À Beira Do Abismo
A quebra da Bolsa de Nova York em 1929 lançou
o mundo em uma depressão econômica que durou quase toda a década de 1930. Um
fantasma do passado que volta a nos assombrar com a crise dos mercados
financeiros e as recentes quedas nas bolsas de valores de todo o mundo.
Por Osvaldo Coggiola professor titular
da Universidade de São Paulo (USP)
Há semelhanças e diferenças entre a atual
crise financeira e a de 1929. Como hoje, o epicentro da crise de então foram os
Estados Unidos, mas por razões distintas: naquele ano, os americanos estavam no
ápice de um período de ascensão como potência capitalista. Entre 1870 e 1929, o
produto industrial do país quadruplicou.
Na
época, já eram conhecidas as “crises cíclicas” da economia, caracterizadas por
movimentos de preços — depois de um período de crescente valorização dos
produtos, seguia uma baixa, num contexto liberal em que os movimentos
econômicos se faziam praticamente sem obstáculos.
As
crises do século XIX se manifestaram como uma vigorosa baixa dos preços na
economia. As empresas industriais reagiam baixando também os salários dos
trabalhadores, e assim restabeleciam o seu equilíbrio num nível inferior. Era a
fase de “depressão”, ou de “liquidação” da crise, antes que o sistema voltasse
a uma dinâmica de crescimento.
Desde
1925, apesar da euforia da expansão, a economia norte-americana apresentava
problemas. A produção se desenvolvia em ritmo acelerado, mas os salários, não.
Em consequência da progressiva mecanização da indústria e da agricultura, os
trabalhadores perdiam vagas, e o desemprego crescia.
Além
disso, depois de se recuperarem dos prejuízos e da destruição da I Guerra, os
países europeus passaram a concorrer nos mercados internacionais e a comprar
cada vez menos dos Estados Unidos. Com a falta de consumidores externos e
internos, começou a “sobrar” enormes quantidades de mercadorias, caracterizando
uma crise de superprodução.
As
declarações otimistas dos homens de negócios continuavam, porém, a alimentar a
corrente especulativa de alta no mercado. Os “capitães da indústria”
reafirmavam sua esperança nos lucros futuros.
Em 12 de junho de 1928, verificou-se um
primeiro recuo da Bolsa de Nova York: nesse dia, mais de 5 milhões de ações
mudaram de mãos, com quedas de 23 pontos. A alta recomeçou a partir de julho.
Em suas Memórias, o presidente americano da época, Herbert Hoover, estigmatizou,
posteriormente, a especulação: "Há crimes piores que o assassínio, pelos
quais os homens mereceriam ser injuriados e castigados".
A
animação com o aumento do preço das ações era tão grande que as pessoas tomavam
empréstimos nos bancos para comprar títulos na Bolsa. Os estabelecimentos
bancários de Nova York emprestavam a prazo curtíssimo, a juros de 12%, dinheiro
que haviam tomado emprestado a 5% do Federal Reserve (o banco central
americano).
Enquanto
o valor das ações subia, os investidores lucravam, e a euforia difundia-se com
a credulidade geral. Os agentes financeiros emprestavam a seus clientes
aceitando como garantia ações da Bolsa.
O
valor global das ações passou de US$ 27 bilhões a US$ 67 bilhões entre 1925 e
1929, com uma alta de US$ 20 bilhões só nos nove primeiros meses de 1929.
Algumas carteiras de investimentos se valorizaram 700% em poucos meses. Havia
crescimento cada vez maior — e totalmente descolado da produção.
No
início de outubro de 1929, alguns investidores começaram a apostar “na baixa”.
Meses antes, em agosto, a taxa de juros havia sido elevada de 5% para 6%, numa
tentativa de reduzir o volume de crédito, mas era tarde demais.
A
orgia de lucros, finalmente, estourou no dia 24 de outubro de 1929: as cotações
da Bolsa de Valores de Nova York afundaram 50% em um só dia. Estes preços
estabilizaram-se ao longo do fim de semana, para caírem drasticamente na quarta
feira seguinte, 28 de outubro.
Muitos
acionistas entraram em pânico. Cerca de 16,4 milhões de ações subitamente foram
postas à venda em 29 de outubro, a “quinta-feira negra”. O excesso de ofertas
de venda, e a falta de compradores, fizeram com que os preços destas ações
caíssem cerca de 80%. Até o fim do mês, seguiram-se novas derrubadas de preços
e uma onda de falências (22.900 em 1929; 31.800 em 1932). Milhares de
acionistas perderam grandes somas em dinheiro. Muitos perderam tudo o que
tinham.
Os
preços dessas ações continuariam a flutuar, caindo gradativamente nos próximos
três anos. As pessoas decidiram cortar gastos, em especial os endividados. A
recessão estendeu-se aos setores industrial e comercial americano, o que levou
ao fechamento inúmeras empresas, o que elevou drasticamente as taxas de
desemprego.
A
venda a crédito quase desapareceu. A produção industrial caiu 45%. Os lucros
afundaram. A renda nacional recuou de US$ 87,4 bilhões em 1929 para US$ 41,7
bilhões em 1932. A massa salarial, de US$ 50 bilhões para US$ 30 bilhões. Os
preços encolheram 30%, na média.
Um
aspecto original da crise de 1929 consistiu na amplitude da depressão no campo.
A transformação capitalista o fez entrar em cheio na crise, com repercussões
gerais. A situação dos bancos era agravada porque muitos deles haviam
emprestado grandes somas aos fazendeiros. Com a crise, estes tornaram-se
incapazes de pagar suas dívidas. Entre 1929 e 1933, os preços dos produtos
industrializados não perecíveis caíram 25%; os dos produtos agropecuários, 50%.
As consequências sociais nos Estados Unidos foram espantosas. Os trabalhadores
sofriam não só pelo desemprego, mas também pela redução salarial e dos horários
de trabalho. Não havia seguro-desemprego, só caridade.
Surgiram
as hoovervilles (cujo nome é uma “homenagem” ao presidente Hoover), verdadeiras
favelas de “excluídos”. E também as sopas populares e os abrigos para sem-teto,
sempre cheios. Em Chicago, o lixo era “revisado” e reaproveitado por uma enorme
massa de pobres.
Em
1932, estimava-se que um milhão e meio de jovens faziam parte de “bandos de
errantes”, sem destino. Muitos dos jovens das áreas rurais abandonaram suas
fazendas e suas famílias, buscando a sorte nas cidades. Juntamente com os
desempregados urbanos, viajavam de cidade a cidade, “pegando carona” em trens
de carga, em busca de emprego.
A
subalimentação produziu um surto de tuberculose. O número de matrimônios caiu
30%, e o de nascimentos, 17%. Os proventos dos trabalhadores experimentaram um
retrocesso global, sem precedentes.
Grupos
étnicos minoritários e imigrantes dos países mais atingidos passaram a ser
discriminados porque, supostamente, competiam com a "população
nativa" pelos empregos. A discriminação era alentada por grupos
nacionalistas de direita. Isto fez com que as taxas de imigração caíssem
sensivelmente no Canadá e nos Estados Unidos. Apenas nesses dois países, o
número de desempregados elevou-se para 18 ou 20 milhões.
A
crise de 1929 teve consequências inteiramente novas. Todo o aparelho de crédito
sobre o qual vivia a economia americana se desestruturou. Esse processo chega
ao pior momento no início de 1933, numa ameaça de bancarrota geral, no momento
exato em que o democrata Franklin Delano Roosevelt chegava ao poder.
Ao
mesmo tempo, a retirada dos créditos americanos de curto prazo resultou, em
1931, no desmoronamento financeiro da Europa Central e na impossibilidade, para
a Grã-Bretanha, de honrar seus compromissos externos.
A
crise atingiu o mundo todo. Em 1932, a produção mundial tinha caído 33% em
valor; o comércio mundial, 60%; o Birô Internacional do Trabalho, em um cálculo
que pode ser considerado modesto, contabilizava 30 milhões de desempregados. Os
países mais atingidos pela crise, além dos Estados Unidos, foram à Alemanha,
Austrália, França, Itália, o Reino Unido e o Canadá.
Não
se tratava da primeira quebra da Bolsa, depois de uma grande alta especulativa.
Desta vez, porém, as consequências foram tais que se achou que a quebra fosse a
causa da crise propriamente dita. Mas certos índices econômicos já haviam
mudado de sentido antes de outubro, embora muito ditos entendidos de então
julgassem ter descoberto o segredo de uma prosperidade econômica contínua.
As
consequências políticas não foram menores. Empossado em 4 de março de 1933,
Roosevelt aumentou os poderes presidenciais. A “democracia americana” pendeu
por um fio. A posse de Roosevelt, com seu “discurso da virada”, aconteceu
exatamente um dia antes que Adolf Hitler, na Alemanha, conseguisse os “poderes
totais” para governar por decreto. A crise parecia enterrar as “democracias”.
Diferente
de uma crise cíclica de tipo clássico, a depressão econômica não se resolveria
“sozinha”. As primeiras medidas eficazes foram adotadas a partir de 1932-1933,
quase simultaneamente por Roosevelt nos Estados Unidos e por Hjalmar Schacht na
Alemanha nazista, e foram, anos mais tarde, teorizadas pelo economista
britânico John Maynard Keynes.
Segundo
Michel Beaud, “a uma saída capitalista para a crise, que impunha enormes
sacrifícios à classe operária e se arriscava assim a levar a inquietantes
confrontos, Keynes propunha uma outra saída capitalista que, mediante uma
retomada a atividade, possibilitasse reduzir o desemprego, sem amputar o poder
de compra dos trabalhadores”.
As políticas possuíam um fundo comum: a
intervenção do Estado para a solução dos problemas econômicos. Embora as
variantes da política intervencionista fossem de caráter nacional, algumas
medidas foram comuns: protecionismo alfandegário, desvalorização monetária,
subvenções governamentais a empresas privadas e aumento dos gastos públicos.
Nos Estados Unidos, especificamente, o New Deal significou medidas
intervencionistas visando a atenuar a crise, atuando com um caráter
emergencial.
Foi
com base na Lei de Guerra de 1917 que foi proclamado o fechamento de todos os
bancos. Durante as férias bancárias, o Tesouro elaborou a [Emergency Banking
Act], negociada com os grandes monopólios, para contrabalançar o peso da ala
intervencionista do governo, que reclamava a nacionalização de todo o sistema
do crédito.
Roosevelt
fez aprovar o [New Deal] (Novo Acordo, cujo nome foi inspirado no #Square Deal#
do ex-presidente Theodore Roosevelt), fornecendo ajuda social às famílias e
pessoas que necessitassem e criando empregos por meio de parcerias entre o
governo, empresas e consumidores. Nos anos seguintes, diversas agências governamentais
foram criadas para administrar os programas de ajuda social.
O
papel do regime de Roosevelt consistiu em salvar temporariamente o capitalismo,
abandonando o tradicional liberalismo econômico americano. Usou os recursos
financeiros do Estado para socorrer as empresas bancárias e comerciais e fez
votar as leis que restringiram a concorrência e permitiram a alta dos preços,
favorecendo o capital monopolista. Manteve o descontentamento das massas
trabalhadoras urbanas e rurais sob controle dentro de uma política de
concessões, como um sistema de aposentadorias e de seguro-desemprego.
O
capitalismo americano, auxiliado pelo Estado, aliviou-se da crise. A produção
elevou-se acima do nível de 1932 e pode novamente proporcionar lucros em certos
ramos. Essa retomada foi devida mais aos gastos governamentais do que a uma
reativação da indústria privada.
Tudo isso fez a economia norte-americana
retornar aos níveis anteriores a 1929 nas vésperas da Segunda Guerra, embora o
desemprego jamais tenha sido extinto, persistindo a grande cifra de mais de
oito milhões de desempregados em 1940. Isso só seria solucionado com a passagem
para uma economia de guerra.
Na
Alemanha, a crise de 29 agravou os resultados da hiperinflação de 1923. Às
classes médias desesperadas, os nazistas propunham remédios contra a angústia:
xenofobia, racismo e nacionalismo exacerbado, acompanhados de uma demagogia
anticapitalista que culpava os judeus pela crise.
O
partido nazista usava a violência e o terror contra seus “inimigos”, para
demonstrar a seu “público” sua determinação em atingir seus objetivos. Os
países democráticos não foram poupados pela onda: sem chegar à polarização da
Alemanha, na Grã Bretanha tanto o Partido Comunista quanto o Partido Fascista
britânico receberam considerável suporte popular.
Na
segunda metade da década de 1930, depois da vitória do fascismo na Itália
(1923) e do nazismo na Alemanha (1933), a Guerra Civil Espanhola resumiu o
destino da Europa. A vitória de Franco, auxiliado por Hitler e Mussolini, selou
o caminho para a Segunda Guerra Mundial. Nos diversos países, a economia de
guerra pôs fim definitivo à crise. A “economia” (capitalista) se salvou, mas o
mundo viveria o maior conflito da história da humanidade.
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