colônia chinesa de Santa Cruz. Segundo a acusação, grupos de
chineses que haviam deixado a lavoura de chá saíam pela cidade cometendo
"abusos" e "desordens". As fugas eram consequência das
condições a eles impostas na fazenda, pois, como escreveu Maria Graham em seu
diário, "ninguém foge de onde vive bem".
Segundo Fania Fridman, a relação de
trabalho desses chineses tinha na verdade características escravocratas, pois
"recebiam apenas 160 réis por dia, não podiam comerciar nem ir à cidade,
dormir fora da colônia ou receber visitas". Graham, no entanto, considerou
que o salário tinha um valor significativo na época. Não se pode afirmar que a
força de trabalho chinesa no Brasil se submetia às características clássicas do
escravismo. Havia, sim, relações de hierarquia que tinham de ser observadas e a
presença de feitores, típicas do regime escravocrata. Documento de 1817 nomeia
um chinês de nome "Bexiga" como feitor de Santa Cruz. Sua tarefa era
controlar os conterrâneos rebeldes.
Em 1825, o chinês João Antônio Moreira
(nome adotado), que vivia no Brasil há mais de 11 anos e trabalhava há cerca de
seis em Santa Cruz, enviou requerimento ao intendente da polícia, Francisco
Alberto Pereira Aragão (1824-1827), solicitando sua nomeação para o cargo de
capitão, a fim de auxiliar as autoridades no controle dos abusos cometidos por
conterrâneos. Segundo o referido requerimento, certo número de chineses, tendo
abandonado o cultivo do chá, desenvolveu total relaxamento dos costumes,
formando "partidos" (leia-se bandos) e cometendo roubos. O intendente
recomendou ao imperador d. Pedro I recusar o pedido, alegando que os chineses
estavam suficientemente habituados ao país e não precisavam portanto de
tratamento diferenciado: "Procedimentos errados deveriam ser tratados nos
moldes da lei", afirmou.
Quanto ao cultivo do chá, o sonho tão
acalentado por d. João VI, virou frustração. Frei Leandro, primeiro diretor do
Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em sua obra Memória econômica sobre o cultivo e preparo do chá (1825), reclama
do despreparo dos agricultores brasileiros no cultivo da planta. Por este
motivo, o chá não se disseminou no Brasil e na colônia chinesa de Santa Cruz
malogrou. Em vez do chá, a economia preferiu o café, que continuou sendo
produzido, exportado, acumulando e reproduzindo a riqueza das elites
"nobiliárquicas" brasileiras. O fato é que o chá chinês deixou de ser
produzido no Brasil e passou a ser importado da Inglaterra.
Na análise de Maria Graham, os custos do
investimento para o cultivo de chá eram muito elevados para a Coroa. Como os
salários pagos aos chineses incidiam no preço de venda final do produto, a
baixa produção, quase artesanal, não era suficiente para garantir o
investimento. Analisando-se o caso pela perspectiva de hoje, é possível supor
que a iniciativa de d. João VI tenha fracassado por falta de planejamento
inicial, evidenciado pela desigualdade na concorrência com o café, cuja
produção, para exportação, já ocorria em ampla escala, consolidando-o como o
"produto-rei" da economia agrária brasileira, como afirmou a
professora Maria Yedda Linhares.
O hábito de tomar chá, no entanto,
persistiu. O pioneiro da venda do produto no Rio de Janeiro foi o comerciante
José Praxedes Pereira Pacheco, que fundou a Loja da China "à Rua da
Candelária, 18, defronte da Igreja", conforme nos informa o Almanak
Laemmert, de 1845. Segundo a propaganda, o estabelecimento tinha "o mais
completo e variado sortimento de chá verde e preto, e também chá nacional das
províncias de S. Paulo e Minas". Não encontramos registros sobre o plantio
do chá em Minas, mas, em São Paulo, o produto começou a ser cultivado a partir
de 1833, pelo marechal José Arouche de Toledo Rendon.
Se os planos de d. João não deram certo,
serviram pelo menos de "teste" para estimular a entrada de
trabalhadores estrangeiros livres no Brasil. A partir daí, e pelo restante do
século XIX e século XX, mais chineses iriam criar raízes no solo brasileiro. Em
15 de agosto de 1900 foi oficializada a entrada de 107 imigrantes chineses no
país, radicados, em sua maioria, na cidade de São Paulo e um pouco menos no Rio
de Janeiro. Intelectuais cariocas da década de 1920, como João do Rio, Benjamin
Costallat e Álvaro Moreira, comentavam sobre chineses morando miseravelmente no
Centro do Rio de Janeiro, nas proximidades da Praça XV, e ainda consumindo
ópio.
Com a revolução socialista chinesa de
1949, ocorreu uma diáspora para o Brasil, especialmente para a cidade de São
Paulo. Nos últimos anos, eles se espalharam pelas principais capitais
brasileiras, e São Paulo continua reunindo o maior contingente, mais de 130 mil
pessoas (incluindo-se aí os descendentes), segundo dados apresentados pela
Folha de S. Paulo, de 22/3/2005. Distribuídos pelos bairros da Liberdade, Vila
Mariana, Cambuci, Aclimação e Vila Olímpia, dividem espaços com a comunidade
japonesa e contribuem também para a diversidade da culinária brasileira com
suas famosas lojas de pastéis e caldo de cana.
Geraldo Moreira Prado é historiador, PhD em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, e pesquisador do
CNPq.
Rael Fiszon Eugênio dos Santos é
graduando em História pela Universidade Federal Fluminense.
Fonte: Revista Nossa História - Ano III nº 36 -
Outubro 2006
Saiba Mais – Bibliografia
ENDER,
Thomas. Viagem ao Brasil nas aquarelas de
Thomas Ender (1817-1818). Petrópolis, RJ: Kapa Editora, 2000.
FREITAS,
Benedicta Santa Cruz: fazenda jesuítica,
real, imperial. Vol. II: Vice-reis e reinado (1760-1821). Rio de Janeiro,
1987.
FRIDMAN,
Fania. Donos do Rio em nome do rei: uma
história fundiária da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor e Caramond, 1999.
OLIVEIRA
UMA, Manuel de. D. João VI no Brasil.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1945.
Nenhum comentário:
Postar um comentário